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EUGENIO COSERIU
wg
SBD-FFLCH-USP
PRESENGA
Editora da Universidade de Sao Paulo
Rio de Janeiro — RI
1979
1.1.1. Para superar em suas prdprias raizes a antinomia
entre sincronia e diacronia — no sentido e na medida em que é
ela superavel —, convém voltar uma vez mais ao texto de Saus-
sure. Segundo Saussure, como se sabe, a antinomia entre “fato
estatico” e “fato evolutivo” é radical: “um é uma relagdo entre
elementos simulténeos, o outro, a substituigéio de um elemento
por outro no tempo, um acontecimento” (1); os termos sincré-
nicos sic “coexistentes e formam sistema”, ao passo que os dia~
crénicos so “sucessivos” e “substituem-se uns acs outros sem
formar sistema entre si” (2). Os fatos sincrénicos sdo sistemati-
cos; os diacrénicos s&o particulares, heterogéneos, isolados @) e,
ademais, sdo “exteriores” ao sistema: “Na perspectiva diacréni-
ca, ocupamo-nos com fenédmenos que nao tém relac&o alguma
com os sistemas, apesar de os condicionarem” (4). Saussure reco-
nhece que a sincronia (o “estado de lingua”) depende da dia-
cronia, pois varias vezes observa que qualquer mudanea “tem
repercussdo em todo o sistema” e que o sistema sincrénico é
de individuos, antes de cnirar_ em uso”. __ 1.2.4. Mas esta convengao n&o elimina, decerto, a sistema-
a mudanga semantica
40. CLG, p. 165 (Cours, p. 132; Curso, p. 109 (N. T.)]}:
eas gue puderam ser ticidade da mudanga fonica como fénicn. A esse respeito, a con-
do francés youtre “‘ndo dependeu de outras mudan
174 (Cours, pp. 134 e
produzidas ao mesmo tempo". Cf, também pp. 168 e qtista mais importante da fonologia diacrénica foi a de demonstrar
140: Curso, pp. 111-112 e 116 (N, T.)].
pp. 192-151.
41, Cf. as afirmagdes citadas na nota 3 e, ademais,
42. Qutras mudan gas — como, por exempl o, as que constituem a "revolugio
de Ouro” —. mesn’ nao sendo simultaneas, 44. CLG, p. 166 fCours. p. 183; Curse, p. 110 (N. T.
fonolég ica espanh ola do Sécule
si numa épeea histéri ca, ne sentida de que respon- 45. CLG, p. 163 [Cours, p. 180; Curso, * 108 wr Pare
formamsistem a entve
Sinalid ade sisiema tica geral. Por outro Todo, tratando se 46. CLG, p. 166 [Cours, p. 133; Curso, p. 110 (N. T.)].
deni a una mesma tam- 47, Cf. CLG, pp. 154156 [Coura, pp. 121-123; Curso, pp. 100-102 (N. T.)J; p.
al vincul agae deve ser consid erada
de “fatos diacrSnicos”, sux eventu 232 [Cours, p, 194; Curso, p. 164 (N, T.}]: “O cardter diacrénico da fo-
mudangas se en-
bém na perspectiva diacranicz: e nesta perspectiva muitas nética concorda mui-e bem com o principio de que nada do que seja foné-
nova
lagam umas as outras, no senlido de que uma mudan¢a produz uma Weo é significative ou grematical”; p. 248 [C°urs, p. 209; Curso, p. 176
condigio de instabilidade (cf. IV, 4.5.), se trans- (N. T.}}: se a gramatica interviesse, 0 fenémeno fonético se confundiria
43. Cf. CLG, p. 236 [Cours, p. 198; Curso, p. 167 (N. T.}]: “O que as com o fato sincr&nico, coisa radicalmente impossivel“; p, 363 [Cours, p.
aconteciment
forma é um fonema: acontecimento isolade, como todos os
a idéntica GrCurse.P- 20{N- ed Be 364 [Cours, p. 317; Curso, p. 271 (N. TA):
diacrénicos, mas que tem por conscqiiéneia allerar de mancir
o que meng evolutivo, fonético, e nao gr i ”
todas as palavras em que gure o fonema em questdo; é nesie sentid 48. CLG, p. 64 [Cours, p. 37; Curso, p. 2B aerial nem permanente".
as mudancas (6nieas sho absolutamente regulares’’.
