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Os gêneros textuais na construção social

da leitura e da escrita (Parte 1)

Apresentação
Nesta Unidade de Aprendizagem, compreenderemos a importância dos gêneros textuais na
construção social da leitura e escrita e como eles podem auxiliar o processo de ensino-
aprendizagem de Língua Portuguesa, a fim de facilitar o trabalho do educador.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer o uso dos variados gêneros textuais no ensino da língua portuguesa.


• Identificar o poder social na expressão verbal.
• Aplicar os variados gêneros textuais na produção autônoma nas séries iniciais.
Desafio
Você é professor de língua portuguesa da 6a série. É uma turma que necessita trabalhar muito com
a leitura e a escrita, por isso a coordenadora pedagógica solicitou que você trabalhasse com os
gêneros textuais.

Portanto, seu desafio é selecionar três gêneros textuais que sejam reconhecidos pelos estudantes e
possíveis de se trabalhar nessa faixa etária. Em seguida, justifique sua escolha e apresente os
resultados esperados.
Infográfico
Observe, no infográfico a seguir, algumas dicas para ser um leitor e produtor de textos eficientes.
Conteúdo do livro
As constantes transformações sociais e o crescente desenvolvimento tecnológico e científico são
responsáveis pela criação de novas demandas de uso das habilidades de leitura e escrita. Essas
habilidades são demandadas tanto em relação aos gêneros textuais mais tradicionais, como
daqueles que surgem nos ambientes digitais.

Sendo a escola a principal responsável por oportunizar a formação de sujeitos competentes no uso
da Língua Portuguesa, cabe à ela inserir, em suas práticas educativas, gêneros textuais diversos, que
possibilitem aos indivíduos uma atuação crítica e participativa na vida em sociedade.

Nesse capítulo você irá conceituar os gêneros textuais e compreender como eles devem ser
inseridos nas práticas educativas, refletir sobre a relevância do domínio das diferentes linguagens
para a atuação em sociedade e conhecer as propostas da Base Nacional Comum Curricular para o
ensino da Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Boa leitura!
CONTEÚDO E
METODOLOGIA DO
ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Os gêneros textuais
na construção
social da leitura
e da escrita
Maria Elena Roman de Oliveira Toledo

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer o uso dos variados gêneros textuais no ensino da língua por-
tuguesa.
> Identificar o poder social da expressão verbal.
> Aplicar os variados gêneros textuais na produção autônoma nos anos iniciais.

Introdução
No ensino da língua portuguesa, o texto sempre esteve presente, sendo utilizado
de diferentes maneiras e de acordo com a concepção de linguagem adotada
pelos professores. As discussões sobre as funções sociais da leitura e da escrita
e sobre a necessidade de formação de usuários competentes nessas habilidades
em contextos variados trouxeram o texto e os gêneros textuais para o centro das
práticas educativas.
Neste capítulo, você vai estudar o conceito de gênero textual e reconhecer a sua
importância na formação de sujeitos competentes no uso da leitura e da escrita em
contextos diferentes. Você também vai refletir sobre a importância das práticas
2 Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita

de linguagem na sociedade contemporânea, além de conhecer possibilidades de


inserção de diversos gêneros textuais nas práticas educativas propostas para
as séries iniciais.

