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O ENSINO DA GRAMÁTICA
NO CONTEXTO ATUAL
CONTEXUALIZANDO
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eh... ele foi criado/os pai dele por um clima de autoritarismo... [...].”
(Marcuschi, 2007, p. 113)
Texto 02
Tinha dois conto em cima da mesa, que minha coroa deixou pro
pão. Arrumasse mais um e oitenta, já garantia pelo menos uma
passagem, só precisava meter o calote na ida, que é mais tranquilo.
Foda é que já tinha revirado a casa toda antes de dormir, catando
moeda pra comprar um varejo. Bagulho era investir os dois conto
no pão, divulgar um café e partir pra praia de barriga forrada. O que
não dava era pra ficar fritando dentro de casa. Calote pra nós é lixo,
tu tá ligado, o desenrolo é forte (Martins, 2018, p. 9).
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meio de textos desse tipo. Ou seja, é possível conhecer e aprofundar o
conhecimento sobre a língua que falamos no dia a dia, ou seja, o PB, ou conhecê-
lo em contraste com a variante padrão. Deste contraste é possível produzirem-se
aulas de retextualização, ou seja, exercícios de escrita por meio de passagens de
uma variante a outra: por exemplo, do PB para a variante padrão ou culta.
Vamos ver como isso é possível? Você já tentou usar essas formas em
suas aulas?
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também que se usem materiais jornalísticos disponíveis em impresso ou em
formato digital. Se houver disponibilidade de os alunos usarem o computador, o
professor não deve se furtar a isso: “Na aula que vamos sugerir abaixo, a coleta
de dados de textos falados/ escritos pode ser feita é claro em livros, jornais e
revistas impressos, em programas de rádio e televisão [...]. Mas pode ser feita de
maneira muito mais rápida, simples e prática graças a um computador” (Bagno,
2013, p. 311).
Vamos acompanhar mais de perto, então, a proposta de Bagno para o
ensino da crase.
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julgada procedente em parte pela Justiça Federal do Mato Grosso, que determinou
às rés (Funai e União) a conclusão imediata do processo em 30 dias” (Anjos, 2018).
Depois da coleta, Bagno propõe acrescentar outra pergunta: “Observem na
lista todas as palavras que vêm logo depois do à/ às. O que elas têm em comum?”
(2013, p. 322). Espera-se uma resposta desta: “são palavras femininas”. Com isso,
chega-se à primeira regra básica: “Só se usa à ou às diante de palavras femininas”.
Aqui, Bagno não menciona, mas o aluno poderá encontrar crases em
expressões circunstanciais como “à bala”, “às vezes”, “à mão” etc., fenômeno
linguístico que muitos teóricos não entendem como crase. Mesmo assim, a regra
vai ser a mesma, só deverá aparecer o acento grave no à dessas expressões
quando o núcleo delas for ocupado por uma palavra do gênero feminino, nunca
antes de masculinas ou verbos: à bala, a serviço, a partir, por exemplo.
Chega-se, então, à segunda etapa: explicar por que as preposições
ocorrem nas amostras, já que o artigo a é explicado pela presença da palavra
feminina. Esse processo, se bem conduzido, deve levar o aluno e a aluna a deduzir
a regra central da crase, ou seja, o “à resulta da crase (‘fusão’) da preposição a
com o artigo feminino a”. A questão é responder por que a preposição aparece
nessas construções, enfatiza Bagno.
Entra-se, portanto, nos domínios das regências verbal e nominal. Neste
caso, as preposições aparecem como introduzindo os complementos de verbos,
substantivos, adjetivos. Aparecem acompanhadas de determinados verbos e
nomes (substantivos e adjetivos). Então, Bagno sugere que se listem essas
palavras que antecedem as ocorrências de à e às e depois peça-se aos alunos e
alunas que procurem mais ocorrências destas palavras nos textos pesquisados.
Devem aparecer palavras de outros gêneros ou classes depois delas. Peça
então que se separem apenas as do gênero masculino. Em seguida, discuta com
eles essa coincidência de ocorrências da preposição, de modo a chegar à resposta
da pergunta proposta. Assim, se pode evidenciar a presença da preposição e seu
papel na formação da crase.
Aqui, Bagno sugere fazer um exercício de transformação no caso das
palavras masculinas, assim:
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Isso serve, segundo Bagno, para “evidenciar a necessidade da escrita do
acento” (2013, p. 324).
Por fim, no caso de haver palavras femininas no plural e apenas a preposição
a, como em “Ela nos obrigou a atitudes desagradáveis”, “Não estou me referindo a
essas questões”, a professora ou o professor pode partir para outra discussão:
quando não se usa o acento indicador de crase?
Evidentemente, essa sugestão de Bagno não contempla todos os casos de
crase, mas busca fazer o aluno e aluna entenderem a regra geral. Isso já será um
grande feito.
