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AULA 1

ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO
E LITERATURA INFANTIL

Profª Sonia de Fatima Radvanskei


CONVERSA INICIAL

Você está convidado a fazer um itinerário reflexivo sobre os conceitos de


alfabetização, letramento e literatura infantil. Em cada aula faremos uma viagem
pela história e pelas experiências no tempo e no espaço desses temas e
delinearemos questões, proposições, possibilidades e limites do trabalho nas
escolas brasileiras, ou seja, avaliando as propostas e estudos no contexto global
com o enfoque no local em que são produzidos esses conhecimentos na
contemporaneidade.
Faremos paradas planejadas para que as informações e termos tornem-
se conceitos, conhecimentos, compreensões e interpretações significativas para
os professores e interessados nesse campo de pesquisa. Esse termo
(significativas), que utilizaremos quando nos referirmos à aprendizagem, será
sempre enfocado no sentido em que Ausubel (Ausubel; Novak; Hanesian, 1978)
defendeu, ou seja, a aprendizagem significativa é uma teoria de aprendizagem
criada por esse autor, que salienta a seguinte proposição: para um indivíduo
aprender de forma significativa o novo conteúdo, deve relacionar-se com o
conhecimento prévio do aprendiz. Nessa relação, Moreira (2006, p. 13) resume
esse princípio básico com a seguinte ideia: “Se tivesse que reduzir toda a
psicologia educacional a um só princípio, diria o seguinte: o fator isolado mais
importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe.
Descubra isso e ensine-o de acordo”.
E é assim que faremos: iniciaremos sobre o que já se fala e o que já
conhecemos sobre os temas de alfabetização, letramento e literatura infantil
para que possamos relacionar com a aprendizagem prévia de cada aprendiz que
pretende entrar nesse campo educacional e ensinar aos seus alunos. Nossa
viagem a esse mundo de conhecimento será organizada da seguinte maneira:
cada aula será uma parada reflexiva, com conteúdos necessários para que a
teia do conhecimento seja feita com amarras que possibilitem um diálogo efetivo
entre a teoria e a prática, ou melhor ainda, relações dialógicas significativas na
prática educativa com articulações bem construídas no trabalho nas escolas
brasileiras.
O que vamos explorar e compreender nesta primeira aula? Quais são os
nossos objetivos?

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1. Relacionar os conceitos de alfabetização e letramento na história.
2. Dialogar com os discursos de alfabetização e letramento no contexto
escolar e suas implicações na prática pedagógica.
3. Compreender as relações entre os letramentos múltiplos, a escola e a
inclusão social.
4. Analisar os conceitos de alfabetização e letramento como indissociáveis
da prática pedagógica.

CONTEXTUALIZANDO

Os termos letramento e alfabetização, por mais que sejam usuais para os


professores, principalmente para os alfabetizadores e docentes do ensino
fundamental, muitas vezes não são compreendidos com clareza nos seus
conceitos e fundamentos, pois, muitas vezes, não há uma incorporação objetiva
na prática pedagógica.
Para alguns, há confusões nas definições e conceituações. Além disso,
na organização do trabalho pedagógico, a proposta de letramento nem sempre é
levada em conta. Outros compreendem o termo letrado pautados pelo senso
comum, como se referindo ao sujeito que sabe ler e escrever ou ainda aquele
que é bem-sucedido academicamente apenas, ou seja, uma pessoa letrada é
aquela que decodifica o código escrito, erudito. Ou ainda, que é um novo método
de alfabetização que veio para confundir a prática pedagógica. Ou, como
salienta Kleiman (2005), o letramento é confundido, muitas vezes, com um
método, com a alfabetização ou ainda visto como uma habilidade.
Considera-se importante, portanto, esclarecer e aprofundar essa temática
para que os alunos, professores e interessados possam compreender na
essência as relações entre os termos alfabetização e letramento e o que cada
conceito propõe para a escolarização e nas relações pedagógicas. Nesse
sentido, faremos um itinerário reflexivo com base em uma revisão bibliográfica e
de pesquisas sobre a origem do termo, a conceituação e sua relação com a
ensino-aprendizagem escolar para que possibilite uma relação teórica e prática
significativa na prática pedagógica.
Há muitos autores e pesquisadores que se debruçam sobre essa temática
para trazer para o leitor questões, proposições e encaminhamentos para o
trabalho na sala de aula.

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Para iniciar essa reflexão, observe a tira da personagem Mafalda de
Quino:

Fonte: Brasil Escola, s.d.

E agora? Que reflexões essa tirinha traz para nós? Qual é o meu contexto
de compreensão desse discurso? O que esse gênero textual possibilita
compreender nas linhas, nas entrelinhas e além das linhas?

