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Organizadores

Adriana Pereira Campos


Kátia Sausen da Mota
Karulliny Silverol Siqueira Vianna
Rafaela Domingos Lago

Encontro Internacional de História UFES - PARIS-EST

Memórias, Traumas e Rupturas

Caderno de Resumos

Laboratório de
História, Poder
e Linguagens
Organizadores

Adriana Pereira Campos


Kátia Sausen da Mota
Karulliny Silverol Siqueira Vianna
Rafaela Domingos Lago

Encontro Internacional de História UFES - PARIS-EST

Memórias, Traumas e Rupturas

Caderno de Resumos

Laboratório de
História, Poder
e Linguagens
Laboratório de História, Poder e Linguagens
Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas
Centro de Ciências Humanas e Naturais
Universidade Federal do Espírito Santo

Organizadores
Adriana Pereira Campos Encontro Internacional de História UFES - PARIS-EST
Kátia Sausen da Mota
Karulliny Silverol Siqueira Vianna
Rafaela Domingos Lago
Memórias, Traumas e Rupturas
Comitê Científico
Adriana Pereira Campos
Maud Chirio
Pedro Fagundes
Julio Bentivoglio Caderno de Resumos
Geraldo Antonio Soares

Monitores
Joana D’ark Pim Leite
Júlio Cesar Silva
Karolina Fernandes Rocha
Meyre Ellen Aparecida Pereira Teixeira
Pollyanna Soares Rangel
Rogério da Silva Ferreira

Projeto Gráfico e Editoração


Carlos Alberto Schneider Junior

Obs. Esse encontro constitui atividade do Laboratório


de História, Poder e Linguagens e do Projeto “Memória,
Traumas e Rupturas” patrocinado pelo Edital n.1 da
Secretaria de Assuntos Internacionais da Pro-Reitoria da
UFES.
SUMÁRIO Conferências
Minicursos
4
8
Comunicações Coordenadas 10
Resumos 18
11 de novembro

CONFERÊNCIAS 14h Credenciamento


Local: Auditório IC-II

16h Conferência de Abertura


Local: Auditório do IC-II
Violência, trauma e frustração no Brasil e na Argentina:
papel do historiador
Prof. Dr. Carlos Fico (PPGHIS/UFRJ)

12 de novembro
10h Mesa 1: Revoluções Atlânticas e Liberdade
Local: Auditório IC-II
Coordenador: Prof. Dr. Rogério Arthmar (PPGHIS/UFES)

1.1 La Société Morale Chretienne e a abolição da Escravidão Moderna


Profa. Dra. Adriana Pereira Campos (PPGHIS/UFES)

1.2 D’une révolution à l’autre, pour une histoire connectée des


révolutions
Profa. Dra. Mathilde Larrère (LAP/ Paris-Est)

1.3 Le Peuple, La Réforme et La Révolution en France et en


Grande-Bretagne au XIXe Siècle
Prof. Dr. Frédéric Moret (LAP/ Paris-Est)

13 de novembro
10h Mesa 2: A Memória e o Trauma
Local: Auditório IC-II
Coordenador: Prof. Dr. Alexandre Avelar (UFU)

2.1 Paul Ricoeur, Les Historiens et Le Devoir de Mémoire : Un débat?


Prof. Dr. Christian Delacroix (LAP/ Paris-Est)

2.2 Primo Levi e a escrita do testemunho


Prof. Dr. Geraldo Antonio Soares (PPGHIS/UFES)

2.3 Os Pontos Cegos da História: a produção e odireito ao


esquecimento no passado e no presente
Prof. Dr. Julio Bentivoglio (PPGHIS/UFES)

4
14 de novembro

CONFERÊNCIAS 10h Mesa 3: Memórias, Ensino e Repressão


Local: Auditório IC-II
Coordenador : Prof. Dr. Valter Pires Pereira (DH/UFES)

3.1 A morte do estudante secundarista Edson Luis (1968)


e seu regime de historicidade
Profa. Dra. Angélica Müller (PPGHIS/Universidade Salgado de Oliveira)

3.2 O movimento estudantil e a luta pela Anistia no Brasil:


repressão e esquecimento
Prof. Dr. Pedro Ernesto Fagundes (PPGHIS/UFES)

3.3 Lutas políticas, repressão e ensino de História


Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira (UFRJ e CPDOC/FGV)

14h Mesa 4: A Modernidade, as Luzes e as Doenças


Local: Anfiteatro 1 (Anexo CCHN)
Coordenadora: Profa. Dra. Cristina Dadalto (PPGHIS/UFES)

4.1 Mémoires contrastées: regards portugais et chinois


sur La première ambassade officielle des Portugais
en Chine (1517-1524)
Profa. Dra. Pascale Girard (LAP/ Paris-Est)

4.2 A Obra de Luis Antônio Verney: aspectos da Ilustração


Católica Portuguesa
Profa. Dra. Patrícia Merlo (PPGHIS/UFES)

4.3 Protagonizando a história: queixas e reivindicações


populares na ocorrência da cólera na província do
Espírito Santo (1855-1856)
Prof. Dr. Sebastião Pimentel Franco (PPGHIS/UFES)

