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A ABORDAGEM DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS DE LÍNGUA

PORTUGUESA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Leila Britto de Amorim1


Fabiane Vieira da Silva2
Telma Ferraz Leal3

Este estudo procurou investigar os procedimentos didáticos de inserção dos


gêneros textuais nos livros didáticos da coleção “Português uma proposta para
o letramento”, de Magda Soares (2004). Foram adotadas, para a realização
das análises, a concepção de gêneros textuais de Bakhtin (2000) e a proposta
de organização curricular de Dolz e Schneuwly (2004). Os referidos autores
concebem o gênero como instrumento cultural que medeia atividades
dialógicas e representa um conjunto de formas disponíveis no funcionamento
da linguagem e comunicação de uma sociedade. A metodologia consistiu na
análise do manual do professor, levantamento dos gêneros textuais abordados
na coleção e análise do trabalho didático com os gêneros textuais. Os
resultados evidenciaram que há grande diversidade de gêneros textuais em
todos os livros, os quais são abordados em uma perspectiva sociodiscursiva,
favorecendo uma mestria dos gêneros e das situações de comunicação. As
situações didáticas são organizadas de modo a levar os alunos a pensar sobre
as características dos gêneros em foco.
Palavras-chave: gêneros textuais; abordagem didática; livros didáticos.

O trabalho com a língua materna sempre se constituiu como uma


preocupação por parte de educadores, uma vez que é por meio desta que o
indivíduo se comunica com seus semelhantes, defende suas opiniões, amplia o
conhecimento de si próprio e do mundo em que vive, enfim, constrói sua
cidadania. É através da vivência nas situações de comunicação e do contato
com diferentes textos que surgem na vida cotidiana que os indivíduos
exercitam a competência lingüística de falante/ouvinte produtor de enunciados.
Dessa forma, a diversidade textual na escola pode facilitar a construção dos
conhecimentos sobre as práticas de linguagem na sociedade, quando existe
uma reflexão sobre seus aspectos funcionais, interacionais, composicionais, de
estilo e temática.
De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (Brasil, 1999, p. 30), a escola deve “viabilizar o acesso do
1
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. lbalima@yahoo.com.br
2
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. fab12@bol.com.br
3
Professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação –
UFPE. tfleal@terra.com.br.
aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los”.
Nesse sentido, percebemos uma preocupação dos PCN em articular as
práticas sociais de uso dos gêneros textuais orais ou escritos que ocorrem fora
da escola com as práticas no âmbito escolar.
Nesse sentido, é especialmente importante refletir sobre o conceito de
gêneros textuais e sobre os modos como eles são inseridos na prática
pedagógica cotidiana. Segundo Bakhtin (2002), os gêneros compõem-se de
três elementos principais. São eles: conteúdo temático (o assunto de que vai
tratar o enunciado em questão, gerados numa esfera discursiva com suas
realidades sócio-culturais), estilo (seleção lexical, estruturas frasais, gramatical)
e construção composicional (relações, procedimentos, organização,
estruturação e acabamento do texto, a estrutura formal).
Mesmo variando em termos de extensão, conteúdo e estrutura, os
enunciados conservam características comuns, daí serem considerados tipos
relativamente estáveis. Ainda segundo o autor, existe uma variedade de
gêneros, pois suas formas “são mais maleáveis, mais plásticas, e mais livres
do que as formas da língua” (p. 302). Dentre outros, podemos citar os contos,
cartas, poemas, regulamentos. Concebemos, como detalharemos no tópico a
seguir, que os gêneros textuais são instrumentos culturais que servem de
referência nas atividades de produção e de compreensão de textos nas
diferentes práticas de linguagem.
Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros vai
permitir ao indivíduo prever quadros de sentidos e comportamentos nas
diferentes situações de comunicação com as quais se depara. O trabalho com
a diferenciação de determinados gêneros e o reconhecimento das estruturas
formais e de sentido que os compõem contribuem para o desenvolvimento das
competências sócio-comunicativas dos falantes.
Na tentativa de auxiliar no desenvolvimento das competências
lingüísticas do aluno, os autores de livros didáticos de Língua Portuguesa vêm
apresentando modificações em suas propostas e atividades. Ou seja, o anseio
em querer acompanhar as novas tendências educacionais está provocando
mudanças em alguns livros, dentre as quais, os modos de inserção dos
gêneros textuais nas atividades didáticas. Busca-se, por meio das mudanças,
promover maior desenvolvimento da capacidade do aluno de produzir textos

2
orais e escritos, como também enriquecer a capacidade de percepção do
mundo através da compreensão e produção de textos. Assim, a didatização
dos gêneros textuais merece uma reflexão especial, por se tratar de uma
questão importante e substancial na construção do conhecimento linguístico-
textual do aluno. Segundo Dolz e Schneuwly (1997):

“Na sua missão de ensinar os alunos a escrever, ler e a falar, a escola,


forçosamente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de
comunicação, portanto também aquela centrada na aprendizagem,
cristaliza-se em formas de linguagem específicas. A particularidade da
situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante
complexa: há um desdobramento que se opera, em que o gênero não é um
instrumento de comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de
ensino/ aprendizagem.” (p.7)

O livro didático não é o único instrumento do educador e do aluno, mas é


uma ferramenta importante no processo de ensino/aprendizagem de Língua
Portuguesa. O trabalho com a escrita e a oralidade é um dos norteadores da
ação pedagógica e um livro de Língua Portuguesa deve trazer uma proposta
voltada para o desenvolvimento de um sujeito que ao “produzir um discurso,
conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o
gênero no qual seu discurso se realizará, escolhendo aquele que for apropriado
aos seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão.”(BRASIL,
1997:65). A nossa hipótese é que os bons livros didáticos não restringem o
trabalho com gêneros textuais meramente em seus aspectos estruturais ou
formais.
Desse modo, nosso objetivo central é investigar os procedimentos
didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos. Mais
especificamente, buscamos: (1) identificar a concepção de gênero textual
expressa no manual do professor; (2) saber quais gêneros textuais são
inseridos na coleção; (3) identificar as dimensões ou características dos
gêneros que são enfocadas no livro; (4) saber se os livros favorecem a reflexão
sobre os gêneros textuais ou se optam por estratégias de apresentação de
conceitos prontos e acabados; (5) analisar as propostas de atividades com os
gêneros textuais.
O presente artigo encontra-se dividido em três tópicos. No primeiro,
apresentaremos a concepção de gênero textual segundo Mikhail Bakhtin. No

3
segundo, focalizaremos no trabalho com os gêneros textuais na escola. Por
fim, faremos uma análise da proposta com o trabalho de gêneros textuais
expressa nos livros didáticos selecionados, abrangendo tanto o manual do
professor como o livro do aluno, a fim de expor os resultados acerca dos
procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos.

1. A NOÇÃO DE GÊNERO DO DISCURSO SEGUNDO MIKHAIL BAKHTIN


Ao analisarmos o contexto histórico, percebemos que o conceito de
gênero vem sendo estudado desde a Antigüidade. Na literatura clássica, havia
uma preocupação em classificar determinados textos, de acordo com suas
características e modalidades. Dessa forma, na tradição greco-latina, o gênero
estava associado aos estudos literários. Platão (2005) fazia uma reflexão sobre
gênero, dividindo-o em três grupos: a tragédia, a épica e a lírica, tendo como
princípio o modo do enunciado. Bakhtin (2002) também ressalta que estes
gêneros foram os mais estudados:

“os gêneros literários (...) sempre foram estudados pelo ângulo artístico-
literário de sua especificidade, das distinções diferenciais intergénericas (nos
limites da literatura), e não enquanto tipos particulares de enunciados, com
os quais contudo têm em comum a natureza verbal (lingüística).” (p. 280)

Aristóteles (1959), por sua vez, enfatizou os gêneros textuais retóricos.