TEMA 1 – DISCURSOS SOBRE O LETRAMENTO NA HISTÓRIA

Para discutirmos sobre a alfabetização e o letramento, utilizaremos


autores expoentes nesses temas no contexto brasileiro e no cenário
internacional. Serão revisitados textos e obras de Angela Kleiman, Roxane Rojo,
Magda Soares, Mary Kato, Marlene Carvalho, Castanheira, Maciel, Martins,
Sônia Kramer, Cagliari, Faraco, entre outros, que trazem para a cena esses
temas nas suas pesquisas e que serão também nossos interlocutores nessa
grande viagem do aprendizado desta aula.
Para início, vamos compreender o que são esses discursos sobre o
letramento na história. O discurso será compreendido na concepção de Bakhtin
(2011), que salienta uma concepção de língua em movimento, viva, que não
pode ser compreendida nem desvinculada de seus falantes e de seus atos, do
contexto social e ideológico que a norteiam, pois há relações dialógicas
possibilitadas pelos enunciados e são os outros que constituem o sujeito. Ou
ainda como pontua Kleiman (2005, p. 7), que comenta que esses discursos na
realidade educacional brasileira estão inseridos em três significados:

a. para designar as produção específicas de um grupo, nas locuções


discurso escolar ou discurso dos professores; b. para designar o
conjunto de textos que manifestam um determinado posicionamento
partilhado por um grupo social, nas locuções discurso jornalístico ou
discurso científico; c. em oposição à língua, para designar os usos
efetivos (e os valores aí associados) da língua (o sistema que permite
esses usos) em diferentes contextos, na locução discurso letrado
(diferente da língua escrita).

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Nesse sentido, é de suma importância para os docentes e para as escolas
brasileiras organizar e implementar uma proposta voltada para os usos sociais
da leitura e da escrita, principalmente nas etapas principais do ensino (a
educação Infantil e os anos iniciais do ensino fundamental), possibilitando um ir
além da codificação e decodificação do código, para além da tecnologia do ler e
do escrever. Assim, o aprendiz precisaria de dois passaportes, que seriam: o
domínio da tecnologia da escrita (o sistema alfabético e ortográfico), que é
conquistado por meio do processo de alfabetização, e o domínio das
competências de uso dessa tecnologia (usar a leitura e a escrita nos diferentes
situações e contextos sociais), que se adquire por meio do letramento, como
afirma Soares (2001). Mas, para que isso se efetive, é necessário compreender
as bases teóricas que norteiam as pesquisas e os estudos sobre o conceito de
letramento nos seus conceitos e contextos mais amplos.
Assim, realizaremos uma viagem aos aportes teóricos com a finalidade de
sistematizar e organizar um recorte possível desse tema e suas contribuições
em relação a essa temática para a compreensão e incorporação no contexto
brasileiro. Esse resgate teórico não objetiva apresentar uma proposta fechada
do letramento e muito menos uma prática efetiva, mas realizar reflexões para
que os interessados relacionem esses conceitos com a prática e tenham
possibilidade organizar propostas de alfabetização e letramento nas escolas com
a convicção de que esses conceitos sejam desenvolvidos nas práticas
pedagógicas. Como afirma Paulo Freire (1987), não é suficiente ler “Eva viu a
uva”, mas é imprescindível compreender em qual contexto social Eva convive,
sua posição social e suas relações, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho. Portanto, não basta somente dominar a escrita como
instrumento tecnológico; é preciso mais do que isso: devem-se considerar as
possíveis consequências políticas da inserção do sujeito no mundo da escrita.
Por isso, a nossa próxima viagem será sobre a origem do termo
letramento no contexto mundial para compreendermos o contexto brasileiro.

1.1 Origem do termo letramento – contexto mundial

Vamos viajar pelas terras internacionais para compreender a história do


conceito letramento. Acompanhe:
Segundo pesquisas sobre o tema letramento, Descardeci (2003) traz
informações importantes para a compreensão desse conceito na história e na

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relação com suas significações no contexto brasileiro. A autora apresenta para o
leitor que os estudos sobre esse tema tiveram início nos Estados Unidos, pouco
depois da Segunda Guerra Mundial, após a percepção de que, embora os
jovens e adultos fossem alfabetizados, eles não conseguiam se relacionar bem
com as demandas sociais da leitura e da escrita do dia a dia. Essa mesma
situação foi observada em outros países como Canadá, França, Bélgica e
Inglaterra e, além disso, os dados estatísticos que esses países possuíam sobre
analfabetismo não correspondiam à situação real do analfabetismo entre a
população. Nas pesquisas realizadas em 1983 na Bélgica, estimou-se cerca de
cem mil indivíduos adultos analfabetos; no Canadá, em 1980, o número foi
estimado em 28%; e na França, considerada e reconhecida pelo seu sistema de
ensino, registrou na mesma época um número alarmante de 9% de analfabetos
entre a população adulta.
No cenário internacional, os primeiros estudos sobre o impacto social da
escrita relacionam-se na comparação de valor nas modalidades oral e escrita e
apontam para a superioridade cultural dos povos que dominavam os sistemas
escritos. Como autores representativos dessa época, há Goody e Watt (1963),
Havelock (1963) e Ong (1967), que concedem à escrita o poder de promover a
evolução social: desde a economia, a cultura e a ideologia social até o
desenvolvimento das habilidades cognitivas individuais de cada indivíduo.
Ao final dos anos de 1970 e o início da década de 1980, houve mudança
nas tendências das pesquisas sobre a escrita. Scribner e Cole (1981)
apresentaram uma pesquisa realizada numa comunidade que convivia com três
escritas diferentes: no ambiente doméstico, no religioso e a terceira nos
ambientes comerciais e governamentais. Chegaram à conclusão de que há
fatores sociais, além dos psicológicos, que interferem na aprendizagem e no
empenho de atividades cognitivas de uma língua. Assim, surge uma nova
perspectiva de análise nas futuras pesquisas: o ponto de vista social nas
questões que envolvem o ensino/aprendizagem e o uso da língua. Nesse
mesmo enfoque, há pesquisadores como Scollon e Scollon (1981), Heath (1983)
e Street (1984), esses dois últimos tratando a questão sob uma perspectiva
antropológica.
Internacionalmente, nos anos de 1990, o enfoque predominante foi o
ideológico, que já estava contemplado nos estudos de Street (1984) e Gee
(1990), que salientam que qualquer compreensão em relação ao letramento é