(ue a mudanga fanieca recai sabre o sistema de
medos fénices da
lingua, e ndo sabre as “sons isolados; e@ com isso
ficou demonstrada sequer elimind-la e, aduzindo apenas razdes didalicas, diz 1do-
fambém a autonomla, se bem que relativa, dos sistem somente que “a distingZo [separacio] entre o diacrénico e o
as fonclégices
enquanto sistemas de modns {écnicos, de “pauta
s de realizagio", no sincrénico deve manter-se sempre”. Ou seja, em sua opinido, a
que se refere ao aspecto material da lingua. Saussu
rie, vé no que é fénico apenas a materialidade, e
re, ao contra- convengao acaba por prevalecer sobre a realidade dos fatos.
nio a forma pro-
priament> Hnelifstiea. Decorto, Saussure perceb
e a sistematicidade 1.3.1. Encontram-se em Saussure, por conseguinte, uma
dos “fonemas” (49), mas nico chega a atribuirthes nenhu
m lugar série de intuigdes luminosas em relago 4 mudancalingiiistica
no estudo sincrénico da lingua. Sua “fonologia”, se bcm que
the
calba também “a descricfo de rons dum estado da lingua
”, esté,
—— em particular: a de que a razio da mudanga nao se encon-
na realidade, “fora do tempo" e 6 uma ciéncia da fala (50). tra no “momento historicamente objetivo’ da linguagem (lin-
Ciéneta
da lingua é, para Saussure, a “fonética”, mas ela é “histéria™ (51) gua), mas no seu “momento subjetivo” (fala) (°); a interpre-
¢. ddentifica-se praticament> com a Nugifstica diaerdnica (52),
assim me a lingilistiea sincrénica se identifica com a prama tagio da analogia como “criac&o sistemdtica” e o reptidio ds
- “inovagdes gerais” — e, juntamente com elas, uma série de con-
ica (53)
tradigses, E estas tltimas nfo se devem apenas ao ponto de
1.2.5. No entanto, se sé existissem mudaneas fénicas, a ‘vista que adota, mas também a alguns aspectos essenciais da
antinomia poderia serjustilicada (54). Mas, se as mudaneas f6- sua doutrina. a saber: a) a sua identificacdo entre estado de lin-
nicas podem ser declaradas “assistematicas” por convencao,
por
gua e lingua simplesmente (cf. I, 3.3.1.): b) a sua concepedo
nao serem grainaticais, a mesma convenc&o nao é aplicdvel as da lingua como “sistema feito”, como ever: ¢) o fato de
mudangas gramaticais, que também existem. Certamente, mui- ter colocado a lingua no sétimo céu da “massa” durkheimiana
tas destas “‘se resolvem em mudangas fonéticas” (como conse- (ef. II, 1.3.1.)}. que é a sua forma menor de platonismo (58) e
qiléncia indireta destas) (5°), Entretanto, “uma vez eliminado que implica a separagdo entre a lingua e a atividade lingtiistiea
o fator fondtico, encontra-se um residuo que parece justificar a concreta.
idéia duma “histéria da gramatica”; é nisso que reside a verda-
deira dificuldade” (5°). Saussure, pois, reconhece claramente a 1.3.2. De fato, Saussure admite que a sincronia (“estado
dificuldade (que, no fundo, é uma contradieado); mas nao tenta de lingua”) é uma “aproximagdo", uma “simplificagdo conven-
cional” (59), e, néo obstante, mais de uma vez tende a atribuir-
2 CLG, pp, 86 © 201 Cours. po. 58 2 184; Curso, pp. 44-45 e 187 (N. T.)]. Ihe permanéneia e a identificd-la coms“a Hngua” comotal: “.,.
