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EUGENIO COSERIU

Sincronia, Diacronia e Historia


O Problema da Mudanea Lingiiistica Capitulo VII
Traduchio de SINCRONIA, DIACRONIA E HISTORIA
Carlos Alberto da Fonscea
Mario Ferreira.

wg
SBD-FFLCH-USP

PRESENGA
Editora da Universidade de Sao Paulo
Rio de Janeiro — RI
1979
1.1.1. Para superar em suas prdprias raizes a antinomia
entre sincronia e diacronia — no sentido e na medida em que é
ela superavel —, convém voltar uma vez mais ao texto de Saus-
sure. Segundo Saussure, como se sabe, a antinomia entre “fato
estatico” e “fato evolutivo” é radical: “um é uma relagdo entre
elementos simulténeos, o outro, a substituigéio de um elemento
por outro no tempo, um acontecimento” (1); os termos sincré-
nicos sic “coexistentes e formam sistema”, ao passo que os dia~
crénicos so “sucessivos” e “substituem-se uns acs outros sem
formar sistema entre si” (2). Os fatos sincrénicos sdo sistemati-
cos; os diacrénicos s&o particulares, heterogéneos, isolados @) e,
ademais, sdo “exteriores” ao sistema: “Na perspectiva diacréni-
ca, ocupamo-nos com fenédmenos que nao tém relac&o alguma
com os sistemas, apesar de os condicionarem” (4). Saussure reco-
nhece que a sincronia (o “estado de lingua”) depende da dia-
cronia, pois varias vezes observa que qualquer mudanea “tem
repercussdo em todo o sistema” e que o sistema sincrénico é

1. CLG, p, 162 [Cours, p. 129; Curso, p. 107 (N. T.)].


2. CLG, p. 174 (Cours, p. 140; Curso, p. 6 (N. T.)]. Cf. também p. 231
{Cours, p. 193; Curso, p. 163 (N. T.)].
3. CLG, p. 159 [Cours, p. 126; Curso, 104 ON. T.)J: “As mudangas nao se
aplicam scndo a elementos isolados”; 165 [Conrs, p, 131; Cursa, p. 109
(N. T.)}: “os acontecimentes diacrénicos tém sempre carater acidental e
particular"; p. 289 (Cours, p. 248; Curso, p. 211 (N. T.}]: “as mudangas
fonéticas atingem somente o fonema isolado”.
4. CLG, p, 155 [Cours, p, 122; Curso p. 101 (N. T.}]. Cf. também pp. 167-168
[Cours, pp. 134-135; Curso, pp. 111-112 (N. T.): “fos fates histéricos diacrd-
nicos sao particulares; a alterag’o de um sistema se faz pela ago de acon-
tecimenios que nie apenas The s§o estranhos, como tamhém isolados, sem
formar sislema entre si’.
eondicionado pelos fatos diacrénicos (8), mas ndo admite ne-
nhuma dependéncia no sentido contrdrio: as mudancas sao fe- essas “leis” s6 podem ser principios universais, e niéio leis cau-
némenos alheios aos sistemas; em particular, as mudancas fo- sais panerénicas, como as estabelecidas pelas ciéncias fisicas.
nicas representariam “uma forea cega em Iuta com a organiza- Assim, é uma “lei pancrénica” da linguagem a de que todas as
cao de um sistema de signos” (6). linguas mudam. Mas, acrescenta Saussure, “trate-se de prin-
cipios gerais que existem independentemente dos fates conere-
Neste trabalho, esforgamo-nos por mostrar que as coisas tos; quando se fala de fatos particulares e tangiveis, iA no ha
ccorrem, e devem ser consideradas, de outra maneira; mas ponto de vista pancrénico”... “Um fato concreto [histérico]
agora nao se trata de aceitar ou de negar simplesmente a anti- suscetivel de uma explicaco pancrénica nado lhe poderia per-
nomia saussuriana, adotando outro ponto de vista, mas de com- tencer” (10) .
provar as razGes que teve Saussure para estabeleoé-la e de ave-
riguar se, e até que ponto, essas razdes podem ser validas ou Do mesmo modo, Saussure vé claramente o sentido da in-
sustentaveis. F isso o que entendemos por superar a antinomia terdependéneia entre lingua e fala (11) e, pelo menos numa se-
“em suas préprias raizes”. gae do Curso — no capitulo sobre a analogia —, aproxima-se da
compreensao da mudanea lingiiistica como “fazirento” da, Ifn-
1.1.2. 8 necessdrio observar, em primeiro lugar, que gua. Ao falar da analogia, Saussure distingue implicitamicnle
Saussure percebe com clareza a historicidade de fato da lingua. entre o que nés chamamossistema (téenica lingiiistiea propria-
Assim, por exemplo, assinala que “um dado estado de lingua é mente dita, “sistema para fazer’) e o que chamamos norma
sempre o produto de fatores histéricos” e que “o que fixa a pro- (“sistema feito”, lingua realizada) (32), pois para ele a analo-
ntincia de um vocabulo é a sua histéria” (7); e até estd disposto gia néo é “mudanga”, mas um fendmeno “gramatical e sincré-
a reconhecer certa complementariedade entre a lingitfstica sin- nico”, por ser criagao de acordo com pautas j4 existentes na lin-
crénica ¢ a diacrénica, pois admite que “sera o método histérico
que far compreender melhor os estados de lingua” (8). Mais 10. CLG, pp. 168-169 (Cours, p. 135; Curso, p. 112 (N. T.)]. Cf. tambémp. 161.
ainda: pelo menos num aspecto — que, lamentavelmente, a {Cours, pp. 127-128; Cur’o, pp. 105-106 (N. T.)], acerca da impossibilidade
de “predizer até onde se ¢stendcera a imitacio de um modelo™. A ube
lingiiistica saussuriana com freqtiéncia ignora ou tenta “supe- propdsito. R. S, Wetts, “De Saussure’s System of Linguistic”, Word, IIL,
rar’ —, Saussure chega a perceber também a historicidade p. 24, parece entender que a sistematicidade da lingua implicaria a possi-
bilidade de deduzir de um estado de Iingua atual um eslado suecssivo e
essencial da Iingua como objeto cultural. Trata-se da sua ati- comenta: “When it becomes predictive not’ only of the past but also of
tude em relagio as “leis lingitisticas”. Saussure indica como the future, Linguistic will have attained the inner cirele of science. In
admiting that “on ne peut pas dire d’avance jusqu’od s’étendra Vimitation
tarela da lingilistica a de “‘procurar as forcas que estéo em jogo, @un modiale, ni quels sont kes types destinés & la provoquer’, de Saussure
de modo permanente e universal, em tedas as linguas e deduzir " shows that linguistics has not yet achieved this triumph’ [Quando ela se
tornar profética nao apenas em relagZo 20 passado mas também emrclagio
as leis gerais As quais se possam referir todos os fenémenos ao fuiuro, a lingtiistica terA atingide o circulo interior da cféncia. Admi-
particulares da histéria” (9), mas entende, justamente, que tindo que “ndo se pode dizer de antem4o até onde se estenderd a imitagao
de um modelo, nem quais sio os tipos destinados a provocd-la”, Seussure
mostra que a lingiifstica alnda nao aleangou este triunfo” (N. T.}]. Mas,
ha realidade, as afirmagées de Saussure nao se referem ao estado atual da
CLG. pn. 154, 157 e 160 [Cours, pp. 121. 124 e 127; Curse. pp. 100, 102 ¢ lingiifstica, mas A lingitistier, em que 6 impossivel — e até mesmo absurdo
105 (N, T.)]. predizer o que & particular (cf. V1, 5.3.6.3. Quem se equivoca, neste caso,
§. CLG. p. 160 [Conrs, p. 127; Curso, p. 105 (N. T.37. & Wells, nois as cigncias da liberdade néo rodem c¢ nao devem “predizer” e@
1. CLG, pp. 126 e 81 [Cours, pp. 105 e 58; Curso, pp. 86 e 40 (N. T.)]. Ch. Nido devem pretender alcangar o “‘cireula interior” da ciéneia {nalural], o
também, p. 140 [Cours. p. 108; Curso, p. 89 (N. T.)]: “0 que domina, em
loda alteracio, é a persisténcia da matéria velha; a inflidclidade ao passade il. CLG, pp. 64-65 [Cours, p. 37; Curso, p. 27 (N. T.)]: “Bxiste, pois, inter-
¢ apenas relaliva”. dependéneia da lingua e da fala; aquela é ao mesmo tempo o instrumento
8. CLG, p. 151 [Cours, p. 119; Cursa. p. 98 (N. T.)]. @ o produts desta”.
9. CLG, p. 46 [Cours, p. 20; Curso, p. 13 (N. T.)]. . 12. Sobre outras intuigdes no mesmo sentido qtte podem ser encontradas no
Curso, cf. SNF, pp. 83-35.
gua (13). De fato, a analogia é mudanga na “norma”, mas nao para outras realizagdes consentidas pelo sistema (15) e as formas
no “sistema”, pois, ao contrario, é “criacdo sistematica”, reali- novas coexistem durante muto tempo com as velhag (cf. ITI, 4.4.6,),
zagéo de uma possibilidade do sistema. Dessa maneira, Saus- Ao contrario, em relagio & mudanga fénica, nfo considera como
sure pode dizer que a analogia é fator de conservacdo, porque “sistema” a técnica, as pautas do fazer lingtifstico, mas a “norma”
,
a lingua realizada: as mudangas fénicas nao seriam sistematicas
“utiliza sempre a matéria velha para suas inovacdes”; e neste
porque néo afetam as palavras, mas apenas os “sons” (18).
caso trata-se de conservagao do “sistema”. Mais ainda: a ana- E, no
tocante a estas mudangas, Saussure sé reconhece “substituicdes”
logia atua também “como fator de conservacdo pura e simples”, no tempo © nenhuma coexisténcia num estado de lingua (7).
Do
isto ¢, conservagdo da “norma”, pois as formas bem enquadra- mesmo modo, Saussure nao percebeu que a sistematicidade e a in-
Uss no sistema e soliddrias de outras formas mantém-se idénti- terindividualidade da lingua sdo corolério da sua historicidade e
cas a si mesmas “porque sao refeitas analogicamente sem ces- que a mudanga é condicdo necessdria da sincronicidade funcional
da lingua (cf. Il, 1.1.), visto que é a adaptacg&o da lingua 4s novas
sur” (24),
necessidades expressivas dog falantes. Decerto, Saussure
percebe
que a mudanca é de fato um fenémenogeral e necessario, ¢ até
1.1.38, Mas Saussure néiv percebeu que a analogia nao 6 a assi_
lintea criacdo sistematica e que, na realidade, nio ha nenhuma di- nala que nfo tem limites, nem no sistema nem no tempo (18)
; may,
no fundo, considera~a uma espécie de fatalidade exterior,
fevenga essencial entre o “fazimento” da lingua — a “mudanea” carente
de explicagdo racional. Sobre o como e o porqué da mudanca —
prupriamente dita — ¢ o seu “retazimento”, a sua continuidade.
fora do que se diz em relagdo A analogia —, nao se encontra nenhuma
N&o percebeu que tambén nos demais casos, inclusive no caso da
luz no Cours. S6 observagdes como: “o tempo tem o efeito de alte-
miudunga fénica, a mudanga é sobretudo desloeamento da norma
Far Mais ou menos rapidamente os signos lingiiisticos”; “a conti-
nuidade do signo no tempo, unida a alteracdo no tempo, é um prin-
que ndo constituiria para elas “triunfo ulgum (ef, VI, 5.4.3.). Mais
adianle (p. 36), ao se referir ao que Suussure afirms sobre as leis pancrénicas, cipio de semiologia geral”; “o tempo altera todas as coisas”; “a
Wells assinala que a mesma situacgio ocorre nas demais “‘ciéncias da mente”. continuidade implica necessariamente a alteracio, o deslocamento
Mas parece acreditar que se trata de um estado provisério, pols acrescenta: mais ou menos considerdvel das relagdes” (19), com as quais, na
“Moreover, de Saussure has said nothing to show that this deficiency is
inhercat in linguisttes; he has adduced no reason to bilieve that no possible
realidade, se renuncia a qualquer explicacio e A prépria compre.
future progress will ever be able, by specifying the conditions more fully, ensfo da mudanga.
to state panchronie laws of sound-change or of other linguistic phenomena”
{“‘Ademais, Saussure nada disse para mosirar que esta deficiéneia é ine-
rente 4 lingitistica, nao aduziu nenhuma razio para se acreditar que qual 1.2.1. Isso se deve, em primeird lugar, ao ponto de vista
quer possivel progressg futuro sera caraz de, especificande as condigdes de adotade por Saussure em relagio ao sistema lingiiistico e que
modo mais cabal, estabelecer Jeis pancrénicas de mudanga fonica ou de z7 como ele mesmo assinala varias vezes — é o ponto devista
outros fendmenoslingiiisticos” (N. T.)]. Ao contrario, a verdade é que
Saussure percebeu com clareza, precisamente porque nao se trata de uma
“‘deficléncia”, mas de uma caracteristica intrinseea e neccssarla de toda
ciéneia da cultura. E fez muito bem em nao 2duzir oulros argumentos con 15. Cf. SNF, p. 65, e, nesta obra, IV. 4.3.