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essencialmente política, uma vez que envolve relações de ordem e poder entre
os indivíduos.
Percebe-se, nesse contexto, que na França e nos Estados Unidos a
discussão do letramento se fez e se faz de forma diferente e independente em
relação à discussão da alfabetização. Nesses países, o que lhes interessa é a
avaliação do nível de letramento da população e não o índice de alfabetização.

1.2 Letramento no contexto brasileiro

Chegamos ao Brasil. Como esse conceito se desenvolveu? Quem são os


autores expoentes nessas pesquisas?
No Brasil, os estudos do letramento e a incorporação desse conceito
iniciaram-se mais efetivamente na segunda metade da década de 1980. Soares
(2001), no seu livro Letramento: um tema em três gêneros, salienta que
letramento era uma palavra nova ou recém-chegada ao vocabulário da
Educação e das Ciências Linguísticas e no discurso dos especialistas dessas
áreas. Entretanto percebe-se que hoje, mesmo mais de trinta anos após essa
colocação da autora, em pesquisas realizadas em congressos e dissertações e
teses de universidades brasileiras, o discurso que ainda permanece é que não
há uma compreensão do tema em seus conceitos e desdobramentos,
principalmente na educação e na prática pedagógica.
Para iniciar, faremos uma pequena linha do tempo com as principais
obras e autores de renome que utilizam o letramento em suas pesquisas.
Podemos iniciar esse trajeto nos anos de 1980 com Kato (1986), que, no
seu livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, defendia que a
língua falada culta é uma consequência do letramento. Em 1988, dois anos mais
tarde, Tfouni (1988), no capítulo introdutório do seu livro Adultos não
alfabetizados: o avesso do avesso, faz uma distinção entre alfabetização e
letramento, e Soares (2001, p. 15) justifica que “talvez seja nesse momento em
que o letramento ganha estatuto de termo técnico no léxico dos campos da
educação e das Ciências Linguísticas”.
Depois desse contexto, a palavra letramento torna-se discurso frequente
entre os especialistas, visto que em 1995, essa palavra é destaque no título da
obra Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática sócias
da escrita, organizado pela pesquisadora Ângela Kleiman. Soares (1998; 2001)
esclarece que essa autora levanta a hipótese de que Mary Kato é realmente

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quem cunhou o termo letramento para o contexto brasileiro na relação com a
alfabetização.
Em 1998, Magda Soares publica o livro Letramento: um tema em três
gêneros com reflexões e discussões teóricas e metodológicas acerca do
conceito de letramento explicado em três gêneros textuais:

 O verbete de dicionário, produzido para o leitor professor com o objetivo


de esclarecer o termo letramento no sentido de um texto informativo,
descritivo e crítico produzido para seção Dicionário crítico da educação,
de uma revista pedagógica.
 O segundo gênero, o texto didático, com o intuito de provocar e orientar
a reflexão do professor-leitor-estudante, na busca de provocar e
acompanhar os diversos e nem sempre previsíveis caminhos do processo
de aprendizagem, pois é um texto produzido para a utilização em cursos,
seminários e oficinas de formação continuada.
 O gênero ensaio, destinado a profissionais responsáveis, em diferentes
instâncias, por avaliar e medir o letramento e alfabetização, publicado
originalmente como uma monografia elaborada pela Unesco, destinado,
portanto, para um técnico-leitor, em busca de suporte teórico para suas
atividades, proporcionado por um texto analítico, argumentativo,
questionador, em que as ideias são submetidas a cuidados minuciosos de
estudo.

Soares (1998; 2001) apresenta nesse livro, portanto, que, embora os


textos sejam recorrentes, eles não se repetem e expõem exatamente a
especificidade da relação autor-leitor, pois cada texto propõe uma situação
discursiva diferente, que constrói um texto também diferente, ampliando o
conceito e desdobramentos do conceito letramento. Além disso, a autora explica
que

O que neste livro se pretende é não apenas discutir e conceituar o


letramento e alfabetização, em suas diferentes facetas e dimensões,
mas também sugerir ao leitor a possibilidade de interações discursivas
diferenciadas sobre o mesmo tema, em textos escritos, em função de
diferentes relações autor-leitor e diferentes condições de produção,
gerando textos de diferentes gêneros. (Soares, 1998; 2001, p. 12)