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acabaram de chegar de Marte. Na sequência, as professoras sugerem que se
mostrem a eles diferentes tipos de gramática: gramática de língua estrangeira,
gramática do português para estrangeiros, gramática de línguas indígenas,
gramáticas do Português Brasileiro.
Esses suportes servem para o marciano cientista reconhecer que há vários
tipos de gramática, ou seja, servem para desmistificar a existência de uma só
gramática. Por fim, leva-se a discutir o que é gramática. Ou melhor, o que é uma
gramática. O próximo passo é aplicar a ideia de uma gramática para a língua
falada pelos alunos e alunas, o Português Brasileiro.
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A seguir, é possível trabalhar tanto com o locativo num quanto com o num
de negação. Uma primeira verificação é perceber a posição em que num aparece
na sentença com o sentido de negação e de locativo. Deixem o aluno e a aluna
perceberem que o num de negação sempre ocorre antes do verbo.
Essa dedução pode ser verificada nesta sentença: (1) Ele num está num
lugar diferente; em que o primeiro é forma de negação (pré-verbal) e o segundo é
locativo (pós-verbal).
Outro exercício é comparar as formas negativas num e não para constatar
se num é uma redução fonética de não. Se for, ambas as formas devem se
comportar de modo igual na sentença. Para isso, examinam-se novas sentenças:
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a fala real do brasileiro a fim de criar verossimilhança, mas também, no caso do
trecho do narrador, de aceitar e adotar, como uma variante legítima, a forma não-
padrão do ele em posição de complemento verbal.
Na literatura contemporânea, começaram aparecer autores nascidos nas
periferias das cidades brasileiras, falantes da variedade popular do Português
Brasileiro que conseguiram inserir-se e formar-se no meio literário nacional, como
Ferrez, autor de Capão Pecado (2000), e Giovani Martins, autor de O sol na
Cabeça (2018). Jovens pobres das periferias de São Paulo e Rio,
respectivamente, ambos se impuseram por meio de contatos e participações em
grupos literários formados nos seus próprios bairros de origem ou participando de
eventos como a Festa Literária das Periferias – FLUP. Nos textos deles, o PB flui
com mais desembaraço que nos autores das gerações anteriores, como neste
trecho de Rolézim, conto de Giovani Martins:
Acordei tava ligado o maçarico! Sem neurose, não era nem nove
da manhã e a minha caxanga parecia que tava derretendo. Não
dava nem mais pra ver as infiltração na sala, tava tudo seco. Só
ficou as manchas: a santa, a pistola e o dinossauro. Já tava dado
que o dia ia ser daqueles que tu anda na rua e vê o céu todo
embaçado, tudo se mexendo que nem alucinação. Pra tu ter uma
ideia, até o vento que vinha do ventilador era quente, que nem o
bafo do capeta (Martins, 2018, p. 9).
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Parágrafo 1 “Não dava nem mais pra ver as
infiltração na sala”
Parágrafo 2
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O ex-professor da UFPE observa ainda que a retextualização se dá em
meio a processos complexos ligados à transformação de uma modalidade textual
para outra. Várias operações são necessárias para se chegar a um texto escrito
a partir de um texto falado. Lembrando que as diferenças entre essas duas
modalidades são maiores nos seus polos mais típicos ou extremos (conversa
informal [fala] – texto acadêmico ou jurídico [escrita]). Em outras posições, fala e
escrita podem se aproximar bastante; por exemplo, num editorial de telejornal, em
que o texto falado é tão formal quanto um texto escrito; ou num post de Facebook
ou mensagem de WhatsApp, em que, apesar de escritos, ocorrem diversas
marcas de conversa informal.
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sociolinguística (de uma variante a outra). Por fim, operam-se sínteses,
condensações de argumentos, de modo a reestruturar e sintetizar o texto falado.
O interessante dessa proposta é que a partir das duas primeiras operações
pode-se chegar já a uma modalidade de texto escrito a depender do nível de
ensino em que se está, das habilidades do aluno ou aluna envolvidos na atividade.
Ou seja, num primeiro nível, a simples eliminação de marcas de oralidade e
inserção de pontuação já é um processo de retextualização. Tudo vai depender
dos objetivos de aula pensados pelo professor ou pela professora.
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da série, pode-se trabalhar apenas com os processos de idealização. Mas não é
o ideal.
Exemplo 14
“...quando ingressei nos Estados Unidos... por Miami uma das
vezes eu levava a minha mãe que era uma senhora de setenta e::
dois anos de idade... e: coitada... ela foi fazer companhia a minha
esposa que tava grávida... e foi interessante que: como ela sabia
que ia passar oito meses... lá nos Estados Unidos... então levou
todas as ferramentas de fazer flores de papel:: aquele negócio todo
só vendo o que ela levou.. como bagagem... e o funcionário da
alfândega americana... realmente ficou preocupadíssimo que
significava aquilo tudo né? ... aqueles ferrinhos e ferros em bola e:
e: a impressão que dava é que ela levava um... um... verdadeiro
arsenal de espionagem ((ri)) internacional... e: no meio dessa
história toda ela levava também um pó... éh::...ocre né? ... é uma
espécie de uma tinta... de/que se em geral se pintava eu não sei se
pinta hoje rodapé... de casas... ela levava porque ela utilizava esse
ocre... para pintura... ou:: modificação da das cores dos panos...
né? Ou a pintura dos panos que faz/com os quais ela fazia as flores
de papel e de pano... e o rapaz implicou com o ocre... entende?
