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ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO
E LITERATURA INFANTIL
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1. Relacionar os conceitos de alfabetização e letramento na história.
2. Dialogar com os discursos de alfabetização e letramento no contexto
escolar e suas implicações na prática pedagógica.
3. Compreender as relações entre os letramentos múltiplos, a escola e a
inclusão social.
4. Analisar os conceitos de alfabetização e letramento como indissociáveis
da prática pedagógica.
CONTEXTUALIZANDO
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Para iniciar essa reflexão, observe a tira da personagem Mafalda de
Quino:
E agora? Que reflexões essa tirinha traz para nós? Qual é o meu contexto
de compreensão desse discurso? O que esse gênero textual possibilita
compreender nas linhas, nas entrelinhas e além das linhas?
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Nesse sentido, é de suma importância para os docentes e para as escolas
brasileiras organizar e implementar uma proposta voltada para os usos sociais
da leitura e da escrita, principalmente nas etapas principais do ensino (a
educação Infantil e os anos iniciais do ensino fundamental), possibilitando um ir
além da codificação e decodificação do código, para além da tecnologia do ler e
do escrever. Assim, o aprendiz precisaria de dois passaportes, que seriam: o
domínio da tecnologia da escrita (o sistema alfabético e ortográfico), que é
conquistado por meio do processo de alfabetização, e o domínio das
competências de uso dessa tecnologia (usar a leitura e a escrita nos diferentes
situações e contextos sociais), que se adquire por meio do letramento, como
afirma Soares (2001). Mas, para que isso se efetive, é necessário compreender
as bases teóricas que norteiam as pesquisas e os estudos sobre o conceito de
letramento nos seus conceitos e contextos mais amplos.
Assim, realizaremos uma viagem aos aportes teóricos com a finalidade de
sistematizar e organizar um recorte possível desse tema e suas contribuições
em relação a essa temática para a compreensão e incorporação no contexto
brasileiro. Esse resgate teórico não objetiva apresentar uma proposta fechada
do letramento e muito menos uma prática efetiva, mas realizar reflexões para
que os interessados relacionem esses conceitos com a prática e tenham
possibilidade organizar propostas de alfabetização e letramento nas escolas com
a convicção de que esses conceitos sejam desenvolvidos nas práticas
pedagógicas. Como afirma Paulo Freire (1987), não é suficiente ler “Eva viu a
uva”, mas é imprescindível compreender em qual contexto social Eva convive,
sua posição social e suas relações, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho. Portanto, não basta somente dominar a escrita como
instrumento tecnológico; é preciso mais do que isso: devem-se considerar as
possíveis consequências políticas da inserção do sujeito no mundo da escrita.
Por isso, a nossa próxima viagem será sobre a origem do termo
letramento no contexto mundial para compreendermos o contexto brasileiro.
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relação com suas significações no contexto brasileiro. A autora apresenta para o
leitor que os estudos sobre esse tema tiveram início nos Estados Unidos, pouco
depois da Segunda Guerra Mundial, após a percepção de que, embora os
jovens e adultos fossem alfabetizados, eles não conseguiam se relacionar bem
com as demandas sociais da leitura e da escrita do dia a dia. Essa mesma
situação foi observada em outros países como Canadá, França, Bélgica e
Inglaterra e, além disso, os dados estatísticos que esses países possuíam sobre
analfabetismo não correspondiam à situação real do analfabetismo entre a
população. Nas pesquisas realizadas em 1983 na Bélgica, estimou-se cerca de
cem mil indivíduos adultos analfabetos; no Canadá, em 1980, o número foi
estimado em 28%; e na França, considerada e reconhecida pelo seu sistema de
ensino, registrou na mesma época um número alarmante de 9% de analfabetos
entre a população adulta.
No cenário internacional, os primeiros estudos sobre o impacto social da
escrita relacionam-se na comparação de valor nas modalidades oral e escrita e
apontam para a superioridade cultural dos povos que dominavam os sistemas
escritos. Como autores representativos dessa época, há Goody e Watt (1963),
Havelock (1963) e Ong (1967), que concedem à escrita o poder de promover a
evolução social: desde a economia, a cultura e a ideologia social até o
desenvolvimento das habilidades cognitivas individuais de cada indivíduo.
Ao final dos anos de 1970 e o início da década de 1980, houve mudança
nas tendências das pesquisas sobre a escrita. Scribner e Cole (1981)
apresentaram uma pesquisa realizada numa comunidade que convivia com três
escritas diferentes: no ambiente doméstico, no religioso e a terceira nos
ambientes comerciais e governamentais. Chegaram à conclusão de que há
fatores sociais, além dos psicológicos, que interferem na aprendizagem e no
empenho de atividades cognitivas de uma língua. Assim, surge uma nova
perspectiva de análise nas futuras pesquisas: o ponto de vista social nas
questões que envolvem o ensino/aprendizagem e o uso da língua. Nesse
mesmo enfoque, há pesquisadores como Scollon e Scollon (1981), Heath (1983)
e Street (1984), esses dois últimos tratando a questão sob uma perspectiva
antropológica.
Internacionalmente, nos anos de 1990, o enfoque predominante foi o
ideológico, que já estava contemplado nos estudos de Street (1984) e Gee
(1990), que salientam que qualquer compreensão em relação ao letramento é
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essencialmente política, uma vez que envolve relações de ordem e poder entre
os indivíduos.
Percebe-se, nesse contexto, que na França e nos Estados Unidos a
discussão do letramento se fez e se faz de forma diferente e independente em
relação à discussão da alfabetização. Nesses países, o que lhes interessa é a
avaliação do nível de letramento da população e não o índice de alfabetização.