Percebe-se que a autora Soares (1998; 2001), na própria organização e


intencionalidade do livro, já apresenta esse conceito de letramento e
alfabetização indissociados, ou seja, para cada texto há um interlocutor com
intenções específicas: não basta apenas saber ler e escrever para ler o livro,
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pois é preciso compreender os contextos de produção e conceitos de
alfabetização e letramento.
Já Kleiman (1995) recupera os sentidos dados ao termo letramento nas
concepções de Street (1984), considerando o letramento sob dois enfoques: o
autônomo, relacionado às habilidades do indivíduo, e o ideológico, referindo-se
às práticas que envolvem a leitura e a escrita em geral. Essa autora focaliza a
importância de o professor estabelecer uma relação dialética com o aluno, na
qual a troca de saberes seja evidenciada. Ouvir o aluno, por exemplo, o leva a
perceber que seu conhecimento é importante.
A seguir serão explicitados os conceitos de alfabetização e letramento por
diferentes autores no contexto educacional brasileiro.

TEMA 2 – LETRAMENTO: CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Depois de toda essa reflexão sobre a origem, os estudos e as pesquisas


em reação ao letramento no contexto mundial e brasileiro, observamos que há
toda uma relação com o momento histórico em que esse conceito está vinculado
e com as concepções de sociedade, cultura e escola. Ou seja, o conceito de
letramento assume múltiplos significados e funções, dependendo do contexto
em que é empregado e desenvolvido.
Nesses pressupostos, como conceituar letramento para a nossa
sociedade brasileira contemporânea?

2.1 Uma breve conceituação e definição por autores brasileiros

Kleiman (2005) organizou um livro que trata especificamente sobre o tema


letramento, com o seguinte título: Preciso “ensinar” o letramento? Não basta
ensinar a ler e a escrever?: linguagem e letramento em foco. Essa indagação
permeia o campo da educação e no livro a autora discorre apresentando toda
essa relação entre o que é e o que não é o letramento e é enfática ao responder
essa pergunta relatando que basta ensinar a ler e a escrever, porque quando
esse processo acontece, o indivíduo – criança, jovem ou adulto – está
conhecendo as práticas de letramento da sociedade, portanto está em processo
de letramento, ou seja, a alfabetização e o letramento são indissociáveis no
processo de alfabetização. Esse conceito de letramento foi construído para
relacionar os usos da escrita no contexto geral, não somente escolar, uma vez

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que a escrita que se encontra em todo o lugar, pois faz parte da paisagem
cotidiana, como pontua:

No ponto de ônibus, anunciando produtos, serviços e campanhas; no


comercio, anunciando ofertas para atrair clientes, tanto nas pequenas
vendas, como nos grandes supermercados; no serviço público,
informando ou orientando a comunidade. (Kleiman, 2005, p. 6)

Essa multiplicidade de espaços em que a escrita aparece, cada uma com


uma função social específica, somente ratifica a sua funcionalidade e apresenta
que ela faz parte de praticamente todas as situações cotidianas da maioria da
população que faz parte das sociedades mais complexas, em que não é possível
se relacionar, trabalhar, realizar tarefas apenas falando.
Portanto, o letramento surge como uma possibilidade de explicar a
funcionalidade e importância da escrita em todas as esferas de ações dos
indivíduos em sociedade, exigido dessa sociedade moderna um novo conceito,
como Kleiman (2005) pontua que toda essa complexidade da sociedade
moderna, com seus processos e organizações, exige conceitos também
complexos para descrever e entender seus aspectos mais relevantes.
Percebe-se no discurso acadêmico que, para explicar o letramento e a
alfabetização, há a retomada dos mesmos autores para contextualizar e
atualizar as pesquisas brasileiras e com discussões muito amplas e complexas.
Isso mostra a importância desse conceito para a área da educação e da
importância da compreensão efetiva dos processos de leitura e de escrita.
Nos estudos da contextualização histórica do termo, Kato (1985) é
apresentada como uma das pioneiras ao utilizar o termo letramento no livro No
mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, nos anos de 1980. Já na
introdução, ela apresenta:

meu pressuposto, neste livro, é o de que a função da escola, na área


da linguagem, é introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a
um cidadão funcionalmente letrado, isto é, um sujeito capaz de fazer
uso da linguagem escrita para a sua necessidade individual de crescer
cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade
que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de
comunicação. (Kato, 1985, p. 7)

Ainda pontua que a norma-padrão ou a chamada língua falada culta é


consequência do letramento, e que é indiretamente função da escola
desenvolver no discente o domínio da linguagem falada institucionalmente
aceita. Por que função indireta da escola? Porque com as mudanças
significativas de paradigmas no contexto contemporâneo, tanto científicos