Implicou e puxou o ocre pra cá e puxou o ocre pra lá e terminou
quebrando o:: o... o vidro de ocre... no meio da da das coisas
espalhadas dentro do:: do... do balcão e coitada de minha mãe... e
ela foi apanhar porque não sabia se nos Estados Unidos ia
encontrar ocre... né?” (Marcuschi, 2007, p. 106)
1 – Quando fui nos Estados Unidos por Miami uma das vezes eu
levei minha mãe uma
2 senhora de 72 anos.
3 — E coitada, ela foi fazer a companhia a minha esposa que estava
grávida e foi interessante
4 — Como ela sabia que ia passar oito lá nos Estados Unidos, levou
as
5 ferramentas para fazer flores de papel.
6 — Só vendo aquele negócio todo que ela levou como bagagem.
7 — E o funcionário da Alfândega americana ficou muito
preocupado.
8 — Ficou muito preocupado com o que significava aquilo tudo?
9 — Aquelas ferramentas em bolas...
10 — E a impressão que dava que ela levava ferramenta de
espionagem.
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11 — No meio dessa história toda ela levava 4 sacos de ocre. É
uma espécie de tinta
12 – E o rapaz implicou com o ocre.
13 — E puxou o ocre pra cá e pra lá e terminou quebrando o vidro
do ocre.
14 — No meio das coisas espalhadas no balcão a coitada apanhar
porque não sabia
15 se ia encontrar nos Estados Unidos. (Marcuschi, 2007, p. 107)
Quando ingressei nos Estados Unidos por Miami, uma das vezes
eu levava a minha mãe que era uma senhora de setenta e dois anos
de idade, coitada! Ela foi fazer companhia para minha esposa que
estava grávida, e foi interessante que, como ela sabia que íamos
passar oito meses nos Estados Unidos, levou todas as ferramentas
de fazer flores de papel, aquele negócio todo como bagagem, e o
funcionário da alfândega realmente ficou preocupadíssimo com o
que significava aquilo tudo. Aqueles ferrinhos e ferros em forma
redonda, a impressão que dava era que ela levava um verdadeiro
arsenal de espionagem internacional, e no meio dessa história toda
ela levava também um pó chamado "ocre ". É uma espécie de tinta,
que em geral se pintava rodapé de casas. Ela levava porque
utilizava-o para a modificação das cores, da pintura dos panos e o
rapaz implicou com o ocre. Puxou-o para um lado e para o outro e
terminou quebrando o vidro de ocre no meio das coisas espalhadas
dentro do balcão, e coitada da minha mãe, foi apanhar porque não
sabia se nos Estados Unidos ia encontrá-lo. (Marcuschi, 2007, p.
107-108)
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ocorre no texto falado, em um típico processo de texto escrito, mais marcado ainda
pelo uso do clítico.
Por outro lado, a aluna não insere parágrafos, o que deixa o texto com ar de
fala, ou seja, de um contínuo textual sem separação temática. Marcuschi ainda
aponta que há poucas transformações e condensações, operações que
produziriam uma mudança mais sensível ao texto falado, de modo a quase eliminar
suas marcas de oralidade.
Em uma experiência no ensino superior, no curso de Comunicação Social,
do Centro Universitário Uninter, chegou-se a um texto em que os últimos processos
de transformação, condensação e síntese foram realizados com razoável êxito:
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Como se vê, essa é uma atividade que pode ser aplicada em todos os
níveis escolares em que as crianças já sejam alfabetizadas, pode ser desdobrado
em várias etapas, e pode ser articulado a atividades que trabalhem com outros
conteúdos de língua portuguesa ou de outras disciplinas. Além disso, pode ajudar
a consolidar o conhecimento sobre as modalidades de língua falada e escrita do
português e aprimorar as habilidades de escrita nas variantes informais e padrão.
FINALIZANDO
LEITURA OBRIGATÓRIA
Tema 01:
Tema 02:
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OLIVEIRA, R. P.; QUAREZEMIM, S. Falando no concreto. Gramáticas na sala de
aula. In: _____. Gramáticas na escola. Petrópolis: Vozes, 2016 (Coleção
Linguística), p. 165-174.
Tema 03:
Temas 04 e 05:
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REFERÊNCIAS
ANJOS, A. B. Índios Manoki lutam por território invadido por fazendas. Agência
Pública, 21/08/2018. Disponível em: <https://apublica.org/2018/03/indios-manoki-
lutam-por-territorio-invadido-por-fazendas/>. Acesso em: 21 out. 2022.
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