56, CLG, pp. 232 e 84 [Cours, pp. 194 © 86; Curso, pp. 163-164 « 42 (N. T.)]. o sistema de valores considerados em si e esses mesmos valores
51, CLG, p. 84 [Cour p. 56; Curso, p. 43 (N. T.)], EB é na rv fidadr, uma
incongruéncia. Se os fonemas forscm meres csyécies materizis, ¢ nfo for- considerados em funcao do tempo”; “a lingua é um sistema do
mas lingiisticas, e se ancnay periencessem A fala, dampouce poderiam tor “qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua
hittdria, porque a fala nfo a tem: ed a Hf Ua a tem. Em termos atunis di-
riamos que s6 pode haver foxolagia histériea (“diacrénica”), S2 per fond: solidariedade sincrénica” (®). Assim também, considera que
tien s@ entende “ciéncia fonica da fala”, entao arfoudtiea histérica”
& uma “tudo o que se chama “gramatica geral” pertence a sincro-
contradigdo nos termos. As mudancas fSnicas, como procestos que ocorrem nia” (81) e, como se viu, opde ao que é “fonétice e evolutivo” o
nas linguas, so todas “fonolégicas™. Existem inovagdes fonélicas, mas nao
mudaucas fondticas.
52. CLG, p, 232 [Cours, p. 194; Curso. bp. 163 (N. T.)]: “A fonétiea, e 57. CE. A. Paciiano, It segno vivente, p. 119.
toda a
foné'ica. constitui_o primeire objeto da lingtislica diacrénica. 58. Cf. “Forma e substancia’”, p. 61.
53, CE. CLG, p. 228 [Conre, p, 185; Cuarsa, p, 186 (N. T.)]. 59. CLG, p. 177 [Cours, p. 196; Curso, p. 166 (N. T.)}.
fd, Cf. CLG, p. 282 [Cours, 194; Curso, p. 164 (N, T.}]: “Se a evoluein da 60. CLG, pp. 147 e 157 [Cours. pp. 118 e 124; Curso, pp. 95 ¢ 102 (N. T.)].
Ingua se reduzisse & dos sons. a oposigdo dos objetos préprios 4s duas par- 61. CLG, p. 175 (Cours, p. 141; Curso, p. 117 (N. T.]. Na realidade, a “gra
{cs da lingilfstica seria de pronto evidente: ver-se-ia cl:ramen'e que dia- matica geral” refere-se ao plano universal do falar cf. TT, 2.1.), 0 tinieo
evfnicg equivale a nie prome‘icel, assim como sincrénico a gramatical”, em que é possivel definir as unidades e funcdcs lingtiisticas. Cf. ‘“Logi-
55. CLG, pp. 232233 [Cowrs, p, 195; Curso, 164 (N. T.)}., cismo e aniilogicismo”, p. 21; “*Determinaciio e entorno™, pp. 92-33 e n. 63;
5G. CLG, pp. 234-235 (Cours, n. 196; Curso, p. 166 (N. T.)1, e, nesta obra, III, n, 42, Ndo se deve confundir o plano da teoria com o
plano da descrigao idiomatica.
que é “gramatical e permanente” (cf. n. 47). Para Saussure o neira o sistema ou, pelo menos, o seu equilibrio; mas nao o de-
sistema é, no fundo, um estado; ea estado é, de alguma maneira, sorganiza: como assinala o préprio Saussure, a mudanga nao
estdvel. E, certamente, a diacronia revela-se estranha ao sistema é “global” (ef. 1.2.3.). De fato, a lingua é um sistema com-
e incompreensivel se se atribui “permanéncia”A sincronia e se plexo, de muitas estruturas encaixadas umas nas outras, de
o “em si” da Hngua é identificado com um momento da sua his- modo que, por exemplo, uma mudanga dentro de um paradigma
téria. E que, na realidade, um sistema Jingtifstico em uso é sem- nao afeta necessdria e imediatamente as relagdes entre este pa-
pre sincrénico em dois sentidos: no sentido de que, a todo ins- radigma e os outros paradigmas da mesma ordem, nem as re-
tante: cada um dos seus elementos estd em relacio com outros, lagdes internas destes Gitimos. Do contrario, toda mudanca im-
e no sentido de que o prdéprio sistema esté sincronizado com os plicaria uma revolucdo e o sistema careceria de continuidade.
seus usuarios (cf. 1.2.1.). Mas, precisamente por esta titima Assim também, a mudanea nao leva A imevitdvel decad&ncia e
razdo, ndo é estatico, e sim dinamico. Ademais, a “estaticidade”, rufna das Iinguas, como pensava Schleicher, justamente porque
apesar do aparente paradoxo, ndo é um fato sincrénico, mas dia- n&o é “deterioragio” mas ‘“reconstrucdo”.