6
Minicurso I

MINICURSOS Esquecidos e renascidos - a percepção de si mesmo, nas origens da


formação política do Brasil Colonial
Professor: Dr. Valter Pires Pereira (UFES)

11 de novembro
12 de novembro
18h30 - 20h30
18h30 - 20h30
13 de novembro 18h30 - 20h30

Minicurso II
O Esquecimento do Pathos? Uma releitura sobre memória e
sofrimento na obra Casa-Grande e Senzala (1933)
Professores: Dra. Márcia Barros Ferreira Rodrigues (UFES)
Ms. Claudio Marcio Coelho (UFES)

11 de novembro 18h30 - 20h30


12 de novembro 18h30 - 20h30
13 de novembro 18h30 - 20h30

Minicurso III
Gođkynningr: o rei escandinavo como ponte entre deuses e homens
Professor: Ms. Munir Lutfe Ayoub (PUC-SP)

11 de novembro 18h30 - 20h30


12 de novembro 18h30 - 20h30
13 de novembro 18h30 - 20h30

8
12 de novembro 14h às 16h

COORDENADAS
COMUNICAÇÕES Sessão I
Local: Anfiteatro 1 (Anexo CCHN)

Além e Aquém-mar: notícias e ideias políticas no Espírito Santo


pós Revolução do Porto
Rodrigo da Silva Goularte (UFF)

Bases da cultura política brasileira do início do século XIX


Maiara Caliman Campos Figueiredo (UFES)

Enlaces e desenlaces: a estabilidade das famílias escravas no Es-


pírito Santo (1790-1871)
Geisa Lourenço Ribeiro (UFES)

Pontos de interseção e vontades: estratégias de compadrio e o


caso da escravaria de Francisco Pinto Homem de Azevedo
Rafaela Domingos Lago (UFES)

Memórias de uma opinião: as ideias abolicionistas no Journal da


Société de la Morale Chrétienne (1836-1848)
Pollyanna Soares Rangel (UFES)

Escritoras do Oitocentos e o movimento abolicionista: emanci-


pando escravos e mulheres
Karolina Fernandes Rocha (UFES)

Festas populares capixabas e as raízes de um sistema de repre-


sentações em torno das tragédias do mar
Michel Dal Col Costa (UNIRIO)

Sessão II
Local: Anfiteatro 2 (Anexo CCHN)

Conflito de discursos na greve de 1948 na Companhia Vale do


Rio Doce
André Ricardo Valle Vasco Pereira (UFES)

A vale do Rio Doce na ordem do dia: Acusações e omissões no


discurso de Eurico Rezende em A Gazeta
Douglas Edward Furness Grandson

Partido Comunista do Brasil: a defesa do projeto político nacio-


nal na Câmara de Vitória – ES, 1948
Marlon Pittol de Oliveira (UFES)

Trabalhismo e Populismo: uma breve discussão


Lucian Rodrigues Cardoso (UFES)

10
A campanha eleitoral do comunista Antônio Granja a vereador Max Mauro e o Trabalhismo no Espírito Santo: da implosão do
em 1947 em Cariacica PMDB à ascensão do PDT (1987-1990)
Vinicius Oliveira Machado (UFES) Amarildo Mendes Lemos (UFES/IFES)

Integralismo e Imprensa: o caso da Revista Vida Capichaba A opinião pública e a corrupção no Espírito Santo
Diego Stanger (UFES) Rafael Claudio Simões (UFES)

História e Memória: o livro de memórias do senador Eurico Re-


Sessão III zende (1963–1978), entre as memórias, os traumas e as rupturas
Levy Soares da Silva (UFES)
Local: NPIH (IC-III)

Modernização e ruptura na Belle Époque capixaba: revisitando O capitalismo e subdesenvolvimento no Espírito Santo
Diones Augusto Ribeiro (Monteiro Lobato Cems/PMV)
o Novo Arrabalde
Coordenador: Leandro do Carmo Quintão (IFES)

A lógica capital x coerção no Espírito Santo da Primeira Repú- Sessão V


Local: Anfiteatro 2 (Anexo CCHN)
blica
Marco Aurélio Borges Costa (UFRJ/CUSC)
Migração e desigualdade socioeconômica
Madson Gonçalves da Silva (UFES)
Luiz Antônio Monteiro Lindenberg: memórias da eleição muni-
cipal de 1922 Industrialização: resultados e impactos na vida do migrante
Adilson Silva Santos (CUSC) Maria Rita de Cássia Sales Régis (UFES)

A construção do passado inglório na representação da trajetória As cidades das histórias: Constituição simbólica das cidades de
da AIB em Cachoeiro de Itapemirim Vitória e da Serra por meio das narrativas de imigrantes
Flávio dos Santos Oliveira (UFES) Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra (UFES)

Cachoeiro de Itapemirim – ES: Para além do bairrismo Ciganos nas terras do Espírito Santo: representações
Joana D’Arck Caetano (UFES)
Sílvia de Souza Dias (UFES) sócio-políticas (1885-1936)
Daniela Simiqueli Durante (UFES)
Estudos sobre os casos de defloramento na Comarca de Itapemi-
rim de 1930 à 1939
Marcos da Silva Azevedo (CUSC) Sessão VI
Luiz Carlos Ferreira Neto (CUSC) Local: NPIH (IC-III)

