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TEORIAS DO LETRAMENTO E
PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA
E DE ESCRITA
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CONTEXTUALIZANDO
Figura 1 – Exemplos 1 e 2
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O segundo exemplo (história da Mimi), por sua vez, é a representação da
proposta de ensino de outra instituição que não segue os mesmos princípios que a
primeira, e que nos leva a pensar que tem práticas de alfabetização
descontextualizadas e mais próximas de processos de codificação e decodificação
do sistema de escrita.
Destacam-se a riqueza do trabalho desenvolvido com gêneros textuais e
práticas sociais que podem se caracterizar como um ensino de maior relevância e
significado para as crianças. O fato de não terem se apropriado de forma plena do
sistema de escrita não significa que não possam ter acesso aos diferentes gêneros
textuais presentes na sociedade. Da mesma forma, não significa que não tenham
interesse nos gêneros das mais variadas esferas de circulação e dos mais
diferentes tipos textuais.
O repertório vocabular, bem como os elementos textuais, são possibilidades
que devem ser disseminadas no processo de escolarização, portanto, alfabetizar
na atualidade é mais do que ensinar códigos escritos e sua relação com o som,
oferecendo condições dos educandos para fazerem a leitura do mundo a partir do
entendimento que lhe é possível, diante das experiências que têm até o momento.
A escola, neste sentido, deve levar uma variedade significativa de conhecimentos
para desenvolver nas crianças a capacidade de identificar as diferentes
possibilidades e intencionalidades de um texto.
Diante do exposto, cabe perguntar: Quais as possibilidades textuais
disponibilizadas nos processos de alfabetização nas escolas brasileiras? Os dois
exemplos descritos correspondem a que tipo de escolarização? Qual dos
exemplos é mais comum dentre as práticas docentes?
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textuais existentes na sociedade, centrando-se na abordagem de gêneros
literários de maior prestígio e desconsiderando os gêneros textuais característicos
da oralidade. Nesta compreensão, aprofundar os conhecimentos de gêneros
textuais contribui para a ampliação do conceito de letramento e conduz para o
entendimento de que o ensino da língua deve pressupor a apropriação das
diferentes práticas sociais em que os textos circulam, desenvolvendo as
capacidades cognitivas para lidar com estes textos nas diferentes situações em
que aparecem.
O ensino fundamentado em práticas democratizadoras, que objetivam
formar indivíduos críticos e atuantes na sociedade, precisa considerar que a
linguagem ocupa lugar central nas relações sociais, e estas relações são
mediadas pelos textos escritos, os quais proporcionam não só as convenções
linguísticas, mas também as práticas sociais em que os gêneros textuais circulam.
Neste sentido, Bakhtin (1999, p. 279) enfatiza que “cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”.
As finalidades da escrita e da leitura devem ser pensadas para garantir a
maior apropriação dos elementos necessários ao uso consciente e crítico das
diferentes formas textuais, escritas e faladas, no contexto social em que os
indivíduos estão inseridos. A escola, neste sentido, deve contemplar, segundo
Leal e Albuquerque (2005):
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entendimento, como o entendimento de língua, texto e discurso. E como
desdobramentos, o entendimento de gêneros, tipologias, e domínios do discurso.
Nesta conjuntura, não resta dúvida de que os processos de letramento
estão atrelados ao ensino a partir de práticas reais de uso da leitura e da escrita,
sendo o trabalho com gêneros textuais indissociável, pois a relação entre
letramento e gêneros textuais está pautada nas relações sociais estabelecidas
entre os sujeitos e oportuniza a compreensão de diferentes perspectivas e visões
de mundo, assim como de características e intencionalidades específicas das
variadas formas de expressão.
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escritas, e, para além destas, deve-se proporcionar o contato com outras
linguagens, como afirma Faraco:
2.1 Língua
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Esta heterogeneidade apresentada conduz a um entendimento que
contrapõe as concepções utilizadas na grande maioria dos materiais didáticos e
nos planejamentos dos docentes de um número significativo de instituições em
todo o país. Ainda na compreensão de Marcuschi, pode-se compreender a língua
sob quatro aspectos importantes:
2.2 Discurso
[...] uma das tendências atuais é a de não distinguir de forma rígida entre
texto e discurso, pois se trata de frisar mais as relações entre ambos e
considera-los como aspectos complementares da atividade enunciativa.
Trata-se de “reiterar a articulação entre o plano discursivo e textual”,
considerando o discurso como o objeto de dizer e o texto como o objeto
de figura. O discurso dar-se-ia no plano de dizer (a enunciação) e o texto
no plano da esquematização (a configuração). Entre ambos, o gênero é
aquele que condiciona a atividade enunciativa. (Marcuschi, 2008 p. 82)
2.3 Texto
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efetividade da linguagem, e ocorre na interação que ultrapassa os seus limites
formais.
Portanto, expressa a dinamicidade que o texto apresenta, bem como o
diálogo que estabelece entre outros textos, entre o leitor, entre o escritor. Por não
se caracterizar como um objeto fixo em determinado tempo e espaço, um texto é
sempre uma ação dialógica que estabelece relações sociais. Para Bakhtin (1992,
p.354), “mesmo enunciados separados um do outro no tempo e no espaço e que
nada sabem um do outro, se confrontados no plano de sentido, revelarão relações
dialógicas”.