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quanto tecnológicos, ocorreram transformações rápidas em muitos campos,
principalmente no terreno pedagógico. A reestruturação também chegou à
escola, principalmente na retirada da exclusividade da missão de ser única
transmissora de informação. Vale (2013, p. XV) esclarece que as tecnologias
disponibilizam as informações e interações com mais rapidez e de forma mais
atualizada que a escola e que esse novo contexto exigiu “entre outros aspectos,
um repensar sobre a formação e atuação dos professores que atendem à
demanda infantojuvenil, dado o desafio de educar crianças e jovens para a
sociedade tecnológica em que vivem”.
Já Kleiman (1995) enfatiza o letramento como prática social e evento
relacionado ao uso, função e impacto social da escrita. Nessa concepção,
percebe-se que não há uma limitação aos eventos e práticas comunicativas
mediadas pelo texto escrito, isto é, às ações e práticas que envolvem de fato ler
e escrever. Nesse sentido, o letramento está presente na oralidade. Tome-se
como exemplo a sociedade tecnológica de que fazemos parte: o impacto da
escrita é de longo alcance. Kleiman (1991, p. 103) explica, por exemplo, que
“uma atividade que envolve apenas a modalidade oral, como escutar notícias de
rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem marcas de
planejamento e lexicalização”. Portanto, para essa autora (1995), o letramento
tem como objeto de reflexão, de ensino ou de aprendizagem os aspectos sociais
da língua escrita. Trata-se de uma concepção de leitura e escrita como práticas
discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que são
produzidas e se desenvolvem.
Para Soares (2001), o letramento é o resultado da ação de ensinar e
aprender as práticas sociais da leitura e da escrita. Ou seja, é a condição que
adquire um indivíduo ou grupo social como resultado de apropriação da escrita e
de suas práticas na sociedade. Ou seja, é o uso efetivo da leitura e da escrita na
sociedade nas suas múltiplas funções: ler, compreender, escrever e usar com
desenvoltura os gêneros textuais e discursivos. Para essa autora (2001), um
sujeito que sabe ler e escrever, ou seja, alfabetizado, não é necessariamente um
sujeito letrado, e vice-versa.
Portanto, o letramento foi um conceito criado para se referir aos usos da
língua escrita não apenas na escola, mas em todos os contextos sociais: surge
como uma maneira de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de
atividades (Kleiman, 2005).

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TEMA 3 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: NOVAS OU VELHAS
INTERLOCUÇÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Ao iniciar as discussões sobre a alfabetização e o letramento na


interlocução com a prática pedagógica, é interessante atualizar as reflexões que
Brotto (2008) traz ao ensino da língua na alfabetização, recuperando também
essa discussão nos debates brasileiros ligados à educação linguística. Brotto
(2008, p. 11) discute que alfabetização e letramento são termos para designar

Fenômenos intrinsecamente relacionados – se respondem a um


mesmo objeto. Esse mesmo objeto é o ensino e o aprendizado da
língua materna, que, conforme a concepção de linguagem adotada,
produz práticas mais eficazes na alfabetização do aluno. Por exemplo,
se a concepção de linguagem com que trabalha o professor for de
interlocução, de interação verbal e escrita entre sujeitos, suas práticas
alfabetizadoras voltam-se para o ensino de uma linguagem viva,
cambiante, que se altera no decorrer da história, do tempo e do
espaço. Entendemos que apreender essas práticas alfabetizadoras e
compreender a concepção de língua materna, de ensino de língua
escrita e de criança que as norteiam pode redirecionar os
encaminhamentos dados à alfabetização, ao invés de “acoplar” outra
denominação ao que lhe é objeto de ensino.

Nesse contexto, a autora mostra que o termo letramento não é novo no


ensino da língua na escola e diz respeito ao mesmo objeto que é a
alfabetização, entendida na concepção de língua como interlocução social.
Essas discussões foram preconizadas por alguns autores da área da linguística
desde anos de 1980, quando criticavam a forma normativa de ensino da língua.
Um desses linguistas é Geraldi (1985) que, no livro O texto na sala de aula, faz
uma discussão sobre as concepções de linguagem e o ensino de português,
trazendo do autor Bakhtin a concepção de língua como interlocução, numa
perspectiva de interação social.
Percebe-se pelo enfoque de Brotto (2008) que há dois discursos
congruentes e complementares no ensino da língua nas classes de
alfabetização: o discurso dos autores da linguística e o discurso dos autores da
área da pedagogia. Ou seja, nos anos de 1980, quando surgiu o termo
letramento nos estudos pedagógicos, na linguística estava em discussão a
concepção de língua como interação social, tendo o texto como carro-chefe no
trabalho com a língua portuguesa. Parece que houve uma separação dessas
duas áreas e o discurso para o ensino não foi compreendido na essência, o que
fica evidenciado pela concepção de língua que os professores utilizam nos
encaminhamentos utilizados em sala de aula.

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Entretanto sabemos que as discussões da academia não chegam da
mesma maneira para os professores no ensino e, muitas vezes, não há sequer
discussões na própria escola com a equipe pedagógica, ou nas formações
continuadas, ou seja, não há uma clareza nos direcionamentos. Assim, o
professor realiza um trabalho com a língua tal como ela é compreendida por ele,
da forma como ele se sente mais confortável no ensino e muitas vezes “tem
prevalecido um ensino que se conforma à maneira como o professor foi
alfabetizado, ou formado, ou, melhor ainda, de acordo com o que faz sentido ao
professor” (Brotto, 2008, p. 209).
Atualmente, nas discussões consideradas já contempladas e
compreendidas no discurso pedagógico das escolas e entre as professoras
alfabetizadoras ainda se encontram direcionamentos divergentes para um
ensino que possua uma concepção de língua como interação social, ou a
clareza da alfabetização/letramento. Percebem-se entendimentos de que o
letramento entrou no lugar da alfabetização e desconsiderou o trabalho com as
análises menores da língua. Outros entendem a alfabetização e o letramento
como a mesma coisa, como se só tivesse mudado o nome. Nesse sentido,
destaca-se a importância do letramento na alfabetização, conforme a autora
Brotto (2008, p. 14):

