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CURSO DE APERFEIÇOAMENTO

ESCOLA DO RIO DOCE


Texto trabalhado

• Língua, Artes e Literatura (LAL) na formação continuada de professores das


escolas da Bacia do Rio Doce

• Autoria: Ana Paula da Silva Rodrigues e Rita Cristina Lima Lages


Ana Paula da Silva Rodrigues: Doutora e Mestra Rita Cristina Lima Lages: Professora Adjunta do
em Educação (Linha de Pesquisa "Educação e Departamento de Letras da Universidade Federal
Linguagem") pelo Programa de Pós-Graduação de Ouro Preto. Doutora em Educação (UFMG,
em Educação: Conhecimento e Inclusão Social 2013). Doutorado sanduíche pela Faculdade de
da FAE/UFMG. Especialista em Revisão de Ciências Sociais da Universidade de Buenos
Textos pela Pontifícia Universidade Católica de Aires (UBA, 2011). Mestre em Educação
Minas Gerais (2010). Graduada em Letras (UFMG, 2007). Graduação em Letras e
(Licenciatura em Português e Espanhol) pela Pedagogia. Tem experiência nas áreas: Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais (2007). Educação, Ensino de Língua Portuguesa e suas
Atualmente é Técnica em Assuntos Educacionais Literaturas, Ensino de Línguas Estrangeiras
do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). em Modernas, Formação Docente, Orientação de
experiência na área de Letras e Educação, Estágio Curricular, Didáticas e Práticas de
atuando, principalmente, com os seguintes Ensino. Como pesquisadora, atua nos seguintes
temas: Formação de Professores, Escrita, Leitura, temas: História do Ensino da Língua Portuguesa
Letramentos, Gêneros Acadêmicos, Metodologia e das Línguas Estrangeiras no Brasil; História da
Científica, Políticas Educacionais, Educação Leitura e da Escrita; História das Práticas de
Inclusiva, Educação a Distância, Educação do Ensino; História do Currículo e das Disciplinas
Campo e Livros Didáticos. Escolares.
Problemática
Em que medida o conhecimento a ser produzido no ensino e
aprendizagem de Língua, Artes e Literatura (LAL) pode contribuir para
a revitalização dos modos de produzir e reproduzir a vida após o
rompimento?
A proposta da formação
• Promover reflexões sobre como o campo de conhecimento da LAL
pode organizar o fazer pedagógico, propondo ações que propiciem:

- a compreensão de como a educação ambiental e ações de reparação, pós-rompimento, podem ser


capilarizadas em seus territórios a partir de intervenções didático-pedagógicas, com temáticas
específicas da LAL;

- temáticas e conteúdos da LAL que possam contribuir para a construção de uma visão inter e
transdisciplinar dos conhecimentos sobre educação ambiental na escola e nos territórios;
A proposta da formação
• Reflexões sobre como o campo de conhecimento da LAL pode
organizar o fazer pedagógico, propondo ações que propiciem:

- a formação de sujeitos protagonistas na implementação de ações nos campos da linguagem,


literatura, cultura e arte em seus territórios, em interface com a educação ambiental voltada para
ações de reparação desse campo;

- a conformação da escola como polo potencializador e dinâmico das ações formativas para ações
de reparação a partir do campo da LAL;

- a promoção de mudança de mentalidades, tornando os sujeitos ativos e protagonistas na reparação,


produção e gestão de componentes dos campos da literatura, arte e linguagens em seus territórios.
Divisão do texto em seções

O que é LAL: Língua, discurso e


Por uma Ensino da Arte ou
histórico, poder: uma
Educação Educação pela
definições, proposta
Literária na escola Arte
abordagens intercultural
O que é LAL:
histórico, definições, abordagens
• A organização da formação em quatro áreas do conhecimento faz parte
da epistemologia que foi sendo construída e se consolidando na área
de Educação do Campo (e também da Formação Intercultural
Indígena).

• A formação por área do conhecimento diz respeito tanto a uma


organização curricular quanto a uma metodologia do trabalho
pedagógico.
• Formação que rompe com as tradicionais visões fragmentadas do
processo de produção do conhecimento e com a disciplinarização da
complexa realidade na atualidade.

• Não são as disciplinas o objetivo central do trabalho pedagógico, mas


as questões da realidade, cujas epistemologias as fazem convergir para
uma ou outra determinada área do conhecimento.
• Na área da LAL (Língua, Arte e Literatura) são organizados conteúdos
que contextualizam práticas reais da vida cotidiana do sujeito em
consonância com o conhecimento científico acumulado sobre as
diversas linguagens (usos da língua, práticas artísticas e literárias).