Gêneros textuais no ensino da língua


portuguesa
Há muito tempo o texto tem sido a base das práticas de ensino da língua por-
tuguesa nas escolas brasileiras. Na década de 1980, o papel ocupado pelo texto
foi explicitado em diferentes propostas curriculares e programas desenvolvidos
pelas secretarias da educação em todo o país. De lá para cá, o trabalho com
o texto em sala de aula assumiu diferentes características, de acordo com
as diferentes concepções de linguagem adotadas (ROJO; CORDEIRO, 2004).
Em um primeiro momento, o texto foi tomado como material ou objeto
empírico, utilizado em sala de aula para atos de leitura, de produção e de
análise linguística. Como tal, o texto não se constituía como um objeto de
ensino, mas como um objeto de uso, que, apresentado aos estudantes, pos-
sibilitava o desenvolvimento de hábitos de leitura e estimulava a escrita de
outros textos. Posteriormente, de acordo com Rojo e Cordeiro (2004), o texto
passou a ser visto como suporte para o desenvolvimento de estratégias e
habilidades de leitura e de redação. A leitura era vista como uma ocasião
privilegiada para o desenvolvimento das estratégias leitoras utilizadas pelos
leitores fluentes e para a abordagem das estratégias de planejamento, revisão
e editoração de texto (ROJO; CORDEIRO, 2004).
O ensino das propriedades do texto levou a uma gramaticalização dos
eixos de uso, fazendo com que ele passasse a ser utilizado como pretexto
para o ensino da gramática normativa e da gramática textual. Com isso, nas
práticas educativas, passou-se a utilizar o texto de maneira descontextua-
lizada, pautada na extração de fragmentos textuais (ROJO; CORDEIRO, 2004).
Nos anos 1990, foram divulgados resultados de pesquisas realizadas
em vários países, os quais apontavam a necessidade de que o texto fosse
abordado, nas práticas educativas, em funcionamento e em seu contexto
de produção e leitura, para que, assim, pudesse evidenciar as significações
geradas (ROJO; CORDEIRO, 2004).
No Brasil, a ideia do texto como unidade de ensino, devendo ser abor-
dado em seu contexto de uso, foi incorporada pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), importante documento norteador das práticas educativas
realizadas em todo o país (BRASIL, 1997). Conforme esse documento:
Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita 3

Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é possível


tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem
a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva,
que é questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode
ser o texto (BRASIL, 1997, p. 29).

A proposta de inserção de diferentes tipos de texto nas práticas educati-


vas voltadas para o ensino da língua portuguesa apresentada pelos PCNs se
apoiava na ideia de que, sendo a escola um espaço institucional de acesso ao
conhecimento, caberia a ela atender às demandas sociais de leitura e escrita
em constante crescimento na sociedade. Nesse contexto:

Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania


precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da
linguagem que satisfaça necessidades pessoais — que podem estar relacionadas
às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de informação, ao exercício
da reflexão. De modo geral, os textos são produzidos, lidos e ouvidos em razão de
finalidades desse tipo. Sem negar a importância dos que respondem a exigências
práticas da vida diária, são os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa,
o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, os mais vitais
para a plena participação numa sociedade letrada (BRASIL, 1997, p. 25).

A publicação dos PCNs intensificou a discussão sobre a importância


da inserção dos diferentes gêneros textuais nas práticas educativas
para o ensino da língua. Para conhecer mais sobre os PCNs, acesse o documento
oficial, disponível on-line no Portal do Ministério da Educação.

Gêneros discursivos e textuais como objetos


de ensino
Os gêneros textuais são as formas pelas quais os textos se organizam. Cada
uma delas tem características específicas relacionadas aos conteúdos que
podem ser tratados nos textos de determinado gênero, à composição interna
das informações e às suas marcas linguísticas gerais. Segundo Brakling (2013,
p. 15):

[...] temos vários gêneros na nossa cultura, nesse momento, que circulam em várias
esferas (acadêmica, científica, jornalística, escolar, religiosa, de consumo, literária,
entre outras): artigos de opinião, notícias, reportagens, classificados, receitas
culinárias, receitas médicas, bulas de remédios, contos de fadas, contos policiais,
4 Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita

crônicas, verbetes de dicionário, verbetes de enciclopédia, artigos expositivos,


fábulas, mitos, lendas, anúncios publicitários, biografias, romances literários,
contos de aventura, poemas, cartas, cartas de leitores, bilhetes, entre tantos outros.