Memória, monumento e nostalgia na cidade: reflexões sobre a


transição da República para o Império em Roma
12 de novembro 16h às 18h Ludmila Caliman Campos (UFES)

Repensando a ruptura entre República e Principado: uma


Sessão IV discussão teórica
Local: Anfiteatro 1 (Anexo CCHN) Camilla Ferreira Paulino da Silva (UFES)

2013 - Das jornadas de junho à Rosa dos ventos: para onde so- A conversão na Escandinávia medieval, a sidaskipti como uma
pram as linhas do horizonte? forma de estigmatização
Valter Pires Pereira (UFES) André Araújo de Oliveira (UFMA)

Regime Civil-militar de 64 e as elites capixabas: rupturas e Entre a magia e o poder: A simbologia do bastão da völva
Sara Carvalho Divino (UFMA)
continuidades
Ueber José de Oliveira (UFES)

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


11 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 12
13 de novembro 14h às 16h Pensar a Nação em um contexto de ruptura: Mariano Moreno e
a Independência da América Espanhola
Tito Souza da Silva (UFES)
Sessão VII
Local: Anfiteatro 1 (Anexo CCHN)

Jacobinos na Independência do Brasil: uma análise do radica- Sessão IX


Local: NPIH (IC-III)
lismo político nos impressos do processo de independência do
Brasil O cotidiano na Antiguidade Tardia: considerações em torno da
Jorge Vinícius Monteiro Vianna (UFRRJ/Faculdade Saberes) África romana nos tempos de Agostinho de Hipona (354-430)
Coordenador: José Mário Gonçalves (UFES)
A imprensa capixaba no Oitocentos: redatores, leitores e leituras
Fabíola Martins Bastos (IFES/UFES) Verdade e virtude: na disputa anti-maniqueísta de Agostinho
No caminho das urnas: a participação eleitoral no Império de Hipona
Kátia Sausen da Motta (UFES) Joana Paula Pereira Correia (UFES)

A atuação da Guarda Nacional na província do Espírito Santo Debate de Tortosa e o processo de representação e estigma ju-
(1831 a 1862) daicos
Kamyla Nunes de Deus Oliveira (UFES) Jordânia Lopes de Freitas (UFES)

“A República bate-nos à porta”: a imprensa da província do Es- A Questão da tirania em Isidoro de Sevilha: contradições de um
pírito Santo na crise do Império brasileiro, 1880-1889 discurso
Coordenador: Karulliny Silverol Siqueira Vianna (UFES) Luís Eduardo Formentini (UFES)

Música nos Teatros Cariocas: a passagem da Monarquia à


República
Mônica Vermes (UFES / IA-Unesp)
13 de novembro 16h às 18h

Sessão VIII Sessão X


Local: Anfiteatro 2 (Anexo CCHN) Local: Anfiteatro 1 (Anexo CCHN)

Gênero, Papel Social e o Poder Masculino: Contribuições Con- Desumanizando o judeu medieval: sangue e pecado
Coordenador: Sérgio Alberto Feldman (UFES)
ceituais para a História Social das Relações de Gênero
Coordenador: Helvécio de Jesus Júnior (UFES)
O Antijudaísmo Medieval em perspectiva: a violência dos po-
Definindo um Aliado: A Reumanização do Povo Japonês nas groms da Primeira Cruzada e sua influência sociocultural e
Páginas da Revista Life (1945-1964) religiosa para as comunidades ashkenazim da Germânia no
Edelson Geraldo Gonçalves (UFES)
século XI
Karla Constancio de Souza (UFES)
Os obstáculos do progresso: o mito do atraso colonial e a repre-
sentação dos indígenas na obra de José Teixeira A fronteira entre ortodoxia e heresia na cristandade tardo antiga
Rafael Cerqueira do Nascimento (UFES)
sob a perspectiva da controvérsia pelagiana
Raphael Leite Reis (UFES)
Os desafios da memória como fonte histórica: esquecimentos,
silêncios, mutações e realidades A problemática da efetividade das imposições clericais: o con-
Dinoráh Lopes Rubim Almeida (UFES)
trole da carnalidade, do feminino e do laicato no baixo-medievo
Revistas historiográficas inglesas - da reconstrução a descons- cristão
Anny Barcelos Mazioli (UFES)
trução
Thiago Vieira de Brito (UFES)
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
13 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 14
Entre Paris e Barcelona: os debates Judaico-Cristãos no século
XIII
Regilene Amaral dos Santos (UFES)

A doença como representação do pecado no imaginário cristão


dos Reinos Ibéricos nos séculos XV e XVI
Larissa Oliveira Heringer (UFES)

Sessão XI
Local: Anfiteatro 2 (Anexo CCHN)

Existe uma identidade capixaba? Dilemas de um historiador


José Candido Rifan Sueth (UFES)

Imigração pomerana no Espírito Santo: território e identidades


Helmar Spamer (UFES)

Da contemporaneidade Italo-capixaba ao passado histórico no


Espírito Santo
Otávio Benincá Toscano (UFES)

A Fronteira como espaço de Memória


Filipo Carpi Girão (UFES)

Sessão XII
Local: NPIH (IC-III)

Educação inclusiva, abandono escolar e criminalidade juvenil


(1980-2010) ruptura ou continuidade?
Coordenador: Rosely Maria Aparecida Machado (UFES)