Não podemos deixar de destacar que o letramento, ao ser amplamente


propagado nos vinte últimos anos, trouxe uma contribuição para se
pensar o processo de apropriação da língua escrita pela criança. Seus
pressupostos remetem-nos a pensar em algumas questões que nos
parecem ser anteriores à inserção da denominação “letramento” para
compor o processo de alfabetização. E, como esta pesquisa mostrou,
conhecer a constituição dos professores alfabetizadores e o que lhes
faz sentido como linguagem é um caminho para revermos nossas
concepções e nossas práticas alfabetizadoras.

De acordo com Soares (2004), os processos de alfabetização e de


letramento são distintos, sendo que a alfabetização significa levar à aquisição do
alfabeto, ou seja, ensinar a ler e a escrever. A especificidade desta é a aquisição
do código alfabético e ortográfico, por meio da leitura e da escrita. Letramento,
por sua vez, é uma extensão e complemento da alfabetização. Refere-se à
condição de quem sabe ler e escrever no exercício das diferentes práticas
sociais. Alfabetização e letramento se interpenetram, embora ainda produzam
muitas vezes significados diferentes. O tema letramento busca abordar não
apenas a aquisição do código, mas também da interação e relações que este
código permite. Ler e escrever são processos complexos e exigem uma
apropriação que depende de situações que iniciam antes do domínio do código
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escrito. A apropriação do código faz parte desses processos, pois é um
instrumento que permite autonomia no mundo letrado.
Alfabetização e letramento são dois conceitos interdependentes e
indissociáveis que precisam estar presentes, de modo claro, na formação do
professor alfabetizador. Desde os anos de 1980, e com maior enfoque
atualmente, o tema alfabetização assumiu novo significado devido às
contribuições de pesquisas sobre a formação e atuação do alfabetizador. Sabe-
se que o ato de alfabetizar situa-se num contexto histórico, cultural, econômico e
político que envolve uma sociedade e torna-se, para o educando, uma das fases
mais significativas da escolarização, pois, com base nessas primeiras
experiências e aquisições da língua falada e escrita, ele será capaz de ler o
mundo com uma visão mais ampla e fazer suas escolhas. Portanto, alfabetizar é
possibilitar, através das práticas sociais da leitura e da escrita, a participação
ativa do sujeito na sociedade.

TEMA 4 – ALFABETISMO FUNCIONAL, NÍVEIS DE ALFABETISMO E


LETRAMENTOS

Alguns termos merecem destaque nessa discussão sobre o letramento. A


palavra alfabetismo, por exemplo, é um conceito que entra em debate com o
letramento e disputa espaço. Para Soares (1998, p. 18), como o termo
letramento não era dicionarizado, havia apenas a palavra alfabetismo que, no
Dicionário Aurélio, entre outros significados, registra a seguinte acepção: “estado
ou qualidade de alfabetizado” (Ferreira, 1999, p. 93). Porém alfabetismo não é
uso corrente como o seu antônimo analfabetismo, muito mais usual, utilizado
com o significado de “estado ou de condição de analfabeto” (Ferreira, 1999, p.
130), termo familiar e de fácil compreensão, principalmente nos anos de 1980.
Essa era a condição de que grande parte da população se encontrava naquela
época e por esse motivo emergiram discussões sobre as altas taxas de
repetência e analfabetismo no Brasil.
O conceito de alfabetismo foi utilizado na literatura especializada, como se
pode verificar em Soares (2001),

O surgimento do termo literacy (cujo significado é o mesmo de


alfabetismo), nessa época, representou, certamente, uma mudança
histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da
leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designá-las. Ou
seja: uma nova realizada social trouxe a necessidade de uma nova
palavra (Soares, 2001, p. 29).

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Soares (2001) esclarece que a palavra alfabetismo pode ser
compreendida pela compreensão da condição ou estado de quem sabe ler e
escrever. Parece uma definição simples, porém esse conceito é muito complexo,
porque esse estado ou condição assumida pelo sujeito não é previsível nem
único, pois envolve um grande conjunto de competências e habilidades, tanto de
escrita quanto de leitura. De uma maneira muito resumida e simplificada, o
quadro a seguir sintetiza essa complexidade de capacidades envolvidas no
conceito de letramento:

Quadro 1 – Capacidades letradas envolvidas no conceito de alfabetismo

Ler Escrever
Decodificar Codificar
Compreender Normatizar (ortografia, notações)
Interpretar Comunicar
Estabelecer relações Textualizar
Situar o texto em seu contexto Situar o texto sem eu contexto
Criticar, replicar Intertextualizar
... ...
Fonte: Rojo, 2009, p. 45.

