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LINGUÍSTICA

APLICADA AO
ENSINO DO
PORTUGUÊS

Juliana Battisti
Bibiana Cardoso da Silva
Propostas de atividades
de leitura, produção
textual e gramática
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

n Analisar diferentes propostas de atividades de leitura, produção textual


e gramática.
n Reconhecer a integração entre a leitura e a produção de textos com
o ensino de gramática.
n Desenvolver propostas de atividades de leitura e produção textual
articuladas com gramática.

Introdução
Os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de textos (orais
e escritos), que reconhecemos com base na nossa experiência com dife-
rentes textos em determinadas áreas. Cada contexto de uso da linguagem
(quem fala, com quem fala, com que objetivo, em que situação, em que
lugar, por meio de qual suporte, etc.) determina as características do
que é dito e de que forma é dito. Um dos objetivos principais da aula de
Língua Portuguesa é ensinar o aluno a ler e produzir diferentes gêneros,
ampliando sua participação em diferentes esferas de letramento. Neste
texto, você vai conhecer a relação entre atividades de leitura, produção
textual e gramática na aula de Língua Portuguesa através de uma dis-
cussão sobre o trabalho com os gêneros do discurso.

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Alargando os repertórios de letramento dos


nossos alunos
Acreditamos que ao ler e posicionar-se de maneira analítica, crítica e responsiva
diante do texto, o aluno desenvolva as competências necessárias para participar
das práticas sociais na linguagem. Porem, é importante frisar que “[...] um
texto só encontra unidade significativa ao ser vinculado ao contexto efetivo
de interlocução, desde sua produção e recepção até o retorno dos seus efeitos
de sentido sobre os envolvidos [...]” (SIMÕES et al., 2012, p. 138). Por isso,
é fundamental escolher textos autênticos, pois eles materializam as práticas
de uso da linguagem, apresentando os propósitos sociais veiculados aos seus
reais participantes.
Quando pensamos em práticas sociais, as possibilidades de uso da língua
se expandem e tomam uma dimensão que vai muito além do que inicialmente
pensava-se como escopo do trabalho para dentro da sala de aula. Como ma-
neira de motivar os alunos e instigar uma reflexão sobre as diferenças de
práticas na língua portuguesa, faz sentido retornar aos textos que já lhes são
familiares, porém, com o objetivo de incitá-los para que olhem para o texto
por outro viés. Os alunos já estão posicionados como participantes ativos
dessas práticas – leitores dos textos, debatedores entre outros fãs em mídias
sociais e rodas de amigos, críticos em sites de compra e resenhas. Portanto,
é necessário retornar aos textos para promover uma análise: o que eu faço
quando, por exemplo, escrevo uma postagem no Facebook sobre o meu fim
de semana? Qual é o propósito desse texto? Quem eu estou buscando atingir
com a mensagem? O que motiva as minhas escolhas quando uso determinado
vocabulário ou expressão?
Ao incentivar os alunos a se posicionarem de maneira mais crítica com
relação ao uso que eles já fazem da língua em determinados contextos, é pre-
ciso, como professores, fazer outras perguntas para guiar nossas escolhas: em
quais outros contextos os meus alunos querem/podem/devem circular? Quais
outras práticas sociais farão do meu aluno um participante efetivo e ativo da
comunidade? Quais textos são importantes que ele conheça – como leitor e/
ou autor – para que possa criticamente pensar sobre a sociedade?
É fundamental expor os alunos a diferentes gêneros do discurso e preparar
unidades didáticas que promovam a oportunidade de perceber a diversidade de
situações que constituem as interações. Ao ter consciência dessa diversidade
e ser capaz de refletir sobre os usos de cada gênero, o ideal seria que, após
ler e produzir diversos gêneros, o aluno contasse com autonomia suficiente
para que escolha de quais práticas quer fazer parte, ou seja, quais textos ele

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vai ler e produzir. Conhecer bem os nossos alunos nos ajuda a perceber não só
suas práticas de letramento habituais, mas em quais esferas de letramento eles
gostariam de participar e como podemos ajudá-los a ampliar a sua participação
em diferentes comunidades de prática.