Políticas educacionais no Município de Cariacica: Aspectos his-


tóricos e mudanças institucionais (2005-2008/2009-2012)
Elisangela dos Santos de Oliveira (UFES)

A Ufes e a Reforma Universitária da ditadura: dos acordos ME-


C-USAID à reação do estudantes
Alexandre Caetano (UFES)

O impacto da consciência negra na visão, no comportamento e


na atitude social dos alunos sobre a questão da igualdade étni-
co-racial
Jayza Monteiro Almeida (Faculdade Saberes)

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


15 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS
Luiz Antônio Monteiro Lindenberg:

RESUMOS memórias da eleição municipal de 1922


Adilson Silva Santos - CUSC

O objetivo dessa comunicação é apresentar a eleição de 1922


para prefeito de Cachoeiro de Itapemirim e os seus desdobramen-
tos para a carreira política de Luiz Antônio Monteiro Lindenberg.
Candidato à reeleição, Luiz Lindenberg teve sua candidatura subs-
tituída às vésperas da eleição e isso teve um impacto importante em
sua trajetória: o abandono da carreira política e o retorno ao exercí-
cio de sua profissão, a medicina. O que o teria levado a tomar essa
decisão é analisado a partir da análise qualitativa do Cachoeirano, O
Município e do Diário da Manhã, importantes periódicos da época,
bem como das Atas da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itape-
mirim. A escolha por esse tipo de pesquisa justifica-se porque ela
permite que se desenvolvam investigações científicas em situações
complexas onde somente as informações estatísticas relacionadas ao
passado não são suficientes para coleta de dados. Trata-se, portanto,
de uma pesquisa documental e à luz da Nova História Política. Luiz
Antônio Monteiro Lindenberg nasceu na fazenda Monte Líbano, era
filho de Carlos Adolfo Lindenberg e Bárbara Monteiro Lindenberg,
filha do capitão Francisco de Souza Monteiro. Graduou-se médico e,
tempos depois, entrou para a carreira política por incentivo de seu
tio, Bernardino de Souza Monteiro, e José Gomes Pinheiro Jr. e já
em sua primeira eleição foi eleito para o cargo de prefeito da cidade
de Cachoeiro de Itapemirim, a mais importante do sul do Espírito
Santo. Na eleição de 1922 para o mesmo cargo foi preterido embora
já tivesse sido lançado como candidato pelo Partido Republicano
Espírito-Santense. Dos fatos que evolvem essa eleição municipal
conclui-se que a substituição da candidatura de Luiz Lindenberg
próximo ao pleito municipal pela de Augusto Seabra Muniz, teria
sido determinante para o seu abandono da vida pública e para e seu
retorno ao exercício da medicina. Não obstante isso vale ressaltar
que essa substituição esteve ligada ao racha ocorrido no seio da oli-
garquia Monteiro nas eleições para o governo do Espírito Santo, em
1920. Depois do racha entre Jerônimo e Bernardino Monteiro, nas
eleições estaduais de 1920, os pleitos eleitorais nos municípios vão
refletir essa cisão, uma vez que os candidatos partidários de Jerôni-
mo vão disputar o poder com os partidários de Bernardino. A lógica
quase sempre será a mesma: como Bernardino passa a ser o chefe