Diferentes gêneros textuais têm diferentes finalidades comunicativas. Por


exemplo, enquanto o manual de instruções tem como finalidade a orientação
de alguém que irá realizar alguma tarefa, a notícia tem como objetivo relatar
um fato para um grande público, e um artigo de opinião visa a discutir alguma
questão controversa.
Dolz e Schnewly (2004), buscando contribuir para a construção de uma
progressão das atividades envolvendo os gêneros textuais nas atividades de
ensino, propuseram um enfoque voltado para o agrupamento dos gêneros.
Os agrupamentos foram constituídos a partir de três critérios essenciais.
Na perspectiva adotada pelos autores, é necessário que os agrupamentos:

1 - correspondam às grandes finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo


às necessidades de linguagem em expressão escrita e oral, em domínios essenciais
de comunicação em nossa sociedade (inclusive a escola);
2 - retomem, de modo flexível, certas distinções tipológicas que já figuram em
numerosos manuais e guias curriculares;
3 - sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem dominan-
tes implicadas na maestria dos gêneros agrupados (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 58).

A partir dos critérios elencados, foram propostos cinco agrupamentos:


narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações. No agrupamento “narrar”,
as capacidades de linguagem dominantes são aquelas relacionadas à cultura
literária ficcional. Exemplos de gêneros orais e escritos desse agrupamento
são os contos maravilhosos, os contos de fadas, as fábulas, as lendas, as
biografias romanceadas, entre outros (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).
No agrupamento “relatar”, a capacidade de linguagem dominante é a
documentação e a memorização das ações humanas. O relato de experiências
vividas, os relatos de viagem, a autobiografia, a notícia e o curriculum vitae
são exemplos de gêneros textuais orais e escritos que fazem parte desse
agrupamento (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).
A discussão de problemas sociais controversos é a capacidade linguística
predominante no agrupamento “argumentar”. Como exemplos de textos orais
e escritos desse agrupamento, podemos citar os textos de opinião, a carta
do leitor, o debate regrado, o editorial, as resenhas críticas, entre outros
(DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).
A transmissão e a construção de saberes são contempladas no agrupa-
mento “expor”, que tem como exemplos os textos expositivos, os seminários,
Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita 5

as palestras, os verbetes, as resenhas, os relatórios científicos, etc. (DOLZ;


SCHNEUWLY, 2004).
Já o agrupamento “descrever ações” tem como capacidade linguística pre-
dominante as instruções e as prescrições, como, por exemplo, instruções de
montagem, receitas, regulamentos e regras de jogo (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).
Assim, para que um indivíduo seja capaz de selecionar o gênero mais
adequado para a organização do seu discurso, ele precisa conhecer as ca-
racterísticas dos diferentes gêneros, de modo a avaliar sua pertinência às
finalidades da situação comunicativa, ao lugar de circulação e ao contexto de
produção. A realização de uma seleção adequada é determinante na eficácia
do discurso (BRAKLING, 2013).
Nesse contexto, é papel da escola oportunizar a formação de sujeitos
competentes no uso do discurso, que sejam capazes de adequar os diferentes
gêneros às finalidades comunicativas. Para isso, as práticas educativas devem
ser planejadas e implementadas de maneira a permitir não só o conhecimento
dos diferentes gêneros, mas também a compreensão do papel social dos
diferentes gêneros e textos na vida em sociedade.

Importância social da expressão verbal


Em uma sociedade letrada, usuária da leitura e da escrita, os indivíduos se
deparam com várias situações em que são demandadas habilidades de leitura
e de escrita. Sendo a escola uma das principais responsáveis pelo acesso ao
mundo da escrita, é sua obrigação garantir os meios para que os indivíduos
possam se inserir, efetivamente, na sociedade e exercer plenamente a sua
cidadania utilizando os conhecimentos adquiridos nos contextos escolares.
As múltiplas demandas evidenciam que as práticas de ensino pautadas
no domínio de técnicas ou no uso de fragmentos de textos descontextualiza-
dos utilizadas para o ensino da língua portuguesa não são suficientes para a
formação de sujeitos capazes de usar a leitura e a escrita para as finalidades
requeridas. Soares (2009) afirma que a formação de usuários competentes da
leitura e da escrita em contextos variados pressupõe tanto o domínio da tecno-
logia da escrita quanto o domínio das competências de uso dessa tecnologia.
A capacidade de uso das habilidades de leitura e de escrita em contextos
sociais diversos nos quais elas podem ser requeridas é chamada de letra-
mento (SOARES, 2009). O letramento pode ser entendido como “[...] o conjunto
de conhecimentos, atitudes e capacidades envolvidos no uso da língua em
práticas sociais e necessários para uma participação ativa e competente na
cultura escrita” (SOARES; BATISTA, 2005, p. 50).
6 Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita

O conceito de letramento surgiu como consequência da ampliação pro-


gressiva do conceito de alfabetização decorrente, sobretudo, da percepção de
que saber ler e escrever, sob o ponto de vista do domínio da técnica, não era
suficiente para habilitar os sujeitos para a utilização da leitura e da escrita
na interação com situações sociais diversas.
Conforme está explicitado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
atual documento orientador da organização e reorganização curricular no
país, é papel da escola oportunizar o desenvolvimento das habilidades de
letramento (BRASIL, 2007). De acordo com esse documento, cabe ao compo-
nente curricular língua portuguesa proporcionar aos estudantes múltiplas
experiências que contribuam para a ampliação do letramento, de maneira a
possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais
permeadas e constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens.
Nessa perspectiva, o trabalho com os textos e os gêneros textuais ganha
centralidade nas práticas educativas, conforme descreve a BNCC (BRASIL,
2017, p. 67):

Os conhecimentos sobre os gêneros, sobre os textos, sobre a língua, sobre a norma-


-padrão, sobre as diferentes linguagens (semioses) devem ser mobilizados em
favor do desenvolvimento das capacidades de leitura, produção e tratamento das
linguagens, que, por sua vez, devem estar a serviço da ampliação das possibilidades
de participação em práticas de diferentes esferas/campos de atividades humanas.

A importância da formação de usuários competentes das habilidades de


leitura e escrita em contextos variados pela escola decorre do fato de que
as práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros
e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também
novas formas de produção, configuração, de disponibilização, de replicação
e de interação.

Os gêneros e textos multissemióticos são aqueles nos quais dife-


rentes elementos coexistem. Neles, estão combinadas diferentes
modalidades, como as linguagens verbal (oral e escrita), visual, sonora, corporal
e digital. Os gêneros e os textos multimidiáticos contemplam a diversidade de
mídias, como a televisão, o rádio e a internet.

As novas ferramentas tecnológicas permitem a produção e a disponibi-


lização de textos multissemióticos nas redes sociais e em outros ambientes
virtuais. O acesso a conteúdos diversos em diferentes mídias, bem como a
Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita 7

produção e publicação de fotos, vídeos, podcasts, infográficos, entre outros,


são possibilidades cada vez mais acessíveis a uma grande parte da população
(BRASIL, 2017).
Nesse contexto, as novas práticas sociais de linguagem colocam à escola o
desafio de instrumentalizar os estudantes para que sejam leitores e produto-
res competentes e críticos de gêneros e textos variados. Em uma sociedade em
constante transformação e com um desenvolvimento científico e tecnológico
crescente, a escola precisa estar atenta às novas demandas que irão surgir.
De acordo com a BNCC:

Uma parte considerável das crianças e jovens que estão na escola hoje vai exercer
profissões que ainda nem existem e se deparar com problemas de diferentes ordens e
que podem requerer diferentes habilidades, um repertório de experiências e práticas
e o domínio de ferramentas que a vivência dessa diversificação pode favorecer. O
que pode parecer um gênero menor (no sentido de ser menos valorizado, relacio-
nado a situações tidas como pouco sérias, que envolvem paródias, chistes, remixes
ou condensações e narrativas paralelas), na verdade, pode favorecer o domínio de
modos de significação nas diferentes linguagens, o que a análise ou produção de
uma foto convencional, por exemplo, pode não propiciar (BRASIL, 2017, p. 69).