tra a erence de que os *‘progressos futuros” pederiam permitir a previsao 16. CLG, pp. 166-167 [Cours, pp. 182-134; Curso, pp. 10111 (N. T.)J. A ana-
dos atos livres (isto é, imprevisiveis por definicic). Quem acredita no logia empregada por Saussure 6 mais adequada para negar o que ele pre-
irracional, e nao quem no acredifa, tem a obrigagdo de demonstré-lo. Caso tende afirmar com ela: a mudanga na “corda do piano” ¢ nao na “melo-
contrario, em vez de dizer simplesmente que dois e dois sio quatro, deve- dia” é, precisamente, mudanga no “sistema” e ndo simplesmente na “‘rea-
rlamos demonstrar que nfo ha razio para acreditar que sdo cinco, nem lizago” (ef, III, 4.4.4.).
seis, nem sete, e assim indefinidamente. © tinico reparo que se deve fazer 1. CLG p, 263 [Cours, p. 221; Curs®, p. 189 CN. T.)]; “a mudanga foné-
& Saussure é © de que os prineipios nao existem “inderendentemente dos tica nada introduz de novo sem antes anular o que a precedia”. CE. tam-
fatos concretos”: sio a expresso do racionalmente necessdrlo existente nog
bém pp. 155, 187 e 162 [Cours, pp. 122°123, 124 e 128-129; Curs®, pp. 101,
proprios fatos, 102 e 108-107 (N. T.)]. EB que para Saussure a coexisténcia de dois modos
18. CLG, pp. 263-267 [Cours, pp. 221-227; Curso, pp. 189-192 GN. T.)]. Lem- gramaticais ou lexicais isofuncienais é um fato de lingua, ao passo que a
bre-se que, em relagéo a analogia, Saussure reconhece explicitamente a coexisténcia de duas varlantes fonicas é um fato de fala (cf. 1.2.4.).
“econsciéneia do sistema; “a analogia supde a consciéncia.e a compreen- 18. CLG,pp. 281, 248 e 860 [Cours, pp. 193, 208-210 e 313; Curso, pp, 163, 176-177
sio de uma relagio que une as formas entre si” (p. 265 [Courg, p. 226; e 268 (N-T)j. |
Curso, p. 191 (N. T.)]). 19. CLG, pp. 140, 143 e 145 [Cours, pp, 108, 111 e 113; Curso, pp. 89, 91 ¢ 93
14. CLG, pp, 276-277 [Coura, p. 236; Curso, p. 200 (N. T.)]. (UT) ]. CE V, 0. &
do falante, ou melhor, do falante que utiliza a lingua (2°): “A identificagSo entre “estado de lingua” e “real'dade da lingua’,
primeira coisa que surpreende quando se estudam os fatos de nfo pensou que esse ponto de vista pudesse ser simplesmente
lingua é que, para o falante, a sucessio deles no tempo nao inadequado para a compreensio da mudaica, mas tentou de-
existe” e o lingiiista “nfio poderd entrar na consciéncia dos monstrar com outros argumentos que a mudanga é efetiva-
falantes sendo suprimindo o passade”; “a fala sé opera sobre mente “assistemAtica”, isto 6, “exterior ao sistema” e “parti-
um estado de lingua, e as mudan¢as que ocorrem entre os es- cular” (28) ,
tados n&o tém nestes nenhum lugar” (21). Decerto, trata-se do’
ponto de vista que é necessdrio adotar na lingiiistica sincrénica; 1.2.2. A mudanga 6, para Saussure, “exterior ao siste-
mas, segundo Saussure, é o inico a partir do qual é possfvel ma”, em primeiro lugar, porque a sua razZo ou causa nio
se
perceber o sistema. Nao se percebe a lingua como tal na pers- acha nopréprio sistema, na lingua, mas na fala: “é a fala que
pectiva diacrénica (22) e, por outro lado, para os falantes s6 a faz evoluir a lingua”; “tudo quanto seja diacrénico na lingua,
sincronia 6 real: “o aspecto sincrénico prevalece sobre 0 outro, néo o é sendo pela fala” (27), Em segundo lugar, porque 0 sis«
pois, para a massa falante, ele constitui a verdadeira e tinica tema nao se modifica diretamente como sistema (isto é, em
suas
realidade” (23). De fato, 6 evidente que do ponto de vista “da relagdes internas): “o sistema nunca se modifica diretamente;
lingua em funcionamento” ou “do falante que utiliza a lingua”, em si mesmo, é imutavel; apenas alguns elementos sao altera-
que Saussure chega a chamar “ponto de vista da lingua” (24), dos, sem atengdo & solidariedade que os liga ao todo”; “ndo foi
a mudanga no pode ser percebida como mudanga. Mais ainda, © conjunto que se deslocou, nem wm sistema que engendrou
para o falante enquanto falante a mudanga nao existe: o falante outro, mas um elemento do primeiro mudou, isso basta para
esta sempre ‘“‘sincronizado” com a sua lingua e nado a percebe fazer surgir outro sistema” (28), E, em terceiro lugar, porque
“am movimento”, visto que a continuidade da lingua coincide as mudangas nfo sio itencionais: “Esses falos diacrénicos nao
com a stia prépria continuidade como sujeito histérico. Assim, tendem sequer a mudar o sistema. Nao se quis passar
de um
pois, neste primeiro sentido —- que é fundamental —, a mu- sistema de relagdes para outro; a modificacSo nao recai sobre a
danca é para Saussure “exterior ao sistema” porque nao 6 per- ordenacdo, mas sobre os elementos ordenados”; “as mudangas
cebida como tal pelos falantes (4). Mas Saussure, devido A sua se produzem fora de toda intengao”; e a famosa comparacdo
com o jogo de xadrez: “Existe apenas um ponto em que a com-
20. Saussure, CLG, p. 174 [Cours, p. 140; Curso, p. 116 (N.T.)], e em outros
lugares fala também de “‘constiéncia eoletiva”, mas, dado que esta conscl-
paragdo falha: o jogador de xadrez tem a intengdo de executar
éneia nao existe (cf. II, 1.3.1.), sera necessdério entender simplesmente o deslocamento e de executar uma aco sobre o sistema, ao
“conseléncia de cada falante enquanto fafante’’. passo que a lingua no premedita nada; é esponténea e fortui-
21. CLG, pp, 149 e 160 [Cours, pp, 117 e 127; Curso, pp. 97 e 105 W. T.)).
C£. também p. 161 [Cours, p. 128; Curso, p. 106 (N. T.)]: “Asineronia tamente que suas pegas se deslocam — ou melhor, se modifi-
conhece somente uma perspectiva, a dos falantes, e todo o seu método con cam” (28).
siste em recolher-Ihes o testemunho; para saber em que medida uma coisa
é uma realidade sera necessério e suficiente averiguar em que medida ela
existe para a consciéneia dos falantes”; e¢ p. 337 [Cours, p. 291; Curso, Assim, pois, 0 sistema é “imével” no sentido de que nado se
p. 247 (N. T.)J: “fa lingitistiea sinerénica sé admite uma unica perspec’ move por si mesmo (e nao no sentido de que careceria de mo-
tiva, a dos falantes”. _
22. CLG, p. 161 [Cours, p. 128; Curso, p. 106 (N. T.)]-
23. CLG, p. 161 [Cours, p. 128; Curso, pp. 105-106 CN. T.)]}. 26. Saussure, entretanto, nado faz esta distingdo. Para cle o “vartieular™ (e até
24. CLG, p. 293 [Cours, p. 251; Curs®, p. 213 CN. T.)]. o parcial”) parece ser por isso mesmo “exterior”. Cf. CLG, p. 157 (Cours,
25. Batuy e Secuswaye, CLG, p. 235 [Cours, p. 197; Curso, p. 166 (N.T.), nota, p. 124; Curso, p, 103 (N.T.)}, onde se estabclece a oposigiio entre “fates par-
interpretam adequadamente o pensamento de Saussure ao observarem que ciais” e “fates referentes ao sistema”,
a evolucao é exterior ao sistema ho sentido de que o sistema “jamais é per 27. CLG, pp. 64 e 172 (Cours, pp. 37 e 138; Curso, pp. 27 e 115 (NLT).
eebido na sua evolugso; encontramo-lo transformado de momento a momento”. 28. CLG, p. 154 [Cours, p. 12%; Curso, p, 100 (N.T.) J.
Reerde-se, ademais, que para Saussure 4 lingtiislica é antes de mais nada uma 29, wet Pe 154, 155 ¢ 160 (Cours, pp. 121, 122 e 127; Curso, pp. 100, 101 e 105
ciéneia psicolégica; ef. I, 2.3.1. ‘ » T.)).
sistema nao0 en-
imento, de que estaria 1 mével) e porque: “um sistema as préprias mudaneas de que fala, ras apenas as suas
r
claro esta, 6 intei
” Isso, , claro
outro”. te erd deiro e
ramen verda “repercussées”, que'siio, de fato, secundérias e indiretas (35),
ar outro
ventra
gend
rior idade o
aceitdvel (30), mas nao implica propriamente exte Quanto 4 ndo-intencionalidade, é verdade que “a lingua nao
interno (a .
mudanga. De fato, segundo o préprio Saussure, “é ;
premedita nada”, que ndo tem “finalidade objetiva” (ef. VI,
quer grad j 5.3.1.); mas isso néo significa que as mudancas nao sejam
quanto provoca mudanga do sistema em qual
ior”, ever
portanto, a mudanga, mesmo tendo motivagao | exter intencionais. Na realidade, pelo seu préprio modo de se reali-
aqui intervém © oe zarem, as mudangas sé podem sey entendidas como processos
ria ser considerada como interna. Mas an
ra que a mud constituides por atos intencionais e finalistas (cf, WT, 3.2.2. e
sentido da “exterioridade”. Saussure nao igno
pens a que isso So ocorre indire- 4.3.3.). Ademais, tambémneste caso a argumentacio de Saus-
ga “faz variar o sistema”; mas
fica r-se -iam apen as 03 termes sure se fandamenta no equivoco jé assinalado: Saussure sequer
tamente: de maneira direta modi
isso ests em. con 8" coloca o problema da intencionalidade das mudangas (fénicas)
isolados, e nao as suas relagoes. Pois bem,
lingua. Sea ingwa é am ‘como tais, mas apenas assinala que elas uido se realizaram com
dicko com a sua prépria concepgao da a a tudo se basei
“jogo de oposigdes” e “num estado de lingu
© propdsito de atingir a organizagdo gramatical, que é-a sua
am as prdéprias re- conseqtiéncia indireta. & que, para ele, as mudangas fénicas sao
el Ses” (32), ent&o os termos que manifest . Port u antose ,
? rmin el;
4 adas por» elas, e na ao vice- versaacc pordefinigso “fortuitas”, “involuntarias” e “cegas” (36),
jacoess©est&o dete
lagde
como modi fic aga o
a mudanea pode ter sentido unicorente Fica evidente, por conseguinie, que, no intuito de susten-
se modi fica
i
ili m os terrete) ro oon>
des: quando ap’ enas
relagdes: lar a exterioridade da mudanga, Saussure teve que violentar a
, “nada
i ue, do ponto de vis ta estrutural sua prépria concep¢go da lingna e recor a uma argumenta-
ahmessmo exemplo aduz eeido Per
juzido ppor Saus sure (o da:
reu’.-se
pode . Assidizer
i m, no ¢ao viciosa e contraditéria, E é necessdvio recordar que esta
é s) (°%),? ¢ reevu e ente
A ue o qu
queqcapl es.
ngao do caso sujei
extiinca jci t em francés)
eito argumentagdo é essencial para o estabelecimento da antinomia
relag do siste
i matic ice, a, ea ee a
se anula éé uma oposiieGo, cda, uma entre sincronia e diacronia (37) ,
PI sa’ 1
al, , preci ,_ ~
mente um “ “termo: . a mudanga recal
“noga¢ o pa i
rtieu
art ou
lar
lax do
trca! e 1.2.38. Ov-ontro cardter “assistematico” do fato diacréni-
o”, e no
ordenagiao”
“ox a
a apen as sobr:e a
o por opos ig ou
eito”, pois
jei na pode haver tal caso send
is nao 7 co (mudanga) é a sua “particularidatle” (cf. n. 26) (33). As
argumentacado deBauss a2
caso Viegorstijeilo” E o resto da mea
elmente, em torno ‘
esse respeilo @) gira, lamentav
35. sim, por exemplo, no caso do acento em francés (p. 156 [C@urs, pp. 422-128;
ina do ponte de ’
yoco fundamental: Saussure nao exam
Curs®, pp, 10t-102 (N.T.)]). a mudanga que seria nccessario fiear (ou
euja “assistematicidade” seria necessério demonstvar) nao & o dzslocamento
do acento — que, na realidade, nem sequer gcorrcu —, mas a redusio ¢
idea queda das silabas pésténicas, “ evidente — diz Saussure ~ que nao se quis
, Art. cit, p72, segundo 6 qual “tthe mudar de sistema” fde acentuagdo}. Sem divida; mas tratase da “reper
‘y (a parti cular Jang uage ala varieulay cussiio” de uma mudangasistemtica, e nao do um mero acidente.
