Você está na página 1de 10

Das Funções Mentais Básicas aos Processos Cognitivos

Competências

• Compreender como as funções mentais se relacionam aos


processos cognitivos avançados;
• Compreender o que são as funções executivas;
• Reconhecer a contribuição de cada processo cognitivo no
desempenho das nossas tarefas diárias e no
comportamento;
• Compreender a importância da cognição social no
desempenho das relações interpessoais do indivíduo;

Introdução
A psicologia cognitiva busca entender de que forma pensamos e
aprendemos. Associando estrutura e função, de que maneira os
processos mentais acontecem e como se desenvolvem? Essas
questões são ponto de partida para o entendimento da cognição
humana, a qual dá luz a muitos dos fenômenos psicológicos que, de
certa forma, podem ser vistos em grande parte pela perspectiva
cognitiva (Sternberg, 2008).
Os processos psicológicos como a aprendizagem, a memória, o
pensamento, a percepção não são exaustivos para que se entenda o
funcionamento dos fenômenos psicológicos. Sabe-se que processos
não tão relacionados com a cognição como a emoção e a motivação
são de fundamental importância. Os processos mentais cognitivos
interagem com os não-cognitivos, é muito mais fácil que uma pessoa
motivada aprenda do que uma que esteja passando por conflitos
emocionais, por exemplo. Da mesma forma, funções mentais
elementares como a memória depende da percepção porque não
podemos armazenar uma informação que não percebemos, tampouco
pensar a respeito de algo que não está registrado na memória.
Nessa linha, quando pensamos os processos cognitivos mais
avançados, como as funções executivas que estão associadas ao
desenvolvimento do lobo frontal é importante entender que também há
uma relação com as funções mentais mais básicas, na medida em que
não é possível que essas habilidades mais complexas se desenvolvam
sem o funcionamento dos processos cognitivos mais elementares.
Neste capítulo, será apresentado, brevemente, o conceito de
funções executivas e seus modelos teóricos mais aceitos para então,
esmiuçar quais são as habilidades contidas nesse complexo conjunto,
identificando seus conceitos e funções no comportamento humano.
Das Funções Mentais Básicas aos Processos Cognitivos

Aprendizagem

A aprendizagem pode ser definida como um processo dinâmico e


interativo com o mundo que garante ao indivíduo a apropriação de
conhecimentos e estratégias adaptativas a partir de suas iniciativas e
interesses dos estímulos que recebe do seu meio social.
Ela emerge de múltiplas funções, capacidades, faculdades ou
habilidades cognitivas interligadas desde à recepção, chamada de
input, através dos componentes sensoriais, à integração através da
percepção, da representação e dos processos de memória, à
integração e planificação através de componentes antecipatórios e
decisórios e finalmente, à execução ou expressão da informação
através do componente motor, chamado de output ( Fonseca, 2014).
O funcionamento do sistema cognitivo humano demonstra assim,
a interação contínua e integral da informação desde o primeiro estímulo
percebido a todo envolvimento do organismo que asseguram a
conexão das unidades de entrada, com as unidades de saída, ambas
mediadas por redes centrais que permitem a integração, a retenção, a
recirculação, a reciclagem, a auto-organização e a retroação da
informação, isto é, uma rede neurofuncional especialmente apta para
aprender.
O processo de aprendizagem, em condições normais, é
constante e contínuo ao longo do ciclo vital, com períodos de
desenvolvimento mais intensos, como na infância até a adolescência,
sendo mais estável na vida adulta e entrando em declínio na velhice. É
importante ressaltar que esse processo inicia com a ativação de
estímulos, sejam eles internos ou externos, desde as funções de
sensopercepção, atenção, memória e todas as outras funções mentais
mais básicas até a integração das mesmas nos processos cognitivos
mais avançados, sendo impossível dissociá-los, ou seja, a cognição é
um processo sistêmico que emerge do cérebro como o resultado da
contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais que
operam segundo determinadas propriedades fundamentais.