crénico: para comprova-la é necessdrio mover-se na linha do
tempo (cf, I, 3.3.1.). 1.8.4. Por titimo, Saussure percebe que a lingua muda
pela fala (ef. 1.2.2.) e, mais ainda, vé que o momento funda-
1.38.3. A mudango é para Saussure “deterioragdo”, “per- mental da mudanga é a “adocdo” (8). Nao obstante, as mu-
turbag&o”, “uta duma forga cega contra a organizacdo do sis- dancas ocorrem para ele entre os “estados de lingua” e fora do
tema”, precisamente porque a sua concepedio da lingua é, no sistema, porque a sua fala — sendo um fato “individual”, e ngo
fundo, a de um sisterna fechado, “feito” de uma vez por todas: “social” —- 6 uma realidade desligada da lingua (). Saussure
uma “abstrac&o coisificada”. Tal concepedo, que tem a sua ori- nado ignora os efeitos sistemdticos das mudancas e até observa
gem préxima em Schleicher, revela-se plenamente na compara- que os fatos diacrénicos nfo iém disposicdo linear, mas sim_que
gao entre a lingua e o sistema planetdrio: “FE como se um dos eles se redistribuem continuamente etn sistemas distintos (ef.
planetas que giram ao redor do Sol mudasse de dimensdes e VI, n. 82); mas a propria redistribuicéo é um resultado: o pro-
peso: esse fato isolado acarretaria conseqiiéncias gerais e trans- cesso correspondente realiza-se fora da, lingua, na qual “as mu-
tornaria o equilibrio de todo o sistema solar”(8). Trata-se, dancas que ocorrem entre os estados nao tém lugar alum” (cf.
evidentemente, de urna paréfrase da famosa afirmacio de Co- 1.2.1.). Ou seja, Saussure considera apenas a “mudanea aca-
pérnico, segundo a qual no sistema solar tudo est4 relacionado hada”, a mudanea como mutacdo, e ignora o mudar como tal,
e vinculado de tal maneira “ut in nulla parte possit transponi a mudanga em marcha (&). A mudanea saussuriana é substi-
aliquid sine reliquarum partium ac totius, universitatis confu- tuigéo de um elemento por outro: para que na lingua haja um
sione”, Mas a analogia é muito inadequada. A lingua nado é um
sistema de coisas, mas um “sistema técnico”, de modelos e mo-
63. CLG, p. 64 [Cours, p. 387; Curso, p. 27 (N. T.)]: ‘‘sdo as impressdes re-
dos de fazer (cf. Ii, 3.1.3.); e nao é um sistema fechado, mas echidas ao ouvir os outros que modificam nossos habitos lingiiisticos’’.
aberto (cf. IV, 4.1.1.). Por isso, nos sistemas lingiifsticos é 64. CF. IL 1.3.1. e SNF. pp. 29°30.
possivel introduzir novidades “sine totius universitatis confu- 65. A este propdsilo, R. S. Wetts. Art. cit., p. 23, abserva que Saussure des-
cura as mudangas de freqiiéncia, considerando-as “fates sincrénicos”, ja que
sione”. E verdade que toda mudanga modifica de alguma ma- nfo mudam a lingua. Na realidade, nio mudam o sistema, mas mudam a
norma, isto 6, 9 equilibrio do sistema (ef. Il, 3.1.3); e uma mudanga do
sistema é, precisamente, um deslocamenta total da norma, Cf. SNF pp.
62. CLG, p. 154 [Cours. p. 121; Curso, p. 100 (N. T.)7. RARE,
fator novo, é necessadrio que o velho The ceda seu lugar (cf.
entre sincronia e diacronia — entre “sistema” e mudanca —,
1.1.3.). Endo na lingua entendida como técnica lingiiistica de
Saussure sacrifica a variedade da lingua histérica (7) e tenta
cada falante (o que seria aceitdvel: cf. II, n. 53), mas, preci-
samente, na “lingua da massa’.. De fato, segundo Saussure, “na rechagar o diacrénico para o terreno da fala (separada da lin-
histéria de toda inovagiio encontram-se sempre dois moment gua mediante outra antinomia). Mas esta é uma contradi¢3o
os nos termos, pois a fala, sendo “ocasional”’ e “momentanea”: ca-
distintos: 1.° aquele em que ela surge entre os individuos;
2.9
aquele em que se tornou um fato de lingua, exteriormente idén- rece de continuidade: & por exceléncia “sinerénica” (ef. n. 51).
lico, mas adotado pela comunidade” (8), Cabe, portanto, per- E é uma contradicio também dentro do sistema do Saussure,
guntar onde se encontra a mudanca entre estes dois . pois a sua “‘lingtiistica diacrénica” é, precisamente, uma “ciéncia
momentos.