i
oe ks ve ened ‘S ”e a iddia de que aniamu
yet eet rendered by that system jiselé” [ ua, num¢ et erminade
36. CE CLG, pp. 248, 859 e 863 [Cours, pp, 209, 311 c 316; Curso pp. 176, 266 e
gre 8 ida or um siste
ma (uma dcte rmin ada fing
) st
270 (N.T.)],ete.
préprio,siste nt (NT 87. CE, por exemple, CLG, p. 162 [COurs, pp, 119-120; Curso, p, 99 (N-T.) ]: “estes
CaseSamais é engendrada pelo yy vers .
duas idéias “evidentemente insustenti faios diacrénicos... n&o tém relag3o alguma com o falo estético que produ
, p. 9: 3DT ziram; séo de ardem diferente”; @ p, 153 (Cours, p, 121; Curso, p. 100 (NT):
a1. CLG, p. 70 [Cours, p. 43; Curso
p. 170; Curso p. we 109NT) (N| coca smudanea,
32, CLG p. 201 [Cours[Cour s, p- 132; Curso , p, -T.)]. Sobre essa miTks: “um falo diserénico é um acontecimento que tem sua razio da ser em si
* GEG, 165-188 porque fe real iza tum sist
de lei
mesmo; as consedii@neias sincrénicas particulares que dele podcm derivar
s ve diz que ‘sd toma aparéncia e sdo-Ihe totelmente estranhas”. Evidentemenic, Saussure ndo se refere acs
*.
osiga o rigor osa deste sist ema que erie é i usho leau ant msmos f3t0s nas duas perspectivas. Cf, também pp. 156, 165, 171. 249 [Cour,
Seiee6 a ‘aisp pp. 123 124; 130-131; 136-137; 211; Curso pp. 102, 108, 118-114, 178 (N.T.})
do
ose Chega a “*disposigho rigorosa
digcrénieo abedoceasmesminssorcom
es
eaN ea.
sistema” send o por muda ngas que ocor rcm ist
: 38. specto da doutrina de Saussure fol wards neta andtende wan oF
23; Curso, pp.
34. CLG, pp. 151156 (Cour, pp. 419-1
que muda, diz Saussure, é um fonema, um traco fdnico; por-
mudangas lingiiisticas sao, segundo Saussure, “particulares”
tanto, em todo caso, um “elemento isolado”. Este fato significa
nos seguintes sentidos: a) no sio “globais” (isto é, no afetam
certamente, que a mudanga afeta um modo sistemético, uma
o sistema na sua totalidade e nfo se realizam simultaneamente
pauta de realizacdo (cf. UI, 4.4.4.); mas Saussure nao o in-
em toda a comunidade lingitistica) (29); b) nao formam siste-
ma entre si (40); e ¢) sé afetam elementos particulares e isola- terpreta assim: “seja qual for o.nimero de casos em que uma
lei fonética se verifica, todos os fatos que ela abrange sido so-
dos, independentemente das relagdes sistematicas (1). A pri- mente manifestacGes de um tnico fato particular” (44). Por
meira caracteristica é indubitdvel, e merece destaque o fato de
outro lado, um fonema é como é por oposic¢§o a outros e um
Saussure repelir claramente a idéia infeliz das “inovacdes ge- traco distintivo é, precisamente, a “marea” duma oposicio, isto
vais” (cf. II, 3.2.3.). A segunda é aceitdvel apenas parcial- _ 6, dumarelagé&osistematica. Assim, num dos exemplos de Saus-
mente: sem diivida, existem mudancas “isoladas”, como as cha- sure — o das sonoras aspiradas indo-européias que se tornam
madas “mudaneas fonéticas esporddicas” e varias mudangas se- surdas aspiradas em grego (*) —, é evidente que o que se mo-
sistemé-
manticas (que, ndo obstante, podem ter justificagdo difica é uma correlagfo e toda uma ‘série’ fonematica. Nao
represen ta a norma na histéria
tiea particular); mas isso nao obstante, segundo Saussure, ainda neste easn, nig se trata de
l é a
lingiiistica (42). Contudo, a caracteristiea mais discutive um fato “sistematico”, mas apenas da modificagZo duma “par-
“particu laridade ” pre-
terceira. De fato, Saussure entende por ou
ticularidade fénica” (48). B que, para Saussure, sistemdtico sig-
s (fénicas) ,
cisamente o cardter sistematico das mudanga O nifica exclusivamente gramatical, e “mudanca lingiiistica” sig-
reservas (4).
seja, a sua regularidade, que reconhece sem nifica praticamente “mudanga fonética”. A identificag&o, por
um lado, eritre o aue é “fonético” e o que é “evolutivo” e, por
do mas suas afirmagées a res" outro, entre o que é “‘gramatical”’ eo que é “sincrénico” é uma
39. Saussure néo faz explicilamente esta disting
(Court. pp. 105-106; Curso, p-
peito parecem implicd-la. Cf. CLG. p. 37 donvina folalmente a lingua das teses fundamentais do Curso (47). A mudanga féniea, por-
8G N. T.)]: ‘to fator hisidri co da transm issio
e exclui toda mudanga lin; tiea geral e repentina "5 B. wT [Cours, p. 124; tanto, é “assistematica” e “exterior a lingua” simplesmente no
sao feites ‘no bloce do
Curso, pp. 102-103 (N. T.)]: ‘fas altcragdcs jamais Sn diivida, eada al- sentido de que sido ¢ grainatical, de que sé atinge “a substancia
os...
sistema, e sim num ou noutro de stus element
teragd o tem a sua repercu ssado no sistema ; 9 fato inieial, porém, afetou um material das palavras” (8); e isso significa que, neste aspecto,
111 (N. T.)]: “fos _fatos
ponte apenas”; p. 168 [Cours, p. 134; Curso, p. gcral”; p. 172 [Cours, a pretensa antinomia real entre sincronia e diacronia se funda-
imp3e m 4 lingua. mas nada tém de
diaerdnicos... s¢ o germe de todas
p. 138; Curso, p. 115 (N. T.)}: “EB na fala que ce acha menta, em Ultima andlise, numa convencdo semantica.
io por um certo ntimero
as mudancas: cada uma delas é lenends a princip .
z

de individuos, antes de cnirar_ em uso”. __ 1.2.4. Mas esta convengao n&o elimina, decerto, a sistema-
a mudanga semantica
40. CLG, p. 165 (Cours, p. 132; Curso, p. 109 (N. T.)]}:
eas gue puderam ser ticidade da mudanga fonica como fénicn. A esse respeito, a con-
do francés youtre “‘ndo dependeu de outras mudan
174 (Cours, pp. 134 e
produzidas ao mesmo tempo". Cf, também pp. 168 e qtista mais importante da fonologia diacrénica foi a de demonstrar
140: Curso, pp. 111-112 e 116 (N, T.)].
pp. 192-151.
41, Cf. as afirmagdes citadas na nota 3 e, ademais,
42. Qutras mudan gas — como, por exempl o, as que constituem a "revolugio
de Ouro” —. mesn’ nao sendo simultaneas, 44. CLG, p. 166 fCours. p. 183; Curse, p. 110 (N. T.
fonolég ica espanh ola do Sécule
si numa épeea histéri ca, ne sentida de que respon- 45. CLG, p. 163 [Cours, p. 180; Curso, * 108 wr Pare
formamsistem a entve
Sinalid ade sisiema tica geral. Por outro Todo, tratando se 46. CLG, p. 166 [Cours, p. 133; Curso, p. 110 (N. T.)].
deni a una mesma tam- 47, Cf. CLG, pp. 154156 [Coura, pp. 121-123; Curso, pp. 100-102 (N. T.)J; p.
al vincul agae deve ser consid erada
de “fatos diacrSnicos”, sux eventu 232 [Cours, p, 194; Curso, p. 164 (N, T.}]: “O cardter diacrénico da fo-
mudangas se en-
bém na perspectiva diacranicz: e nesta perspectiva muitas nética concorda mui-e bem com o principio de que nada do que seja foné-
nova
lagam umas as outras, no senlido de que uma mudan¢a produz uma Weo é significative ou grematical”; p. 248 [C°urs, p. 209; Curso, p. 176
condigio de instabilidade (cf. IV, 4.5.), se trans- (N. T.}}: se a gramatica interviesse, 0 fenémeno fonético se confundiria
43. Cf. CLG, p. 236 [Cours, p. 198; Curso, p. 167 (N. T.}]: “O que as com o fato sincr&nico, coisa radicalmente impossivel“; p, 363 [Cours, p.
aconteciment
forma é um fonema: acontecimento isolade, como todos os
a idéntica GrCurse.P- 20{N- ed Be 364 [Cours, p. 317; Curso, p. 271 (N. TA):
diacrénicos, mas que tem por conscqiiéneia allerar de mancir
o que meng evolutivo, fonético, e nao gr i ”
todas as palavras em que gure o fonema em questdo; é nesie sentid 48. CLG, p. 64 [Cours, p. 37; Curso, p. 2B aerial nem permanente".
as mudancas (6nieas sho absolutamente regulares’’.
(ue a mudanga fanieca recai sabre o sistema de
medos fénices da
lingua, e ndo sabre as “sons isolados; e@ com isso
ficou demonstrada sequer elimind-la e, aduzindo apenas razdes didalicas, diz 1do-
fambém a autonomla, se bem que relativa, dos sistem somente que “a distingZo [separacio] entre o diacrénico e o
as fonclégices
enquanto sistemas de modns {écnicos, de “pauta
s de realizagio", no sincrénico deve manter-se sempre”. Ou seja, em sua opinido, a
que se refere ao aspecto material da lingua. Saussu
rie, vé no que é fénico apenas a materialidade, e
re, ao contra- convengao acaba por prevalecer sobre a realidade dos fatos.
nio a forma pro-
priament> Hnelifstiea. Decorto, Saussure perceb
e a sistematicidade 1.3.1. Encontram-se em Saussure, por conseguinte, uma
dos “fonemas” (49), mas nico chega a atribuirthes nenhu
m lugar série de intuigdes luminosas em relago 4 mudancalingiiistica
no estudo sincrénico da lingua. Sua “fonologia”, se bcm que
the
calba também “a descricfo de rons dum estado da lingua
”, esté,
—— em particular: a de que a razio da mudanga nao se encon-
na realidade, “fora do tempo" e 6 uma ciéncia da fala (50). tra no “momento historicamente objetivo’ da linguagem (lin-
Ciéneta
da lingua é, para Saussure, a “fonética”, mas ela é “histéria™ (51) gua), mas no seu “momento subjetivo” (fala) (°); a interpre-
¢. ddentifica-se praticament> com a Nugifstica diaerdnica (52),
assim me a lingilistiea sincrénica se identifica com a prama tagio da analogia como “criac&o sistemdtica” e o reptidio ds
- “inovagdes gerais” — e, juntamente com elas, uma série de con-
ica (53)
tradigses, E estas tltimas nfo se devem apenas ao ponto de
1.2.5. No entanto, se sé existissem mudaneas fénicas, a ‘vista que adota, mas também a alguns aspectos essenciais da
antinomia poderia serjustilicada (54). Mas, se as mudaneas f6- sua doutrina. a saber: a) a sua identificacdo entre estado de lin-
nicas podem ser declaradas “assistematicas” por convencao,
por
gua e lingua simplesmente (cf. I, 3.3.1.): b) a sua concepedo
nao serem grainaticais, a mesma convenc&o nao é aplicdvel as da lingua como “sistema feito”, como ever: ¢) o fato de
mudangas gramaticais, que também existem. Certamente, mui- ter colocado a lingua no sétimo céu da “massa” durkheimiana
tas destas “‘se resolvem em mudangas fonéticas” (como conse- (ef. II, 1.3.1.)}. que é a sua forma menor de platonismo (58) e
qiléncia indireta destas) (5°), Entretanto, “uma vez eliminado que implica a separagdo entre a lingua e a atividade lingtiistiea
o fator fondtico, encontra-se um residuo que parece justificar a concreta.
idéia duma “histéria da gramatica”; é nisso que reside a verda-
deira dificuldade” (5°). Saussure, pois, reconhece claramente a 1.3.2. De fato, Saussure admite que a sincronia (“estado
dificuldade (que, no fundo, é uma contradieado); mas nao tenta de lingua”) é uma “aproximagdo", uma “simplificagdo conven-
cional” (59), e, néo obstante, mais de uma vez tende a atribuir-
2 CLG, pp, 86 © 201 Cours. po. 58 2 184; Curso, pp. 44-45 e 187 (N. T.)]. Ihe permanéneia e a identificd-la coms“a Hngua” comotal: “.,.
