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Assim, a postura geral aqui adotada pode ser caracterizadacomo textual-

discursivana perspectivasociointerativa,isto é, consideramoso texto em seu


aspectotanto organizacionalinterno como seu funcionamento sob o ponto de
rista enunciativo.Uma excelente 4bordagem nessesentidopode ser vrstânos
habalhosde lngedore Koch, em particr.rlarem seu liwo sobreas atividadestex-
tuais na perspectivacognitiva e enunciativa,que ainda será tratada adianter.

o noÍõode línguopoÍ nósodotodo


t.s AproÍundondo
Uma vez feita a discussãoteóricaacima,podemosindagarquaÌ a posição
a ser adotada. É esta a questãoa que nos voltamos a seguir.

Na realidade,nossohabalho se dará na perspectiva(d), chamadatextual-


interativa.Nessecaso,não se deixa de admitir que a língua selâ um sÌstema
simbólico (ela é sistemáticae constittti-sede r:m conjunto de símbolosorde-
nados),contudo ela é tomadacomo uma atividadesociointerativa desenvolvi-
da em contexÌoscomunicativoshistoricamente situados.Assim, a Ìíngr-raé vista
como uma atividade,isto é, uma prática sociointerativade basecognitiva e
histórica.Podemosdizer, resr:midamente, que a língLraé Lrurconjunto cÌeprá-
historicarrentesituadas.Podemosdizer que as línguas
ticassociaise cognitir,as
são objetivaçõeshistóricasdo que é falado.

Torno a Ìíngua como um sistemade práticascogniiivasabertas,flexí-


veis,criativase indeterminadasquanto à informaçãoou estÍuturâ.De outro
ponto de vista,pode-sedizer que a língua é um sistemade práticassociais e
históricassensíveisà realidade sobre a quaÌ atua, sendoìhe parcialmente
prévio e parcialmentedependenteessecontextoem que se situa. Em suma,
(escritores/
a ìíngr-raé um sistemade práticascom o qual os falantes/ouvintes
Ìeitores)agem e expÍessamsuasintençõescom açõesadequadasaos obieti
vos em cada circunstância,mas não construindo tudo como se fosseuma
pÍessàoexternapura e simpÌes.

Podemoslenbrar aqui mais uma vez a posiçãode Batista(1997.21)


^, , ^-l^ ri.-..
qudrruu -l-
r,! drr r |,ro.
-

7. Refiro-meao livro de IngedoreVillaça Koch (2001). Desrendandoos segrealos


do t xto. São
PauÌo:Cortez. A Ìeitura desselivro é aqui enfaticamenteaconselhldapor ser exempÌarno modo de
trâtârboa partedosprocessos de organizaçãoe conduçãotópica c âsPcctos
da produçãode sentidocom
as anáforasditasassociativas e indiretas.
Na Ìinguageme atravésdela,portanto,constitui-se
nãosóumadeterminada organi-
zaçãodaexperiênciado real,mastambémdeterminados Ìugares
paraosinterÌocutores
e demarcadas
relações entreeìes.

Veja-seo câsodo uso dos pronomes:um eu marca a posiçãopessoâle o


você indica que o eu não esiá incluído e a imagem que produzo é de um
outro. O nós inclui â mim e a imagem nào seráa mesmaque as duasanterio-
res:o nós inclui o eu e o outro. As identidadesconstruídase subsumidasno
caso dos quantificadorespara grupos,por exemplo, todos,alguns, nenhum,
poucose assimpor diante, refletem mais do que simpÌesagrupamenro,pols
envolvem também a construçãode inagens. Portanto,como Ìembra Batista
(.1997 2l-22), "falar é agir" tanto sobre si, como sobre os outros e sobÌe o
mundo. Falar não é apenascomunicaralgo e sim produzir sentidos,produzir
identidades,imagens,experiências
e assimpor diante.