Funções Executivas
Todos os dias desempenhamos tarefas em maior ou menor grau
de dificuldade, sejam elas simples ou complexas, são ações que
necessitam de um planejamento prévio, de estratégias que estejam
voltadas a um objetivo final. Para que seja possível êxito na realização
dessas atividades, um conjunto de habilidades cognitivas deve estar em
funcionamento dentro de uma organização hierárquica e consecutiva.
A esse sistema integrador de capacidades cognitivas dá-se o nome de
Funções Executivas (Kluwe-Schiavon, Viola & Grassi-Oliveira, 2012).
A complexidade desse sistema é bastante grande, engloba
diversas habilidades e por esse motivo, não tem um conceito unânime
na literatura. Alguns autores entendem as funções executivas como um
construto único, contemplando muitos elementos de uma mesma
habilidade, enquanto para outros autores as FE são vários construtos
que se relacionam entre si, mas de forma independente. Além disso, as
divergências sobre os modelos teóricos se estendem a quais
componentes estão contidos nas FE, ou seja, quais são as habilidades
desses passos planejados orientados a uma meta específica e que
explicam grande parte do comportamento dos indivíduos.
Segundo os autores que compreendem as FEs como múltiplos
processos, podemos citar Barkley (2001) o qual propõe que elas atuam
de forma sequencial e hierarquizada e Diamond (2013) que descreve
as FEs como um grande guarda-chuva. Ambos descrevem essas
habilidades como memória operacional ou memória de trabalho,
planejamento, solução de problemas, tomada de decisão, controle
inibitório, fluência, flexibilidade cognitiva e categorização. A Seguir,
vamos entender as mais importantes, o que elas são, como funcionam
e como se relacionam.

Planejamento

O planejamento pode ser definido como a capacidade de


estabelecer a melhor forma de alcançar um objetivo definido. Para isso,
leva-se em consideração a hierarquização de etapas e a escolha dos
recursos necessários para que se tenha êxito na meta definida.

Controle inibitório

O controle inibitório é a capacidade que o sujeito tem de inibir


respostas, as quais ele tenha forte tendência a desenvolver. Reações a
estímulos distratores, quando há necessidade de manter o foco e a
interrupção de respostas em curso também são ações que se atribui a
essa habilidade. A inibição da resposta é um processo de fundamental
importância para a adequação social do indivíduo conforme os
estímulos do ambiente. Quando alterações nessa habilidade
acontecem na insuficiência de inibir ou retardar o início dessa resposta,
temos um comportamento dito impulsivo. Já quando temos a
incapacidade de interromper ações já iniciadas, falamos em
compulsividade (Malloy-Diniz et al, 2014).
Barkley (2001), foca nos processos inibitórios e relata que essa
habilidade ocorre nos níveis de inibição e interrupção de respostas
indesejáveis e ainda no controle de interferências. Dessa maneira, o
controle inibitório é um processo cognitivo que contribui para o
funcionamento de outras funções executivas, na medida que para que
uma habilidade seja executada de forma satisfatória e eficaz, outros
estímulos irrelevantes devem ser dispensados.

Tomada de Decisão

A tomada de decisão é um processo cognitivo que envolve a


escolha de uma alternativa de resposta ou ação dentre várias
alternativas em um cenário de incerteza. Nesse contexto, o sujeito deve
levar em consideração o custo x benefício, contando com as
consequências em curto, médio e longo prazo; aspectos sociais e
morais e a repercussão da decisão para si e para os outros e a
autoconsciência, ou seja, suas possibilidades de arcar com sua
decisão. Essa habilidade necessita de outras agindo paralelamente,
como o planejamento, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva.
Fala-se ainda em processo de tomada de decisão quente e fria,
onde se considera que essa habilidade na versão fria conta com
aspectos mais lógicos e matemáticos, fazendo uso da memória de
trabalho, enquanto na versão quente leva em consideração aspectos
afetivos. Estudos realizados por Damásio (1996) demonstraram que
algumas pessoas que não tinham déficits na atenção e na memória
apresentavam sérias dificuldades relacionadas à tomada de decisão e
interação social, concluindo que essa habilidade tem uma versão
denominada quente que está relacionada a componentes emocionais,
onde as pessoas levam em consideração memórias afetivas passadas
quando estão prestes a tomar decisões. Esses estudos levaram a
formulação da teoria do Marcador Somático, onde decisões tomadas no
passado geram consequências emocionais que são consideradas
quando um indivíduo está diante de uma situação a qual precisa
escolher uma alternativa de ação. Quando uma pessoa está prestes a
fazer uma escolha que teve uma consequência negativa no passado,
mesmo antes de lembrar desse fato, manifesta reações fisiológicas
alteradas.