56, CLG, pp. 232 e 84 [Cours, pp. 194 © 86; Curso, pp. 163-164 « 42 (N. T.)]. o sistema de valores considerados em si e esses mesmos valores
51, CLG, p. 84 [Cour p. 56; Curso, p. 43 (N. T.)], EB é na rv fidadr, uma
incongruéncia. Se os fonemas forscm meres csyécies materizis, ¢ nfo for- considerados em funcao do tempo”; “a lingua é um sistema do
mas lingiisticas, e se ancnay periencessem A fala, dampouce poderiam tor “qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua
hittdria, porque a fala nfo a tem: ed a Hf Ua a tem. Em termos atunis di-
riamos que s6 pode haver foxolagia histériea (“diacrénica”), S2 per fond: solidariedade sincrénica” (®). Assim também, considera que
tien s@ entende “ciéncia fonica da fala”, entao arfoudtiea histérica”
& uma “tudo o que se chama “gramatica geral” pertence a sincro-
contradigdo nos termos. As mudancas fSnicas, como procestos que ocorrem nia” (81) e, como se viu, opde ao que é “fonétice e evolutivo” o
nas linguas, so todas “fonolégicas™. Existem inovagdes fonélicas, mas nao
mudaucas fondticas.
52. CLG, p, 232 [Cours, p. 194; Curso. bp. 163 (N. T.)]: “A fonétiea, e 57. CE. A. Paciiano, It segno vivente, p. 119.
toda a
foné'ica. constitui_o primeire objeto da lingtislica diacrénica. 58. Cf. “Forma e substancia’”, p. 61.
53, CE. CLG, p. 228 [Conre, p, 185; Cuarsa, p, 186 (N. T.)]. 59. CLG, p. 177 [Cours, p. 196; Curso, p. 166 (N. T.)}.
fd, Cf. CLG, p. 282 [Cours, 194; Curso, p. 164 (N, T.}]: “Se a evoluein da 60. CLG, pp. 147 e 157 [Cours. pp. 118 e 124; Curso, pp. 95 ¢ 102 (N. T.)].
Ingua se reduzisse & dos sons. a oposigdo dos objetos préprios 4s duas par- 61. CLG, p. 175 (Cours, p. 141; Curso, p. 117 (N. T.]. Na realidade, a “gra
{cs da lingilfstica seria de pronto evidente: ver-se-ia cl:ramen'e que dia- matica geral” refere-se ao plano universal do falar cf. TT, 2.1.), 0 tinieo
evfnicg equivale a nie prome‘icel, assim como sincrénico a gramatical”, em que é possivel definir as unidades e funcdcs lingtiisticas. Cf. ‘“Logi-
55. CLG, pp. 232233 [Cowrs, p, 195; Curso, 164 (N. T.)}., cismo e aniilogicismo”, p. 21; “*Determinaciio e entorno™, pp. 92-33 e n. 63;
5G. CLG, pp. 234-235 (Cours, n. 196; Curso, p. 166 (N. T.)1, e, nesta obra, III, n, 42, Ndo se deve confundir o plano da teoria com o
plano da descrigao idiomatica.
que é “gramatical e permanente” (cf. n. 47). Para Saussure o neira o sistema ou, pelo menos, o seu equilibrio; mas nao o de-
sistema é, no fundo, um estado; ea estado é, de alguma maneira, sorganiza: como assinala o préprio Saussure, a mudanga nao
estdvel. E, certamente, a diacronia revela-se estranha ao sistema é “global” (ef. 1.2.3.). De fato, a lingua é um sistema com-
e incompreensivel se se atribui “permanéncia”A sincronia e se plexo, de muitas estruturas encaixadas umas nas outras, de
o “em si” da Hngua é identificado com um momento da sua his- modo que, por exemplo, uma mudanga dentro de um paradigma
téria. E que, na realidade, um sistema Jingtifstico em uso é sem- nao afeta necessdria e imediatamente as relagdes entre este pa-
pre sincrénico em dois sentidos: no sentido de que, a todo ins- radigma e os outros paradigmas da mesma ordem, nem as re-
tante: cada um dos seus elementos estd em relacio com outros, lagdes internas destes Gitimos. Do contrario, toda mudanca im-
e no sentido de que o prdéprio sistema esté sincronizado com os plicaria uma revolucdo e o sistema careceria de continuidade.
seus usuarios (cf. 1.2.1.). Mas, precisamente por esta titima Assim também, a mudanea nao leva A imevitdvel decad&ncia e
razdo, ndo é estatico, e sim dinamico. Ademais, a “estaticidade”, rufna das Iinguas, como pensava Schleicher, justamente porque
apesar do aparente paradoxo, ndo é um fato sincrénico, mas dia- n&o é “deterioragio” mas ‘“reconstrucdo”.
crénico: para comprova-la é necessdrio mover-se na linha do
tempo (cf, I, 3.3.1.). 1.8.4. Por titimo, Saussure percebe que a lingua muda
pela fala (ef. 1.2.2.) e, mais ainda, vé que o momento funda-
1.38.3. A mudango é para Saussure “deterioragdo”, “per- mental da mudanga é a “adocdo” (8). Nao obstante, as mu-
turbag&o”, “uta duma forga cega contra a organizacdo do sis- dancas ocorrem para ele entre os “estados de lingua” e fora do
tema”, precisamente porque a sua concepedio da lingua é, no sistema, porque a sua fala — sendo um fato “individual”, e ngo
fundo, a de um sisterna fechado, “feito” de uma vez por todas: “social” —- 6 uma realidade desligada da lingua (). Saussure
uma “abstrac&o coisificada”. Tal concepedo, que tem a sua ori- nado ignora os efeitos sistemdticos das mudancas e até observa
gem préxima em Schleicher, revela-se plenamente na compara- que os fatos diacrénicos nfo iém disposicdo linear, mas sim_que
gao entre a lingua e o sistema planetdrio: “FE como se um dos eles se redistribuem continuamente etn sistemas distintos (ef.
planetas que giram ao redor do Sol mudasse de dimensdes e VI, n. 82); mas a propria redistribuicéo é um resultado: o pro-
peso: esse fato isolado acarretaria conseqiiéncias gerais e trans- cesso correspondente realiza-se fora da, lingua, na qual “as mu-
tornaria o equilibrio de todo o sistema solar”(8). Trata-se, dancas que ocorrem entre os estados nao tém lugar alum” (cf.
evidentemente, de urna paréfrase da famosa afirmacio de Co- 1.2.1.). Ou seja, Saussure considera apenas a “mudanea aca-
pérnico, segundo a qual no sistema solar tudo est4 relacionado hada”, a mudanea como mutacdo, e ignora o mudar como tal,
e vinculado de tal maneira “ut in nulla parte possit transponi a mudanga em marcha (&). A mudanea saussuriana é substi-
aliquid sine reliquarum partium ac totius, universitatis confu- tuigéo de um elemento por outro: para que na lingua haja um
sione”, Mas a analogia é muito inadequada. A lingua nado é um
sistema de coisas, mas um “sistema técnico”, de modelos e mo-
63. CLG, p. 64 [Cours, p. 387; Curso, p. 27 (N. T.)]: ‘‘sdo as impressdes re-
dos de fazer (cf. Ii, 3.1.3.); e nao é um sistema fechado, mas echidas ao ouvir os outros que modificam nossos habitos lingiiisticos’’.
aberto (cf. IV, 4.1.1.). Por isso, nos sistemas lingiifsticos é 64. CF. IL 1.3.1. e SNF. pp. 29°30.
possivel introduzir novidades “sine totius universitatis confu- 65. A este propdsilo, R. S. Wetts. Art. cit., p. 23, abserva que Saussure des-
cura as mudangas de freqiiéncia, considerando-as “fates sincrénicos”, ja que
sione”. E verdade que toda mudanga modifica de alguma ma- nfo mudam a lingua. Na realidade, nio mudam o sistema, mas mudam a
norma, isto 6, 9 equilibrio do sistema (ef. Il, 3.1.3); e uma mudanga do
sistema é, precisamente, um deslocamenta total da norma, Cf. SNF pp.
62. CLG, p. 154 [Cours. p. 121; Curso, p. 100 (N. T.)7. RARE,
fator novo, é necessadrio que o velho The ceda seu lugar (cf.
entre sincronia e diacronia — entre “sistema” e mudanca —,
1.1.3.). Endo na lingua entendida como técnica lingiiistica de
Saussure sacrifica a variedade da lingua histérica (7) e tenta
cada falante (o que seria aceitdvel: cf. II, n. 53), mas, preci-
samente, na “lingua da massa’.. De fato, segundo Saussure, “na rechagar o diacrénico para o terreno da fala (separada da lin-
histéria de toda inovagiio encontram-se sempre dois moment gua mediante outra antinomia). Mas esta é uma contradi¢3o
os nos termos, pois a fala, sendo “ocasional”’ e “momentanea”: ca-
distintos: 1.° aquele em que ela surge entre os individuos;
2.9
aquele em que se tornou um fato de lingua, exteriormente idén- rece de continuidade: & por exceléncia “sinerénica” (ef. n. 51).
lico, mas adotado pela comunidade” (8), Cabe, portanto, per- E é uma contradicio também dentro do sistema do Saussure,
guntar onde se encontra a mudanca entre estes dois . pois a sua “‘lingtiistica diacrénica” é, precisamente, uma “ciéncia
momentos.
“Na fala”, responderia provavelmente Saussure (7),
Mas assim
da lingua”, e nao da fala(7), Portanto: é a lingua que muda,
se cai numa grave aporia, pois quantos individuos sdo
necessd- mas a mudanga nao pode ser estudada na lingua, porque é “ex-
vios para constituir “massa” ou “coletividade’’? Suponh terior ao sistema”; seria necessdrio estudd-la na fala, mas isso é
amos
uma comunidadelingifistica minima de dez individuos. impossivel, porque a fala nao é “diacrénica”. Nao se pode sair
Quan-
ios individuos deverdo aceitar uma inovacao para que ela deste cfrculo, se se aceitam as teses saussurianas. E, de fato,
se
torne “fato de lingua”? Quatro, cinco, a maioria. ou todos? Saussure nao entende que haja propriamente um estudo da mu-
E se
os dez jamais a aceitam e o sistema primitivo fica dividido
em
duis “dialetos”? A verdade & que o “segundo momento” de
71. Recorde-se que o “estado de tinqua” saussuriano & uma “simolifieacia con:
Ssussure nfio existe como tal: 6a série de momentos correspon- veneional” e@ que Saussure reconheee explicitamente as difientdrdres, tanto
tlerites aos atos individuais de adocdo do fato lingtiistico novo temporris cuanto es) neiafs, que se aprescntam nara a sua delimitaeto (CLG,
como “modelo”, ou seja, como fato de lingua (cf. TT, 3.2,.2.); p. 177 [Conrs, p. 143; Curso. p. 18 (N. T.)]). Polis bem — oxatamente
ao cantrérlo do que com tanta freqiiéncia sc pensa —, as simplificagdes con-
ea “inovagdio” comeca a pertencer4 lingua a partir do momento vencionais justificem-se ¢ revelam-se inofensivas na “‘prdtica”, na investi-
em que comega a “se difundir”, isto é, a ser adotada como pauta Bagao emnirien c nz descrigio sislemAticn: mar nao sia admissiveis na tco-
ria. que deve tentar compreender a realidade de modo cabal, Pelo menos,
expressiva pelos falantes. Esto aqui em conflito as duas oposi- a teoria nao deve olvidar as simplificagdes opcracionais que realizou e nao
gdes saussuriana entre lfigua e fala (88): a essencial e genuina deve confundir as convengdes com a realidade. E, certamente. numa “‘sim-
plificag3o convencional”, numa “noeko aproximada” uma antinomia real
cnire o que é “virtual” e o que é “atual”, e a quantitativa e es- niio pode ser fundamentada. ¥
piria entre o que é “social” e o que é “individual”. Saussure 72. A, Secnewave. “Les trois linguistiques saussuriennes™, Vox Romanico, V,
obscrva que “nada entra na lingua sem ter sido antes ensaiado 1940, pp. 7-9, afivma justamente que a ontinomia cnire sincronia e diacronia
é superada yela fala, que, de alguma maneira, participaria de ambas, por
na fala” (%); mas o que se esta ensaiando j4 é “lingua” e néo ser ao mesmo tempo utilizngdo e superagio da lingua, Sem duvida, Mas
simplesmente “fala”, e o que é “pratica exclusiva de certo nu- trata-se de averiguar como se supera a antinomia na Ungua e em seu esti
do, e nao simplesrnente como se resalve na atividade lingtiistica, onde, na
mero de individuos” (cf. n. 39) j4 pertenge A lingua destes rcalidzde. a antinomia nfo cxiste nem foi presumida. Que a fala supera
individuos e j4 entrou no “uso” (7°). Para manter a antinomia a lingua e Ihe é, num sentido, anicrior, assinala-o o proprio Saussure: “ta
lingua 4 nccessdria para que a fala seja intcligivel e produza icdos os scus
efeitos; mas esta é necessdria para que a lingua sc eslabelega; historicamente,
Gi. o fato de fala vem sempre antes” (CLG, p. 64 [Cours, p. 37; Curso, p. 27
CLG, p, 173 [Cours, p. 129; Curso, p, 145 (N. T.)].