Certamente,quândo estudamoso texto, não podemosignorar o funcio-


namento do " sistemalingüístíco"com sua fonoÌogia,rnorfologia,sintâxe,Ìéxi-
co e semânticâ;nestecasoestâmosapenâsadmitindo que a língua não e caó-
tica e sim regidapor um sistena de base.Mas ele não é predeterminadode
modo explícitoe completo,nem é auto-suficiente.Seu funcionamentovai ser
integradoa umâ série de outros aspectossensíveisa muitos fenômenosque
nadâ têm a ver com a forma diretamente.

Não obstantea visãoacima defendida,é bom ter presenteque há vários


aspectosdo fi:ncionamentoda língua que são mais bem explicadosquando os
observamos no níveÌ do sistema.Por exempÌo,a variaçãoÌingüísticapode ser
explicadana correlâçãocom fatoressociais,mas os fenômenosque sistemâti-
camentevariam são estruturais,tais como os fonoÌógicose os morfológicos.
Assim,quanclosc faÌa em uso e ftrnçio, não sc ignoraa cxistênciadc fomas.
Apenasfrisa-seque as formas não são tudo no estudoda Ìíngua e que as formas
só fazem sentidoquando situadasem contextossociointerativamente relevan-
tes.Esta é a distinçãocom Chomsky,que julga ser próprio da lingüísticaape-
nas o estudoda realidademental da língua e não o seu aspectoexterno,ou
seiâ,o funcionâmentona sociedadee nas relaçõesintersubjetivas.

Uma dastendênciasmais comunsna lingüísticado século)C! até recen-


temente - típica do estruturalismo-, foi centrar-seno estudodo código,isto
é, na análisede propriedadesimanentesao sistemade signosda língua.Trata-
va-sedo que podemoschamarde uma Ìingüísticado significante.Assim,surgi-
ram os conhecidosníveis de análise lingtiística, tais como o fonológico, o
nìorfológico,o sintático e o semântico.Cada vez mais essaperspectivafoi
cedendo lugar à idéia de que não se pode abordáJasisoladamente.Ainda
continua um tanto obscuro,nessaperspectiva,estabeleceruma "ponte" cÌara
integado dessesníveisnum todo, sen mencionar
de união ou pÌocessamento
a difícil assimilaçãodo aspectopragnático da língua. Este em geral não é
consideradoum nível de anáÌiseda língua e sim um plano do uso6.

Nas últirnas décadas,com os estudosÌevadosa efeito peÌos teóricosdo


texto,do discursoe da corversação,que observama língua em funcionamento a
partir de suascondíçõesde produçõoe recepção,deu-seuma guinada na tendên-
cia "oficial". fu teoriasque privilegiavamo código (o significante)como objeto
de anáÌisee viam a língua como um sistemade regrasestruturadoe determina-
do, não tinham condição de se fazer indagaçõesrelevantessobre uma série de
aspectos,por exemplo, a reÌaçãoentre a língua falada e a língua escrita. Nem
podiam indagar-sesobreos usossociaisda língua. A centraçãodo estudono
código não podia enfrentara variaçãoe a produçãode sentidoem qualquer
seja nas formas lingüísticasou na significação.
âspectoque se manifesÌasse,

A noção de Ìíngr-raaqui adotadaadmite que a língua é varíada e vaiá.vel,


ou seja,supõeuma visãorão-monoÌíticada língua e contempla pelo menos
tÍês âspectosdessavariação ou heterogeneidade,tal como lembra Renate
Bartsch(Ì987: 186-190):

n;r comunidadc Ìingtiística(a populaçãonão é homo


(a) heterogenciclacÌc
gênea e fala de forma diferenciadacom variedadesdialetais regional-
mentecaracterizadas sociaissociocuÌturaÌmente
or.tvariedades marcadas);
(b) Ìretcroqcncidade de estilosc rcgistrosIrtttnalíugrta(na linguagemdo
dia-a<ìia,tem-seestilosmais informaise na linguagemcuidadaou técni-
ca tem-seestilosformais;também observam-se registrosde váriostipos,
sendoque um falantepode dominar váriosdelessimuÌtaneamente);
no sisterraÌingtiístico(a língua não tem um sistema
(c) heterogeneidaclc
complementares,sobre-
ou o sistema,mas diversassistematizações
postasou concomitântes, hoje conhecidascomo'regras variáveis',
seja na fonologia,morfologiaou semântica).