“Na fala”, responderia provavelmente Saussure (7),
Mas assim
da lingua”, e nao da fala(7), Portanto: é a lingua que muda,
se cai numa grave aporia, pois quantos individuos sdo
necessd- mas a mudanga nao pode ser estudada na lingua, porque é “ex-
vios para constituir “massa” ou “coletividade’’? Suponh terior ao sistema”; seria necessdrio estudd-la na fala, mas isso é
amos
uma comunidadelingifistica minima de dez individuos. impossivel, porque a fala nao é “diacrénica”. Nao se pode sair
Quan-
ios individuos deverdo aceitar uma inovacao para que ela deste cfrculo, se se aceitam as teses saussurianas. E, de fato,
se
torne “fato de lingua”? Quatro, cinco, a maioria. ou todos? Saussure nao entende que haja propriamente um estudo da mu-
E se
os dez jamais a aceitam e o sistema primitivo fica dividido
em
duis “dialetos”? A verdade & que o “segundo momento” de
71. Recorde-se que o “estado de tinqua” saussuriano & uma “simolifieacia con:
Ssussure nfio existe como tal: 6a série de momentos correspon- veneional” e@ que Saussure reconheee explicitamente as difientdrdres, tanto
tlerites aos atos individuais de adocdo do fato lingtiistico novo temporris cuanto es) neiafs, que se aprescntam nara a sua delimitaeto (CLG,
como “modelo”, ou seja, como fato de lingua (cf. TT, 3.2,.2.); p. 177 [Conrs, p. 143; Curso. p. 18 (N. T.)]). Polis bem — oxatamente
ao cantrérlo do que com tanta freqiiéncia sc pensa —, as simplificagdes con-
ea “inovagdio” comeca a pertencer4 lingua a partir do momento vencionais justificem-se ¢ revelam-se inofensivas na “‘prdtica”, na investi-
em que comega a “se difundir”, isto é, a ser adotada como pauta Bagao emnirien c nz descrigio sislemAticn: mar nao sia admissiveis na tco-
ria. que deve tentar compreender a realidade de modo cabal, Pelo menos,
expressiva pelos falantes. Esto aqui em conflito as duas oposi- a teoria nao deve olvidar as simplificagdes opcracionais que realizou e nao
gdes saussuriana entre lfigua e fala (88): a essencial e genuina deve confundir as convengdes com a realidade. E, certamente. numa “‘sim-
plificag3o convencional”, numa “noeko aproximada” uma antinomia real
cnire o que é “virtual” e o que é “atual”, e a quantitativa e es- niio pode ser fundamentada. ¥
piria entre o que é “social” e o que é “individual”. Saussure 72. A, Secnewave. “Les trois linguistiques saussuriennes™, Vox Romanico, V,
obscrva que “nada entra na lingua sem ter sido antes ensaiado 1940, pp. 7-9, afivma justamente que a ontinomia cnire sincronia e diacronia
é superada yela fala, que, de alguma maneira, participaria de ambas, por
na fala” (%); mas o que se esta ensaiando j4 é “lingua” e néo ser ao mesmo tempo utilizngdo e superagio da lingua, Sem duvida, Mas
simplesmente “fala”, e o que é “pratica exclusiva de certo nu- trata-se de averiguar como se supera a antinomia na Ungua e em seu esti
do, e nao simplesrnente como se resalve na atividade lingtiistica, onde, na
mero de individuos” (cf. n. 39) j4 pertenge A lingua destes rcalidzde. a antinomia nfo cxiste nem foi presumida. Que a fala supera
individuos e j4 entrou no “uso” (7°). Para manter a antinomia a lingua e Ihe é, num sentido, anicrior, assinala-o o proprio Saussure: “ta
lingua 4 nccessdria para que a fala seja intcligivel e produza icdos os scus
efeitos; mas esta é necessdria para que a lingua sc eslabelega; historicamente,
Gi. o fato de fala vem sempre antes” (CLG, p. 64 [Cours, p. 37; Curso, p. 27
CLG, p, 173 [Cours, p. 129; Curso, p, 145 (N. T.)].