Flexibilidade Cognitiva

A flexibilidade cognitiva é um processo que implica em mudar o


curso de uma ação ou pensamento conforme as exigências do
ambiente. Para que se tenha um bom desempenho nessa habilidade, a
função atencional precisa estar em pleno funcionamento, pois é através
da atenção que um indivíduo se direciona a um estímulo e dispensa
outro, coletando informações úteis da situação.
Esse processo atua de forma integrada a outros, como a tomada
de decisão, o planejamento, o controle inibitório e outras FEs. Pois bem,
para que se possa direcionar um comportamento a uma meta específica
(planejamento) é necessário flexibilizar um pensamento ou ação,
focando na melhor alternativa para solucionar a exigência em questão.
Da mesma forma é necessário inibir estímulos que se apresentam e que
não são interessantes para essa situação específica. Dessa forma, fica
evidente como esses processos estão interligados e déficits em uma
habilidade acarreta dificuldades de desempenho no todo.

Memória Operacional

A memória operacional é o processo de armazenamento


temporário de dados que são necessários que fiquem ativos e
disponíveis para que forneçam as informações exigidas em uma
situação específica, inclusive para funcionamento de outras FEs. Essa
habilidade se relaciona à memória de longo prazo resgatando
informações já armazenadas para que sejam usadas durante uma dada
exigência do ambiente.
Um dos modelos teóricos mais aceitos da Memória Operacional
é o proposto por Baddley (2000), onde ele propõe um sistema de
informações disposto hierarquicamente e composto por quatro
componentes. O primeiro é o executivo central o qual realiza as
operações mentais. Os demais são os sistemas escravos, a alça
fonológica, que armazena informações verbais; o esboço visuoespacial
que armazena as informações visuais, espaciais e temporais e o
retentor episódico, que busca informações na memória episódica e
disponibiliza temporariamente para a realização das operações
mentais.
Velocidade de Processamento

A velocidade de processamento refere-se à capacidade que o


sujeito tem de manter o foco e realizar tarefas simples de forma rápida
e automatizada. Está relacionada à velocidade de conclusão de uma
tarefa com a máxima eficácia possível e necessita que as redes
atencionais sirvam de substrato para que essa habilidade se
desenvolva.

As Redes Atencionais

Os recursos atencionais são fundamentais e de extrema


importância para o desenvolvimento de todas as funções executivas e
o funcionamento cognitivo. Esses recursos estão em desenvolvimento
na infância e adolescência, sendo preditores da aprendizagem e
mostrando relativa estabilidade na vida adulta, bem como declínio na
velhice. Um modelo atencional bastante difundido e proposto por
Posner (2012) sustenta a ideia de três componentes: alerta ou vigília,
orientação ou processos automáticos e atenção-executiva ou
processos controlados. O primeiro está relacionado com a ativação e
resposta através dos estímulos endógenos ou exógenos. O segundo
componente diz respeito ao direcionamento do foco atencional pós-
ativação, conforme exigência do ambiente. E o terceiro exige recursos
executivos, onde permite que o indivíduo alterne o foco, mantenha o
tônus atencional, solucione conflitos em situações de necessidade de
flexibilização e alternância e faça uso da inibição.

Cognição Social

A cognição social é a capacidade de interpretar os estímulos


sociais da forma mais adequada possível e responder a eles de forma
assertiva, modulando nosso próprio comportamento com o objetivo de
promover e facilitar nossa adaptação social em diversos contextos
(Pearson, 2017).
Essa habilidade se relaciona a outras funções e faculdades
mentais, ou seja, para ser possível um bom desempenho da cognição
social outras habilidades são necessárias. Abaixo algumas delas:
- Motivação Social: é importante que o indivíduo tenha interesse em
buscar interação social;
- Percepção do movimento biológico: identificar movimentos humanos
que compõem um padrão típico e podem se relacionar a como o
indivíduo se sente e se percebe e um determinado momento e contexto;
- Reconhecimento de emoções: habilidade de identificar o estado
emocional do outro;
- Empatia: capacidade de compartilhar o mesmo estado emocional
manifestado pelo outro;
- Atenção Social: Processo atencional voltado aos estímulos sociais, de
maneira intencional ou voluntária;
- Aprendizado Social: Capacidade de aprender com a experiência de
outras pessoas;
- Imitação: Através da observação de uma ação, manifestar uma ação
semelhante;
- Teoria da Mente: capacidade de inferir sobre a mente alheia. Dentro
da cognição social, essa é a fundamentação mais aceita.