(N. T.)]). Por isso, o que Sechehaye assinala 6 apenas o ¢onto de partida
87. Nao é uma simplesilagio; ef, CLG. p. 112-173 (Cours, pp. 138-339: Curso,
para a supcragdo, ¢ nio a prépria supers¢io da anlinomia, De falo, a mu-
np, HE15 (N. T.)).
WS. CO SHF, p. 24 e ss. danga ocorre pela faln, mas ocorre na lingua. Eo problema da mudenga 6,
precisamcnic, um probicme “de Iingua”, e niio “de fala”; na fala podem
89. CLG, p. 27 (Cours, p. 233; Curso, p, 196 (N. T.)]. scr estudedas as “inovagdes”, mas nado a mudanca (cf. III, 3.2.1.). E ver~
4, Dessa maneira, a mudanga 6 a negagio patente da “lingua da massa", visto dade, entretanto, que o comego da mudenga (¢ da HWngua) é 0 Molar; e nao
aie deve comecur num Indivicto ¢ estenderse a outros; mas, ao mesmo o laler “heterogéneo”, mas o falar que se conatllui como Ifngua. A cste
tempo, & também a confirmagiio do cargter “social” da lingua, em secu sen- propésilo. eabe recordar a profunda intuigao de Sansenre de quo a facul-
tido genuino (ef. I, 1.3.3.). dade da linguagem 6, na fundo, “a faculdade de constituir uma lingua, isto
danga: sua “diacronia” (fonética histérica) & mero registro de 2.1. No fundo, a antinomia cntre sincronia ¢ diacronia pa-
mudancas ocorridas (73). rece ser a expressdo da insuperdvel dificuldade encontrada por
Saussure para conciliay o significative (“espiritual”) e o material
1.8.5. 2m conclusao: Saussure, preocupado em estabe- da linguagem e, por outro lado, a manifestacao de um conflito in-
lecer firmemente a sincronia e em distinguir o ponto de vista sin- timo no préprio Saussur2, entre a sua aguda visdo da realidade lin-
erénico e o diacrénico, nZo pcreebe que a diferenca entre ambos gilisticn 0 a inseguranca do seu conceite de lingua. De fato, Saussu-
re ocupa um lugar destacado na histéria da lingtiistica, nio apenas
é apenas de perspectiva e ndo tenta reconcilid-los, Ao contrario, reles muites e indubitaveis valores da sua doutrina, mas também
transforma a diferenga de perspectiva numa insustentdvel anti- por r*presentar nela um momento de crise. Saussure 6, néo abs-
nomia real, sem perceber que 0 “fato diaerénico”é na realidade tante, um lingilista “naturalista” e, ao mesmo tempo, com ele o
a produgéo dum “fato sincrénieo” e@ que a “mudanga” ea “reor- ‘naturalismo entra em crise. Por um Jado, Saussure continua a con-
ganizagéo do sistema” nado sio dois fendmenos diversos, mas um ceber a lingna como “objeto natural”, isto é, como objeto exterior
tinico fenémeno (74). Com freqiféncia se considera a doutrina ao homem (pois este, e nao o que é genuinamente “social”, 6 o sentido
saussuriana como o oposto do chamado “atomismo” dos neogra- da “lineun da massa”; cf. 11, 1.8.2.) 3 por outro lado, intui a sua
essencial historicidade (cf. 1.1.2.) e, ao considerar a “lingua em
miaticos. Mas isso é apenas parcialmente exato, {4 que Saussure
funcionamento”, entende-a como técnica conertta (e@ histérica) -do
iia se opde aos neogramiticos no campo préprio desies. A dia- falar — ou seja, no fundo, como “objeto cultural” —, embora vom
cronia “atomista”, Saussure opde a sistematicidade da sincronia: parceber que a “Hngua em funcionamento” é propriamente fala (7),
mas na histéria lingijistica — ou seja, no campo prépric dos neo- Ademais, com o concelto de “valor” (77) — que, lamentavelmente,
gramaticos —, nao apenas se opde ao “atomismo” como também n4o interpreta como valor cultural (0 que Ihe teria permitide res.
tenta tornd-lo radical e justificd-lo teoricamente. Sua diacronia qatar também o material da linguagem) —, afasta-se do natura-
¢ muito mais “atomista” que a Sprachgeschichte de Paul (75). lismo em outro sentido, mas num sentido tangencial, em relagiu a
renlidade cultural da lingua, pois tende a interpretar Os sistemas
se
lingilistices como “objctos matomaticos”. Nese mesmo sentido
8, um sistema de signos distintos correspondcntes a idéias distintas” (CLG, & tine forma ve ndo wana
p.53 [Cours, p. 26; Curso, p. 18 (N. T.)]. De fato, mesmo os atos de fala orientam as suas teses de que “a@ lingua
absolutamcnte “inéditos” ja so por sua finalidade “lingua”, dado que sao substdncia” (78) e de que “na lingua hd upenas diferengas, sem
“para outro” (ef. II], 2.3.4,). No mesmo sentido, e nao no sentida estrita- termos positivos (79). Dessa maneira, 2 lingiiistica saussuriana
menle saussuriano. cabe interpreta fambém a afirmacioe de Saussure de
que “nao é ilusério dizer que é a lingua que faz a unidade da linguagem”
(CLG, p. 53 [Cours, p. 27; Curso, p. 18 (N. T.)J). 2 .
73. CL CLG, p. G4 (Cours, p. 37; Curs® pp. 26-27 (N. T.) 1: “porte sor inte a-se di e Saussure descurou a “lingilistiea da fala”. Isso nao é
da yaa
ressante pesquizar as causas de fais mudangas, e 6 estudo dos sons nos ajudara « eee teanata em seus capitulos sabre ° funcionamento
(N. TD:
nirso; todavia, nfo é coisa essencial: para a ciéncia da lingua bastard sempre (CLG, I, $6, pp. 207-222 [Cours, pp. 170-184; Curso, bp. 142-185
oe es’
comprovar as transformagdes de sons e calcular-thes os efeitos’. eneoniram-se dtimos exemplos de uma tel tingilistica. Assim, no caso
f ers,
74. A. Atonso, em sey prélogo ao CLG, p, 10, nota, diz-que. “como canjunto quema associative da pulavra ensinamento (p. 212 [Cours, p. 175;
lingua 1 mas
e estilo mental, as antinomias de Saussure procedem de Hegel através do p. 146 (N. T.)]), nao se trata propriamente de relagdes ba
ee
lingiiista hegeliano V. Henry”; e talvez assim seja. Mas a semethanen entre de relagdes entre uma pulavra dita ¢ o seu “contexto idiomalico™; ef.
Saussure e Hegel ndo vai muito longe. As antinomias de Hegel resolvem-se terminagio e entorno”, p. 48.
11. CLG, p. 191 (Cours, p. 155; Curso, p. 130 WN. T.)] es. bsténoia”
continuamente na plenitude conerei!a e dindmica do real; em troea, as de Forma e substancia”,
Saussure so abstratas e permanccem irredutfveis. 78. CLG, p, 206 [Cours, p. 169; Curso. p. 141 (N. T.)].
66-67. .
1%. O mesmo A. Atonso, Prdlogo, p. 20, considcra que, da an‘inomia raussu-
79. CLG, p. 203 [Cours, p. 166; Curso, p. 139 (N. T.)], Alese da negatividade
tiana, ‘‘continua em sua plena validade o duplo ponto de vista para o duplo
estudo: no sinerdnico o do falante, que vive internamente o funcionamenta das unidadeg lingiiisticas fundamenta'se numa confusdo de planos de abs-
da sua Hngua; no diacrénico, o exlerno do historiador, que contenynla as {ragio: o “ser unidade lingtiistica cm geral™ 4 0 Unieo que comporia . di-
suas transformagdes succssivas". B este. sem divida, o verdadeira alcance ferences” {© fato de uma unidade nao se confundir com outras), e nao o
real da disting#o (ef. I, 2.3.1.); mas neste senlido ela nao é suussuriana. “sor tal unidade determinada om tal sistema determinado”. Com o scu
Nao se deve esquecer que a dincrania de Saussure nap é histdria e que, em
cxemplo da letra t (CLG, p. 262 (Cours, p, 165; Curso, p. i138 _(N. TD,
Saussure se refere ds condigdes do “scr Iclra” e ndo as condigdes do “ser
termos de disciplinas lingilisticas, a sua antinomia se reduz, em Mima and- a letia t” (se bem que na demonsiragéo grafica se Lats, preisansente, destas
lise & oposigdio entre fondtica hisiérica ¢ qrantdtican descritina. significa Hmites
Ultimas), pois em sentido concreto (particular) “diferenga’
Pode tomar rumos as vez
es muito diferentes (80)
pre de acordo com estes , se bem que sem- 2.3. A glosssmatica, ao contrario, tendo se eoncentrado
ov aqueles motivag ess no
duutrina de Saussure sob enciais da miultipla estudo das estruturas lingiiisticas abstratas, separadas néo
re a lingua, apenas
do fulay comotal, mas, em geral, de qualquer realizucdo numa
vu 32 “subs.
ov.. a escola
9
genebrin na Bals ly, Sech
vy s7 oe tancin”, tomou decididamente o rumo da inturpretagde
cy
ehave, Frei7) concentrou du lingua
¢ speclalmente sobre os mod como “objeto matematico” (8). De fatu, a “lingua” de Hjelmal
£uu, sobre a lingua os de funconamento da lin éuma “rede de fungdes” — entendidas, estas, no sentido ev
como téenica do falar; matemd-
mento fla lingua” é Pro € dado que o “funciona tico, como relacio entre “functivos” —, um objeto puramente
priamente fala, nao Lor-
genebrings tenham dese é de estranhar qu mal, Independente de sua manifestagio numa “subslancia” qualque
nvolvido, precisamente, r
Fala”, Ta) enfoque perm uma “lingiiistios da (fénica, grafica, ete.). O préprio eixo da glossematica é a tese
itiv-lhes observar e saus-
de transtormagio da ling estudar o meeanisme
suriana de que “a lingua é uma forma e nao uma subslincia” ea
ua em falar e a relagio
fee dy bola lingua para do material ofe= conseguinte redugao da lingua a estrutura puramonte “formal” (rela-
diversos niomenios expr
‘ilislica da lingua”), a fala essivos (atualizagio, clonal) : tudo o que nado é “forma pura”, no sentido gloss: mitico,
come utilizacio da lingua
vonisée) en Separagdo
“sistemdtica” da norma”
(parolé or nao é propriamente “lingua” (esquema), mas realizagio,
Jay em seus aspectos incipien nivdiante « fa- “fala”
tes e mull: formes, ainda (uso) 88), e, com respeito i forma pura, é “substancia”; assim, por
nados historicamente (gra
iny: re dex faites), “Sin
no selecio- exemplo, a lingua fonica é uma “substancia”, em rclagdo ao caquoma
Vida, mas uma sincrunia Move cronia” sem du.
que manifesta, Mas este eixo nao é muito sdlido, Em primeiro lugar,
digu, viva, pulsante, Entre
Saussurianas, a genebrina
6 a que estd mais perto as escolag na prépria doutrina glossematica, a substancia do “conteddo” (subs-
da lingua como “objeto cultural da compreensao
", a que sta mais atenta aos tancia sematica) nado pode ocupar uma posicie simétries cm relagdo
sign, : cutives © aos seus
valores Subjetivos, a que matizes 4 substancia das “expresso”, Pode haver varins substancins de reali-
Ey revistrar ¢ valorizar a mult estd mais disposta
ipla yariedade “vertical” zag&o e, em certo sentido, a lingua pode ser cuncebida como “inde-
ee Lilfstion” da lingua, Mus (ef, VI, n, 67)
, precisamente esses axpectoy pendente” de uma substancia particular (ainda que nio de goslyguer
oritivos de seu enfague — altamente
em conjunto vom a insufizi substancia) (84). Mas ha apenas uma substaneia do “eonte tile e,
gav Uo material na sistemnticid cnte integra-
ade da linguagem e eum o dtsi em relac#o a ela, a fornia lingiiistica nao pode, evident:mente, ser
pela variedade “espacial” — imyx nteresse
diram os ecnebrings de sufrem entendida como jndependente, Em termos gloss2mdt 208, dirfamos
ambilo doe fazimento cotidianu e do
genériea da lingua e de so colocare que, com a substancia do “contetido”, a forma lingiistica eontral
nee ae em que esse faziment m
e & visto voniu provessu histé- uma fungaio de “interdependéncia” (relacdio entre duas conslan-

siderar como incompreensio ou atague quajquer discrepancia com o mes-


dererminados de variabilidade ive. Saussure disse tantas coisas profundas ¢ susccliveis de descnvolviniento
na realizagiio de uma unidade
n. 8). Assim também, para que um fone fu: que, realmente, nfo é necessrio defender-lhe também as falhas e as des-
oronha a outros, que s¢ja “o ma seja fonena. ba qué se culpdveis incongruéncias.