No entanto, as definições de texto se expressam por meio de outros
posicionamentos teóricos, os quais convergem em alguns elementos e se
contradizem em outros, desenhando um movimento de elaboração de conceitos
mais complexos, a fim de estabelecer definições que possam contemplar todas
as especificidades circunscritas a esta categoria.
Se, por um lado, alguns autores definem texto como um material linguístico
observável, há também os que o consideram como fenômeno linguístico que vai
além da frase. Todavia, Marcuschi (2008, p. 72) afirma que “o texto pode ser tido
como um tecido estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de
comunicação e um artefato sócio-histórico”. Complementa, ainda, que o texto
pode ser uma “(re)construção do mundo e não apenas refração ou reflexo”.
Reforçamos, assim, a tese de Bakhtin, que dizia que, como a linguagem “[...]
‘refrata’ o mundo e não reflete, também podemos afirmar do texto que ele refrata
o mundo na medida em que reordena e reconstrói.” (Marcuschi, 2008, p.72).
Nesta via de raciocínio, adota-se a concepção de texto desenvolvida por
Beaugrande, citada por Marcuschi, em que define como “o texto é um evento
comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas.”
(Marcuschi, 2008, p.72). O autor complementa esta afirmativa enfatizando o
caráter de evento do texto, e não como uma sequência de palavras escritas ou
faladas. Ainda, sinaliza para o fato de, deste sentido, emergir uma série de
aspectos significativos, frisando algumas implicações diretas desta abordagem:
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instrução etc. e deve ser processado com esta multifuncionalidade.
(Marcuschi, 2008, p. 80)
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Na busca de encontrar uma definição de gênero que possa englobar toda
a totalidade sem excluir as especificidades circunscritas a esta categoria,
evidenciam-se muitos intelectuais renomados que apresentam diferentes
abordagens. Neste sentido, Dolz e Schneuwly, ao refletirem sobre a teoria dos
gêneros e o desenvolvimento da linguagem, sugerem uma analogia entre os
gêneros cotidianos, a qual denominam de primários, e os gêneros científicos,
secundários, destacando a característica de continuidade e ruptura que se
desenvolvem.
Ainda, para os mesmos autores, os gêneros primários, por se constituírem
em uma situação imediata, caracterizam-se por uma ação, diferentemente dos
gêneros secundários, os quais se apresentam com uma autonomia em relação à
ação, tornando-se mais complexos, o que os constitui diante de um
enriquecimento estrutural de texto. Nesta compreensão, fica evidenciado que os
secundários precisam, muitas vezes, da aprendizagem escolar, o que não
significa que são supremos em relação aos primários. Não se trata de uma relação
de mais ou menos importância, pois cada gênero se constitui dentro de
determinada importância imprescindível diante do domínio pleno dos gêneros,
portanto, podemos dizer que eles se configuram, neste entendimento, como
complementares e interdependentes.
Contudo, precisam ser compreendidos sob a análise de suas
especificidades, em que os primários são construídos em contextos familiares e
espontâneos e os secundários revelam-se a partir de modelos socialmente
constituídos, os quais incorporam os primários e os desenvolvem para uma forma
mais evoluída.
Todavia, fica inerente ao entendimento de gêneros textuais um estudo mais
aprofundado, e, neste sentido, Marcuschi afirma que os estudos sobre gêneros
são antigos e, inicialmente, concentravam-se na literatura originada por Platão,
com a tradição poética, e por Aristóteles, com a tradição retórica. Entretanto, os
estudos superam esta visão e adentram nos estudos da linguística, principalmente
nas perspectivas discursivas. No Brasil, podemos citar quatro tendências de
tratamento dos gêneros:
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Esta multiplicidade de teorias se caracteriza diante da complexidade
inerente ao conceito de gênero, o que representa a grande preocupação dos
intelectuais em tentar elaborar uma teoria que contemple, de forma plena, o
conceito de gênero, mas que não desconsidere o contexto em que se situa. Diante
da complexidade e da multiplicidade de abordagens teóricas, a tese adotada será
a defendida por Marcuschi:
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Nesta compreensão, Dolz e Schneuwly defendem que o ensino deve ser
pautado em práticas que ofereçam aos alunos o contato com diversos tipos
textuais, classificados como: Textos da ordem de narrar, considerando os que
objetivam recriar a realidade, como contos, fábulas, lendas; Textos da ordem do
relatar, que se caracterizam pela intenção de documentação e memorização das
ações, como notícias, diários, relatos históricos; Textos da ordem do descrever
ações, que englobam os textos com objetivos de instruir, prescrever e regular
como receitas, regras, regulamentos; Textos da ordem de expor, os quais
contemplam textos de construção e divulgação, como notas de enciclopédia,
artigos científicos, seminário, conferencias; Textos da ordem do argumentar, que
se constituem textos de defesa, como os textos de opinião, diálogos
argumentativos, cartas ao leitor, de reclamação e de solicitação.