8. Anìesque secaiaem equívocosc nìal-entendidos quantoao ernpregoda paìavra"uso",seráíúil


rìertar que não setÍâtâ de urna noçãoinstrrrmentalde uso. llso aqui é uma noçãoque apenaslembra o
hrncionamentoda Ìínguâ enì seuscontextosou no plano da enunciação.Não é uJn uso instrumental,
pois já ficou claro que nossavisãode Ìíngua não a contenìplâcomo sc eÌa íosscu:n instrtrmento.
Esse aspectoda língua enquanto heterogêneasugere uma compreensâo
de língua diferente daquela com a quâl os manuais didáticosem geral operam.
fusim, pode-seadmitir que:

o A língua é um sistemasimbólico geralmente opaco, não-hansparen-


te e indeterminado sintática e semanticamente.
o A língua não é um simples código autônomo, eshuturado como um
sistemaabstratoe homogêneo, pÌeexistentee exterior ao falante; sua
autonomia é relativa.
. A língua recebe sua determinaçãoa partir de um conjunto de fatores
definidos pelascondiçõesde produção discursivaque corÌcorrem para
a manifestaçãode sentidoscom baseem textosproduzidos em situa-
ções interativas.
o A língua é uma atividadeesocial, histórica e cognitiva, desenvolvida
de acordo com as práticas socioculturaise, como tal, obedece a
convençõesde uso fundadas em normas socialmente instituídas.

Com a concepçãode língua aqui sugerida,pretendo deslocar o inte-


ressedo código lingüístico (imanência das formas) para o funcionamento
da língua ou, numâ formulação mais comum, para a análise de textos e
discursos(em certo sentido, o plano da enunciação). Isso tornará possí-
vel observaro que fazem os falantescom/na/da língua e, principalmente,
como se dão conta de que estão fazendo uma determinada colsa com â
língua. Também permite trabalhar as relações entre oralidade e escritar0

9. Parcialmente,masnão mâisdo que isso,pode-sedizer que essanoçãode línguaassemeÌha-se


ao que postuÌavaWilhelm von Humboldt quandodizia que a língua eramergeia (atbithile, ptoceaso,
eneryia, dção) e não etgon (prod!rúo).Segundo muito bem nota Faraco (2004), para HumboÌdt,
"linguagem e pensamentoconstituemuma unidade. Nessesentido,a língua não é entendidacomo
apenâsa manifestaçãoextemado pensamento(algoque vem depoisdo pensamento),masaquiìo que
o torne possível-Elâ tem, nessesentido,um caúter constifutivoviebiÌizandoa eÌaboraçãoconceituâÌe
osatoscriâtivosda mente.E por issoque Humboldt afirma que a língua é um processo,uma atividade
(energeia) e não tm produto(ergon)".Na verdade,línguaseriauma atividademental paraHumboldt e
não um sistemagramatical.Por outro lado, não é nada interessantepensarna Ìíngua como fazia A.
SchÌeicher (1821-1867),que a consideravacomo um organismovivo com existênciaprópria, que
nascia,desenvoÌvia-se e morria. Trata-sede ume antÍopomorfizaçãoque levou à descriçãode árvores
genealógicas do indo-europeu.
Ì0. Em um cursocomo estenão sepode trabalhartudo. Mas seriaconvenienteconsiderarque
hoje sedistingueenhe asexpressões 'oÌâlidade'e 'fala', de um lado e,'letÌamento'e 'escÌitâ',de outro.
 oralidadeé urnapráticasociaÌno usoda Ìíngua,enquantoa fala seriaa forma assumidapelaexpressão
oral. O letramento,por suâvez,seriaa práticasocialdo usodiário da esc tâ €m eventoscomunicetivos,
enquantoâ escÌite seÍiaa forma de manifestaçãodo Ìetramentoenquantoatividadede textualização.
Paramaioresdetafhes,cf. o Ìivro de Luiz Antônio Marcuschì(2001).Da fala para a escitd: atividades
de retextualizacõo.SãoPaulo:Cortez.
, :iìo drÌasmodaÌidâdesenlnciativascornpÌeneÌìtaresdentro de LÌntcoÌì-
"-Ìo de variâções.