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quem cunhou o termo letramento para o contexto brasileiro na relação com a
alfabetização.
Em 1998, Magda Soares publica o livro Letramento: um tema em três
gêneros com reflexões e discussões teóricas e metodológicas acerca do
conceito de letramento explicado em três gêneros textuais:
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que a escrita que se encontra em todo o lugar, pois faz parte da paisagem
cotidiana, como pontua:
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quanto tecnológicos, ocorreram transformações rápidas em muitos campos,
principalmente no terreno pedagógico. A reestruturação também chegou à
escola, principalmente na retirada da exclusividade da missão de ser única
transmissora de informação. Vale (2013, p. XV) esclarece que as tecnologias
disponibilizam as informações e interações com mais rapidez e de forma mais
atualizada que a escola e que esse novo contexto exigiu “entre outros aspectos,
um repensar sobre a formação e atuação dos professores que atendem à
demanda infantojuvenil, dado o desafio de educar crianças e jovens para a
sociedade tecnológica em que vivem”.
Já Kleiman (1995) enfatiza o letramento como prática social e evento
relacionado ao uso, função e impacto social da escrita. Nessa concepção,
percebe-se que não há uma limitação aos eventos e práticas comunicativas
mediadas pelo texto escrito, isto é, às ações e práticas que envolvem de fato ler
e escrever. Nesse sentido, o letramento está presente na oralidade. Tome-se
como exemplo a sociedade tecnológica de que fazemos parte: o impacto da
escrita é de longo alcance. Kleiman (1991, p. 103) explica, por exemplo, que
“uma atividade que envolve apenas a modalidade oral, como escutar notícias de
rádio, é um evento de letramento, pois o texto ouvido tem marcas de
planejamento e lexicalização”. Portanto, para essa autora (1995), o letramento
tem como objeto de reflexão, de ensino ou de aprendizagem os aspectos sociais
da língua escrita. Trata-se de uma concepção de leitura e escrita como práticas
discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que são
produzidas e se desenvolvem.
Para Soares (2001), o letramento é o resultado da ação de ensinar e
aprender as práticas sociais da leitura e da escrita. Ou seja, é a condição que
adquire um indivíduo ou grupo social como resultado de apropriação da escrita e
de suas práticas na sociedade. Ou seja, é o uso efetivo da leitura e da escrita na
sociedade nas suas múltiplas funções: ler, compreender, escrever e usar com
desenvoltura os gêneros textuais e discursivos. Para essa autora (2001), um
sujeito que sabe ler e escrever, ou seja, alfabetizado, não é necessariamente um
sujeito letrado, e vice-versa.
Portanto, o letramento foi um conceito criado para se referir aos usos da
língua escrita não apenas na escola, mas em todos os contextos sociais: surge
como uma maneira de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de
atividades (Kleiman, 2005).
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TEMA 3 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: NOVAS OU VELHAS
INTERLOCUÇÕES NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
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Entretanto sabemos que as discussões da academia não chegam da
mesma maneira para os professores no ensino e, muitas vezes, não há sequer
discussões na própria escola com a equipe pedagógica, ou nas formações
continuadas, ou seja, não há uma clareza nos direcionamentos. Assim, o
professor realiza um trabalho com a língua tal como ela é compreendida por ele,
da forma como ele se sente mais confortável no ensino e muitas vezes “tem
prevalecido um ensino que se conforma à maneira como o professor foi
alfabetizado, ou formado, ou, melhor ainda, de acordo com o que faz sentido ao
professor” (Brotto, 2008, p. 209).
Atualmente, nas discussões consideradas já contempladas e
compreendidas no discurso pedagógico das escolas e entre as professoras
alfabetizadoras ainda se encontram direcionamentos divergentes para um
ensino que possua uma concepção de língua como interação social, ou a
clareza da alfabetização/letramento. Percebem-se entendimentos de que o
letramento entrou no lugar da alfabetização e desconsiderou o trabalho com as
análises menores da língua. Outros entendem a alfabetização e o letramento
como a mesma coisa, como se só tivesse mudado o nome. Nesse sentido,
destaca-se a importância do letramento na alfabetização, conforme a autora
Brotto (2008, p. 14):
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Soares (2001) esclarece que a palavra alfabetismo pode ser
compreendida pela compreensão da condição ou estado de quem sabe ler e
escrever. Parece uma definição simples, porém esse conceito é muito complexo,
porque esse estado ou condição assumida pelo sujeito não é previsível nem
único, pois envolve um grande conjunto de competências e habilidades, tanto de
escrita quanto de leitura. De uma maneira muito resumida e simplificada, o
quadro a seguir sintetiza essa complexidade de capacidades envolvidas no
conceito de letramento:
Ler Escrever
Decodificar Codificar
Compreender Normatizar (ortografia, notações)
Interpretar Comunicar
Estabelecer relações Textualizar
Situar o texto em seu contexto Situar o texto sem eu contexto
Criticar, replicar Intertextualizar
... ...
Fonte: Rojo, 2009, p. 45.
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XVI, na crítica de que isso não vai levar a nada, “exceto as teorias e concepções
do ensino fadadas a reiterar infinitamente o fracasso escolar”. (Senna, 2012, p.
222). E ainda complementa que
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FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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GOODY, J.; WATT, I. The consequences of literacy. In: GOODY, J. (Org.).
Literacy in traditional societies. New York: Cambridge University Press, 1963.
HEATH, S.B. Ways with words. Cambridge, UK: Cambridge University Press,
1983.
ONG, W. J. The presence of the word: Some Prolegomena for Cultural and
Religious History. New Haven and London: Yale UP, 1967.
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_____. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998
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