Os referidos autores, ao proporem este agrupamento, basearam-se em
critérios de domínios sociais de comunicação, aspectos tipológicos e capacidades
de linguagem, fundamentando o agrupamento nos cinco grupos descritos.
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4.3 Domínio discursivo
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Neste contexto, centra-se a definição de que o suporte não é neutro e o
gênero não fica indiferente a ele, o que caracteriza o suporte como imprescindível
ao gênero, no entendimento de que a circulação do gênero na sociedade está
diretamente vinculada ao suporte a que está inserido, e, deste modo, tem
influência na natureza do gênero.
Etimologicamente, o termo suporte pode ser considerado, segundo
Marcuschi (2008 p. 174), “um locus físico ou virtual com formato específico que
serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”.
Nesta compreensão, ainda segundo o mesmo autor, o suporte é um lugar
físico ou virtual que apresenta um formato específico e tem a intencionalidade de
fixar e mostrar o texto. Entretanto, segundo Marcuschi, considerar o suporte como
lugar é supor que deva ser algo real e, consequentemente, incontornável.
Entender com um formato especifico significa admitir que os suportes não são
informes nem uniformes, aparecendo sempre em formatos específicos, como
jornais, livros, revistas, outdoor, e, por fim, compreender com a intencionalidade
de fixar e mostrar o texto remete ao entendimento de sua função básica de tornar
o texto acessível à comunicação.
A complexidade instaurada na relação de continuidade entre gêneros e
suporte emana do fato de não se constituírem como processos lineares, com
começo e fim bem estabelecidos, inviabilizando identificar onde um acaba e o
outro começa. Para Marcuschi, estabelecer a mesma cadeia para todos os
gêneros configura-se como algo relativamente difícil, porém, subsidia para a
elaboração das unidades componentes dessa cadeia. Nas palavras do autor:
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disso nesta categoria de suporte é o outdoor que, por muito tempo, foi classificado
como gênero, porém, atualmente e de forma muito convicta, é identificado como
suporte público para vários gêneros, preferencialmente para publicidades,
anúncios, propagandas, comunicados, convites, declarações e editais.
Neste entendimento, fica clara a compreensão de que não há, ainda, uma
definição bem estabelecida no campo acadêmico, porém, isso não quer dizer que
não possam existir possibilidades de definições condizentes com propostas mais
coerentes e próximas de teorias cientificamente elaboradas, que reverberem para
uma conceituação mais aperfeiçoada. Neste sentido, podemos citar a
diferenciação que Marcuschi apresenta para suporte, dividindo-o em dois tipos: o
convencional e o incidental.
Para o autor, o suporte convencional caracteriza-se pela elaboração
baseada na função de portar ou fixar os textos, definindo-os como típicos ou
característicos, produzidos para esta finalidade. Como exemplos citados pelo
mesmo autor, estão: Livro, Livro didático, Jornal, Revista, Revista científica,
Rádio, Televisão, Telefone, Quadro de avisos, Outdoor, Encarte, Folder,
Luminosos, Faixas.
Os suportes denominados por Marcuschi de incidentais situam-se no
campo de ocasionais ou eventuais, mas se apresentam sobre uma possibilidade
ilimitada de realizações na relação com os textos escritos. Apesar de trazer textos,
não são necessariamente destinados a esse fim, nem de modo sistemático, nem
na atividade comunicativa regular. São meios causais que emergem em situações
corriqueiras, especiais, mas não são convencionais. Como exemplo, cita:
embalagens, paradas de ônibus, muros, estações de metrô, roupas, calçadas,
corpo humano (tatuagens, slogans em protestos), fachadas, paredes, janelas de
ônibus, para-choques e para-lamas de caminhão (meios de Transporte em geral).
Entretanto, além de definir os suportes dos gêneros entre convencionais e
incidentais, Marcuschi apresenta, ainda, alguns exemplos do que considera
serviços a serviço da atividade comunicativa, que exemplifica como os seguintes:
Correios, E-mail, Mala direta, Internet, Homepage e site.
FINALIZANDO
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categoria de gênros textuais. A diversidade de termos utilizados para denominar o
uso de textos no ensino da lingua, e, especificamente, na alfabetização e no
letramento, configura-se em um emaranhado de termos que confluem e convergem
ao mesmo tempo que se complementam diante do sentido que os constituem,
possibilitando, por meio dessa compreensão, um melhor direcionamento nas
práticas pedagógicas destinadas a esta fase de ensino.
O ensino descontextualizado, como bem representou o exemplo 1 deste
material, deve ser desvinculado das práticas de alfabetização, pois, diante dos
conceitos de gênero trabalhados neste material, fica evidente a riqueza que os
diferentes textos podem oferecer para as crianças em fase de aprendizagem
escolar, principalmente nos primeiros anos de escolarização.
Ao observar o exemplo 2 deste mesmo material, ficou evidente, e de forma
muito transparente, a eficiência e a riqueza de informações que a criança, mesmo
sem o dominio pleno da alfabetização, pode incorporar diante de um trabalho
sitematizado a partir de gêneros textuais, comprovando toda a teoria tratada no
texto.
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REFERÊNCIAS
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