O trabalho com os gêneros do discurso


Todos os momentos em que usamos a língua para agir em conjunto com
outras pessoas em diferentes situações de convívio social são pautados por
um modo de organizar a linguagem. Todos nós aprendemos esses modos
de organizar a linguagem ao longo da vida, aprendemos a associar certas
situações a certos modos de usar a língua. Essa aprendizagem contribui para
o entendimento que temos do que está acontecendo na interação. Os modos
de organizar as ações da linguagem são os gêneros do discurso. Estamos
constantemente decidindo qual gênero é mais apropriado para determinada
situação social.
Não é possível compreendermos a concepção de gênero do discurso e seu
papel central na aula de Língua Portuguesa se não entendermos a linguagem
como ação dialógica. Os gêneros do discurso estão relacionados a algumas
perguntas que fazemos diante de uma situação de interação: para quê, quem,
para quem, onde e quando? Adaptamos nossos discursos de acordo com as
respostas que damos a essas perguntas.

Quando escrevemos uma lista de compras para alguém que é responsável por ir ao
mercado, fazemos isso de um modo peculiar à situação dada. Sabemos que o texto
tem um propósito – apoiar a memória dos que moram naquela casa, de tal forma que
não se esqueçam do que é preciso comprar, e apoiar a memória do comprador, que,
na hora das compras, vai recorrer à lista, item a item (SIMÕES et al., 2012).

Como discutimos antes, os gêneros do discurso são modos de organizar o


uso da língua, passíveis de escolha em determinada situação. Eles têm uma
forma reconhecível que se repete de um texto para outro. Existem duas questões
importantes para levarmos em consideração quando pensamos nos gêneros do
discurso: os elementos da situação de interação a que os textos pertencem e os

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elementos formais do texto. Essa concepção de gênero do discurso é entendida


a partir da obra do autor russo Mikhail Bakhtin (2011) que faz uma reflexão a
partir de textos literários e situações sociais cotidianas. Bakhtin (2011) define
os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados. O autor afirma
também que os gêneros, assim como as atividades humanas, são infinitos.
Para Bakhtin (2011), os três aspectos que darão estabilidade ao gênero são o
seu conteúdo temático, a sua composição e o seu estilo.

Para saber mais sobre essa concepção de gêneros do discurso, leia Estética da Criação
Verbal de Bakhtin (2011).

Se considerarmos o contexto da aula de Língua Portuguesa, podemos


pensar em gêneros que possam ser recriados no contexto da escola, por meio
da leitura significativa e da produção de textos. No momento em que os gêneros
do discurso tornam-se centrais no nosso planejamento, estamos permeando
o trabalho escolar com esferas de vida, além de criar condições para que os
conhecimentos adquiridos na escola afetem a participação dos alunos nessas
esferas da vida. Um bom ponto de partida é pensar nas práticas sociais em que
os alunos se envolvem e, a partir delas, nas práticas em que poderiam passar
a se envolver com a mediação da escola.
Na abordagem de ensino de línguas através dos gêneros do discurso,
acredita-se que a aprendizagem se dá pela interação, pela participação social
e aprofundamento da nossa compreensão do nosso lugar no mundo.

Planejando tarefas com textos


Ao lermos, nossa reação diante de um texto não é a procura pelo presente
do indicativo ou conjunções subordinadas, mas sim uma postura crítica e
responsiva. Podemos responder a um texto de diferentes formas: falando,
refletindo, escrevendo sobre ele, etc. Se leitura é interação, não podemos evitar
o diálogo existente entre leitor e autor que precisa ser reiterado na nossa aula.
No processo de didatização do texto, o entendimento de leitura como diálogo
entre sujeitos não pode perder-se no caminho.