que os cutros nao séo"; mas,
tal fonema e néo outro, deve poss para
uir uma “‘idcntidade consive mes qe seja 2 Para uma discussia critica dos principios da glosscmélica, cf. “Forma ¢
@ also positivo; ef. “Forma e subs mo” que
fonema porque se distingue dos tancia”, p. 53. Por exempla, esp. substéncia”, p. 38 e ss. Encontrar-se-4o af também as necessérias vefcrén-
demais fonemas espanhdis; mas At é
hi — @ nao FEA/a), fof, etc. é 9 forema cias bibliograficas, Ver, ademais, a exposigio de B. Srenysrma, A Study of
minada de funcionalidade ©
— porq ue correspond? a uma zona deter- Glossematics, Haia, 1955, e, no que ce refere parlicularmente ag probleina
Por
Rio apenas na lingliistien mas conseguinte, de realizacio féniea. Ademais, de forma e substancia F. Hinrzz, “Zum Verhilinis der sprachlichen ’Form’
em geral wna “classe” & elass
distingue de outras; € é tal
classe detorminuda pela cocs
e porque se aur 'Substanz *, Studia Linguistica, HI, 1949 pp.. 86-105.
constitul e a opoe a oulras: &o inte 83. Preisamente neste sentido LL. Haguatsury, “Lanuue et parole”, Cahiers Fer
é absurdo pretender que os gatos rna que a
apenas horque nao séo e&es, sho gatos dinand de Saussure, 2, 1942, pp. 32-33, 40 e 43-44, inierpreta ¢ corrige a dis-
Num sentido mais profundo, tingdo saussuriana. Cf., do mesmo autor, Pralegomena, py. 51-52 e 6&8; e
que “na lneua ha apcnas difer a afirmagio de
na Ungaagem a Coesio interna enoas , sen term os porit ivos” sipnificea que “La sivatifieation du langage”, Word, X, 1954, p. 188, em que se distinguem,
das “classes” 6 determinzda
ee funsia & que os “limites por um lado, o “esqucma” e, pelo outro a “norma”, o “uso” e a pitrole
” néo existem coms tris (ma_ pela unidade
tango pa stabelccidos “sub propriamente dita.
pela forma linitistiea: ef, “For stancia”) 84, Mesmo neste plano a subslancia pode ser **indifercule™
ma e subs- has cn rchredio
¢
3. a me PP. 30-31, n, 2, a outre sudstdncia, e née em relagdo a forma, como pareee entender Hjelt
» lev. A velagio de “determinagdo” (constant¢varidvel) entabzicee-se entre
Ha tem
ten bém uF
unmaspecte Que com freqiiéu
querer manier e defender a eia
i chezGa
a «&# ser hugat
negative, ¢@ &é o de a forma ¢ uma substancia particular (que pode ser esta ou aqucla); mas
todv eusto a “ovtodoxia” sau ivo, enlve a forma e a substancia hd “interdepcndéneia”, pols a fyna li
ssuriana e de con-
tica € sempre “‘forma de subst@neia”,
tes) (85), pois ndo podese realizar nem ser concebida sem ela:
nao
ha lingua sem significag&o, Em segundo lugar, a prépria logas:-na linguagem-e na arte: ama estdtua 6, certamente, uma “for-
substaneia ma”, mas é concebida desde o inicio como forma organizadora duma
da “expresséo" n&o 6 de maneira alguma indiferente. A disting
ao substancia determinada; é concebida para o bronze, para o marmore,
entre “forma” ¢ “substancia”, introduzida na lingtifstica por Hum.
boldt (8), nao é outra coisa sendo a conhecida distingi a madeira ov a pedra, e nao para uma matéria qualquer. & verdade
o aristotéliea
sntre wop¢4 e tAy. Pois bem, eombinando esta distinca que uma forma pode ser trasladada parcialmente para outra subs-
o com
4 distingao estabelecida por Vico entre og tipos
fundamentais de
tancia; por exemplo, de uma estdtua de mdrmore se pode fazer uma
objetes —~ € que, por outro lado, J4 se encontra esbogada no cépia em bronze. Mas, no novo. material, a forma deixa de ser “a
préprio
Aristételes (87) — pode-se afirmar que: a) nos objetos naturdis mesma”: a realizacio em substancias diferentes implica uma diver-
, a sidade também de forma, e nio apenas de substancia. O préprio
forma é determinada pela substancia: estes objetos sao substan
cias
Que assumem uma forma; por exemplo, uma substancia de terminada Hijelmslev recenhece que, “no caso normal de uma lingua como o
cristaliza duma determinada maneira; b) nos objetug matemdticos, franeés ou o inglés”, a andlise fonematica.e grafematica daria eomo
u substancia eventual é totalmente indiferente: eles sfio formas puras resultado duas “formas semidticas” distintas. Mas, para demons.
que nie dependem de mancira alzuma da sua eventual realizagdo trar a independéncia da “forma”, vecorre a casos “anormais”, como
numa substancia; ¢ ¢) nos objetes eulturais, a substancia 6 deter- o de uma prontncia e da correspondcnte transcric&o fonolégiea (89),
minada (escolhida) pela forma: eles sfio formas que assumem uma gem. pereeber que estes easos sio colvencionais, que por uma con-
substaneia, Nestes cbjetos, entre os quais esté também a linguagem, venedo explicita foi estabelecido que a substancia secundaria seja
a substancia nao é indiferente e nao pode ser ignorada (88); ¢ isso considerada como manifestagio precisamente desta forma e nao de
néo porque fosse “determinante”, mas, precisamente, porque é de- ‘autra, E mesmo nestes casos, o que se traslada & grafia ndo é toda
turminada pela forma: porgue a forma escolhe a substancia que lhe a forma fénica mas apenas aquela parte que se decide considerar
convém, contando de antem&o comas possibilidades da substAncia ‘trasladada e que os meios gr4ficos podem representar (90). Isso sig-
excolhida (88 bis), Encontramo-nes, novamente, em situagées and- nifica que a substancia é “indiferente” apenas quando (e na medida
em que) é conveniente que o seja. Por isso, ignorar a substancia e
eonsiderar apenas a chamada “forma pura” (91) significa reduzir
85. A forma c a substéncia do “conteddo” sHo constantes come “functivos” da convencionalmente a lingua a “objeto matemético”. Isso nao é grave,
sua relagdo de interdependéncia no sentido de que nao se realiza sem a se é feito de maneira explicitamente convencional, pois todos os obje-
outra (ou seja, no sentido de que ha unidade entre linguagem & pensamento); tos, inclusive os culturais, podem ser estudados matematicaments,
mas, em relagao & identidade de cada uma consigo mesyna, elas sio “‘varide
veis", e as duas se determinam (influem) recipvocamente. eomo objetos matematicos, Mas torna-se grave, se se pretende que
36. Cf. Sprachbau, em particular pp. 47-49, esta manelra de considerar a lingua 6 “a mais apropriada” (ou a
87. Cf. por exemplo, Physica HH. 2. dnica apropriada) e corresponde & realidade efetiva do objeto estu-
88. F. J. Warrrrenp, “Linguistic Usage and Glosrematic Analyris”, em For
Roman Jakobson, Haia, 1956, p. 671, numa discussio muite compreensiva e
amistosa sobre alguns pontos de minha interprciagio da glossematica. faz-se
notar que Hjelmslev distingue entre “matéria” como tal (purport) e “subs- _ 89. “La stratification”, p. 174. Cf. também Prolegomena, p. 66.
tancia” (substance), matéria formada lingilisticamente, A observagio é 90.0 CI. “Forma e substaéncia”, pp. 57-59.
exata. Mas, em primeiro lugar —. devido, em parte, & assimetria entre o 91.. F. J, Warrrieto, Art. cit, pp. 674675, observa que a glessernética néo exclul
plano do contelide e o plano da expressdo —, o emprego do termo ptrport na pratic: a referéneia & substancia e que a prépria analise da substancia
nao é conseqiiente nos Prolegomena e, em ge na vloszemalica: em relagio (como “‘uso lingiiistieo”) ndo é excluida, mas apenas relegada a outros pla-
40 conteido, purport aplica-se & “matéria” ndo-formdda e incoynoscivel {ao nos da investigagio, ulleriores & andlise “esquematiea”. Mas, isso nao signi
chamado “‘nensamento amorfo™); em relecao 3 expressao, avlica-se a ma- fica reconhecer na praétiea o que se negou teoricamente, ou seju, que a lin
téria 34 formada e conhecida (fénica, prafica, ete.). Em segundo lugar, a gua ndo é mera forma? Cabe observar qtte, quando se trata efctivamente de
glossematica pretende que na andlise da forma lingtifstica se ignore, preci- formas puras (e é 0 caso dos objetos matemalices), o problema da substan-
samente, a “(matéria que manifesta a forma” (“substanela”), e nao apenas cia nfo é colocado de maneira alguma e em plano algum. Por outro lado,
, aamatéria come tal. Cf. Prolegomena, pp. 50 @ 67-68. minhas objegdes a glossematica no sio de indole pratica, mas teérica: refe-
88.bis. Cf, a propésito, a precisa formulacdo de M. Hetweccer, Der Ureprung rem-se & concepgdo glossematica da lingua. A lingua nao é mera forma,
des
Kunstwerkes, trad. esp. El origen de Iu obra de arte, em M. H., Arte y nem uma forma orgahizada entre duas substancias, mas uma forma organi
poesia, México, 1958, p. 42: “Aqui [nos ohjetos feitos intencionalmente] gzadora de substancia. Em “Forma ¢ substancia” insistiu-se espectalmente no
a
forma camo contorno nao & a consegiiénciz de uma distribuicgo
da matéria fato de que a mérfice.da lingua nao pode ser conhecido e descrito sem
[como nos objetos naturais], Ao contrario, a forma determina 9 ordena- -txeferéncia ao, hilético. Mas isso ocorre porque o mérfico se realiza no hile
mento da matéria. E mais, predetermina também emi eada caso a escolha . tleo e€ o hilético & compreendido dentro da forma que o organiza. A subs-
e a classe da matéria”, * taneia nag pode serignorada norque, Selido determinada (eseolhida) pela for-
ma, a@ integra. . son?
dado (82), pois isso implica reduzir reat
mente um objeto cultural a duvida, “para cada processo [discurso] hd um sistemcorrespon-
objeto mateméatico,isto é, transformar
a lingua numa coisa diferente dente” (54) ; mas, para cada sistema lingtfstico, ha também um pro~
do que é (98). De qualquer maneira,
quanto ao que aqui nos interessa, cesso histérico, um “desenvolvimento”; por isso, o sistema deve ter
o fato de enfocar a lingua como objeto matematico
estrutura, no simplesmente sincrénica, — ov seja, como caracterfsticas tais que tornem compreensivel e néo contraditério o
mas Permanente, est&tica, desenvolvimento.
atemporal — impede a glossematica de
ver a historicidade e o dina-
mismo dos sistemaslingitisticos e de coloc
ar 0 problema da mudanga. 2.4. 86a fonologia praguense, tendo concéntrado a sua atengiio
A glossematica propés-se a tarefa inteiram
ente legitima e essencial para 0 ponto critico do sistema de Saussure (o do material fénico
de comprovar o como constante dos sistemas: “aquilo
que faz que da lingua) e tendo alcangado a integracfo do material na sistemati-
uma lingua seja lingua” e possa funciunar como
tal. Cabe apenas cidade, tirou conseqiientemente a conclusdo que isso implicava para
perguntar se esse “eomo” n&o deve incluir tamb a antinomia saussuriana e afirmou desde o principio a necessdria
é a justificagae
da mudanga, que, j4 do ponto de vista empirico, é¢ que disti interdependéncia entre sincronia e diacronia, Mas, por manter a
linguas dos sistemay pseudo.lingtisticos. Uma teori
ngue as
a adequada da econcepgao da lingua como “objeto exterior”, caiu facilmente na ilu.
lingu a nio pode se limitar a ser mera metodologia da deseriedo, Sem s4o da “eausalidade” ou da “finalidade objetiva” (teleologia) do sis~
. tema. Dessa maneira, corre-se o risco de substituir a lingua que “se
92. & esta a opiniio de Hielmslev, que considera que a sua concepgdo da impée aos falantes” pela mudanea que se Jhes imporia como neces-
“‘Lin-
gua” corresponde & acepgdio corrente do termo (cf. “Langue et parole”, sidade externa. De fato, na fonologia hé uma superacio do natura.
P. 36) e declara textualmente que o “esquema” ¢ uma realidade lismo no que é particular (dado que cada elemento do sistema vale
(bid.
p. 43). Na glossemitica & muito notavel a tendéncla Bara considera
sonvengses como realidades. Entretanto, o préprio Hjelmslev, “Langue r as por sua fung&o); mas a mesma superacio nao foi alcancada ainda
parole”, p. 43, escreve: “la logique moderne nous a Suffisamment et no nfvel histérico, em relagdo & lingua na sua totalidade, que conti-
instrults
sur lea dangers qui résident dans une méthode tendant 4 hypostasi Rua sendo entendida como “produto”, e nig como técnica intrinseca
concepts et & en vouldiy construire des réalités, A notre avis certainser Tes da atividade lingilistica. Donde o sentido que alguns fondloges que-
rants de la linguistique moderne se réfugient & tort dans cou-
fondé au point de vue de la théorie de la connaissance; 1] y
un réalisme mal rem atribuir & distingdo entre og fatores “internos” e os “externos”,
auralt avantage e o fisicismo das mudan¢as afuncionais (“fonéticas”) admitidas ain-
4 redevenir nominalistes” [“a légica moderna advertiu-nes
suficienlemente
sobre os perigos que residem num métedo que tem a
tendéncia de hipos- da pela fonologia e que, na realidade, nfo podem ser admitidas, A
tasiar os conceitos e de pretender constituir-lhes realidades
.
algumas correntes da lingtiistica moderna refugiam-se injustificA nosso ver, isso se acrescenta o fato de que, por manter a outra antinomia saus.