Ele ressaltava que três elementos compõem o discurso: aquele que fala; aquilo
sobre o que se fala e aquele a quem se fala. Trata-se de uma proposta de
divisão do discurso na arte da persuasão e da oratória. Nesse sentido,
existiriam três tipos de ouvintes no discurso: “o espectador que olha o presente,
a assembléia que olha o futuro e o juiz que julga as coisas passadas” (p.32).
Os gêneros do discurso retórico, por sua vez, estariam associados a estes três
tipos de julgamento e seriam divididos em discurso deliberativo, judiciário e
demonstrativo. Em relação aos discursos retóricos, Bakhtin (2002) ressaltava
que:

“dava-se pelos menos maior atenção à natureza verbal do enunciado, a seus


princípios constitutivos tais como: a relação com o ouvinte e a influência
deste sobre o enunciado, a conclusão verbal peculiar ao enunciado (diferente
da conclusão do pensamento), etc. A especificidade dos gêneros retóricos

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(jurídicos, políticos) encobria porém a natureza lingüística do enunciado.” (p.
280)

Por último, foram estudados os gêneros do discurso no cotidiano,


sobretudo, a réplica do diálogo cotidiano. Nesses estudos, não foi possível
formular uma definição correta da natureza lingüísticas do enunciado, uma vez
que o mesmo “se limitava a pôr em evidência a especificidade do discurso
cotidiano oral, operando no mais das vezes com enunciados deliberadamente
primitivos (os behavioristas americanos).” (p. 281). Ou seja, não eram tomadas
como referência as situações cotidianas naturais.
O conceito de gênero, normalmente associado aos estudos literários, se
modifica e se amplia com os estudos de Bakhtin, na metade do século XX.
Esse conceito passou a ter relação com a comunicação oral e escrita, uma vez
que não se vinculava apenas a textos literários e retóricos, mas enfocava as
regularidades lingüísticas e substanciais nas esferas das atividades humanas.
Essa nova acepção sobre gênero articula-se a uma compreensão social e
cultural mais ampla da língua em uso. Por essa razão, a teoria bakhtiniana
constitui um marco para os estudos sobre gêneros.
Para Bakhtin (2000), a utilização da língua se materializa em forma de
enunciado, ou seja, o complexo ato de comunicação se organiza e se agrupa
por condições especiais de atuação e por objetivos específicos em cada esfera
da atividade humana, dando origem consequentemente aos gêneros do
discurso. De acordo com a sua definição, os gêneros são tipos relativamente
estáveis de enunciados elaborados nas diferentes esferas sociais de utilização
da língua. Os enunciados produzidos pela atividade humana refletem:

“as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não


só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção
operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais – , mas também , e sobretudo, por sua construção
composicional.” (p. 279)

Segundo a teoria bakhtiniana, o enunciado é de natureza social, ou seja,


um produto sócio-histórico, resultado da interação comunicativa humana
dotada de produção de efeitos de sentidos entre interlocutores, em uma dada
situação de comunicação e em um contexto ideológico. Concebendo a língua
como forma de interação social realizada por meio de enunciações, o referido

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autor ressalta que “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que
pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma” (p. 293).
Desse modo, o discurso incorpora dois elementos, sendo determinado
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para
alguém. Nessa perspectiva, o gênero se constitui justamente como produto da
interação do locutor e do ouvinte, ou seja, todo discurso serve de expressão de
um em relação ao outro. Trata-se do dialogismo interacional, que se constitui
como um princípio do discurso. Segundo Bakhtin (2000), “o índice substancial
(constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para
o destinatário.” (p. 320). O destinatário assume um papel relevante no processo
discursivo, uma vez que:

“Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva


do enunciado, sem a qual não há, e nem poderia, haver enunciado. As
diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções
típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a
diversidade dos gêneros do discurso.” (p. 321)

Na perspectiva bakhtiniana, o ouvinte está em constante sintonia com o


locutor na elaboração do discurso, ou seja, o ouvinte que recebe e compreende
a significação de um discurso adota, simultaneamente, para com este discurso
uma atitude responsiva ativa. Os enunciados dos interlocutores se alternam
buscando a compreensão e acionam a todo instante a atitude responsiva ativa
diante do que ouvem, construindo uma interlocução permanentemente viva.
Trata-se de ouvir a voz do outro na elaboração do enunciado:

“Os outros, para quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um
pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos,
mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor
espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo
enunciado se elabora como que para ir ao encontro dessa resposta.”
(BAKHTIN, 2000:320)

Ainda segundo essa teoria, o próprio locutor também pressupõe a


compreensão ativa responsiva na medida em que se elabora um discurso, ele
espera uma resposta, uma concordância, uma adesão, uma objeção, uma
execução, etc." (p. 291)..
Como o outro está sempre presente nas formulações do autor e tem
tanto a função de quem recebe, como também de quem permite ao locutor

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perceber o seu próprio enunciado, o gênero do discurso geralmente se dirige a
um interlocutor que não se limita a compreender o locutor. A totalidade
acabada do enunciado proporciona a possibilidade de compreendê-lo de modo
responsivo.
Na relação falante/ouvinte é produzida uma estrutura comunicativa que
se configurará em formas padrões relativamente estáveis de um enunciado,
que são os já denominados gêneros do discurso. Seguindo a teoria
bakhtiniana, Dolz e Schneuwly (2004) defendem que:

“há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador que age discursivamente


(falar/escrever), numa situação definida por uma série de parâmetros, com a
ajuda de um instrumento que aqui é o gênero, um instrumento semiótico
complexo, isto é, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só
tempo, a produção e a compreensão de textos”. (p.26-27)

Dessa forma, os gêneros constituem-se como instrumentos que


possibilitam ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,
constituindo-o de algum modo. Nesse sentido, “é impossível se comunicar
verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum texto.” (MARCUSCHI, 2002:22)
Após feitas as considerações acerca de definições e características dos
gêneros segundo a concepção de Bakhtin e as idéias de Dolz e Schneuwly,
passaremos ao estudo da segunda dimensão: o trabalho com os gêneros
textuais na escola.

2. GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA


As reflexões teóricas sobre a noção de gênero têm assumido especial
importância para a metodologia do ensino e da aprendizagem de línguas. Os
gêneros passaram a ser concebidos como grandes instrumentos na
aprendizagem da leitura e escrita da língua materna, uma vez que se “os textos
se manifestam sempre num outro gênero textual, um maior conhecimento do
funcionamento do gênero é importante tanto para a produção como para a
compreensão”. (MARCUSCHI, 2002:32)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(BRASIL,1997) também sugerem um trabalho didático com base nos gêneros
textuais para favorecer o ensino da leitura e produção de textos orais e
escritos:

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“Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza
temática, composicional e estilística, que os caracterizam como
pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero,
constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.” (p.23)

Dentro dessa perspectiva, o conhecimento de determinados gêneros


pode permitir ao indivíduo prever quadros de sentidos e comportamentos nas
diferentes situações de comunicação com as quais se depara. Como já foi
exposto, o trabalho na escola com a diferenciação de determinados gêneros e
o reconhecimento das estruturas formais e de sentido que os compõem,
contribuem para o desenvolvimento das competências sócio-comunicativas.
O trabalho com os gêneros textuais consiste ainda numa oportunidade
de se lidar com a língua em seus mais diversos usos no dia-a-dia, pois nada do
que fizermos lingüisticamente está fora de ser um gênero. Nesse sentido,
Bezerra (2002) ressalta que “o estudo de gêneros pode ter conseqüência
positiva nas aulas de Português, pois leva em conta seus usos e funções numa
situação comunicativa”.(p. 41)
Concebemos, portanto, que, na escola, o papel do gênero se amplia,
pois passa ser considerado, ao mesmo tempo, um instrumento de
comunicação e objeto de ensino/aprendizagem. Os gêneros são introduzidos
na escola sob uma decisão didática, passando assim a ter novos objetivos:
primeiro, o aluno precisa aprender a dominar o gênero, para posteriormente
desenvolver capacidades que lhe possibilitem lidar com outros gêneros. Nesse
sentido, a escola visa o domínio do gênero pelo aluno como condição
necessária ao desenvolvimento de outras capacidades.
Assim, objetiva-se que o aluno domine alguns gêneros, que possam ser
suporte para que possa aprender outros gêneros que sejam similares aos
abordados na escola, tendo em vista que se pode “desenvolver capacidades
que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros
próximos ou distantes” (DOLZ E SCHNEUWLY, 2004: 80)
Para adaptar-se a esses novos objetivos e por estar fora de seu meio de
circulação social, o gênero sofrerá transformações, para que possam ser
apropriados pelo aluno. Segundo Dolz e Schneuwly, “o gênero trabalhado na
escola é sempre uma variação do gênero de referência, construída numa
dinâmica de ensino/aprendizagem.” (p. 81). Ou seja, esses autores defendem

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que na escola realizamos algumas seleções de quais propriedades dos
gêneros textuais ressaltar para os alunos e os modos como iremos fazê-lo, que
implicam em maior ou menor distanciamento das práticas sociais nas quais tais
gêneros circulam. Na verdade, eles defendem que se faz necessário
instrumentalizar os alunos para usos autênticos da linguagem, expondo-os a
verdadeiras situações de comunicação, sem perdermos de vista a necessidade
de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de comunicação.
Em suma, como mencionamos, os instrumentos com os quais a
sociedade legitima suas práticas discursivas e atua nos diversos domínios da
atividade humana são os gêneros. Portanto, o conhecimento do gênero é uma
ferramenta muito importante para o desenvolvimento das competências
lingüísticas do indivíduo. Cabe à escola propiciar aos alunos atividades que os
façam aprender a escolher o gênero adequado a cada situação comunicativa,
promovendo atividades com diferentes gêneros e diferentes destinatários e
enfocando os efeitos comunicativos.
Para se pensar o ensino dos gêneros de acordo com os ciclos/séries,
Dolz et al. (2004) propõem, em seus estudos, um agrupamento desses gêneros
de acordo com sua tipologia e capacidades de linguagem a serem
desenvolvidas pelos alunos em cada ciclo/série: gêneros da ordem do narrar;
da ordem do relatar, da ordem do expor, da ordem do argumentar; e, da ordem
do descrever ações.
Segundo Dolz et al (2004), a aprendizagem da expressão oral e escrita é
considerada como um conjunto de aprendizagens específicas de gêneros
textuais variados. Dessa forma, o ensino de cada agrupamento de gêneros
exige reflexões sobre aspectos lingüísticos, estruturais e interacionais. “Os
tempos verbais, por exemplo, não são os mesmos quando se relata uma
experiência vivida ou quando se escrevem instruções para a fabricação de um
objeto.”(p. 120)
Nesse sentido, os agrupamentos são tomados como base no processo
de construção de progressões, pois para que funcionem, é necessário que:

“1. correspondam as grandes finalidades sociais atribuídas ao ensino,


cobrindo os domínios essenciais da comunicação escrita e oral em nossa
sociedade; 2. retomem de modo flexível certas distinções tipológicas, da
maneira como já funcionam em vários manuais, planejamentos e currículos;

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3. sejam relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem
implicadas no domínio dos gêneros agrupados.”(p. 121)

No entanto, na forma como estão determinados, os agrupamentos não


são considerados estanques uns em relação aos outros. O objetivo desses
agrupamentos é o desenvolvimento da expressão oral e escrita levando em
conta a diversidade e as especificidades de cada gênero.
Com relação à progressão, propõe-se que seja pensada em forma de
“espiral”. Ou seja, nessa forma de progressão, um mesmo gênero ou
agrupamento de gêneros é inserido no plano anual em diferentes ciclos/ séries
do ensino fundamental, com objetivos cada vez mais complexos. Nesse
sentido, os referidos autores ressaltam que “levando-se em conta os objetivos
de aprendizagem nos domínios das situações de comunicação, da organização
global do texto e do emprego das unidades lingüísticas, é possível elaborar
uma progressão em cada um dos cinco agrupamentos de gêneros.”(p. 123). Ou
seja, em todos os anos escolares os alunos deveriam se deparar com textos
pertencentes aos cinco agrupamentos. De acordo com Dolz et al , neste tipo de
progressão, “o que varia de um nível para o outro são os objetivos limitados a
serem atingidos em relação a cada gênero: as dimensões trabalhadas, a
complexidade dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e
acabamento do texto.”(p. 124)
Por outro lado, propõe-se que deve haver o ensino da diversidade
textual a cada nível, ou seja, o aluno deverá ter acesso a textos pertencentes
aos cinco agrupamentos em todos os alunos escolares.
Desse modo, o gênero como ferramenta de trabalho na escola para o
desenvolvimento de competências lingüísticas merece uma reflexão especial.
No ambiente escolar, a inserção de determinado gênero deve estar articulada a
um processo de interlocução, agrupamento e progressão, o que implica a
realização de uma série de atividades - de planejamento e de execução - que
não são lineares e nem isoladas, mas recursivas e interdependentes. Os
modelos didáticos para planificar o ensino de gêneros precisam ser bem
elaborados, seqüenciados e possuir objetivos precisos na aprendizagem.
As atividades de leitura e produção de textos na escola devem
contemplar reflexão sobre as características lingüísticas, textuais e discursivas
de cada um dos gêneros selecionados e os conteúdos por eles veiculados. Em

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sua proposta de projetos pedagógicos de leitura e produção de gêneros
discursivos, Lopes – Rossi (2006) ressalta que:

“Alguns gêneros discursivos que se prestariam bem a projetos pedagógicos


de leitura, nos vários níveis de ensino, são rótulos de produtos, bula de
remédio, propagandas de produtos, propagandas políticas, etiquetas de
roupa, manuais de instrução, de equipamentos, contratos, nota fiscal. As
atividades de leituras em cada caso, devem levar os alunos a perceber que a
composição do gênero – em todos os seus aspectos verbais e não-verbais,
nas informações que apresenta ou omite, no destaque que dá a algumas
mais do que as outras – é planejada de acordo com sua função social e seus
propósitos comunicativos. Isso contribui para formação de um cidadão crítico
e participativo na sociedade. Exemplos de outros gêneros que se prestam a
atividades de leitura para entretenimento, aquisição de conhecimento ou
resolução de problemas são poesia, romance, verbete de dicionário, lenda,
fábula, cordel adivinha, piada, letra de música, mapa. (p.75)