Con relaçãoao cÌìsirìo,essaposiçãocondrÌziráao dcsenvoÌr'imcntocleconr-


:,-:;rrciasdiscursivas
funcionabnenteadequadas.lìì, nessecaso,a competêncíalht
.-:ìficd, erquaÌìto domftrio de fonnas,passaa ser um subconjuntodos fatoresde
.:.qtração.,Assin,a ênfascna gÍamáticâpode ser lninoradana direçãode unta
'.-rpectila mais funcionaì e sociointeratir,a
no fihncicxramento
da Ìíngua.

Corn Ìraseno que vinrosató aqui, podeìrìosdizer que:

.rI a Ìínguasc manifestaplenarrcntcno seu fturcionamentona r.idadiá-


ria, seja em textostriviais do cotidiano otr prestigiosose canirrricos
quc pcrsisteÌnna tradiçãocuìhrraÌ;
b) o uso da Ìínguasc .ìá eÌr er,entosdiscursivos situadossociocognitira-
rììcntc e Ììão en rrnidadcsisoÌadas;
c) a Ìíngua,enquantosistemafornal, acÌta-seimpregnacla pelo discurso;
d) rnuitosfenôrrenosrclc\'ântese sistenáticosno funcionarnentoda ìír-
gua são propÍiedâdesdo cliscursoc não podem seÍ descritose cxpii-
cadoscour baseapcnasrÌo sistena formaì da Ìfugua;
e) erìtÍc os fenômenosrelevantesconrandadospeÌo funcionamentocla
Ìínguaestãoas rcÌaçõesinterfrásticas que não se esgotartr
nern se escla-
rcccrÌìrìo ânbito da frase;por cxcnìplo:as scqtiênciasconectivas, as
seqtiências aÌÌâfóÍicâs,
as eÌipses,as rcpetições,o uso dos artigosetc.
f) asseqiiências cleenunciadosrÌLr[Ìtextonão sãoaÌeatórias, ÌÌìasregidâs
por cìctcnrinadosprincípiosde textuaÌizaçãolocais ou globris:
g) ulr texto não sc cscÌareceen seu pleno funcionamcntoaperìâsllo
ânrbito da Ìíngua, nas exigc aspcctossociaise cogniti',rrs.

PortâÌrto,r'anos admitir que â Ìírìguâé trna atividadeilterativa, sociale


:rentaÌque estmhlrânossoconhecimcntoc permite que Ììossoconhecirrrcnto
..ia estruturado.I.ìnquantofenônteno enpírico, a Ìíngua não é unt sistema
.bstratoe honogênco, rnas é:

heterogênea indeterminada
social variável
histórica interativa
cognitiva situada

Quancloclizernosque a língua não é dctcrrninada,isto significaque não


:\iste urrradeternrinaçãofixa apriórica,seja no aspectosintáticoou senânti-
-o. Portanto,urra nrcslÌlafornra pode fnncionar corn váriassignificações,
de
maneiÌa que não há uma determinaçãosemânticaprovenientedo próprio
sistemalingüístico. De igual maneira, podemos ter várias opções de determi-
nação sintáticapara uma dada construção.