Tealismo mal fundamentado do ponto de vista da teorla adamente num suriana, entre “lingua” e “fala”, e pela necessdria redug&o que todo
seria até mais proveitoso elas voliarem a ser nominalis do eonhecimenta; estudo estrutural implica (cf. VI, 4.3.3.), a fonologia continua
pode parecer estranho proccdendo de um estudioso tas” (N.T.)]. Isso
que pretende elaborar uma apresentando a mudanga como fendmeno due ocorre etre os estados
teoria da lingua com base numa hipdtese, isto é, numa de lingua. Sem divida, o estruturalismd diacrénico, depois do impul-
em certo momento (**The Syllable as a Structural convencio, e que,
Unit”, em Provtedings so inicial dado por Jakobson, j4 conquistou uma visio dindmica da
of the Third International Congress of Ph°netic Sciences,
Gand, 1939, p. 270),
chega a afirmar que o francés niio tem silabas, simplesme lingua, mormente por obra de A. Martinet (95). Mas trata-se, toda-
tem no sentido em que as quer definir a glossematica, nte porque nado as
Mas,
é estranho, pois “realistas”, no sentido em que Hjelmsley na tealidade, nao
via, de uma dinamicidade comprovada, “de fato”, sem plena justi.
Sao, precisamente, os nominalistas, Contudo, a emprega o termo, ficagdo teérica. O estruturalismo diacrénico deve dar um Passo&
declaragio de Bijelmslev nao
deixa de surpreender, pois o estruturalismo,
em seu sentido mais profundo mais e perce ber que a lingua ndo é dinadmica porque muda — ou seja,
& genuino, deveria ser exatamente o contrario do porque a mudanga é um “fato” —, mas muda porque a sua natureza
nominalismo; cf, H. J. Pos,
“Perspectives du. Structuralisme", TCLP, VIII,
pp. 71-73,
O “matematicismo” glossematico conserva, entretanto é dindmica: porque a linguagem é atividade livre, isto é, criadora.
Assim, Hjelmsley diz que os “functivos"? deseobertos , residues naturalistas, Ademais, —livrando-se de todo causalismo, deve rechagar por com-
pela anélise dg esque pleto a concepedo da lingua como sistema realizado em que aconte-
ma poderiam ser considerados entidades de natureza
p. 79}. Mas isso é muite dificil: nao se Percebe fisica (Prolegomena,
que
fer, por exeniplo, os cenemas. Sobre esse pretensio natureza fisiea poderiam
os termos da lingua (como se se tratasse de um de nao saber o que sio
objeto exterior), cf. VI, n. 22, . Prolegomena, p. &, vs
9 Proprio Hjelmsley, Prolegomena, p. 14, trata
com certa ironia o “realismo = ee 2 sua deadaregio explicita neste sentido, EconOmie, p. 194, Entre os
ingénuo” que considera os objetos como abjetos
Gependéncias, Entretanto, o “realismo ingénuo” e nic come intersegdes de lingiiistas que nfo procedem do idealismo, Martinet & hoje o que est4 mais
no caso da Ungus, nfo se trata de objetos tem as suas razdes, pois, perto da concepgig da linguagem dvépyela; E até, em certos aspectos,
pestulados, mds de objetos feitos mais do que alguns estudiosos que se chamam. idealistas ¢ que continuam
pelo homem,
trabathando com fragmentos de lingua amorfos e afuncionais,
da
cem mudangas e chegar a conceber a mudanga como fazimento do estrutura sistematica precisamente porque é um momento
sistema. Finalmente, de acordo com o‘qtie os seus préprios descobri- sistematizagio. Com o conceito de “sistematizacao” a antinomia
ja
entire diacronia e sincronia 4 superada de maneira radical,
mentos implicam, deve deixar de ser simples “diacronia” e transfor-
mar-se em hastéria estriturtl, tanto a assiste maticid ade
que sao eliminadas, ao mesmo tempo,
; 3.1 A. _ De fato, do ponto de vista teérico, a antinomia saus- do diacrénico quanto a pretensa estaticidade do sistematics. E
suriana é superada em’ sentido radical apenas medianie a con- torna-se evidente também que no é necessdrio eliminar ou igno-
cepgiio da linguagem como éépyee, ou seja, entendendo a rar a mudanea para entender a lingua como sistema, pois a mu-
mudanga nao como simples modificagéo de um sistema ja dado danga nao ¢ alguma coisa oposta ao fato de ser sistema. Ao con-
mas como continua construgdo do sistema. Empiricamente, par- . trdrio: a negagao da sistematicidade prépria ‘dossistemaslingtiis-
te-se do sistema para explicar a mudanga: considera-se o sistema tices — que é sistematicidade dinamica — éa estaticidade, que,
coro dado e a mudanea com problema. Mas,a rigor, e racional- afinal, torna impossivel o seu funcionamento como sistemas,
mente, cabe inverter os termos, j4 que o “constituir” de um transformando-os em “linguas mortas” (cf. II, 1.1.).
modo lingtifstico é anterior ao seu “estar constitufdo”. E neces-
sdério partir da mudanga para entender a formacdo do sistema 3.1.2. Poroutro lado, a antinomia saussuriana é supe-
(nfo para descrever umsistema, em um momento determina- rada desse modo no sentide préprio do superar, ou seia: é “esta~
do). pois a realidade do sistema nao é, certamente, menos pro- belecida” como contradigio, mas néo anulada, dado que se man-
blematica gue a realidade da mudanea. Ou melhor, g necessdrio iém como distingéo. Nao apenas como distingo de pontos de
partir do fazimento da lingtia em geral (que inclui também o vista (entre descrigdo e histéria), mas também como distingao
seu refazimento). A pergunta “como é tal sistema?” responde- real: entre o funcionamento e o fazimento da lingua ou — do
se descrevendo o mesmo sistema em sua atualidade: e as respos- ponto de vista de cada falante e da unidade minima da mudanga
tas deste tipo podem ainda ser generalizadas, para chegar a esta- — entre o emprego e a adogaio de um modo lingiifstico. A lingua
belecer como costumam ser em geral os sistemas lingiiisticos funciona sincronicamente e é constituida diacronicamente. Mas
Mas, 4 pergunta “por que existe sistema?”, sé se pode responder estestermos n&o sdoantindmicos nem contraditérios, porque o
dizendo que o sisterna existe porque é feito. Por conseguinte, se fazimento se realiza comvistas ao funcionamento. Por isso, tam-
a lingua é a todo instante sistema e se a todo instante “a encon- bém os estudos que Ihes correspondem, mesmo permanecendo
tal.
tramos mudada”, isto significa que muda comosistema, ou seja, distintos, devem implicar a superagio da antinomia como
que é feita sistematicamente (cf. IV, 2.3,). E isto implica como
J se viu, em definitivo, que a atividade mediante a qual a Ungua ~“ 3,2. A superagao pratica da antinomia pode ser apenas
é feita 6 ela prépria sistematica (cf. HI, 4.4.7.): “aquilo pelo precdria na descrigéo, que, situando-se num “estado”, na atuali-
qual a lingua é lingua” nao é simplesmente a gua estrutura (que dade dum sistema, ndo pode se referir a estados pretéritos sem
na-
€ apenas a condig&o do seu: funcionamento), mas a atividadelin- se tornar incongruente: sua tarefa é prestar contas da funcio
-
gtiistica que a cria e a mantém como tradic#o. Pois bem, se a lidade atual da Mngua considerada. Entretanto, a prépria funcio
“estdo de lin-
mudanga é entendida como fazimento sistemdtico da lingua, é nalidade amal implica uma superacdo possivel do
evidente que nao pode haver nenhuma contradicao entre “sige gua” pera o futuro. De fato, para os préprios falantes a lingua
tema” e “mudanga”’ e, mais ainda, que nado cabe sequer falar de atual néo é apenas conjunto de formas ja realizadas, modelos
“sistema” e “movimento” — como de coisas opostas —-, mas ape- utilizdveis enquanto modelos (norma), mas também técnica para
nas de “sistema em movimento”: o desenvolvimento da lingua ultrapassar o realizado, “sistema de possibilidades” (sistema)
r
no é um perpétue “mudar”, arbitrario e fortuito, mas uma per- (of. II, 3.1.3. e IV, mn. 32). A deserigio, portanto, deve presta
pétua sistematizacdo. E cada “estado de lingua” apresenta uma contas das possibilidades abertas, de tudo aquilo que é “pauta
produtiva”, esquema aplicdvel para a realizago do que nao exis-
te ainda como norma; e, isso ndo apenas na morfologia, mas matica, ndo para aboli-la (9). Ademais, é necessario lembrar
também na sintaxe, no léxico (derivacdo ¢ composigao de pala- que, pela coexisténcia de sistemas no mesmo“estado de lingua”,
vras) (*) @ no préprio sistema fénico, onde a latitude de reali- certos aspectos dessa variedade.podem ser da ordem do “arquis-
sistema” (cf. 11, 3.5.1.).
zagdo no é idéntica para todas as unidades funcionais. Ou seja,
é preciso considerar a lingua comosistema aberto, pois assim é 3.3.1. Entretanto, enquanto se refere apenas a possibili-
a lingua para os falantes: permite-lhes superar a tradicao, conti- dades de sistematizac&o ulterior, que podem também naose rea-
nuando-a. Em segundo lugar. a descrigZo deve levar ern conta lizar, a descrig&o como tal nao capta a dinamicidade concreta da
que o “estado” descrito 6 momento duma “sistematizacSo”, isto lingua, Por isso, a superagdo efetiva da antinomia saussuriana,
é, duma realidade dindmica. e registrar tudo aquilo que no pré- no plano da investigacao das linguas, ocorre apenas na histdria,
prio sistema sincrénico é manifestac&o da sua precariedade, ou pois sé a histéria “vé os fatos em seu fazimento” (cf. VI, 4.3.3.)
seja, da dinamicidade real da lingua. Assim, deve destacar as e abrange numa visao Unica tanto o fazimento quanto o funcio-
contradigées internas do sistema (cf. IV, 4.4.) e seus “pontos namento, ou, em termos saussurianos, tanto as “sucessdes” quan-
frageis” (os mal enquadrados nas estruturas e os de escasso ren- to os “estados”. Para dizer de oulro modo, sé a histéria pode
dimento funcional). Nao deve tentar apresentar como “equili- prestar contas cabalmente da realidade dinadmica duma lingua,
brado” aquilo que nao o é; por exemplo, deve renunciar ao expe- considerando-a como “sistema que é feito”e, a cada instante de
diente de equilibrar pela chamada “simetria do sistema” o que seu desenvolvimento, como atualidade duma tradiedo. Mas a
funcionalmente esta em desequilibrio (cf, VI, n. 44). Finalmente, histéria da lingua nao deve ser entendida como “histéria exter-
a descrigéo deve atender 4 variedade tanto “intensiva” quanto na” e sim como “histéria interna”, como estudo da prépria lin-
“extensiva” do estado de lingua estudado, pois tal variedade é gua enquanto objeto histérico: ela deve abranger e dissolver por
outro reflexo da dinamicidade da Ifagua na projegdo sincrénica completo em si mesma a chamada “gramatica histérica” (%),
(ef. IV, 2.4) e, para os falanies, representa uma possi)ilidade
atual de selegio. E necessdrio ahandonar, pois, a tendércia de
descrever um modo de falar “absolutamente uniforme” (2), 98, CE o que diz B. Maumpers, Acta Linguistica, U0, p. 43: °*H faut commences
par dresser le schéina, C’est évident, Mais N ne faut pas svarréier fa. u faut
pois objetivamente eles nao existem: o falante real est’ sem- poursuivre analyse pour metire au clair tous les factcurs qui, réunis, for-
ment Ja langue en question” [‘‘Daverse comegar por edificar o esquema.
pre diante de uma multiplicidade de tradigdes e pode dispor ébvio, Mas ndo se deve parar af, Deve-se prosseguir a andlise para trazer
delas para diferentes propdésitus expressivos, Os esquemas es- & luz todos os fatores que, reunidos, formam a lingua em questae” (N.T.)].