18
da oligarquia estadual, seus candidatos vão vencer os pleitos uma tos-leis (53/1996 e 252/1967) que orientaram a reestruturação das
vez que controlam a máquina eleitoral. Além disso, os candidatos universidades federais brasileiras, que a Ufes foi de fato um labora-
lançados pelo PRES serão os de conciliação para evitar confrontos e tório para a reforma. Não por acaso, a estrutura prevista no projeto
dissensões no partido. é até hoje, 45 anos depois de sua promulgação, a coluna vertebral da
Universidade. Os depoimentos e documentos que conseguimos reu-
Palavras-chave: Luiz Lindenberg; eleições municipais; oligarquia nir parecem confirmar nossa hipótese de que as lideranças estudan-
Monteiro. tis, mesmo as mais à esquerda, não tiveram a dimensão de que Ufes
era um laboratório da reforma universitária da ditadura. O Plano de
Reestruturação, que acabou sendo aprovado com certa facilidade,
Ufes e a Reforma Universitária da ditadura: foi mesmo uma estrutura elaborada nas bases dos odiados acordos
dos acordos MEC-USAID à reação do estudantes MEC-USAID. Isso não quer dizer que pretendemos fazer um julga-
Alexandre Caetano - UFES
mento das lideranças estudantis daquele período, até porque en-
tendemos que eles cumpriram um importante papel na resistência
contra o regime militar e na luta pela redemocratização do país. O
Este trabalho procura analisar a reação do Movimento Estu-
que pretendemos é lançar as bases do debate sobre a capacidade da
dantil (ME) diante da reestruturação acadêmico-científica da Uni-
Esquerda de fazer uma análise específica sobre a realidade local fora
versidade Federal do Espírito Santo (Ufes), elaborada entre os anos
do contexto nacional, especialmente em Estados periféricos como o
de 1966 e 1968. Naquele período, o ME em todo o país se mobiliza-
Espírito Santo. Por sinal, os desdobramentos dos acontecimentos no
va e protestava contra os acordos celebrados entre o regime mili-
país, demonstrariam que a própria leitura da conjuntura nacional
tar e agência norte-americana United States Agency International
era equivocada.
Developmet (USAID), para a efetivação da Reforma Universitária
no Brasil. Pretendemos demonstrar que a Ufes foi um dos labora- Palavras-chave: Movimento Estudantil; ditadura militar; reforma
tórios dessa reforma e, ao mesmo tempo, estabelecer até que ponto universitária.
essas questões não passaram ao largo do ME local em função de
sua ligação com a prática e as bandeiras defendidas pelo movimen-
to nacional. Nossa perspectiva de estudo, baseada na visão de João
Roberto Martins Filho e Marialice Foracchi, procura despir-se de Max Mauro e o Trabalhismo no Espírito Santo:
qualquer tentação de dar ao ME o caráter épico que costuma receber da implosão do PMDB à ascensão do PDT (1987-1990)
em representações construídas por seus atores e mesmo em muitos Amarildo Mendes Lemos (UFES/IFES)
dos estudos e pesquisas dedicados ao movimento do período que
analisamos. A nova estrutura proposta pelo Plano de Reestrutura- O presente trabalho tem como objetivo identificar aspectos do
ção Acadêmico-Científica da Ufes seria referendada pelo presiden- trabalhismo e das relações de poder no Espírito Santo que estiveram
te-marechal Costa e Silva, através do decreto nº 63.577, de 08 de presentes no fortalecimento do PDT, para onde muitos políticos ca-
novembro de 1968, 20 dias antes da promulgação da Lei 5.540/1968, pixabas migraram durante a fragmentação do PMDB. A ascensão
que impôs a Reforma Universitária da ditadura. A Universidade ca- do PDT no cenário político capixaba esteve, além de outros fatores,
pixaba já estava sintonizada com ela. A partir da promulgação do intimamente ligada à decisão pessoal do governador Max Mauro,
decreto, a Ufes ganhou uma estrutura, semelhante a que tem hoje, membro da ala progressista, de migrar para esse partido. A crise
com nove centros. O Plano de Reestruturação da Ufes foi elaborado dentro do PMDB tinha proporções nacionais, porém, a disputa pela
por um técnico do USAID e possui o espírito da Reforma Universi- hegemonia em âmbito estadual intensificou a procura por outras
tária promovida pela ditadura. Mais do que isso, podemos afirmar legendas ao longo da segunda metade da década de 1980. Até que
que, como foi elaborado antes mesmo da promulgação dos decre- ponto Max Mauro e os chamados maxistas participaram desse pro-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
19 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 20
cesso? Essa questão se defronta com o que o cientista político Fer- A conversão na Escandinávia medieval,
nando Abrúcio explica acerca do poder que o chefe do executivo a sidaskipti como uma forma de estigmatização
estadual em relação ao poder legislativo. Para ele os governado-
André Araújo de Oliveira - PPGHIS-UFMA
res possuíam um controle milimétrico sobre as bases locais (2002,
p.173). Tanto no PMDB quanto no PDT pode ser identificada a po-
O cristianismo na Idade Média não se tornou consenso desde
larização entre o governador e o senador Gérson Camata. A par-
seu princípio, se expandindo gradativamente se aliando, ocasional-
tir da cobertura jornalística e de outras fontes refletimos sobre essa
mente, com o poder político para sedimentar com mais firmeza em
opção e seus desdobramentos no cenário político capixaba visando
terras onde não se tinha firmado. Foi o caso da Escandinávia que
detalhar esse processo para entender seus nuances. Não houve um
mesmo no século X ainda possuía lideranças locais seguidores dos
crescimento dentro do PDT que ocasionasse uma grande expressão
velhos costumes, pagãos. A conversão foi um processo lento que
no legislativo estadual obtida por meio da cooptação do governa-
deixou marcas na população local, contudo uma questão a se le-
dor (PEREIRA & LEMOS, 2002). Apesar disso, as informações ob-
vantar foi como se deu esse processo de estigmatização. Na região
tidas apontam para um grande crescimento no âmbito municipal.
que hoje seria a Noruega o processo de cristianização se iniciou,