Portanto, a consideração pela escola, pelos novos multiletramentos e


pelas práticas da cultura digital contribui para que os indivíduos tenham uma
participação mais efetiva e crítica nas práticas contemporâneas de linguagem.
Sendo assim, considerando o seu papel, as práticas educativas desenvolvidas
desde os anos iniciais do ensino fundamental em língua portuguesa devem
garantir a interação dos educandos com textos e gêneros textuais variados
e em situações significativas.

Gêneros textuais nos anos iniciais do ensino


fundamental
As necessidades sociais atuais de uso da leitura e da escrita demandam a forma-
ção de um leitor e produtor textual competente, que seja capaz de, muito mais
do que codificar ou decodificar uma mensagem, de produzir e atribuir sentido,
agindo socialmente por meio da linguagem. O atendimento dessa demanda fez
com que uma nova concepção de linguagem se fizesse necessária, bem como
uma nova concepção de ensino de leitura e de escrita (NASCIMENTO, 2010).
Conforme Nascimento (2010, p. 14):

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, na área de Língua Portuguesa, no final do


século passado, apresentam à escola a concepção sociointeracional de linguagem,
baseada em vários estudiosos da Linguística Contemporânea, da Filosofia da Lin-
8 Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita

guagem, a exemplo de Bakhtin, e de outras áreas do conhecimento, uma proposta


de ensino de leitura e escrita baseada não mais na tipologia textual, mas na noção
de gêneros textuais/discursivos.

Assim, a inserção dos gêneros textuais nas práticas de ensino de leitura,


escrita e oralidade nos anos iniciais do ensino fundamental se faz necessária,
na medida em que oportunizam aos estudantes o contato com situações
reais de uso da língua.
Na perspectiva adotada, os textos não são apenas elementos desen-
cadeadores de atividades voltadas para o ensino de regras gramaticais,
vocabulários específicos ou para a identificação de informações, mas para
um todo comunicativo, com características específicas, sendo contemplado
de maneira contextualizada, tanto do ponto de vista histórico como cultural.
Ainda de acordo com Nascimento (2010), a inserção dos gêneros textuais só
é possível quando as práticas educativas propostas para o ensino da língua
portuguesa são pautadas por uma concepção voltada para o desenvolvi-
mento das competências comunicativas dos estudantes e quando o texto é
considerado uma unidade de comunicação.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, os estudantes devem ser ex-
postos a diferentes tipos de texto e de gêneros discursivos para que possam
identificar e apreender suas marcas características e suas funções sociais.
O trabalho pedagógico nessa etapa da escolarização deve ser organizado
de acordo com quatro eixos inter-relacionados: oralidade, leitura/escuta,
produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica (BRASIL,
2017). O Quadro 1 apresenta esses eixos.

Quadro 1. Eixos de trabalho no ensino da língua portuguesa nos anos iniciais


do ensino fundamental

Eixo Aspectos contemplados

Oralidade Práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com


ou sem contato face a face. Exemplos: aula dialogada,
webconferência, mensagem gravada, jingle, seminário, debate,
programa de rádio, entrevista, entre outros.

Leitura/ Práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do


escuta leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e
multissemióticos e de sua intepretação. Exemplos: leitura
para fruição estética de textos e obras literárias; pesquisa e
embasamento de trabalhos escolares e acadêmicos, debate de
temas de relevância social, entre outros.

(Continua)
Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita 9

(Continuação)

Eixo Aspectos contemplados

Produção Práticas de linguagem relacionadas à interação e à autoria


(individual ou coletiva) do texto escrito, oral e multissemiótico,
com diferentes finalidades e projetos enunciativos. Exemplos:
construção de um álbum de personagens famosos, produção
de um almanaque que retrate as práticas culturais da
comunidade; narrativa de fatos cotidianos, entre outros.

Análise Procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e


linguística/ avaliação consciente durante os processos de leitura e de
semiótica produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das
materialidades dos textos responsáveis por seus efeitos
de sentido, seja no que se refere às formas de composição
dos textos determinadas pelos gêneros (orais, escritos e
multissemióticos) e pela situação de produção, seja no que se
refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto nos
efeitos de sentido.