Assim, para que as atividades de leitura e produção promovam a


ativação do conhecimento de gêneros estabelecidos socialmente precisam
levar os alunos a analisar e reconhecer as propriedades comunicativas e
formais de cada um dos gêneros, ressaltando seus efeitos comunicativos, em
função dos interlocutores nas situações concretas de comunicação.
As observações sobre os aspectos das condições de produção e
circulação de gêneros também são importantes, uma vez que permitem ao
aluno observar: “a temática desenvolvida pelo gênero discursivo em questão;
sua forma de organização (distribuição das informações); sua composição
geral, que inclui determinados elementos não-verbais, como: cor, padrão
gráfico (diagramação típica), fotos, ilustrações, gráficos e outros tipos de
figuras e de recursos.” (LOPES-ROSSI, 2006:77). Dessa forma, permitir que o
aluno analise eventos lingüísticos mais diversos, identificando as
características do gênero, é uma atividade que estimula a prática de produção
textual:

“A organização composicional típica do gênero discursivo a ser produzido e


as condições que determinam sua produção e circulação são os dois níveis
básicos ao domínio da escrita de textos para que o aluno saiba onde buscar
informações necessárias para sua produção escrita, quais informações
selecionar para o seu texto e como organizá-las por escrito.” (LOPES-ROSSI
2006:78)

A correção e revisão dos textos produzidos são aspectos relevantes


para as atividades de produção, uma vez que propicia ao professor e aos

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alunos identificarem as dificuldades decorrentes das características específicas
dos gêneros e os elementos lingüísticos mais apropriados para determinada
produção.
Para ampliar a capacidade dos alunos no domínio dos gêneros, as
propostas de leitura e produção de textos orais ou escritos devem propiciar um
olhar diferenciado sobre determinados gêneros textuais. Dessa forma, a
compreensão dos gêneros considerando o domínio social, sua função
comunicativa, sua natureza heterogênea, seu conteúdo, estrutura
composicional e estilo são elementos necessários para desenvolver as
competências de leitura e escrita do aluno.
Dado o exposto, os gêneros se constituem como práticas de linguagem
e devem ser utilizados como instrumentos de mediação da estratégia de ensino
e como material de trabalho para o ensino da textualidade.
Esclarecida a noção de gênero e sua relação com a escola, passaremos
agora à terceira dimensão do nosso trabalho: como se dão os procedimentos
didáticos de inserção dos gêneros textuais nos livros didáticos do Ensino
Fundamental I, pertencentes à Coleção “Português: uma proposta para o
letramento”.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A coleção de Livros Didáticos do Ensino Fundamental de Magda
Soares: “Português uma proposta para o letramento” (volumes: 1, 2, 3 e 4)
constitui o material para análise neste trabalho, visto que a coleção escolhida
foi aprovada pelo PNLD e se enquadra no bloco das coleções organizadas por
unidades temáticas sensíveis a gênero/tipo de texto.
De acordo com o Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, a
coleção de Magda Soares: “Português uma proposta para o letramento”
apresenta uma articulação de temas com o estudo de gêneros, suportes, mídia,
contextos ou funções da linguagem. Ainda segundo o Guia, a coleção:
“incorpora contribuições recentes das teorias sobre o ensino da língua escrita
centradas nas noções de letramento e de gênero, tomando-as como
fundamento e finalidade para o ensino de língua portuguesa.” (p. 186) Portanto,
nossa escolha parte da premissa de que a coleção a ser analisada deve estar

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articulada com a noção de língua como prática social e com propostas de
trabalho associadas aos gêneros.
Como já foi mencionado, a preocupação principal deste projeto consiste
em investigar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros textuais nos
livros didáticos. Nessa perspectiva, os procedimentos utilizados para a
pesquisa foram divididos em três fases: análise do manual do professor,
levantamento dos gêneros textuais abordados na coleção e análise do trabalho
didático com os gêneros textuais.
Primeiramente, faremos uma análise da proposta com o trabalho de
gêneros textuais expressa no manual do professor, observando os seguintes
aspectos: a concepção de gênero subjacente ao manual, as orientações
didáticas para o trabalho com gêneros textuais e os objetivos expressos para o
trabalho com gêneros.
No segundo momento, fizemos um levantamento dos gêneros textuais
presentes nos livros. Para isso, elaboramos uma tabela contendo os gêneros
textuais encontrados nos Livros Didáticos e suas distribuições nas respectivas
unidades e páginas. Isso nos possibilitará saber quais gêneros textuais estão
inseridos nos livros, como se organizam as seqüências didáticas e as
propostas de atividades com os gêneros textuais e quais as dimensões e/ou
características que são enfocadas.
Por último, analisamos a abordagem didática dos gêneros nos livros.
Observamos, nesta análise, como os gêneros são tratados nos livros: se
explicitam as características dos gêneros; se apresentam alguma
conceituação, se levam os alunos a refletir sobre os gêneros ou se optam pela
apresentação de conceitos prontos; se trazem questões de compreensão sobre
os gêneros; se há relação entre as atividades de produção e o trabalho
anterior, enfim, refletir se as propostas dos livros estão sugerindo uma
abordagem acerca do funcionamento dos gêneros textuais, contribuindo assim
para sua produção e compreensão.

4. REFLETINDO SOBRE O MANUAL DO PROFESSOR


O Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, afirma que, no
Manual do Professor (MP) da coleção: “Português uma proposta para o

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letramento”, de Magda Soares, “destaca-se um cuidadoso trabalho de
fundamentação, com a apresentação dos conceitos-chave e da orientação
metodológica.”(p.188). Além disso, o MP também expõe os eixos de ensino
com objetivos, orientações metodológicas e sugestões bibliográficas.
Nesse sentido, a autora preocupa-se em explicar os pressupostos
teóricos que embasam o projeto pedagógico do livro, destacando que a
finalidade do ensino de Português é o letramento. Utiliza e destaca a
concepção de língua como discurso, uma vez que considera “a língua como
processo de interação (inter-ação) entre sujeitos, processo em que os
interlocutores vão construindo sentidos e significados ao longo de suas trocas
lingüísticas, orais ou escritas” (SOARES, 1999b:05)
Também ressalta a relevância de trazer propostas baseadas em práticas
discursivas, nas quais a inserção dos diferentes gêneros e tipos é necessária
para desenvolver a capacidade lingüística do aluno. Dentre os objetivos do
ensino de Português, destacamos no MP os que se referem especificamente
aos gêneros textuais:

“Desenvolver as habilidades de produzir e ouvir textos orais de diferentes


gêneros e com diferentes funções, conforme seus interlocutores, os seus
objetivos, a natureza do assunto sobre o qual falam ou escrevem, o contexto,
enfim, as condições de produção do texto oral e escrito.” (SOARES,
1999b:06)”

“Criar situações em que os alunos tenham oportunidade de refletir sobre os


textos que lêem, escrevem, falam ou ouvem, intuindo, de forma
contextualizada a gramática da língua, as características de cada gênero e
tipo de texto, o efeito das condições de produção do discurso na construção
do texto e de seu sentido. (SOARES, 1999b:07)”

A autora ainda destaca que o livro prioriza os gêneros mais freqüentes


ou necessários para as práticas sociais do aluno, ressaltando que o gênero de
cada texto é indicado no livro do aluno. (cf. Soares, 1999b:08).
Em relação aos objetivos específicos das atividades de produção de
texto, a autora destaca que o aluno deverá “produzir textos de acordo com as
condições de produção: função da escrita, gênero de texto, objetivo de
produção do texto, interlocutores visados.” (SOARES, 1999b: 19)
Percebemos com isso que “o índice substancial (constitutivo) do
enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário.”