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Uma sequência comum nas nossas tarefas de leitura é: tarefa de pré-leitura,


de leitura e compreensão do texto, de estudo do texto e de resposta ao texto,
esta última estando relacionada à prática de produção de novos textos. A tarefa
de pré-leitura facilita a aproximação do aluno com o texto. Por exemplo, se
os alunos irão ler um artigo de um professor de história sobre a situação do
impeachment no Brasil, é importante discutir quais são as experiências e co-
nhecimentos prévios que os alunos têm sobre essa temática: já leram/ouviram
outros textos sobre isso? O que esperam que um professor de história diga
sobre o assunto? Qual o suporte desse texto? Outra oportunidade interessante
aqui é a conversa com os alunos sobre as suas experiências com o gênero em
foco: já leram outros artigos desse tipo? A próxima etapa da sequência parte
então da comparação entre as expectativas e a realidade do texto.
Nesse contexto, podemos dizer que a tarefa central da sequência é a lei-
tura e compreensão do texto, tarefa na qual o professor dá encomendas
específicas de leitura aos alunos. Note-se, no entanto, que o aluno é preparado
para desempenhar essa tarefa central, e não recebe a encomenda sem uma
preparação prévia, daí a importância tanto de se pensar a escolha do texto
quanto de planejar as tarefas de pré-leitura. Partindo então para a leitura de
um texto escrito, por exemplo, o professor pode optar por diferentes práticas
de leitura: leitura em voz alta, leitura silenciosa ou, no caso de textos mais
longos, a leitura feita como tarefa de casa. Independentemente de como o texto
será lido, as encomendas específicas devem levar o aluno a focar sua atenção
em elementos que o ajudem a ler o texto de forma global. A próxima etapa
da nossa sequência, o estudo do texto, leva-nos a uma maior didatização do
texto, saindo do global e entrando no mais específico: relação entre as partes
do texto, estruturas gramaticais, vocabulário, etc.

A seleção de textos é o ponto de partida para todo o planejamento em Língua Por-


tuguesa. Ao selecionar os textos para seus alunos, pergunte-se:
Qual o repertório dos meus alunos? Com que textos podem lidar?
Este texto é interessante?
Quem é o autor?
Será que esse texto que eu acho tão bom poderá despertar o mesmo interesse
nos meus alunos?
Fiz uma seleção para mim ou para meus alunos?

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Após a tarefa de estudo do texto, os alunos trabalham na produção de uma


resposta, que novamente pode apresentar-se em diferentes gêneros textuais,
orais ou escritos. Apesar de os alunos já terem respondido criticamente ao
texto no momento da leitura e compreensão do texto, é nessa etapa que essa
atitude responsiva torna-se um texto a ser publicado. Reiteramos que assim
como os textos trabalhados em aula, os textos produzidos pelos alunos não
podem tornar-se apenas instrumentos para correções gramaticais, dos quais
o único “interlocutor” é o professor e a única atitude responsiva do professor
é marcar os usos incorretos de estruturas. Para mantermos a característica
dialógica do texto, os textos de nossos alunos precisam ter diferentes interlo-
cutores que respondam de maneiras diferentes.

Produção de texto e reflexão linguística


Parte importante do trabalho com o texto é a reflexão sobre sua estrutura,
principalmente quando estamos pensando na reescrita dos textos produ-
zidos pelos alunos. Esses momentos dedicados à reflexão linguística, as
aulas de gramática, são importantes na construção de competências de
escrita e de leitura. Essas aulas de gramática que estamos descrevendo aqui
são muito diferentes das aulas tradicionais de gramática normativa, nas
quais o ensino da gramática se dava de forma descontextualizada e pouco
significativa, com foco na estrutura da palavra e da frase, sem pensar no
texto e no contexto.

Essa discussão sobre a importância da reflexão linguística contextualizada aparece de


forma enfatizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Acompanhe
essa discussão e repense suas práticas de sala de aula.