Fonte: Adaptado de Brasil (2017).

Os eixos propostos na BNCC (BRASIL, 2017) devem ser abordados em sala


de aula de maneira articulada para que possam contribuir para a formação
de usuários competentes da língua. Uma outra categoria organizadora do
currículo e que se articula com as práticas de linguagem contempladas pelos
eixos são os campos de atuação em que essas práticas se realizam:

Na BNCC, a organização das práticas de linguagem (leitura de textos, produção de


textos, oralidade e análise linguística/semiótica) por campos de atuação aponta
para a importância da contextualização do conhecimento escolar, para a ideia de
que essas práticas derivam de situações da vida social e, ao mesmo tempo, precisam
ser situadas em contextos significativos para os estudantes (BRASIL, 2017, p. 84).

Nos anos iniciais do ensino fundamental, estão propostos quatro cam-


pos de atuação: (1) campo da vida cotidiana, (2) campo artístico-literário,
(3) campos das práticas de estudo e pesquisa e (4) campo da vida pública
(BRASIL, 2017). A proposição dos campos de atuação visa a orientar a seleção
de gêneros, práticas, atividades e procedimentos em cada um deles. Ao
abordá-los, o professor deve ter consciência de que as fronteiras entre eles
são tênues, permitindo que alguns gêneros sejam utilizados em diferentes
campos (BRASIL, 2017).
Na adoção de práticas de ensino pautadas pelas propostas da BNCC
(BRASIL, 2017), o professor tem um papel fundamental. Cabe a ele realizar a
10 Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita

mediação entre os estudantes e os gêneros textuais diversos, inseridos em


situações comunicativas significativas e contextualizadas. Ainda, para que
cumpra o seu papel, o professor precisa ter um amplo conhecimento sobre os
gêneros com os quais irá trabalhar, a fim de que possa inseri-los de maneira
adequada em suas práticas.
Vale ressaltar que trabalhar com um determinado gênero na perspec-
tiva adotada não significa apenas apresentá-lo aos estudantes de maneira
descontextualizada ou artificializada. Faz-se necessário que o gênero seja
colocado em uma situação bastante semelhante àquelas em que é encon-
trado nos contextos extraescolares. Ao fazer isso, o professor contribuirá
para a formação de “[...] cidadãos conscientes de que, ao se comunicar, estão
construindo o mundo e transformando-o, uma vez que nessa perspectiva,
língua e vida são inseparáveis” (NASCIMENTO, 2010, p. 20).
Neste capítulo, pudemos perceber que, ao longo da história da educação
brasileira, o texto esteve presente no ensino da língua portuguesa com
diferentes finalidades e concepções de linguagem. Contudo, as discussões
sobre a importância do letramento, iniciadas na década de 1980, provocaram
a reflexão sobre a necessidade de revisão das práticas educativas descon-
textualizadas e desprovidas de significado. Essa revisão colocou o texto no
centro das práticas educativas e os gêneros textuais como necessários às
práticas de linguagem. Mais tarde, em 2017, a publicação da BNCC enfatizou
a necessidade de que a escola promovesse práticas de linguagem no ensino
da língua portuguesa pautadas em diferentes eixos de trabalho e campos
de atuação humana.
Diante disso e considerando a importância das práticas educativas adequa-
das para a formação de sujeitos capazes de utilizar, de maneira competente,
a leitura e a escrita para o enfrentamento de demandas diversas, é papel do
professor inserir os gêneros textuais em seu planejamento e propor situações
de aprendizagem significativas e contextualizadas.