Foi possível perceber no crescimento do PDT não só os recursos do
segundo os documentos históricos como as sagas, Heimskringla, en-
governo do estadual sustentaram alianças, Camata a partir compo-
tre outros, com o Hákongóði, filho de HaraldrHálfdanarson o primeiro
sição na base de sustentação do governo federal também conseguia
unificador da Noruega. Haroldo enviou seu filho para o rei Athelstan
influenciar na transferência de recursos para prefeituras e na indica-
da Inglaterra, um reino cristão, e com a sua morte Hákon é o próximo
ção de cargos nas estatais. Assim, apesar das vitórias obtidas tanto
da linha de sucessão. Ao se tornar governante Hákontenta introduzir
no PMDB quanto no PDT, Max não obteve a hegemonia nos par-
o cristianismo contudo sem resultados positivos, levando a morte
tidos. As alianças realizadas durante os debates sobre a sucessão
de padres e Igrejas queimadas. Os velhos costumes estavam ainda
afastou aliados e fortaleceu antigos adversários. Nesse processo a
muito vinculados a esse povo, em que a conversão não era vista
ligação de Albuíno com prefeitos e deputados estaduais o conectou
como um ato religioso mas uma mudança de costumes, sidaskipti.
com a direita camatista, que atuou diretamente na ruptura entre ele
As tentativas de conversão foram se repetindo com o passar dos
e Max. Assim, o fortalecimento do partido no Espírito Santo não
anos com os reis seguintes tendo retornos aos velhos costumes oca-
seguiu a orientação dos fundadores do partido em âmbito nacional,
sionais. Haraldrgráfeldr, sucessor e meio-irmão de Hákon, foi menos
entre os quais se destaca Leonel Brizola. Muitos ligados a Camata
brando destruindo templos e causando inimizade, levando ao seu
ou aos partidos de direita participaram desse crescimento do PDT
assassinato e sucessão por HákonSigurðarson, que liderou um “re-
no Espírito Santo, enquanto Max apesar de algumas alianças com o
nascimento pagão” onde templos foram reconstruídos. OlafTryggva-
PT se manteve alheio ao crescimento que esse partido obteve entre
son neto de HaraldrHálfdanarson, acabou sucedendo o trono retiran-
os eleitores de esquerda. Ao mesmo tempo que isso ocorria o PMDB
do Hákon do poder, e com sua ascensão em 995 a Noruega entrou
perdeu membros progressistas e tornou-se mais destro tanto aqui no
em um processo violento e acelerado de conversão ao cristianismo.
Espírito Santo como no resto do país.
As influências da Olafse expandiram além de suas terras levando a
Palavras-chave: Max Mauro; PDT; PMDB. conversão de outras regiões próximas por meio da pressão como a
Islândia. A Islândia foi colonizada em 874 por uma aristocracia rural
noruegueses, fugida da pressão do novo rei HaraldrHálfdanarson. O
documento que narra essa migração e os primeiros anos é chama-
da de Landnámabók. A Islândiavivia um sistema de político, no qual
todas as decisões ou disputas eram resolvidas e decididas por meio
de uma Assembléia onde todos os senhores poderiam participar,
chamada de Thing, ocorrendo assembleias gerais da ilha, Allthing,
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
21 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 22
para as decisões que envolveria a todos. Em 999 na Allthingrealiza- dicionais, radicadas no campo, e com os valores sociais herdados
da na planície de Thingvellir foi decidido que devido a pressão de de períodos anteriores. Desta forma, na área de atuação da empre-
Olaf, seria necessário a “conversão” de todos para o cristianismo. sa, deu-se um conflito de leituras acerca da realidade. Os atores en-
Como apresentado até aqui o processo de conversão da Escandiná- volvidos no choque de representações foram: 1) as elites dirigentes,
via medieval não foi um processo uniforme de evolução continua e divididas entre conservadores e liberais, com espaço privilegiado
harmônica. Essa apresentação tem como objetivo apresentar o pro- na imprensa local; b) os dirigentes da CVRD, comprometidos com
cesso de formação de identidade cristã por meio da análise das Sa- o projeto de modernização; c) os agentes do aparelho de repressão,
gas Islandesas se utilizando da metodologia backtiniana de análise em particular das Delegacias de Ordem Política e Social; d) os agen-
de fontes textuais. Concluindo-se que na Noruega e Islândia, para tes da regulação estatal do trabalho, em particular o Delegado Re-
se formar uma identidade cristã correta se necessitou estigmatizar o gional do Trabalho do Espírito Santo; e) os trabalhadores, represen-
paganismo e os pagãos. tados pela Comissão de Salários, que conduziu a greve. Aqui, são
considerados os discursos elaborados por tais atores e as imagens
Palavras-chave: Escandinávia medieval, Conversão, Cristianismo. por eles produzidas. As elites procuraram qualificar a greve e as
condições de trabalho numa leitura que vitimizava os empregados
e culpava a Justiça do Trabalho, retirando-lhes, portanto, a legiti-
Conflito de discursos na greve de 1948 na midade para a ação política. A empresa, os órgãos de repressão e a
Companhia Vale do Rio Doce DRT se uniram para qualificar o movimento como radical e elabo-
André Ricardo Valle Vasco Pereira - UFES
raram imagens fantasiosas sobre o perigo que supostamente repre-
sentava. Já os dirigentes da greve enfrentaram a enorme dificuldade
de defenderem o direito à ação autônoma da classe trabalhadora. A
Esta comunicação trata do conflito discursivo que se deu du-
repressão que sofreram teve como resultado a desqualificação desta
rante da greve ocorrida na Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
via interpretativa.
em 1948, nos estados do Espírito Santo e de Minas Gerais. Ela foi
conduzida por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB).
Teve como resultado um aumento salarial, a demissão de vários
funcionários e a intensificação dos mecanismos de controle sobre os A problemática da efetividade das imposições clericais:
trabalhadores. Devido ao peso desta empresa na realidade local, o o controle da carnalidade, do feminino e do