14
(BAKHTIN, 2000:320). Nessa perspectiva, o destinatário assume um papel
relevante no MP, uma vez que existe uma preocupação em reconhecer as
propriedades comunicativas de cada um dos gêneros, ressaltando seus efeitos
comunicativos, em função dos interlocutores nas situações concretas de
comunicação.
Nesse sentido, a autora considera que faz-se necessário
instrumentalizar os alunos para usos autênticos da linguagem, expondo-os a
verdadeiras situações de comunicação, sem perdermos de vista a necessidade
de reflexão sobre tais textos fora dessas situações de comunicação.
No MP também constatamos uma preocupação da autora em propor
uma grande variedade de gêneros para o desenvolvimento da linguagem oral,
tais como: “debate (argumentação), seminário, exposição, relato de
experiência, notícias, apresentações de regras e instruções, entrevistas,
depoimento.” (SOARES, 1999b:23).
No que concerne às propostas de trabalho com as modalidades oral e
escrita, a autora destaca que estão organizadas por unidades temáticas
associadas a uma diversidade de gênero:

“Os livros da coleção estão organizados em unidades temáticas: cada unidade


temática é constituída de um conjunto de textos de diferentes gêneros sobre o
mesmo tema, considerado sob diferentes pontos de vista. O objetivo é que se
evidencie para o aluno que um mesmo tema pode materializar-se em
diferentes gêneros: textos com diferentes finalidades, diferentes formas de
organização e estruturação, diferentes estilos, todos versando sobre um
mesmo tema.” (SOARES, 1999b:09)

Percebemos, com isso, uma preocupação de levar os alunos a


analisarem os mais diversos eventos lingüísticos, tanto orais como escritos,
sob a ótica de mesmo tema, facilitando aos alunos perceberem a existência de
diversos gêneros e as características pertinentes a cada um. Nesse sentido, o
contato com a diversidade de gêneros contribui para o desenvolvimento das
competências sócio-comunicativas dos falantes.
Em relação ao suporte original dos textos, a autora atenta para as
transformações que um gênero sofre ao ser transposto a outro suporte: o livro
didático. No entanto, ressalta que “procurou-se respeitar e preservar, tanto
quanto possível, as características essenciais de apresentação gráfica do texto
original.” (SOARES, 1999b:10). Revela-se, assim, como foi discutido

15
anteriormente, que a introdução de um gênero na escola sob a ótica didática
resultará numa variação do gênero de referência, uma vez que consiste numa
dinâmica do ensino-aprendizagem. (Cf. Dolz e Schneuwly, 2004:81)
Dado o exposto, podemos concluir que o MP apresenta pressupostos
teóricos em bibliografia contemporânea, revelando estar em consonância com
as recentes teorias lingüísticas sobre variação, texto e discurso,
sociointeracionismo, letramento e com a teoria de gêneros. A diversidade de
gêneros e a ênfase nos seus aspectos discursivos e semânticos orientadas
pelo Manual se configuram em uma compreensão ampla da linguagem como
prática social que, segundo Dolz e Schneuwly (2004), “quanto mais precisa a
definição das dimensões ensináveis de um gênero, mais ela facilitará a
apropriação deste como instrumento e possibilitará o desenvolvimento de
capacidades de linguagem diversas que a ele estão associados.” (p. 89) Como
sugestão, o MP poderia trazer informações sobre alguns gêneros inseridos no
livro do aluno, as quais poderiam ser úteis ao professor. Poderia, sobretudo,
ressaltar os objetivos didáticos referentes aos gêneros mais usados, de modo a
facilitar a percepção, pelo professor, de quais dimensões textuais estão sendo
foco de reflexão para o aluno.

5. UM OLHAR SOBRE O LIVRO DO ALUNO


De acordo com o Guia do Livro Didático 2007 de Língua Portuguesa, a
coleção “associa os temas aos gêneros textuais: cada volume apresenta quatro
unidades organizadas por uma temática específica, em torno da qual são
apresentados entre sete e oito textos de gêneros diversificados, com pontos de
vistas diferenciados.” (p.183). Como exemplo, podemos citar as atividades
voltadas para o tema: Brinquedos e brincadeiras (V. 2, pág. 6 a 49). Nesse
exemplo, consta no LD, sob a ótica de uma mesma temática, os seguintes
gêneros: conto (p. 9,17 e 40), poema (p. 24 e 48), anúncio classificado (p. 27),
reportagem (p. 32), instrução (p. 43) e trava-língua (p. 46 e 47).
De fato, ao fazermos um levantamento dos textos presentes nos livros,
constatamos uma grande variedade de gêneros textuais. Para realizarmos
esse levantamento, elaboramos uma tabela (anexo 1) para uma melhor
visualização e distribuição dos gêneros nos Livros Didáticos (LDs). Conforme
essa tabela, os gêneros mais freqüentes são: poema (37), conto (31), verbete

16
(24), capa de livro (21), reportagem (20), tirinha (20), texto didático (17),
apresentação (13), anúncio (08), legenda (06), HQ (05), carta (05), crônica
(04), anúncio classificado (04), artigo (03), nota informativa (03), orientações de
comportamento (03), trava-língua (03), artigo de opinião (02), capa de revista
(02), ficha catalográfica (02), logomarca (02), receita (02), regulamento (02),
notícia (02) e outros4 (23).
Podemos perceber que o material textual é diversificado. Os gêneros
selecionados são de diversas esferas de circulação: burocrática (ficha
catalográfica), jornalística (reportagem), literária (poema), didático-pedagógica
(verbete), divulgação científica (nota informativa) e cotidiano (trava-língua).
Podemos constatar também que o material textual que compõe os LDs é
de extrema qualidade, havendo indicação dos suportes originais dos textos.
São inseridos, nos livros, textos bem escritos, com variedade de temas
relevantes e adequados às faixas etárias.
Em suma, os livros abordam os gêneros de diferentes esferas sociais e
apresentam uma grande variedade de suportes (revistas, jornais,
enciclopédias) e de autorias. Nesse sentido, percebemos uma preocupação da
autora dos LDs em contemplar as necessidades de múltiplos letramentos
exigidos por uma sociedade contemporânea. Rojo (2003) ressalta que “muitas
vezes, o LD é o único material de leitura disponível nas casas destes alunos do
Ensino Fundamental e, por isso mesmo, é importantíssimo para o seu processo
de letramento que esses textos sejam de qualidade.” (p.83).
Nos LDs constam numerosas e variadas propostas de leitura e produção
de gêneros. As atividades, de modo geral, possuem clareza na sua formulação
e trazem contribuições significativas para o desenvolvimento da capacidade
lingüística dos alunos. Uma ressalva, no entanto, pode ser levantada quanto à
apresentação dos textos que aparece no topo de algumas páginas: algumas
vezes são indicados os nomes dos gêneros (poema, V. 2, p.24), outras vezes,
o tipo textual predominante (descrição, V. 2, p. 197) e outras vezes, a função
lingüística (texto informativo, V. 3 p. 28).
Para analisar os procedimentos didáticos de inserção dos gêneros
textuais nos livros didáticos, optamos por uma metodologia qualitativa em que