• Quais teorias linguísticas, cognitivas e/ou outras dão sustentação às


formas que ensinamos e aprendemos língua e literatura hoje?
• Desde sua entrada formal na escola, como conteúdo disciplinar, a língua
portuguesa se reconfigurou e se reconfigura continuamente.

• Para as discussões que nos interessam no momento, vamos nos ater às


abordagens que, sobretudo a partir dos anos de 1980, com o desenvolvimento das
ciências linguísticas, chegam ao Brasil de forma aplicada às aulas de Língua
Portuguesa, referenciadas pelo que se denominou de Giro Linguístico ou Virada
Pragmática.
Análise da
Lingística Textual Análise do discurso Pragmática
Conversação

• Tais ciências reconhecem o texto como unidade da comunicação e interação;


voltam o olhar para o contexto, para os usos que os falantes fazem da língua.
• Para Mikhail Mikhailovich Bakthin, o ato de se comunicar, ou o uso da
linguagem como atividade humana, organiza a vida social, que é norteada por
um gênero discursivo. Os gêneros são responsáveis por ordenar e estabilizar a
comunicação. (BAKHTIN, 2003, p. 283).

• Depreendeu-se, a partir de tais considerações, a centralidade dos gêneros textuais


no processo de ensino e aprendizagem da língua materna, visto que é por meio
deles que os sujeitos se constituem e estabelecem interações com a sociedade.
• As ciências linguísticas no campo educacional vão servir como
referenciais teóricos e epistemológicos para a produção de políticas
públicas curriculares no Brasil, sobretudo na década de 1990.

• Destacam-se nesse campo: a Lei de Diretrizes e Base da Educação


Brasileira, LDB, de 1996; os Parâmetros Nacionais Curriculares
(PCNs), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); O PNLD
Literário; e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), cuja origem e fundamento remontam à Constituição de 1988.
Variação linguística
• Uma temática cara na área de Linguagens, por exemplo, que se desdobra também
como ciência linguística, ou como uma subárea da Linguística, é a abordagem de
ensino da Variação Linguística e, mais especificamente, o trabalho com gêneros
orais em sala de aula de Língua Portuguesa.

• O desafio tem sido que a escola não eleja como “correta” apenas a variação
considerada de prestígio, ou a norma, aquela melhor aceita socialmente em
situações formais/urbanas/elitizadas de uso da língua, mas que trabalhe todas as
manifestações como diferentes variações linguísticas.
Os gêneros textuais
• Conforme aponta Marcuschi (2003), a partir dos anos 1980, ocorreu uma mudança
na forma como se tratavam as semelhanças e diferenças entre fala e escrita. Hoje,
mais especificamente a partir do início do século XXI, tem-se um novo objeto de
análise: os gêneros textuais.

• Marcuschi analisa que os aspectos que devem ser priorizados são os usos da
língua, e não as formas – estas é que devem se adaptar àqueles, e não o contrário
-, e que o ensino da oralidade, enquanto eixo de ensino de Língua Portuguesa,
deve ser resgatado pelos professores de contextos diversificados.
Para refletir
• Você acha que a escolarização dos gêneros textuais artificializa as
situações de comunicação, tornando, às vezes, o relativamente estável
(nas palavras de Bakhtin [2003]) radicalmente estável?

• Seria possível não ficcionalizar os gêneros na escola?

• Quais as saídas para essa situação? Como tem sido o uso


do livro didático na
sua sala de aula?
Língua, discurso e poder: uma proposta
intercultural

(...) a intercultura vem se configurando como um objeto de estudo


interdisciplinar e transversal, no sentido de tematizar e teorizar a
complexidade (para além da pluralidade ou da diversidade) e a
ambivalência ou o hibridismo (para além da reciprocidade ou da
evolução) dos processos de elaboração de significados nas relações
intergrupais e intersubjetivas, constitutivos de campos identitários em
termos de etnias, de gerações, de gênero e de ação social (FLEURI,
2003, p. 23).
Língua, discurso e poder: uma proposta
intercultural

• Por meio de uma educação intercultural é possível efetivar o diálogo


entre as culturas para o rompimento com as estruturas de poder e a
construção de outras formas de produção de conhecimento,
valorizando os modos de vida das diferentes sociedades e
questionando “a subalternização dos grupos, das classes, dos gêneros e
das racionalidades a fim de estabelecer condições de legitimidade para
formas outras de relacionar-se como o mundo” (SILVA, 2015, p. 87).
Para refletir
• Como o território, a comunidade e seus sujeitos aparecem nessa aula,
nesse material, nesse texto?