sucesso da repressão teve resultados posteriores, já que a Vale foi o laicato no baixo-medievo cristão
principal ator da modernização capitalista nas regiões de sua influ- Anny Barcelos Mazioli – UFES
ência. O fracasso da ação autônoma que a greve de 1948 representa
fez com que parcela importante da classe trabalhadora fosse sub- Durante a Idade Média, muitos escritores cristãos se pautaram
metida a um processo de disciplinarização que continua até hoje, nas produções filosóficas antigas para elaborar os valores cristãos
com graves consequências para o funcionamento da democracia no que pretendiam regular a sociedade medieval. Formou-se uma teo-
país. Um dos pontos fundamentais para o bom desempenho da de- logia embasada na repressão do desejo e que sugeria o uso do sexo
mocracia é a liberdade de expressão e, como resultado, o reconheci- apenas para reprodução, e que alocava à mulher um papel secun-
mento da legitimidade das ações e discursos de todos os atores que dário visto ser essa percepção misógina. Esta concepção teológica
se apresentam na arena pública como representantes de interesses glorificava o espírito e propunha a mortificação crescente da carne.
radicados na Sociedade. No momento histórico abordado por este Houve, portanto, uma tentativa eclesiástica de definir os parâme-
trabalho, o projeto de Nação dominante era o de industrialização tros comportamentais cristãos que regulariam a sexualidade na so-
via estatal, no qual a CVRD teve importância fundamental. Ele foi ciedade cristã do baixo medievo. O objetivo deste trabalho é ques-
implantado sem rompimento aberto com as elites dominantes tra- tionar se a teologia produzida no período realmente formou uma
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
23 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 24
sociedade na qual a sexualidade era restrita à reprodução. Procura- Repensando a ruptura entre República e Principado:
mos responder a essa questão por meio das construções reguladoras uma discussão teórica
acerca da mulher, do corpo e da sexualidade e das elaborações teó-
Camilla Ferreira Paulino da Silva - UFES
ricas de autores que pensaram a Europa Medieval, como Jacques Le
Goff, Georges Duby e James Avery Brundage, explicitando as ideias
A História de Roma é tradicionalmente dividida entre Monar-
clericais e socialmente idealizadas acerca desses temas. Em contra-
quia, República e Império, o que estabelece a falsa impressão de que
partida, trazemos algumas ideias contidas em fonte de época que
ocorreram grandes rupturas nos supostos momentos de transição e
problematizam a efetividade do controle da Igreja sobre a sexuali-
poucas continuidades. Além disso, tal divisão também desenvolve
dade dos laicos. Além disso, incluímos também algumas produções
o efeito de uniformidade entre os períodos históricos assim apresen-
bibliográficas acerca da ocorrência da prostituição no medievo, que
tados, como se poucas mudanças tivessem ocorrido durante séculos
retratam como as vivências eram diferenciadas do que se prescrevia
de História. Nessa apresentação pretendemos levantar uma série
nos escritos eclesiásticos. A metodologia a ser empregada neste ar-
de discussões acerca da passagem da República para o Principado,
tigo abarcará a leitura de uma bibliografia (em parte acima citada)
apresentando um debate sobre a importância do pensamento crítico
que contemple a história do Cristianismo e das construções acerca
à periodização da História romana.
da sexualidade ao longo da Idade Média Ocidental, em particular
no período do baixo medievo nos países da cristandade europeia. Palavras-chave: República romana; Principado; Ruptura; Crise.
Objetivamos através dessa leitura, poder questionar a resposta da
sociedade leiga em geral às obrigações e mandamentos impostos
pelos religiosos, além de explorar os dogmas da Igreja sobre o corpo
e o sexo, analisando o caráter anti-sexual e misógino assumido por Ciganos nas terras do Espírito Santo:
ela ao longo do medievo. O arcabouço teórico e metodológico que representações sócio-políticas (1885-1936)
fundamentou esse estudo foi a Análise do Discurso (BRANDÃO, Daniela Simiqueli Durante PGHIS/UFES
2002), que nos permitiu discutir o caráter “ideológico” e moralizador
dos discursos vigentes no período, além dos conceitos de História O presente trabalho é resultado das pesquisas que estão sendo
Cultural e representação (CHARTIER, 1990) a fim de compreender, desenvolvidas no mestrado em História/UFES. O estudo versa so-
os dogmas anti-sexuais da Igreja e sua significância e efetividade bre as populações ciganas no Brasil e tem como objetivo realizar um
enquanto mecanismo de controle e ordem social. A problemática, estudo de cunho historiográfico, utilizando um recorte espácio-tem-
portanto, se insere em como o laicato recebia formulações teológi- poral específico entre os anos de 1885 a 1936 no Estado do Espírito
cas sobre sua sexualidade e como convivia com elas. É necessário Santo. Em território brasileiro, até o presente momento, pouco se
então analisar até que ponto as normas advindas da Igreja ditavam sabe sobre o modo de vida das comunidades ciganas espalhadas
as práticas sexuais, além disso, problematizar a efetividade das im- no país. Há cerca de 450 anos que os ciganos encontram-se em nos-
posições feitas ao social pelo clerical, como no papel da mulher, no so território, contudo a sua participação na construção do processo
lugar do casamento, do corpo e do sexo na sociedade. histórico é negligenciado de modo ostensivo até os dias atuais. Ori-
ginários da Índia, os ciganos possuem um passado histórico pouco
Palavras-chave: carnalidade, feminino, Igreja. conhecido e, muitas vezes, contado de maneira folclorizada pelos
não-ciganos, que em seu imaginário, representam os Roma (etnô-
nimo dos povos ciganos) de diversas maneiras, utilizando imagens
contraditórias que oscilam entre sentimentos de liberdade e alegria
como de repulsa, indolência e marginalidade. O período histórico
proposto em nosso projeto de pesquisa (1885 - 1936) foi marcado-