4
Gêneros textuais que aparecem uma ou duas vezes nos livros didáticos.

17
o tratamento didático realizado com alguns gêneros textuais foi mais
profundamente investigado. Assim, utilizamos como primeira estratégia
identificar os gêneros textuais mais freqüentes nos livros: poema (37), conto
(30), verbete (23), capa de livro (21), reportagem (20) e tirinha (20). Dentre
esses, selecionamos quatro gêneros que pudessem refletir maior variedade
quanto às finalidades sociais e tipologias. Dessa forma, decidimos explorar
mais cuidadosamente o trabalho realizado com os gêneros poema (37), conto
(30), reportagem (20) e tirinha (20). Os dois primeiros, que foram os mais
freqüentes, contemplariam os textos da ordem do narrar (contos e alguns
poemas) e dariam conta de reflexões sobre recursos estéticos da esfera
literária e do mundo infantil. A reportagem, que oscila entre os textos da ordem
do argumentar e do relatar, contemplaria os recursos lingüísticos mais usados
nos textos temáticos de esferas sociais jornalísticas. A tirinha, também da
ordem do narrar, porém com base icônica, contemplaria as capacidades de
articulação entre textos verbais e não verbais e recursos expressivos que
aproximam fortemente as práticas orais e escritas de linguagem.

5.1. POEMA
Ao realizarmos a análise do gênero poema nos LDs, constatamos que a
autora se preocupa em apresentá-lo e distribuí-lo de forma equilibrada e
progressiva nos quatro volumes da coleção: V. 1 (07), V.2 (08), V. 3 (08) e V. 4
(14). A cada volume, o trabalho didático com esse gênero torna-se mais
aprofundado e seqüenciado. Nos volumes 1 e 2, constatamos uma
preocupação em evidenciar os contextualizadores do poema, sua estrutura e
sua funcionalidade. Nos volumes 3 e 4, percebemos um maior aprofundamento
dos recursos lingüísticos usados no gênero, sempre articuladas às propostas
de leitura, interpretação oral e escrita e produção textual. Como já discutimos
anteriormente, segundo Dolz e Schneuwly (2004), “a retomada dos mesmos
gêneros, em etapas posteriores, é importante para se observar o efeito do
ensino a longo prazo e para assegurar uma construção contínua” (p.125)
A indicação do nome do gênero (poema) é feita várias vezes no livro do
aluno, facilitando o reconhecimento do gênero em outras situações, mesmo
não escolares:

18
Livro 2 pág. 127

Percebemos ao longo dos volumes uma grande preocupação com a


indicação dos contextualizadores, ressaltando a dimensão sociointerativa do
texto:

Poema: “A escola” de José de Nicola (p. 8)

Livro 1 pág. 10
A autora parece reconhecer que a indicação do nome do gênero e a
exploração dos contextualizadores são aspectos relevantes no ensino do
gênero textual. Assim como ela, consideramos que isso favorece o
reconhecimento de outros textos pertencentes ao mesmo gênero e,
conseqüentemente, a apropriação das características próprias do gênero em
estudo.
Além desses aspectos, a autora também reconhece a necessidade de
refletir sobre a forma composicional do gênero. A partir dessa dimensão
textual, podemos perceber suas características: tipo de linguagem, posição do
enunciador, seqüências discursivas. (Dolz e Schneuwly, 2004:75).
Em suma, percebemos que, nos quatro volumes, as atividades são
voltadas tanto para a interpretação do poema como também para a exploração
dos seus aspectos composicionais e sócio-discursivos. Como exemplo,
podemos citar o estudo do poema “O negrinho do pastoreio” (pág. 158 a 162,
do livro 3).

19
Primeiramente, a autora, na unidade “Você acredita? Mistérios e
Crendices”, apresenta uma preparação para a leitura com um pequeno texto
didático informando que o poema está no livro Cantos de Encantamento, do
autor Elias José. Nessa apresentação, explora o próprio sumário do livro com
perguntas direcionadas sobre os significados de Encantamentos da Terra e da
Água, sobre a estrutura do sumário e de antecipações à leitura do poema O
negrinho do pastoreio. Ainda na apresentação, ela pede ao professor que
recorde a biografia do autor que foi trabalhada na unidade 2. Assim, ela
contextualiza a obra, ajudando os alunos a relacionar o texto às condições de
produção e ao seu suporte, ou seja, enfoca aspectos sociodiscursivos.
Logo após, sugere ao professor que realize a leitura oral do poema para
que os alunos percebam o ritmo, a sonoridade, a musicalidade e
expressividade. Ressalta, assim, os recursos lingüísticos e expressivos do
gênero, ou seja, alguns de seus aspectos composicionais.
Em seguida, propõe uma interpretação oral com perguntas direcionadas
às confirmações de hipóteses levantadas pelos alunos. Nessa atividade, a
autora sugere ao professor que trabalhe com seus alunos o fato de o texto
literário sempre criar e modificar, nunca reproduzir e nem repetir. No caso do
poema em estudo, o negrinho do pastoreio cuida das crianças que vivem sem
proteção, ao contrário da lenda original. Em seguida, ela propõe que os alunos
leiam silenciosamente o poema, relacionando a ilustração com o que diz cada
estrofe. Nessa atividade, existe uma definição de verso e estrofe. Por fim,
sugere a realização de uma interpretação escrita do poema. Mais uma vez,
enfoca aspectos composicionais, de modo articulado às reflexões sobre a
temática, estabelecendo relações de intertextualidade com outros textos.
A partir do exemplo acima citado, podemos perceber que a autora
apresenta aspectos relevantes na abordagem do gênero poema: temática,
forma composicional, recursos estilísticos, contextualização da obra. Outras
seqüências de atividades mostram que tais preocupações reaparecem ao
longo dos quatro anos de uso da coleção.

5.2. CONTO
No que concerne ao gênero textual conto, constatamos também que
existe uma preocupação da autora em apresentá-lo nos quatro volumes da

20
coleção: V.1 (05), V. 2 (10), V. 3(09) e V. 4 (06), com maior freqüência nos
volumes 2 e 3. Em cada volume, a autora propõe um trabalho mais
aprofundado e seqüenciado, explorando as diversas características do gênero.
Em relação às características estruturais dos contos, a autora ressalta
no MP que o gênero de cada texto é indicado no livro do aluno. Em relação
aos contos, é usada, em várias unidades, a nomenclatura “narrativa”,
principalmente no topo da página. Vejamos o exemplo abaixo:

Livro 1 pág. 65

No que concerne ao trabalho com contos, constatamos a opção da


autora de não formular conceitos prontos e acabados sobre o gênero, mas sim
de propor uma reflexão sobre suas principais características e funcionalidade.
Como exemplo, podemos citar um estudo sobre o conto “Olívia Pirulito” (Livro
3, pág. 42 a 50).
Primeiramente, percebemos que, na indicação do gênero, é apresentada
a nomenclatura “narrativa”. Tal opção pode dificultar o reconhecimento do
gênero enquanto portador de uma identidade, mesmo que relativa, pois em
outros espaços não escolares, são usadas outras nomenclaturas, como conto
ou história.
Antes da leitura do conto, a autora faz todo um resgate do que é um
apelido. Em seguida, apresenta a capa do livro com um texto didático e uma
história em quadrinhos do Popeye, para fornecer aos alunos os elementos
necessários à compreensão das referências do conto a ser lido, uma vez que a
personagem do conto é comparada a Olívia Palito, namorada do Popeye.
Assim, há um esforço em estabelecer relações de intertextualidade para
contextualizar o texto a ser lido.
Depois de toda essa introdução, a autora indica a leitura do conto,
ressaltando que é apenas um fragmento de um livro que conta a história de
Olívia, seus apelidos, seus medos, etc. Após a interpretação escrita do conto, a

21
autora propõe uma produção textual contextualizada, na qual os alunos são
convidados a contar um caso de apelido. Na atividade de produção, ela orienta
o que seria interessante escrever nesse caso. Na sugestão para o professor,
indica o objetivo da produção: organizar um manual de apelidos. Ainda sugere
um procedimento de revisão textual: a revisão entre os colegas de classe.