Referências
BRAKLING, K. L. Orientações didáticas fundamentais sobre as expectativas de aprendi-
zagem de língua portuguesa. São Paulo: Secretaria de Educação, 2013. Disponível em:
https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/963.pdf. Acesso
em: 7 dez. 2021.
BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017.
BRASIL. Parâmetros curriculares de língua portuguesa. Brasília, DF: Ministério da
Educação, 1997.
Os gêneros textuais na construção social da leitura e da escrita 11

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita: elementos


para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: DOLZ, J. et al. Gêneros orais
e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 41-73. Disponível em:
https://midiasstoragesec.blob.core.windows.net/001/2017/02/gneros-e-progresso-
-em-expresso-oral-e-escrita-cpia.pdf. Acesso em: 7 dez. 2021.
NASCIMENTO, E. P. Gêneros textuais no ensino fundamental: um desafio para professores
em formação. Linguagem & Ensino, v. 13, n. 1, p. 13-35, jan./jun. 2010.
ROJO, R.; CORDEIRO, G. S. Apresentação: gêneros orais e escritos como objetos de
ensino: modo de pensar, modo de fazer. In: DOLZ, J. et al. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. p. 7-18.
SOARES, M.; BATISTA, A. A. G. Alfabetização e letramento: caderno do professor. Belo
Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

Leituras recomendadas
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.;
MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lu-
cerna, 2002.

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testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da
publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas
páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores
declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou
integralidade das informações referidas em tais links.
Dica do professor
Veja, no vídeo a seguir, como ocorre a utilização e a produção dos gêneros textuais na escola e a
importância de se trabalhar textos variados para a construção social da leitura e da escrita eficazes.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.
Exercícios

1) A investigação da palavra ou da frase isolada não permite o entendimento dos diversos


fenômenos linguísticos que ocorrem no processo da comunicação. Diante disso, assinale a
alternativa CORRETA sobre o processo de evolução da linguística textual.

A) A linguística textual atingiu o seu ápice em 1960, no Brasil, quando a preocupação dos
linguistas era descrever os fenômenos sintático-semânticos ocorrentes em enunciados.

B) A linguística textual atingiu o seu ápice quando os linguistas elaboraram a gramática de frases,
instrumento essencial para qualquer língua.

C) O estudo dos diversos gêneros textuais tornou-se pouco eficiente para o processo de ensino-
aprendizagem, visto que os linguistas perceberam que a língua e a linguagem não devem
mudar nos diversos textos. Além disso, para eles, é preciso produzir textos utilizando a norma
culta da língua.

D) Os linguistas perceberam que o estudo de diversos gêneros textuais pode ser bastante viável
para aumentar a eficiência da aprendizagem, pois os gêneros textuais trazem textos
construídos com propriedades estruturais específicas, como verdadeiras unidades linguísticas,
e não apenas sequências de sentenças isoladas.

E) A elaboração da gramática de textos foi de suma importância para a linguística textual, sendo
ela a principal fonte de consulta para a análise de textos apenas escritos, os quais sempre
devem seguir a norma padrão da língua, ao contrário dos textos orais que, em nenhum
momento, precisam ser formais.

2) O contexto e a situação comunicativa começam a ter relevância nos estudos do texto, uma
vez que a pesquisa em linguística textual ganha uma nova dimensão. Agora, não se trata
mais de pesquisar a língua como um sistema autônomo, mas sim o seu funcionamento nos
processos comunicativos de uma sociedade concreta. Diante disso, os textos deixam de ser
tratados como estruturas prontas e acabadas e passam a ser considerados como elementos
constitutivos de intenções sociais e comunicativas dos usuários da língua, isto é, uma
estrutura complexa, mas passível de modificações. A perspectiva adotada pela linguística
textual é a:

A) Perspectiva dos aspectos semânticos.

B) Perspectiva dos gramáticos.


C) Virada cognitivista.

D) Discussão de problemas sociais controversos.

E) Perspectiva pragmática.