• As temáticas são tratadas de forma contextualizada e comprometida


com os princípios de uma Educação Intercultural, ou apenas como
ilustração ou pretexto para o ensino conteudista de gramática?

• As temáticas da mineração e seus impactos estão representadas no


meu material didático, em planos de aula, em minha sequência
didática?
Conceitos importantes

• Prática social e não • Uma competência • São enunciados


LETRAMENTOS

ALFABETIZAÇÃO

GÊNEROS TEXTUAIS
uma habilidade cognitiva mais ou menos
técnica. individual estáveis tomados
• Variam de • É aprendida pelos interlocutores
comunidade para sobretudo na em situações
comunidade, escola, por meio da habituais de
comunicação.
devido às aquisição do
• Caracterizados pela
condições sociais, código.
sua função
políticas, culturais
sociocomunicativa.
e econômicas.
Multimodalidade
• De forma simplificada e inspirados em Kress e Vanleeuwen (2001),
podemos conceituar a multimodalidade como o uso integrado de
diferentes recursos semióticos (texto verbal, imagens, sons, gestos) em
eventos de comunicação diversos (orais, escritos, impressos, digitais).

• A multimodalidade amplia, portanto, o conceito de texto.


Multiletramentos
• Multiletramentos, inspirados nos autores Kress e Vanleeuwen (2001), são o
conjunto de práticas sociais em que diferentes códigos de linguagem e tecnologia
se imbricam de forma multimodal, requerendo dos interlocutores habilidades além
das de ler e escrever.

• A Pedagogia dos Multiletramentos (ROJO, 2012) contempla as diferentes pessoas


e suas culturas de forma adequada às práticas de comunicação pós-modernas.
Com isso, o papel da escola muda, já que, evidentemente, são lançados novos
desafios.
A habilidade de ler e
produzir textos verbais
de forma linear e
sequencial não é mais
suficiente.
O papel da escola
• Incorporar essas práticas para formar cidadãos proficientes e críticos.
Ou seja, pessoas que saibam interpretar essa diversidade de textos de
forma crítica, não alienada, para criar e produzir conteúdos e
significados.

• Conforme aponta Street (2014), abordar a multimodalidade na escola


pode contribuir para o entendimento dos arranjos e rearranjos das
mídias e, consequentemente, para o entendimento dos contextos
sociais e culturais de comunicação imbricados de antigas e novas
relações de poder.
• A perspectiva dos multiletramentos na escola considera a dimensão ideológica e
as relações de poder presentes na escolha de cada palavra, de cada imagem, de
cada movimento, de cada foco, de cada disposição de recursos semióticos.

• Um leitor ativo usa, articula, manipula e “desmanipula” informações.

• Segundo Soares (2010), o fracasso da alfabetização se dá, entre outros fatores,


devido aos problemas decorrentes da distância entre a variedade escrita do dialeto
padrão e os dialetos não padrão de que são falantes as crianças menos favorecidas
socialmente.
Alguns equívocos das escolas
• Valorização da língua escrita em detrimento da língua oral espontânea
dos alunos.

• Atribuição das dificuldades na escrita a algum tipo de déficit


cognitivo dos estudantes.

Não basta ensinar à criança a habilidade


de codificar e decodificar. Ela deve ser
exposta a todo tipo de experiência com a
linguagem escrita, oral, formal, informal,
verbal, não verbal e multimodal.
Por uma Educação Literária na escola
• Repetto (2019, p. 19), nos convida a compreender cultura e interculturalidade
como um campo que “envolve diversas perspectivas teóricas, filosóficas, políticas
e ideológicas, as quais estão em processo de construção e em um debate
permanente.”.
• Pensar, portanto, o letramento ou educação literária na escola, de modo
intercultural, requer do/a docente refletir sobre preconceitos linguísticos e
literários, hierarquias e cânones literários, na expectativa de uma valorização de
manifestações culturais e literárias da comunidade na qual a escola está inserida,
em diálogo com a diversidade de produções do campo de modo mais amplo.

A perspectiva de uma
abordagem intercultural
encontra-se presente em
diversos componentes
curriculares da BNCC.
O conceito de experiência
• O educador/pedagogo espanhol Jorge Larrosa nos convida a pensar a
educação a partir do par “experiência/sentido”, com a finalidade de
construção de uma aprendizagem significativa. Segundo o autor, “a
experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não
o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.” (LARROSA, 2002,
p.21).