Veja-seo casode Eternamenle\é ter na mente,éter nd mente,é temamen-


tz.. , ) e os mais diversoscasosde ambigüidade, sejam eles de nahrrezasintática
ou semântica, como esta manchete do Dliruo DE PERNÁMBUco em primeira
página(13105120004):
noRioé investigada
Fraude
noDetran
dePernambuco

Como devemosentenderesta manchete?

l. Trata-sede fraudes comeiidas (pelo Detran) no Rio que agora serão


investigadaspelo Detran de Pernambuco?ou
2. Trata-sede fraudes cometidas pelo Detran do Rio com ramificação
em Pernambuco?

Somentea leihrra do texto que seguea manchete permite esclarecera situação.

no Detrandê PêÍnambuco
Fraudeno Rioé investigada
nolicenciamento
traude noRiopodeterramificação
deveículos emPernambuco
e emmais
quatÍo 0 esquema
estados. vistorias
simula noscarrosfoÍadoestado
deorigem.
rorfi:lÌ&0 0rftNrarutf,o, l3/0í200L
ReciÍe.

Outro exemplo de ambigüidadeseriao contido na manchetedo Dúnro


DE PERNAMBUCo (0211112005)em que se lia a notícia abaixo, à primeira vista
com duas possibilidadesinterpretativas.Poderia ser tanto a crisz na televisõo
como a crise no Covemo Lula. 36 a leitura daria uma resposta,mas ceÌta-
mente, quem vivia o momento histórico brasileiropoderia logo saberque se
tratava da crise no Cowmo Lula com as várias CPIs em andamento naquele
momento. Veia-sea notícia:

ACETTA
PRESIDEI,ITE rALARSoBRE NÂTV
CRISE
idan frodaViva
lulaconfirna e gumtequenã0dehaúderespondü
segunda-feira nenhunn
pergunta
BRASÍL|A - Âpósseismeses o presidente
denegociações, tuizInácio
l-uladaSilva
confirmou
ontema participaqão noprogÍama RodaVivadaTtlCultura
deentÌevista napróximasegunda-
presidente
feira/..Jlulaseráo segundo a darentrevista
aoRodaViva noexercícbdo mandato.
0 primeiro
foi seuantecessor,
fernandoHenrique
Cardoso.
Segundo
Markun, quenegociou
a
entrevista
diretamentecom[ula,o presidente
dissequenãoquerfalarsódecrise,mas
tambémdeeconomia e quenãodeixará
nenhumapergunta
semresposta.
/.../

Pode-seadmitir, ainda, que a língua é uma atividadecognitiva.Pois ela


não é sinplesmente um instrumento para reproduzir ou representaridéias
rpoisa língua é nuito mais do que um espelhoda realidade).A língua é tam-
bém muito maisdo que urn vcículode informações. A funçãomais importalte
da língua não é a informacionale sim a de inseriros indivíduosem contextos
sócio-históricos
e permitir que se entendam.

Finalmente,postulamostambém que a ìíngua é uma forma de ação,on


seja,um trabalhoque se desenvoÌve
colaborativamenteentre os indivíduosna
sociedade.Nessecaso,a pragmática,como sociopragmática, passaa ter um
papel clefinido e claro no processode produção textuaì, pois é um dos
determinantesdas condiçõesde produção.

Há ainda um âspectointeressantea respeitoda idéia de que a língua é uma


forna de ação. Não se deve entender issocomo se fosseumâ ação voluntarista,
particuÌar, conscientee plenanente individual, como postula â prâgmáticatra-
dicionaÌ dos atos de faÌa. Sempre estamosinseridosnurn contexto social e em
alguma instihriçãocujos contrâtossomosobrigadosa segr:irsob pena de sermos
punidos de alguma forma. Ás instihrições,as ideologias,as crençâsetc. são for-
mas de coerçãosocial e política que não permitem ao indivíduo agrr como uma
entidadeplenarrente individual. Não somosmaissujeitoscartesianos monolíticos,
integrais e irdivisíveis, que persisternà nargem do corpo e dele se desgarram
como urna ahna que volta para a divindade.Não se nega a individualidadenem
a responsabilidadepessoal,mas se afirma que as formas enunciativase as possi-
bilidadesenunciativasnão emanam de um indivíduo isoladoe sim de um indiví
duo numa sociedadee no contexto de uma instituição.