3) No início dos estudos linguísticos havia o predomínio da análise de textos e, depois, num
segundo momento, esta foi agregada com a adoção da ideia de que os fatores contextuais
passam a ser reconhecidos nas práticas comunicativas. Posteriormente, o contexto social,
histórico e cultural também foi valorizado no estudo da linguagem, uma vez que ele está
representado na memória do indivíduo pelos modelos cognitivos. Em outro momento, os
sujeitos passaram a ser considerados como os próprios construtores de textos, ou seja, é
como se o texto passasse a ser o próprio lugar da interação, e os interlocutores se tornassem
os sujeitos ativos que nele se constroem e por ele também são construídos. Entre as
alternativas, a sequência que melhor representa a evolução ocorrida na linguística textual,
com suas diferentes abordagens, é:

A) Análise transfrástica — pragmática — cognitivista — sociocognitivo-interacionista.

B) Pragmática — cognitivista — sociocognitivo-interacionista — análise transfrástica.

C) Pragmática — cognitivista — análise transfrástica — sociocognitivo-interacionista.

D) Cognitivista — análise transfrástica — sociocognitivo-interacionista — pragmática.

E) Análise transfrástica — cognitivista — pragmática — sociocognitivo-interacionista.

4) Os agrupamentos de gêneros ocorrem com base nas regularidades e transferências


linguísticas de cada um deles. Entretanto, cada um dos gêneros possui características
diferentes, o que exige adaptações em seu ensino. Considerando o agrupamento de gêneros,
é CORRETO afirmar que:

A) Narrar, relatar, argumentar e expor são exemplos de gêneros orais e escritos.

B) A argumentação está relacionada à capacidade de representação pelo discurso de


experiências vividas, situadas no tempo.

C) O discurso de acusação feito por promotores e advogados, por exemplo, é um tipo de gênero
textual.

D) Um verbete de enciclopédia não pode ser considerado um gênero textual, pois o estudo de
gêneros não considera frases soltas, tampouco palavras individuais que não produzem
sentido.

E) A cultura literária ficcional, por se tratar de "mera ficção", não pode ser considerada parte do
domínio social de comunicação, diferentemente das instruções e prescrições que têm caráter
formal, sendo elas textos jurídicos e científicos, respectivamente.

5) Considerando que os gêneros textuais são textos que possuem funcionalidade e objetivo,
bem como linguagem e público-alvo específicos, é possível afirmar que:

A) Não é necessário que haja uma sequência previamente elaborada para a aprendizagem dos
gêneros pelos alunos, visto que cada gênero é diferente e os alunos deverão habituar-se a
trabalhar com eles no dia a dia, nas diversas situações de fala, escrita, comunicação etc. Ou
seja, isso não deve ser uma preocupação dos professores.

B) Ao apresentar o assunto, os professores deverão trabalhar o módulo 1 com os primeiros tipos


de gêneros textuais, sem se preocuparem muito com o nível dos diferentes alunos, pois, com
o andamento das aulas, todos serão capazes de se nivelar e alcançarem o mesmo patamar de
aprendizagem.

C) Nenhuma produção final deverá ser exigida dos alunos, pois a aprendizagem é um processo
contínuo. Fazer com que o aluno elabore um trabalho final é o mesmo que dizer que ele já
alcançou o objetivo da aprendizagem, que está apto e não precisará mais produzir textos
daquele gênero, repetidamente.

D) O estudo dos gêneros textuais é muito importante. É claro que os professores devem ater-se
apenas àqueles gêneros textuais com os quais os alunos já tiveram algum tipo de contato. É
importante observar se tais gêneros fazem parte do universo estudantil, pois, do contrário,
isso poderá causar aversão e desinteresse nos alunos, prejudicando suas aprendizagens.

E) Os agrupamentos de gêneros são feitos considerando as regularidades e as transferências


linguísticas de cada gênero. No entanto, cada um deles possui características diferentes, o
que exige adaptações para o seu ensino.
Na prática
Em suas aulas, o professor deve incluir os gêneros textuais que pertencem ao universo dos alunos,
pois, dessa forma, ele não os ensinará apenas a ler e a escrever, mas também a utilizar, da melhor
maneira possível, as várias facetas da língua materna.
Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Gêneros textuais: o que há por trás do espelho?

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