• Oposta ao turbilhão de informações, ela está ligada àquilo que


perdura, porque ela passa a constituir o inconsciente, a memória.
• Sobre a relação entre a prática literária e humanização, Antônio
Cândido nos ensina que “[…] a literatura corresponde a uma
necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena de mutilar a
personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão
do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos
humaniza (CANDIDO, 2004, p. 12).

A hipótese do professor [A. Candido] é a de que em todas as suas


manifestações, das mais simples às mais complexas, a literatura forma e
humaniza quem a produz e quem a consome. Forma e humaniza pela fantasia e
imaginação de que ela, a literatura, se nutre. O real da vida, em todas as suas
dimensões, é transfigurado pela fabulação. (LAJOLO, 2017, p.13).
• Para uma efetiva educação literária, é importante a formação de uma
comunidade de leitores na escola, apostando nas definições de Rildo
Cosson:

Na escola é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos


construídos individualmente. A razão disso é que, por meio do compartilhamento
de suas interpretações, os leitores ganham consciência de que são membros de
uma coletividade e de que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de
leitura. Trata-se, pois, da construção de uma comunidade de leitores que tem
nessa última etapa seu ponto mais alto. (COSSON, 2009, p.66, grifo nosso).
Ensino da Arte ou Educação pela Arte
• Sobre os alcances de uma educação assentada na interculturalidade, Candau
defende a construção de relações igualitárias entre grupos socioculturais
diferentes, por meio, sobretudo, de políticas públicas educacionais. (CANDAU,
2016, p. 10-11).

Trabalhar com a multiculturalidade no ensino de Arte supõe ampliar o conceito de arte, de


um sentido mais restrito e excludente, para um sentido mais amplo, de experiência estética.
Somente desta forma é possível combater os conceitos de arte oriundos da visão das artes
visuais como “belas-artes”, “arte erudita” ou “arte maior”, em contraposição à ideia de
“artes menores” ou “artes populares”. A própria denominação de folclore e artesanato já
vem carregada de preconceito, pois o termo “folklore” foi utilizado para representar a arte
“do outro”, daquele que não tinha acesso às camadas mais eruditas da sociedade, e o termo
artesanato tem sido vinculado à ideia da reprodução sem criação, ou sem maior perfeição
técnica. (RICHTER, 2003, p. 9)
• Inserida no campo da linguagem, a Arte como componente curricular deve ser
trabalhada nas seguintes linguagens: as Artes visuais, a Dança, a Música e o
Teatro.

• Sobre a função de uma educação pela arte e sua função educadora, Barbosa (2005,
p. 06), defende que se “pretendermos uma educação não apenas intelectual, mas
principalmente humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para
desenvolver a percepção e a imaginação, para captar a realidade circundante e
desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação desta realidade.”

(...) “um ensino de arte por meio do qual as


diferenças culturais sejam vistas como recursos
que permitam ao indivíduo desenvolver seu
próprio potencial humano e criativo, diminuindo
o distanciamento existente entre a arte e a vida”.
(RICHTER, 2003, p. 51).
A arte e o rompimento
• Trazer a temática do rompimento e desastres da mineração para os trabalhos de
ensino da Arte, representaria enorme ganho na formação dos alunos e da
comunidade.

• Tomando esses sujeitos como sujeitos da experiência nos eventos da tragédia


ambiental e fazer dessas experiências motes para diferentes produções artísticas,
seria uma forma não apenas desses sujeitos elaborarem seus traumas e conflitos
nesse terreno, como também pensar e executar propostas de reconstrução e
reelaboração de suas memórias culturais mais amplas, sem dúvida, impactadas e,
muitas vezes, desmobilizadas pela tragédia do rompimento.
Consolidação e Considerações
• O campo/área da LAL pode ser visto, por você professor/a, como
espaço extremamente propício para se trabalhar e defender a
linguagem, em suas diversas formas de manifestação, como um
importante instrumento de poder.

• a Arte é um importante instrumento de engajamento político, já que


contribui para a construção tanto de um imaginário social sobre o
território e seus sujeitos quanto de sentido de pertencimento, de
identidade pessoal e coletiva. (RODRIGUES, 2022, no prelo).
Consolidação e Considerações
• O ensino de literatura dentro de uma área do conhecimento deve, além
de promover o prazer estético de apreciar um texto literário, preparar o
estudante para entender e inferir a ideologia (valores sociais, culturais
e humanos da diversidade étnica e cultural brasileira) que todo texto
traz de forma mais ou menos explícita. (RODRIGUES, 2022, no
prelo).

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