(N. T.)]). Por isso, o que Sechehaye assinala 6 apenas o ¢onto de partida
87. Nao é uma simplesilagio; ef, CLG. p. 112-173 (Cours, pp. 138-339: Curso,
para a supcragdo, ¢ nio a prépria supers¢io da anlinomia, De falo, a mu-
np, HE15 (N. T.)).
WS. CO SHF, p. 24 e ss. danga ocorre pela faln, mas ocorre na lingua. Eo problema da mudenga 6,
precisamcnic, um probicme “de Iingua”, e niio “de fala”; na fala podem
89. CLG, p. 27 (Cours, p. 233; Curso, p, 196 (N. T.)]. scr estudedas as “inovagdes”, mas nado a mudanca (cf. III, 3.2.1.). E ver~
4, Dessa maneira, a mudanga 6 a negagio patente da “lingua da massa", visto dade, entretanto, que o comego da mudenga (¢ da HWngua) é 0 Molar; e nao
aie deve comecur num Indivicto ¢ estenderse a outros; mas, ao mesmo o laler “heterogéneo”, mas o falar que se conatllui como Ifngua. A cste
tempo, & também a confirmagiio do cargter “social” da lingua, em secu sen- propésilo. eabe recordar a profunda intuigao de Sansenre de quo a facul-
tido genuino (ef. I, 1.3.3.). dade da linguagem 6, na fundo, “a faculdade de constituir uma lingua, isto
danga: sua “diacronia” (fonética histérica) & mero registro de 2.1. No fundo, a antinomia cntre sincronia ¢ diacronia pa-
mudancas ocorridas (73). rece ser a expressdo da insuperdvel dificuldade encontrada por
Saussure para conciliay o significative (“espiritual”) e o material
1.8.5. 2m conclusao: Saussure, preocupado em estabe- da linguagem e, por outro lado, a manifestacao de um conflito in-
lecer firmemente a sincronia e em distinguir o ponto de vista sin- timo no préprio Saussur2, entre a sua aguda visdo da realidade lin-
erénico e o diacrénico, nZo pcreebe que a diferenca entre ambos gilisticn 0 a inseguranca do seu conceite de lingua. De fato, Saussu-
re ocupa um lugar destacado na histéria da lingtiistica, nio apenas
é apenas de perspectiva e ndo tenta reconcilid-los, Ao contrario, reles muites e indubitaveis valores da sua doutrina, mas também
transforma a diferenga de perspectiva numa insustentdvel anti- por r*presentar nela um momento de crise. Saussure 6, néo abs-
nomia real, sem perceber que 0 “fato diaerénico”é na realidade tante, um lingilista “naturalista” e, ao mesmo tempo, com ele o
a produgéo dum “fato sincrénieo” e@ que a “mudanga” ea “reor- ‘naturalismo entra em crise. Por um Jado, Saussure continua a con-
ganizagéo do sistema” nado sio dois fendmenos diversos, mas um ceber a lingna como “objeto natural”, isto é, como objeto exterior
tinico fenémeno (74). Com freqiféncia se considera a doutrina ao homem (pois este, e nao o que é genuinamente “social”, 6 o sentido
saussuriana como o oposto do chamado “atomismo” dos neogra- da “lineun da massa”; cf. 11, 1.8.2.) 3 por outro lado, intui a sua
essencial historicidade (cf. 1.1.2.) e, ao considerar a “lingua em
miaticos. Mas isso é apenas parcialmente exato, {4 que Saussure
funcionamento”, entende-a como técnica conertta (e@ histérica) -do
iia se opde aos neogramiticos no campo préprio desies. A dia- falar — ou seja, no fundo, como “objeto cultural” —, embora vom
cronia “atomista”, Saussure opde a sistematicidade da sincronia: parceber que a “Hngua em funcionamento” é propriamente fala (7),
mas na histéria lingijistica — ou seja, no campo prépric dos neo- Ademais, com o concelto de “valor” (77) — que, lamentavelmente,
gramaticos —, nao apenas se opde ao “atomismo” como também n4o interpreta como valor cultural (0 que Ihe teria permitide res.