Livro 3 pág. 49

Com o exemplo acima citado, podemos perceber que, apesar do gênero


a ser lido não ser indicado, existe uma preocupação da autora com uma
seqüência didática, uma vez que propicia atividades de antecipação à leitura e
a leitura do conto. Nesse sentido, os alunos são estimulados a desenvolver as
capacidades linguístico-discursivas, ao construírem um significado global de
um texto, utilizando as unidades sócio-discursivas próprias de cada gênero. No
entanto, na atividade citada não houve uma articulação direta entre a leitura e
produção, uma vez que o aluno é convidado a escrever um caso.
As seqüências de atividades dos LDs relacionadas ao gênero textual
conto mostram que as atividades de leitura geralmente estão articuladas com
atividades de produção de casos ou de gêneros diferentes. Como exemplo,
podemos citar o estudo do conto “Uma história de Dom Quixote” (Livro 4 pág.
163 a173).
Primeiramente, autora propõe a leitura de um texto didático para que o
aluno adquira conhecimentos prévios necessários à compreensão do texto. No
início do texto didático é discutido quem eram os cavaleiros e por que eram
considerados heróis em determinadas épocas. Após, é apresentado ao aluno

22
quem era escritor Cervantes e seu personagem Dom Quixote. Posteriormente,
a autora indica que o aluno realize a leitura do conto “Uma história de Dom
Quixote”, de Moacyr Scliar para descobrir um outro jeito de ver suas
desventuras. Em seguida, na atividade de interpretação escrita a aluno é
convidado a refletir sobre os dois jeitos de ver a aventura de dom Quixote com
os moinhos de vento. Na atividade de produção textual o aluno é convidado a
escrever uma notícia, utilizando as duas interpretações de um mesmo fato:
Dom Quixote enfiando sua pá de um moinho de vento:

(Livro 4, pág. 172)

Com o exemplo acima citado, também percebemos um esforço em


estabelecer relações de intertextualidade para contextualizar o texto a ser lido
explorando a temática, recursos estilísticos, e contextualização da obra.
Todavia, como gênero a ser produzido é uma notícia, as atividades de leitura e
produção não possuem uma articulação.
Dado o exposto, constatamos que apesar das atividades de produção
não contemplarem o gênero em estudo, existe uma preocupação da autora em
explorar a temática desenvolvida pelo gênero discursivo em questão, sua forma
de organização (distribuição das informações) e seu contextualizador da
situação de circulação.

5.3. REPORTAGEM
Assim como ocorre com o poema e o conto, o gênero reportagem
também é apresentado nos quatro volumes da coleção: V. 1 (01), V. 2 (04), V.
3 (08) e V. 4 (07). No entanto, parece haver uma idéia de que ele seria mais
adequado para o segundo ciclo (3a e 4a séries). As dimensões e complexidades
das características da reportagem são modificadas no decorrer dos volumes e
os objetivos das atividades são aprofundados a cada volume.

23
Na análise, constatamos que as reportagens encontradas nos LDs, em
sua grande maioria, possuem indicação do gênero e seu suporte original.
Percebemos que o livro do aluno está em consonância com o MP, uma vez que
se preocupa em preservar as características de apresentação gráfica do
gênero original sempre que possível (Cf. Soares, 1999b:10). Os textos
reproduzidos de modo semelhante aos originais permitem que os alunos
tenham a oportunidade de construir uma série de significados ao reconhecerem
as características originais de um determinado gênero. Segundo Marcuschi
(2002), “o trabalho com os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade
de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia.”
(p.35)
No que concerne aos objetos de reflexão sobre os aspectos sócio-
discursivos do gênero reportagem, percebemos nos LDs uma preocupação
com o reconhecimento do plano textual geral dos gêneros, os tipos de discurso
e de seqüências mobilizadas. Nesse sentido, a proposta de trabalho com o
gênero reportagem está direcionada aos elementos sócio-discursivos básicos
desse gênero: para quê, para quem, em que esfera e qual o suporte.
A indicação do contexto social de circulação tem presença significativa
nos LDs, uma vez que os alunos são convidados a refletir sobre as
características sócio-discursivas dos gêneros textuais. Como exemplo,
podemos citar o estudo da reportagem “Marcas registradas que não
escolhemos” (pág. 8 a 16 do livro 3).
Primeiramente, a autora propõe a leitura do trecho da reportagem
supracitada. Nesse estudo, ela indica o suporte original do texto a ser
trabalhado, além de apresentar uma cópia reduzida do jornal. Como já
dissemos, tal procedimento leva os alunos a se aproximarem das práticas de
linguagem em que tais textos circulam.
Em seguida, sugere a identificação dos contextualizadores da
reportagem (onde ela foi publicada, em que data...). Também indica que o
professor trabalhe o conceito de reportagem e mostre aos alunos um jornal,
identificando nele o que é uma reportagem. Assim, o conceito do gênero vai
sendo construído gradativamente pelos alunos, com apoio da professora.
Ao indicar ao aluno a leitura completa da reportagem, a autora sugere ao
professor que faça uma comparação da forma como a reportagem se

24
apresenta no livro e sua reprodução original reduzida. Por fim, a autora propõe
uma interpretação escrita da mesma.
Com o exemplo acima, podemos perceber fatores pertinentes às
condições de produção e circulação da reportagem. Nesse sentido, gênero é
estudado como produto da interação do locutor e do ouvinte, ou seja, está
subjacente à atividade os princípios de que todo discurso serve de expressão
de um em relação ao outro. (Cf. Bakhtin, 2000:320)
Outro exemplo que podemos citar sobre a discussão da funcionalidade
do gênero é o estudo sobre uma reportagem que aparece no volume 4 (pág. 22
a 26):

Livro 4 pág. 23

Nessa seqüência, o gênero textual e o suporte são indicados. Em


seguida, na interpretação oral, é proposta uma reflexão sobre condições de
produção e circulação da reportagem, interlocutores visados, a linguagem
utilizada, enfim, as características que permitem ao aluno inferir a
funcionalidade do gênero. Nas atividades de leitura, interpretação oral e escrita,
o aprendiz é convidado a reconhecer os traços lingüísticos, sejam eles
interacionais (lugar, interlocutores, temática, modo de circulação) ou
lingüísticos (temática, estrutura composicional e recursos expressivos).