Teoria da Mente

Diz respeito à capacidade mental que utiliza sinais emitidos pelas


pessoas por canais de comunicação como tom de voz, expressão facial
e posição corporal, para formular uma concepção sobre o que o outro
pode estar pensando ou sentindo em um dado momento.
É muito importante ser responsivo à demanda social para que os
relacionamentos interpessoais estabelecidos não sejam prejudicados.
Por exemplo, quando vemos uma pessoa chorando é comum
respondermos com uma expressão facial coerente, sem sorrisos, com
um tom de voz mais baixo, complacente e um contato empático. Da
mesma forma, se alguém está sorrindo, demonstrando alegria, é
comum respondermos de forma semelhante.
Muitas vezes um indivíduo pode ter um desempenho insatisfatório
na Teoria da Mente e esse estar relacionado a outras funções e aqui,
mais uma vez, ressalta-se a importância das funções mentais mais
básicas no desempenho de qualquer habilidade cognitiva mais
complexa. Por exemplo, se a pessoa não tiver um nível atencional
satisfatório e bem executado, não estará atenta ao estímulo social, não
podendo decifrá-lo, assim como a o reconhecimento de emoções
necessita que já se tenha entrado em contato com esses estados
previamente e que eles estejam registrados na memória. Da mesma
forma, déficits no controle inibitório podem prejudicar a cognição social,
no sentido de que é necessário inibir as suas próprias emoções para
captar e inferir sobre as emoções manifestadas pelo outro.

Referências
Baddeley, A. (2000). The episodic buffer: a new component os Working
memory? Trends in Cognitive Sciences. V.4 N.2 pp. 417-423 Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11058819/. Acesso em 26 de Agosto de
2020.

Barkley, R.A. (2001). The executive functions and self-regulation: an


evolutionary neuropsychological perspective. Neuropsychology Review,
V.11 N.1 pp. 1-29 Disponível em:
https://link.springer.com/article/10.1023/A:1009085417776. Acesso em 26
de agosto de 2020
Damásio, A. (1996). O erro de Descartes: Emoção, razão e cérebro humano.
São Paulo: Companhia das Letras

Diamond, A. (2013). Executive Functions. Annual Review of Psychology.


V.64 pp.135-168 Disponível em:
https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev-psych-113011-
143750. Acesso em 27 de Agosto de 2020.

Fonseca, V. (2014). Papel das funções cognitivas, conativas e


executivas na aprendizagem: uma abordagem
neuropsicopedagógica. Revista Psicopedagógica. V31. N.96 pp. 36-53
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v31n96/02.pdf.
Acesso em 24 de Agosto de 2020.

Kluwe-Schiavon, B., Viola. T.W., & Grassi-Oliveira, R. (2012). Modelos


teóricos sobre construto único ou múltiplos processos das funções
executivas. Revista Neuropsicologia Latinoamericana. V.4 N.2 pp.29-34
Disponível em:
https://www.neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_Latinoam
ericana/article/view/106. Acesso em 25 de Agosto de 2020.

Malloy-Diniz, L.F. (2014). Neuropsicologia das Funções Executivas e da


Atenção. In: Neuropsicologia: Teoria e Prática. Fuentes, D., Malloy-
Diniz, L.F., Camargo, C.H.P. & Cosenza, R.M. Porto Alegre: Artmed, pp.
115-138
Pearson Clinical Brasil (2017). Cognição Social: Da Teoria à Prática
Interfaces em Neurociência. Disponível em:
https://www.pearsonclinical.com.br/interfacesemneurociencias/download
?file=Pearson_Cartilha5_Web.pdf. Acesso em 29 de Agosto de 2020

Posner, M.I. (2012). Imaging attention networks. NeuroImage. V.61 N.2 pp.
450-456. Disponível em:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3345293/. Acesso em 26 de
Agosto de 2020

Sternberg, R. J.(2008). Introdução à psicologia cognitiva. In: Psicologia


Cognitiva. Porto Alegre: Artmed, pp. 19-41.

Você também pode gostar