Rojo (2009) salienta que, pela complexidade de compreensão do conceito


de alfabetismo e pelas capacidades envolvidas, começou-se a falar em níveis de
alfabetismo. A autora esclarece:

O alfabetismo de uma pessoa pode se restringir a capacidade simples


do alfabetizado de decodificar palavras e frases, localizando
“informações explícitas em textos muito curtos, cuja configuração
auxilia o reconhecimento do conhecimento do conteúdo solicitado”
(alfabetismo rudimentar, nível 1, segundo os níveis de alfabetismo do
INAF) ou pode incorporar competências e capacidades muito
complexas envolvidas na plena compreensão relacional de um texto
(alfabetismo pleno ou nível 3, para o INAF).

Portanto, o conceito de alfabetismo envolve tanto as capacidades de


leitura quanto as de escrita, que não são as mesmas, uma vez que, embora
interligadas, trata-se de um conceito de natureza sobretudo psicológica e de
escopo individual. Assim, a significação desse conceito muda de uma época
para outra porque essa definição reflete as mudanças sociais e, à medida que
analfabetismo vai sendo superado e as pessoas aprendem a ler a escrever e a
sociedade vai se centrando cada vez mais na escrita, um novo fenômeno se
evidencia (Soares, 2001): se, no século passado, quem era considerado
015
alfabetizado necessitava apenas saber a escrever o próprio nome, já em 1958 a
Unesco define alfabetizado como a pessoa que sabe ler e escrever e seja capaz
de compreender um enunciado curto e simples da vida cotidiana. Atualmente
essa capacidade é considerada como um nível mínimo de alfabetismo.
Assim, compreende-se que as práticas sociais de letramento que
praticamos e exercemos ao longo da vida vão se constituindo nossos níveis de
alfabetismo ou de desenvolvimento de leitura e de escrita, entre elas, as práticas
desenvolvidas nas salas de aula.

TEMA 5 – LETRAMENTO E INCLUSÃO SOCIAL

Os conceitos de alfabetização e letramento trazem diversas reflexões em


relação aos processos de insucesso ou fracasso na escola brasileira do último
século e sua relação com a exclusão social, principalmente no contexto das
classes populares. E isso recai na importância e na dimensão que a ação
didática de alfabetizar e letrar tem em nosso país, principalmente no que se
refere à função das escolas no enfrentamento dessa exclusão social, tornando a
intuição escolar um percurso significativo em termos de letramento e de acesso
ao conhecimento e à informação para os nossos alunos (Rojo, 2009).
Nesse contexto, cabem as seguintes perguntas: como alunos que têm
uma ampla jornada de estudos e duração de escolaridade podem desenvolver
capacidades leitoras tão limitadas? A que práticas de leituras e propostas de
letramento esses alunos estiveram submetidos nesses dez anos de
escolaridade? A quais gêneros textuais e discursivos os alunos tiveram acesso
nesses anos de estudo? Será que essa dificuldade de leitura e escrita e
compreensão é produto da ineficácia das propostas e metodologias dos
professores? Ou dos desinteresses dos alunos? Ou de professores e alunos? O
que fazer para constituir letramentos mais compatíveis com a cidadania
protagonista?
Senna (2012, p. 222) traz reflexões importantes sobre o letramento, aliado
a essa tecnologia do mundo moderno, e salienta que as orientações e
“encaminhamento dos estudos sobre o letramento ainda persiste agregado à
cultura de papel e lápis, forjada por princípios que modelaram um conceito de
‘homem letrado’, culto e bem formado para o exercício da cidadania”.
Assim, salienta que não dá para discutir o letramento com base no
pressuposto de formar os sujeitos de hoje como os indivíduos letrados do século

016
XVI, na crítica de que isso não vai levar a nada, “exceto as teorias e concepções
do ensino fadadas a reiterar infinitamente o fracasso escolar”. (Senna, 2012, p.
222). E ainda complementa que

a questão é de outra ordem bem mais complexa do que a simples


substituição da escrita por outro código qualquer, visto que, antes dos
códigos, ou melhor, à sua frente, existem conceitos que lhe impregnam
de valor social, isso que, acima de tudo, determina o desejo de
construção e apropriação de códigos. (Senna, 2012, p. 222)