Tomemos um exemplo: quando alguém assumeuÌÌì cargo oficial no go-


verno, pode ter, pessoalmente,uma série de posiçõesque receberão,num
dado momento, coerçõesinstitucionais,e ele vai deixálasde Ìado para repre-
sentaro papel que nesseÌnoÌnentolhe é exigidopor peÍtenceràquelainstitui-
ção. Assim, nem senpre se pode recriminar quando alguém "muda de opi-
nião" ao assumiruma posiçãooficial, pois ele passaa fazerpartede um corpo
maior do que ele e suâscrençâspessoais. São novascondiçõesde prodr:ção
discursivaque eÌrtram em jogo. Um ato lingúístico pode ser forrnahnente igual
do ponto de vista do enunciado,mas, do ponto de vista de sua significaçãoe
de seus efeitos, ele será bem diverso, a depender do lugar que o condiciona,
isto é, das condições de produção em que foi realizado.

Não nos aprofundaremosnesseponto; pois isto deve retornar mais adian-


te ao trabalharmos o aspectoda colnpreensão textual. Aìi veremos que uma
análise textual baseadano código não tem condições de incorporar a produ-
ção de sentido, nem tem condições de perceber os efeitos de sentido a partir
de lugares enunciativosdiversosou de crençasdiversas.E por isso que o foco
devesair do código para o discurso.Temos de ir do enunciadopara a anunciação
e para o funcionamento da língua. Mas antes disso,seria bom dar uma breve
olhada na noção de sujeito, um termo central várias vezes empregado nessas
reflexõese nunca pensado em suas propriedadescentrais.

l.c lloçõode suieitoe subielividode


Paramuitos autores,a reflexãosobreo funcionamento da língua em socie-
dade depende da noção de suieito que temos. Assim, tudo indica que um dos
pontos centraisque distinguem asváriascorrenÌesde AD (e por extensão,qual-
quer teoria lingüística) passapela noção de sujeito. A questãoé: o que caruc-
terizaria o sujeito enquanto ser humano? Sua nafureza, os aspectossociaisou
os fatoresligadosao inconsciente?(cf. Possenti,1993)ÌÌ.

Para Possenti(1993), tratar do sujeito é responderà questãoda relação


entÍe quem fala e o que é falado. E neste casotemos três Íespostaspossíveis(cl
Possenti,pp. Ì5-17), que reporto aqui para discussão;

(l) numadelasseresponde a sério"eu falo",istoé,acredita-sequeo falanteagregaao


enunciado queproduznumadeterminada instânciaalgumingrediente relevante
para
a interpretação.
Em ouhaspalawas, o fatode o falanteserum ou ouüopodenãoser
indiferente.
O modomaiselementarde seargumentar emfavordestateseé dizerque
enunciados como "eu estouaqui" sópodemserinterpretados considerando-sesua
enunciação e queesìaenvolvecrucialmente o falante.Diz-se,em casoscomoestes,
numacertatradição(Benveniste, p. ex.),queesteenunciadoestámarcadopelasubje-
tividade,quepor issoeleé discurso.O mesmosedáemcasos como"infelizmente, p"
ou "talvezp", em queseinterpreta"infeìizmente"e "talvez"comosendoo pontode
vistado Ìocutorsobrep. Marcasde subjetividade, portanto.// Uma outraformade

I l. Refirome ao textode Sírio Possenti(1993).Concepçõesde suieitona linguagem,Boletimda


Abralin, 11. Sao Paulo: USP, pp. 13-30.

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