tenta tornd-lo radical e justificd-lo teoricamente. Sua diacronia qatar também o material da linguagem) —, afasta-se do natura-
¢ muito mais “atomista” que a Sprachgeschichte de Paul (75). lismo em outro sentido, mas num sentido tangencial, em relagiu a
renlidade cultural da lingua, pois tende a interpretar Os sistemas
se
lingilistices como “objctos matomaticos”. Nese mesmo sentido
8, um sistema de signos distintos correspondcntes a idéias distintas” (CLG, & tine forma ve ndo wana
p.53 [Cours, p. 26; Curso, p. 18 (N. T.)]. De fato, mesmo os atos de fala orientam as suas teses de que “a@ lingua
absolutamcnte “inéditos” ja so por sua finalidade “lingua”, dado que sao substdncia” (78) e de que “na lingua hd upenas diferengas, sem
“para outro” (ef. II], 2.3.4,). No mesmo sentido, e nao no sentida estrita- termos positivos (79). Dessa maneira, 2 lingiiistica saussuriana
menle saussuriano. cabe interpreta fambém a afirmacioe de Saussure de
que “nao é ilusério dizer que é a lingua que faz a unidade da linguagem”
(CLG, p. 53 [Cours, p. 27; Curso, p. 18 (N. T.)J). 2 .
73. CL CLG, p. G4 (Cours, p. 37; Curs® pp. 26-27 (N. T.) 1: “porte sor inte a-se di e Saussure descurou a “lingilistiea da fala”. Isso nao é
da yaa
ressante pesquizar as causas de fais mudangas, e 6 estudo dos sons nos ajudara « eee teanata em seus capitulos sabre ° funcionamento
(N. TD:
nirso; todavia, nfo é coisa essencial: para a ciéncia da lingua bastard sempre (CLG, I, $6, pp. 207-222 [Cours, pp. 170-184; Curso, bp. 142-185
oe es’
comprovar as transformagdes de sons e calcular-thes os efeitos’. eneoniram-se dtimos exemplos de uma tel tingilistica. Assim, no caso
f ers,
74. A. Atonso, em sey prélogo ao CLG, p, 10, nota, diz-que. “como canjunto quema associative da pulavra ensinamento (p. 212 [Cours, p. 175;
lingua 1 mas
e estilo mental, as antinomias de Saussure procedem de Hegel através do p. 146 (N. T.)]), nao se trata propriamente de relagdes ba
ee
lingiiista hegeliano V. Henry”; e talvez assim seja. Mas a semethanen entre de relagdes entre uma pulavra dita ¢ o seu “contexto idiomalico™; ef.
Saussure e Hegel ndo vai muito longe. As antinomias de Hegel resolvem-se terminagio e entorno”, p. 48.
11. CLG, p. 191 (Cours, p. 155; Curso, p. 130 WN. T.)] es. bsténoia”
continuamente na plenitude conerei!a e dindmica do real; em troea, as de Forma e substancia”,
Saussure so abstratas e permanccem irredutfveis. 78. CLG, p, 206 [Cours, p. 169; Curso. p. 141 (N. T.)].
66-67. .
1%. O mesmo A. Atonso, Prdlogo, p. 20, considcra que, da an‘inomia raussu-
79. CLG, p. 203 [Cours, p. 166; Curso, p. 139 (N. T.)], Alese da negatividade
tiana, ‘‘continua em sua plena validade o duplo ponto de vista para o duplo
estudo: no sinerdnico o do falante, que vive internamente o funcionamenta das unidadeg lingiiisticas fundamenta'se numa confusdo de planos de abs-
da sua Hngua; no diacrénico, o exlerno do historiador, que contenynla as {ragio: o “ser unidade lingtiistica cm geral™ 4 0 Unieo que comporia . di-
suas transformagdes succssivas". B este. sem divida, o verdadeira alcance ferences” {© fato de uma unidade nao se confundir com outras), e nao o
real da disting#o (ef. I, 2.3.1.); mas neste senlido ela nao é suussuriana. “sor tal unidade determinada om tal sistema determinado”. Com o scu
Nao se deve esquecer que a dincrania de Saussure nap é histdria e que, em
cxemplo da letra t (CLG, p. 262 (Cours, p, 165; Curso, p. i138 _(N. TD,
Saussure se refere ds condigdes do “scr Iclra” e ndo as condigdes do “ser
termos de disciplinas lingilisticas, a sua antinomia se reduz, em Mima and- a letia t” (se bem que na demonsiragéo grafica se Lats, preisansente, destas
lise & oposigdio entre fondtica hisiérica ¢ qrantdtican descritina. significa Hmites
Ultimas), pois em sentido concreto (particular) “diferenga’
Pode tomar rumos as vez
es muito diferentes (80)
pre de acordo com estes , se bem que sem- 2.3. A glosssmatica, ao contrario, tendo se eoncentrado
ov aqueles motivag ess no
duutrina de Saussure sob enciais da miultipla estudo das estruturas lingiiisticas abstratas, separadas néo
re a lingua, apenas
do fulay comotal, mas, em geral, de qualquer realizucdo numa
vu 32 “subs.