Ao usarmos a expressão reflexão linguística, estamos afirmando que o


conhecimento sobre a língua não se define como conhecimento sobre a nomen-
clatura e a estrutura de um modelo gramatical. O planejamento das aulas de
reflexão linguística pode se basear na análise das produções iniciais do aluno
e, partindo das dificuldades diagnosticadas pelo professor, podemos pensar
em um trabalho mais sistemático sobre elementos linguísticos específicos. É

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fundamental que esse trabalho seja realizado antes da solicitação da reescrita


do texto para que os alunos possam revisar e melhorar seus textos a partir
dessas reflexões feitas conjuntamente em aula.
Simões et al. (2012) trazem algumas perguntas que o professor deve se
fazer antes do planejamento dessas aulas:

1. A julgar pela produção inicial dos alunos, que conhecimento(s)


linguístico(s) específico(s) aprimoraria(m) significativamente boa parte
dos textos desta turma? Quais deles vou selecionar para preparar aulas
de reflexão linguística?
2. De que forma os recursos linguísticos (palavras, expressões, classes
ou estruturas gramaticais, etc.) autorizam determinadas atribuições
de sentido (e não outras) aos textos que serão lidos? Que tarefas posso
propor para criar oportunidades de reflexão sobre isso?
3. Considerando o gênero do discurso estruturante, que recursos linguís-
ticos podem/devem ser trabalhados?
4. De que forma o conhecimento da gramática pode auxiliar na produção/
reescrita deste gênero específico?
5. É preciso introduzir terminologia gramatical para que o aluno alcance
uso mais refletido e eficaz dos recursos implicados? É desejável? Até
onde quero chegar?
6. Como vou auxiliar os alunos a construírem seus conceitos sobre o fun-
cionamento semântico/sintático/morfológico das categorias ou conjuntos
de palavras sob estudo?
7. Que recados as aulas de reflexão linguística dão sobre língua e
linguagem?

O professor que segue essa sequência de perguntas na hora do seu pla-


nejamento é capaz de desenvolver uma aula na qual a gramática faz sentido
para os alunos. É importante lembrar, ao selecionar os conteúdos a serem
trabalhados na aula de reflexão linguística, que a variedade padrão é uma
entre diversas variedades que podem ser trabalhadas em aula. O trabalho
com a variedade padrão é muito importante porque ela é a variedade mais
adequada em muitas situações de uso e é preciso preparar nossos alunos para
circularem nesses contextos.
Após realizar o trabalho de reflexão linguística, os alunos poderão reescre-
ver seus textos, preparando-os para uma versão final. É fundamental que eles
recebam feedbacks pontuais que os auxiliem nesse processo de melhoramento
do texto. Caso o professor não consiga agendar conversas individuais de

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atendimento aos alunos, uma boa estratégia é o uso de bilhetes orientadores –


mensagens individuais que guiem os alunos no processo da reescrita do texto.

É importante compreender bem a diferença entre o ensino tradicional da gramática


normativa e a prática de reflexão linguística. Na hora de planejar suas aulas de gramática,
tenha cuidado para não cair no ensino tradicional de gramática descontextualizado
e que não faz nenhum sentido para os alunos. Lembre-se de que, enquanto o ensino
de gramática normativa vale-se de conceitos e classificações, a prática de reflexão
linguística vale-se da ocorrência de recursos e fatos da língua a fim de aprimorar a
competência comunicativa.

Por fim, é importante lembrar os alunos de que a linguagem estudada será


avaliada nas produções finais, que isso estará presente na grade de avaliação
dos textos, assim como as questões de função e forma dos gêneros.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais:
língua portuguesa. Brasília, DF: Secretaria de Educação Fundamental, 1997.
SIMÕES, L. J. et al. Leitura e autoria: planejamento em língua portuguesa e literatura.
Erechim: Edelbra, 2012.

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