Percebe-se nesses estudos que o conceito de letramento e seu


entendimento é muito mais complexo do que se pensa, principalmente quando é
tratado na educação e no ensino, pois a necessidade de vincular o processo de
letramento à demanda real de um aluno/sujeito/jovem/homem é indissociável,
agora na contemporaneidade, de tecnologias de escrita (uso do computador,
celulares e afins), cuja história, ao mesmo tempo, criou e criticou vários métodos
e ciclos de alfabetização.
Portanto, não é fácil o papel do professor nesse processo, ainda mais
quando são apresentados os resultados do INAF (Indicado Nacional de
Alfabetismo Funcional), que avalia os níveis de analfabetismo funcional da
população brasileira entre 15 e 64 anos, assim como as práticas de letramento
em que se envolve e os acervos impressos de que dispõe. O debate público
fomenta essa pesquisa e estimula iniciativas da sociedade civil, subsidiando a
formulação de políticas públicas nas áreas da educação e da cultura, com dados
qualificados sobre as habilidades de práticas de leitura, escrita e matemática dos
brasileiros.
Em maio de 2016, o Instituto Montenegro, responsável pelo INAF, lançou
um estudo sobre o alfabetismo e mundo do trabalho, com análises e reflexões
sobre a metodologia desses resultados. Especialistas das mais variadas áreas
do conhecimento produziram uma série de análises com base nos bancos de
dados consolidados dos dez anos de pesquisa do instituto (2001 a 2011),
sobretudo na exploração das relações entre alfabetismo e práticas de letramento
no mundo do trabalho e de uso de tecnologias digitais e informação e
comunicação (TIC), esse último na perspectiva dos multiletramentos. Esse
trabalho teve como resultado o livro Alfabetismo e letramento no Brasil: 10 anos
do INAF, publicado em 2015 pela Editora Autêntica (Ribeiro; Lima; Batista,
2015).
Observou-se nesse estudo que, ao longo de mais de uma década de
pesquisa do INAF, o Brasil presenciou uma lentidão na ampliação da
017
escolaridade da população, porém de forma progressiva, especialmente em
razão da ampliação do atendimento na educação básica para crianças e jovens.
Ao longo das pesquisas houve uma melhora nas condições de alfabetismo da
população jovem e adulta brasileira, com uma redução significativa da proporção
de pessoas nos níveis mais baixos, aumento nos níveis intermediários e uma
estagnação da proporção das pessoas no grupo mais alto da escola de
proficiência do INAF,

Se no nível analfabeto, registramos queda de 12% para 6%, essa


diminuição foi, ao nível rudimentar, de 27% para 21%, entre as edições
de 2001 e 2011, tal mudança foi acompanhada pelo aumento da
proporção de pessoas consideradas como de nível básico de
alfabetismo, de 34% para 47% no mesmo período. Contudo, não
registramos avanços na proporção de pessoas de nível de alfabetismo
pleno, que oscila em torno de 25% desde a primeira edição do INAF
em 2001. (Ribeiro; Lima; Batista, 2015)

No ano de 2014, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


(Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
taxa de analfabetismo entre brasileiros com 15 anos ou mais foi estimada em
8,3% (13,2 milhões de pessoas), apresentando uma queda de 4,3% em relação
à pesquisa anterior.
Carvalho (2011) apresenta que há vários fatores para determinar a
persistência do analfabetismo no Brasil. Podemos, por exemplo, destacar a
pobreza e o desemprego, pois isso impede que as famílias enviem seus filhos à
escola ou mantê-los estudando; trabalhos infantis; “qualidade insatisfatória de
alguns sistemas educacionais e escolas municipais e estaduais; confusão entre
campanhas (necessariamente emergencial e provisória) e política de
alfabetização (que deve ser permanente)” (Carvalho, 2011, p. 66).
Essa é a realidade do Brasil, principalmente na clientela das escolas
públicas brasileiras, portanto, já que esse problema da alfabetização universal
de sua população ainda não está resolvido, é a escola, com as práticas de
letramento dos professores, principalmente alfabetizadores, que no dia a dia
forma indivíduos capazes de usar a leitura e a escrita para fins escolares,
profissionais e culturais. E sabemos que um dos objetivos da escola é
possibilitar aos alunos a participação nas várias práticas sociais que se utilizam
da leitura e da escrita ou os letramentos.

018
FINALIZANDO

Chegamos ao fim dessa viagem ao mundo do letramento. Não fizemos


todas as paradas sobre o tema, mas pudemos perceber recortes possíveis
desse tema que gera tanta polêmica, dilemas e discussões, pois há muito mais
no mundo e no campo educacional do que se imagina. Todas as questões
interferem na sala de aula e, principalmente, no ensino. Esse entendimento por
parte dos docentes é essencial para que se compreendam os encaminhamentos
reais e necessários para a sala de aula.
Fizemos uma retomada do termo letramento, contextualizando-o
mundialmente e atualizando para o contexto brasileiro. Trouxemos reflexões e
discussões nas interlocuções com a prática pedagógica e nas relações com o
analfabetismo e os níveis de alfabetismos e, principalmente, o letramento e a
exclusão social.
Vimos, pelas discussões propostas, que os conceitos de alfabetização e
letramento se mesclam, se superpõem e frequentemente se confundem.
Segundo Soares (2001) isso não é muito saudável, pois os processos de
alfabetizar e letrar, embora interligados, são específicos. Alfabetizar é ensinar o
código alfabético, enquanto letrar é familiarizar o aprendiz com os diversos usos
sociais da leitura e escrita. O letramento traz consequências políticas,
econômicas e culturais, entre outras, para indivíduos e grupos que se apropriam
da escrita, fazendo com que se torne parte de suas vidas como meio de
expressão e comunicação. A diferença entre o alfabetizar e o letrar está na
extensão e na qualidade do domínio da leitura e da escrita.
Mudam os tempos e modificam-se os meios sociais, por isso, assim
também variam os tipos de leitores projetados pela sociedade e cultivados pela
escola. Portanto, compreender esses conceitos e utilizá-los nas práticas
alfabetizadoras com uma aprendizagem é de suma importância.
Ao retomar à tirinha inicial, percebe-se que não é para qualquer leitor
essa crítica colocada pelo autor Quino, pois a personagem Mafalda é crítica e
sempre vai usar as entrelinhas nos seus contextos, porém só um leitor com um
bom nível de letramento compreende a totalidade de sua interpretação.

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