ov.. a escola
9
genebrin na Bals ly, Sech
vy s7 oe tancin”, tomou decididamente o rumo da inturpretagde
cy
ehave, Frei7) concentrou du lingua
¢ speclalmente sobre os mod como “objeto matematico” (8). De fatu, a “lingua” de Hjelmal
£uu, sobre a lingua os de funconamento da lin éuma “rede de fungdes” — entendidas, estas, no sentido ev
como téenica do falar; matemd-
mento fla lingua” é Pro € dado que o “funciona tico, como relacio entre “functivos” —, um objeto puramente
priamente fala, nao Lor-
genebrings tenham dese é de estranhar qu mal, Independente de sua manifestagio numa “subslancia” qualque
nvolvido, precisamente, r
Fala”, Ta) enfoque perm uma “lingiiistios da (fénica, grafica, ete.). O préprio eixo da glossematica é a tese
itiv-lhes observar e saus-
de transtormagio da ling estudar o meeanisme
suriana de que “a lingua é uma forma e nao uma subslincia” ea
ua em falar e a relagio
fee dy bola lingua para do material ofe= conseguinte redugao da lingua a estrutura puramonte “formal” (rela-
diversos niomenios expr
‘ilislica da lingua”), a fala essivos (atualizagio, clonal) : tudo o que nado é “forma pura”, no sentido gloss: mitico,
come utilizacio da lingua
vonisée) en Separagdo
“sistemdtica” da norma”
(parolé or nao é propriamente “lingua” (esquema), mas realizagio,
Jay em seus aspectos incipien nivdiante « fa- “fala”
tes e mull: formes, ainda (uso) 88), e, com respeito i forma pura, é “substancia”; assim, por
nados historicamente (gra
iny: re dex faites), “Sin
no selecio- exemplo, a lingua fonica é uma “substancia”, em rclagdo ao caquoma
Vida, mas uma sincrunia Move cronia” sem du.
que manifesta, Mas este eixo nao é muito sdlido, Em primeiro lugar,
digu, viva, pulsante, Entre
Saussurianas, a genebrina
6 a que estd mais perto as escolag na prépria doutrina glossematica, a substancia do “conteddo” (subs-
da lingua como “objeto cultural da compreensao
", a que sta mais atenta aos tancia sematica) nado pode ocupar uma posicie simétries cm relagdo
sign, : cutives © aos seus
valores Subjetivos, a que matizes 4 substancia das “expresso”, Pode haver varins substancins de reali-
Ey revistrar ¢ valorizar a mult estd mais disposta
ipla yariedade “vertical” zag&o e, em certo sentido, a lingua pode ser cuncebida como “inde-
ee Lilfstion” da lingua, Mus (ef, VI, n, 67)
, precisamente esses axpectoy pendente” de uma substancia particular (ainda que nio de goslyguer
oritivos de seu enfague — altamente
em conjunto vom a insufizi substancia) (84). Mas ha apenas uma substaneia do “eonte tile e,
gav Uo material na sistemnticid cnte integra-
ade da linguagem e eum o dtsi em relac#o a ela, a fornia lingiiistica nao pode, evident:mente, ser
pela variedade “espacial” — imyx nteresse
diram os ecnebrings de sufrem entendida como jndependente, Em termos gloss2mdt 208, dirfamos
ambilo doe fazimento cotidianu e do
genériea da lingua e de so colocare que, com a substancia do “contetido”, a forma lingiistica eontral
nee ae em que esse faziment m
e & visto voniu provessu histé- uma fungaio de “interdependéncia” (relacdio entre duas conslan-
{NDICE GERAL