25
Dessa forma, percebemos que a opção da autora é de não formular
conceitos prontos e acabados sobre o gênero textual, assim como foi
observado no estudo dos contos, mas sim de propor uma reflexão sobre suas
principais características e funcionalidade.

5.4. TIRINHA
As tirinhas encontradas nos LDs estão distribuídas da seguinte forma: V.
1 (08), V. 2 (06), V. 3 (02) e V.4 (04). No primeiro volume, o trabalho com as
tirinhas geralmente está associado às atividades de vocabulário ou de reflexão
sobre a língua. Nos demais, são apresentadas, em sua grande maioria,
associadas às atividades de interpretação escrita.
Na indicação do nome do gênero que aparece no topo de algumas
páginas consta a denominação “história em quadrinhos”. No entanto, no livro 1
(p.18), a autora chama a atenção que tira é uma história em quadrinho com
apenas três ou quatro quadrinhos e, nos enunciados das atividades, ressalta
que se trata de um tirinha. Vejamos o exemplo abaixo:

Livro 1 pág. 18
Como nos outros gêneros textuais, as reflexões sobre os suportes
textuais e a contextualização das condições de produção do texto são
freqüentes. Como exemplo, podemos citar o estudo sobre uma tirinha do
Menino Maluquinho (Livro 1, pág. 18 a 20). Primeiramente, a autora faz uma
apresentação sobre o Menino Maluquinho ao lado de uma capa de livro. Nessa
apresentação, ela destaca o nome do autor, Ziraldo, e as principais
características do Menino Maluquinho. Na sugestão para o professor, indica
que seja ressaltado onde são encontradas as tirinhas (jornais, revistas ou em
livros). Em seguida, propõe para o aluno uma leitura silenciosa de uma tirinha

26
do Menino Maluquinho. Também sugere ao professor que uma menina
represente a professora da tirinha e um menino represente o personagem
Lúcio. O objetivo dessa representação é levar o aluno a perceber a estrutura
dialogada da tirinha. A autora ainda ressalta que o terceiro balão não é para ser
lido, pois se trata de um balão de pensamento. Nessa parte da seqüência, são
enfocados aspectos composicionais e alguns recursos expressivos típicos do
gênero em estudo.
Em seguida, propõe uma interpretação oral com perguntas que exploram
os contextualizadores da tirinha e a representação dos desenhos e textos.
Logo após, na atividade de interpretação escrita, propõe ao aluno, através de
perguntas, a identificação do significado de diferentes formas de balões.
Também sugere ao professor que traga revistas de HQ para mostrar a
variedade de tipos de balões.
Com o exemplo acima citado, podemos perceber que as atividades são
direcionadas para identificação e apropriação das características sócio-
discursivas e estruturais do gênero textual tirinha. Há constantemente a
exploração dos recursos lexicais, frasais e das estruturas gráficas da tirinha
necessárias a formação de um leitor capaz de construir sentidos do texto. As
tirinhas analisadas nos LDs estão articuladas à complexidade dos conteúdos,
aos objetivos propostos em cada volume e às dimensões trabalhadas. Com
isso, percebemos uma preocupação da autora em apresentar propostas de
atividades bem estruturadas, permitindo que o aluno perceba características do
gênero, bem como sua funcionalidade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos dados e da fundamentação teórica desta
pesquisa, podemos tecer algumas considerações acerca da abordagem dos
gêneros textuais na coleção “Portuguës: uma proposta para o letramento”.
Nos exemplos citados no decorrer da análise, constatamos que as
atividades são direcionadas para favorecer uma mestria dos gêneros e das
situações de comunicação. A escolha dos mesmos gêneros e seu
aprofundamento nos quatro volumes revela uma preocupação da autora com a
progressão acerca do conhecimento e funcionamento dos gêneros textuais.

27
Nessa perspectiva, a abordagem didática proposta na coleção permite
que o aluno se aproprie das principais características dos gêneros, uma vez
que define o estilo e orienta o processo de seleção de recursos lexicais e
morfossintáticos no interior cada texto. As seqüências de atividades didáticas
para planificar o ensino de gêneros são bem elaboradas, seqüenciadas e
possuem objetivos precisos para que os aprendizes construam
progressivamente conhecimentos sobre os gêneros. Há, portanto, atendimento
ao princípio de que “é através dos gêneros que as práticas de linguagem
materializam-se nas atividades dos aprendizes”. (DOLZ e SCHNEUWLY,
2004:74)
A autora opta por estratégias de reflexão sobre as principais
características e funcionalidades dos gêneros textuais. Quando nas atividades
dos LDs são discutidas as condições de produção e circulação dos gêneros,
propicia-se aos alunos a oportunidade refletir sobre os aspectos sócio-
discursivo do gênero.
Algumas mudanças, no entanto, poderiam ser propostas para facilitar o
trabalho com gêneros textuais ao serem utilizados os livros analisados:
a) indicar no topo de algumas páginas as nomenclaturas mais
freqüentemente usadas na sociedade para os diferentes gêneros
textuais (por exemplo, a palavra conto em lugar de narrativa);
b) trazer informações no MP sobre os principais gêneros com que a
coleção irá trabalhar, ressaltando aspectos composicionais e
sociodiscursivos, assim como os objetivos didáticos;
c) indicar o gênero textual e/ou finalidade e não a tipologia nas atividades
de produção textual;
d) propor atividades de produção de textos de mesmo gênero que está
sendo analisado no eixo da leitura.
Por fim, ressaltamos que a didatização dos gêneros textuais merece
uma reflexão especial, por se tratar de uma questão importante e substancial
na construção do conhecimento linguístico-textual do aluno, sendo necessário
desenvolver estudos que aprofundem as reflexões aqui iniciadas.

28
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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1959. 357p.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. 2002.
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Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. 185p.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
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29
SCHNEUWLY, Bernard. DOLZ, Joaquim et al.. Gêneros orais e escritos na
escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2004. 278p.
SCHNEUWLY, Bernard. DOLZ, Joaquim. Gêneros escolares – Das práticas
de linguagem aos objetos de ensino. 1997.
SOARES, Magda. Português: Uma proposta para o letramento. São Paulo:
Moderna, 1999a. 215p.
SOARES, Magda. Português: Uma proposta para o letramento. Manual do
Professor. São Paulo: Moderna, 1999b. 32p.

30
ANEXOS

ANEXO 1

FREQUÊNCIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS NOS LIVROS I, II, III, IV

Gênero LD 1 LD 2 LD 3 LD 4 Total
poema 07 08 08 14 37
conto 05 11 09 06 31
verbete 03 10 04 07 24
capa de livro 05 08 06 02 21
reportagem 01 04 08 07 20
tirinha 08 06 02 04 20
texto didático 05 01 01 10 17
apresentação 02 04 05 02 13
anúncio 02 02 01 03 08
legenda 01 02 - 03 06
HQ - 03 02 - 05
carta - - - 05 05
crônica - 02 01 01 04
anúncio - 03 - 01 04
classificado
artigo(frag.) - - 03 - 03
instrução - 03 - - 03
nota informativa 02 01 - - 03
orientações de 02 01 - - 03
comportamento
trava-lingua - 03 - - 03
artigo de opinião - - - 02 02
capa de revista - 02 - - 02
ficha catalográfica 01 01 - - 02
logomarca - - 02 - 02
receita 02 - - - 02
regulamento - 02 - - 02
notícia 01 - - 01 02
outros 10 03 06 04 23
267

31

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