A este mesmo propésito, A. Maaziver assinala que desiindar as estruturas
truturais devem servir para captar e ordenar a variedade idio- nio significa ignerar a complexidade da reolidade lingtistica, mas estabelecer
, uma hierarquia entre os fatos (Economies, p. 13) ¢ que 2 fonologia nao deve
descurar os fatos fénicos néo-distintives (Ibid., p. 37). De fato, estabelecer as
96. Numa ese da escola fonolégica, TCPL,1, 1929,x. 8, sallenta-se justamente que estruturas funcionais é essencial porque, em cada momtente da lingua, elas
a distingao entre esqucmas produtives e improdulivos é um “fato de diacro- representam os limites da variabilidade na realizagao. Mas é importante levar
nia” que deve ser levado em conta na propria descrigio z/nerénica, Por outro em consideragao também as variantes “normais” de realizagiio, que repre-
lado, também Saussure, CLG, pp. 149-150 [Cours, pp. 117-118; Curs®, pp. 97-98 sentam o equilibrio prec4rio do sistma; e, a este respeito, tornase util o
(N.T.)I, assinala que a formagio de palavras pertenee A gramitica (isto é, estudo estatistico de sua freqiiéncia relativa; ef. SNF, p. 63, Sabese que
a lingiiistica sincrénica) e considera como tarefa sincrénica a de uma das maiores dificuldades para a histérie fonolégica de linguas pretéritas
yy nors
mas para 0 uso da lingua”, que se refere, precisamente, ag future, Sabre a @ que sé sio conhecidas pela escritura é constituida, precisamente, pelo des:
diferenga tnire “sistem” ¢ “no:ma”™ nes varios dominios da lingua, ef. eonhecimento da exata realizagio fénica e da sua variedade.
. SNF, pp. 42°54, 99. De fato, a “gramatica histérica”, em scu sentido classico (neogramatico), nado
97. Por exemplo, um idioletee (cf, Ii, 3.5.2.) ou, na formulagio de D. Jones, é nenhuma disciplina lingtifstica particular. Enquanto mero registro esque
p. 9, “ume lingua deduzida do falar de um Unico individuo que fale num miatico de “equivaléneias diacrénicas”, é apenas recompllagdo e ordenagao
‘estilo’ definido e homogéneo”. Cf, “Forma v substancix”, pp. 7-71, sistemdtica de dados para a histéria, Sobre o seu carater hibrido, cf. K. Voss-
eR, Filosofia del lenguaje, pp. 57 e 183, n. 2. :
Defato, a histéria dos modoslingitisticos que em parte siio man- corresponde a realidade alguma, Saussure pensava que corres-
tidos e em parte modificados ou substituidos no tempo é, certa- pondesse 4 mudanca féniea; mas tampoucoisso é verdade (100) ,
mente, histéria dumatradig&o, isto é, histéria da cultura. Porém,
nado apenas de outra cultura, a extralingtiistica, que necessaria- 8.3.3. De fato, a lingua absirata saussuriana, assim como
mente se reflete nesses modos (especialmente nos lexicais), mas, earece de variedade, carece também de continuidade histérica.
em primeiro lugar, daquela forma peculiar e fundamental da Saussure nfo ignora que na realidade as linguas s&o histéricas
cultura que eles mesmosconstituem (cf, II, 3.3. j. (geschichtlich), mas ndo vé comoa lingtiistica poderia ser his-
torica (historisch); e isso porque a sua intuigao da lingua
nado
3.3.2. Saussure reduz a histéria das linguas a mera dia- coincide com o seu conceito de lingua, Inturuvamente, a lingua
cronia “atomista” e a opée a sistematicidade da sincronia por- se lhe aligura dotada de continuiaade no tempo; mas
0 seu con-
que, do ponto de vista da sua concepgiio da lingua como “coisa ceito de ungua 6 o de um “estado” ou de umaserie de “estacaos”
feita” ¢ da mudanea lingiiistiea como “deterioragio fortuita”, entre os quais ocorrem mudaneas, im certo momento, Saussure
a histévia propriamente dita carece de sentido. Mas, do ponto indica como tareta aa lingiustica a de “lazer a descrig
ao € a his-
de vista da realidade da lingua, cabe inverter os termos e afir- toria de touas as tinguas’ (4). Mas depos nao aamite sequer
mar que o que carece de sentido — salve como registro de fatos Os temos /istoria @ lngilistica hastorica porque — aiz —, aado
materialmente ocorridos — é a mera diacronia. J4 se viu que que “a hustoria politica compreende tanto a descrigdo de epo-
ndu é possivel ignorar as mudangas gramaticais e que, se por cas quanto a narragao de acontecumentos’, isso pouema 1azer
“grammatical” se entende “sistemadtico”, entao também as mu- pensar que “ao descrever estados sucessivos ua ungua, se es-
dancas fénicas so gramaticais. Viu-se, do mesmo modo, que tivesse estudando a lingua coniorme 0 e:xo0 do tempo’, ao Passo
as mudangas nao sao nem “‘isoladas”, nem “exteriores a0 sis- que na realidade sé se esta iazendo sincronia. bara tazer his-
tema”, nem “fortuitas” (ndo-intencionais). Mas & necessdrio toria, “seria necess4rio encarar separadamente os tenomenos
recordar, ademais, que, para ser coerente cunsigo mesma, a dia- que fazem a lingua passar de um estado a outro” (4%). Mas
cronia (lingtiistica diacrénica) sé considera as mudaneas e ig- com isso 9 estuao se torna incongruente, porque se move alter-
nora a continuidade da lingua. E esta é uma grave falha, dado nativamente sobre o eixo das “sucessdes”’ e sobre o das “simul-
que, nas novas ordenagées represeniadas pelas mudangas, 0 que
taneidades”. Assim, a lingtiistica inaugurada por Bopp é incon-
continua nao permanece igual, mesmo que se mantenha mate-
gruente, porque“esta a cavaleiro de dois dommios, por nao ter
rialmente. Assim, de nada serve dizer que no chamado “latim
sabido distinguir claramente entre os estados e as suces-
vulgar” se perde o género neutro, pois 0 masculine e o femi-
nino que n&@o se opdem ao neutro néo so idénticos aos do Ja-
100. R. 5. Wetts, Art. cit, p, 24, observa com raziio que a lingiilstica diacrdnica
tim classico: 0 que ocorre néo é um simples desaparecimento do “cannot ignore synchronic relations, for a diachronic identity between a
neutro, mas uma reforma do sistema dos géneros, Do mesmo sign of state Sl and a sign of a laler state S2 can be established onty ky
considering both the phonemic makeup of the signs and their relations to
modo, nos romances que perdem um dos trés graus déiticos do other contemporary signs” [“‘ndo pode ignorar as relagdes sinerénicas, pois
latim (isto é que nao conservam os valores hic-iste-ille), ha uma identidade diacrénica entre um signo de estado Sl e um signe de es.auo
posterior $2 s6 pede ser estabelecida pela consideragdo da constituiggo fono:
toda tuna reforma dosistema déitico. A mudanga ndo pode ser aise dos signos e das suas relagSes com outros signes contemporaneos”
entendida fora.da continuidade da Ungua. Porisso, a diacronia N.T.].
Saussuriana, por nic Jevarein consideragdo o que.continua, nado 101. CLG, p. 46 [Cours, p. 20; Curso, p. 13 (N.T,)).
102, CLG, pp. 148-149 [Cours, pp, 116117; Curso, p. 96 (N.T.)].
sées” (103), A histéria lingiiistica, pois, nio é para Saussure 3.3.4. A antinomia ou dupla separaciio entre sincronia e
sendo uma incongruéncia. Esta incongruéncia pode ser neces- diacronia (lingilistiea sincrénica e diacrénica) baseia-se, no
saria, porque “cada lingua constitui praticamente uma unidade fundo, numa miragem, no tocante ao sentido da histéria e as
de estudo, e nos obriga pela forga das coisas a considerd-la ora relagdes entre histéria e descricdo. Saussure pensa que, assim
histérica |diacrénica] ora estaticamente” (194), mas nao deixa como a sincronia ignora a diacronia (o passado), também a
de ser uma incongruéncia tedrica. Mas, por que cada lingua diacronia deveria ignorar a sincronia (os “estados de lingua”).
forma uma “unidade de estudo”? Saussure nado percebe que Mas s6 a primeira afirmacio é verdadeira e legitima. A sincro-
nia, de fato, ao estudar um “estado de lingua” determinado, nao
aquilo que se impbe pela “forca das coisas” (isto 6, pela reali-
pode enfocar simultaneamente varios outros estados e confun-
dade) no pode ser mera incongruéncia, mas algg que deve ser
dir uma série de momentos da lingua num nico momento, pois
explicado e justificado teoricamente. E nfo percebe que todas
isso significaria oferecer uma descrigdo incoerente e cadtica.
as suas observagdes desmoronam, se se entende que as mudan-
A diacronia, ao contrdrio, ndo pode ignorar a sincronia — ou
cas ndo podem ocorrer “entre os estados” de lingua” e fora da
melhor, as “sincronias”: os infinitos “estados de lingua” que se
lingua, que nado h& meras “‘sucessdes” e cue os “estados de lin-
ordenam ao longo do chamado “eixo das sucessdes” — e isso
gua” nao sao etapas estéticas mas momentos duma continua
no porque dependa da sincronia como tal, mas porque, neste
“sistomatizagéo’’. Ao contrario, a lingua parece estar para ele caso, ignorar a sincronia significa, precisamente, ignorar a Iin-
numa situacdo peculiar, distinta, por exemplo, da dos objetos gua que continua no tempo: estar fora do objeto. Um momento
que a histéria politica estuda: “(A histévia politica dos Estados da lingua pode ser descrito sem levar em consideragio outros
move-se inteiramente no tempo; entretanto, sc um historiador momentos, no mesmo sentido de que uma parte pode ser sepa-
tvaca o quadro de uma época, ndo se tem a impressdo de sair rada do todo ou umaetapa de um processo. Mas a desericao do
da histéria” (1%). Isto é, Saussure no percebe queé ilusério todo néo pode ignorar as partes e a descrigéo de um processo
precisamente 0 contrario: acreditar que ao fazer a descrico de nao pode ignorar as suas etapas. Analogamente, o estudo da
um“estado de lingua” se sai da histéria (1%). Na realidade, a “sistematizagao” n&o pode ignorar os momentos da propria sis-
descrigaio de um objeto histérico é um momento da sua histéria. tematizagio, A descricHo, pois, é “independente” da histéria no
sentido de que nZo a abrange; se bem que descrever um mo-
103. CLG, p. 151 [Cours, pp. 118-119; Curso, p, 98 (N.T.)]. Ch tmbém_ p. 238 “mento de um objeto histérico j4 é um modo de fazerhistdria,
[Cours, p, 195; Curva, p. 165 (N.T.)]: & necessario recordar a distingie entre
sincronia e diacronia “para nado afirmarmos inconsideradamente que eslamos
“mesmo sem sabé-lo”. E, vice-versa, a historia se opde 4 des-
a fazer gramatica histérica quando, na realidade, estamos nos mevendo suces- ericio, mas de uma maneira peculiar: no é a descrigfo, mas
sivamente no dominio diacrénico, estudando a muanca fonética, e no domt
nio sinerénico, examinando as conseqiiéncias que dela resultam”; p. 147
(Cours, p. 115; Curso, p. 95 (N.T.)]: no eixo das sucessdes “nao se pode
a historicidade da Hngua. Mas em Saussure ha uma lamentavel confusdo
considerar mais que uma colsa por vez"; e p. 148 (Cours, p. 116; Curso,
enlre o plano da descrig&o e o plano da tcoria; cf. nota 61. A mesma confusio
p. 96 (N.T.)]: na lingiiistiea, a multiplicidade de signos *nao impede abso- persiste, e em certo sentido se agrava, na glossematica. Donde a desconfianga
lutamente de estudar-lhes, ao mesmo lempo, as relagdes no tempo e no da glossematica em relagdo & historia, que considera como histéria acidental
sistema”. Cf. 1.2.2. (ef. L. Hueimstev, Prolegomena,pp. 4-5), e a idéia de que é necessario ignorar
104. CLG, p. 174 (Cours, p. 140; Curs?, p. 16 (N.T.)]. .
a mudanga na teoria, ao passo que a mudanga nao afeta mas assegura o
105. CLG, p. 146 (Cours, p, U4; Curso, p. 94 (N.T.)]. A histéria lingtiistica 6, ‘‘constante” da lingua, Considerando apenas as estruturas e ignorando o
naturalmente, distinta da histéria politica (porque a lingua, apesar do que movimento, a glossematica acredita que se pée em dia com o pensamento
se diz, nao é uma “‘instituigg0”), mas ndo no sentido saussuriano, eontemporineo. Mas uma vez mais a lingitislica chega com atraso. Ja faz
106, & a teoria da lingua que é “ahistérica" — no sentids d¢ que nao se refere tempo que o pensamento contemporanes, depois da valorizagéo das estrutu-
a um objeto histérico determinado: o estudo da lingua como “universal”, da ras, vollou a considerar a realidade como processo infinite; um problema
“linguarespécie”; © que, nao abstante, no significa que a teoria deva ignorar atual é, pelo contrario, o da integragiio das estruluras nos pracessos,
o que assegura a sua funcionalidade como Ifngua e o seu cara-
ter de “objeto histérico”. Um objeto histdrico sé o é se é, ao
mesmo tempo, permanéncia e sucessao. Em troca, aquilo que é
apenas permanéncia (por exemplo, as espécies ideias) ou ape-
has sucessao (por exemplo, as fases da lua, as marés) nado pode
ter qualquertipo de histéria.

{NDICE GERAL

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