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


25 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 26
por uma série de acontecimentos que ocasionaram profundas trans- Integralismo e Imprensa:
formações políticas, sociais e econômicas na sociedade brasileira e, o caso da Revista Vida Capichaba
consequentemente no Espírito Santo. Todos estes acontecimentos
Diego Stanger - UFES
foram calcados na criação de novos valores e concepções que se ba-
seavamna modernidade, no progresso e nos ideais de conservação
A Revista Vida Capichaba começou a ser publicada em abril
da família pautados no modelo burguês Sob a luz de um projeto mo-
de 1923, e, foi o veículo de comunicação de maior circulação e mais
dernizador, a partir da década de 1870 ocorre a entrada de um ideá-
influente no estado do Espírito Santo, das décadas de 1920 até 1940.
rio positivista-evolucionista no país onde os modelos raciais se tor-
A publicação atingia um amplo público leitor, disseminando atra-
naram eixo principal. Com a maior população negra das Américas e
vés de suas páginas não somente fatos cotidianos considerados im-
os consequentes avanços da luta abolicionista, além do progressivo
portantes, mas, também comportamentos e opiniões determinados
aumento da população de despossuídos nas cidades e a vinda de
pelas classes sociais dominantes. Assim, a importância adquirida
estrangeiros em busca de trabalho (incluímos aqui vários grupos de
por esta revista dentro da sociedade capixaba a transforma em re-
ciganos provenientes, em sua maioria, da Europa Oriental o que ca-
levante fonte histórica para podermos conhecer melhor determina-
racteriza para os ciganólogos a chamada segunda onda migratória),
dos aspectos do período em que esteve em circulação. Nosso recorte
observamos uma corporificação do liberalismo e do racismo tanto
temporal está inserido entre os anos de 1932 e 1945, o qual na His-
na atuação política quanto a concepção de Estado. Para esta inves-
tória do Brasil é denominado por Era Vargas, devido à permanência
tigação, baseamos no pensamento de Roger Chartier. O conceito de
ininterrupta de Getúlio Vargas no comando do país. No Espírito
representação social defendido pelo autor propõe que há uma busca
Santo, o aparelho administrativo estadual foi controlado por inter-
constante de legitimar uma identidade social onde, muitas vezes,
ventores nomeados pelo governante nacional. Entre 1930 e 1943 o
pode ocorrer o desmerecimento de outros grupos sociais. Somen-
estado foi governado por João Punaro Bley, e, a partir de 1943, a
te entendendo determinada realidade social é que traduziremos o
função foi transferida para Jones dos Santos Neves. É fundamen-
seu contexto, a partir da análise dos diferentes atores sociais que a
tal salientar que em 1932 foi criada a Ação Integralista Brasileira,
integram. Estudar os ciganos no período referenciado só é possível
também conhecida pela sigla AIB, primeiramente organizada como
se compreendermos a sociedade da época, examinando o discurso
grupo cujo objetivo seria estudar a cultura brasileira, depois trans-
utilizado e o papel do cigano e o que ele representava para o gru-
formada em partido político. O Integralismo conquistou adeptos em
po dominante. Para tal intento estamos pesquisando os jornais do
diversos setores sociais brasileiros e capixabas. No Espírito Santo a
Estado do Espírito Santo no período enfocado. Esperamos analisar
AIB teve importante atuação política no decorrer da década de 1930,
ainda novos parâmetros de conhecimento da sociedade capixaba da
elegendo diversos representantes em cargos dos poderes legislativo
época tomando para estudo as representações sociais adotadas por
e executivo municipais de nosso estado. O Integralismo se caracteri-
esta sobre os ciganos.
zou por grande determinação na busca de conquistar adeptos à sua
Palavras-chave: ciganos; História do Espírito Santo; Representação causa, usando para isso os mais diversos recursos, entre eles temos a
social. transmissão de discursos do Chefe Nacional da AIB, Plínio Salgado,
no rádio, e, além disso, os meios de comunicação impressos foram
importantíssimos para a causa Integralista, assim, ocorreu a criação
de jornais nacionais e locais, cujo objetivo era fazer propaganda de
seus ideais, e, também aconteceram alianças com impressos inde-
pendentes para aumentar o raio de alcance de sua propaganda. A
Revista Vida Capichaba foi uma aliada dos Integralistas em nosso
estado, mas que no final da década de 1930 sofre abrupta mudança
do seu discurso em relação à AIB. O objetivo deste trabalho é ana-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
27 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 28
lisar o discurso apresentado na Revista Vida Capichaba acerca do acordo com a vivência do indivíduo que as relata. Tal compreensão
Integralismo, nos anos de 1932 a 1945, visto que a mesma foi uma é compartilhada pelo filósofo francês Henri BERGSON, que a res-
importante publicação regional, que colaborou para a tentativa da peito das sobrevivências das imagens passadas, alerta no sentido de
construção de uma opinião pública positiva sobre o Integralismo. que “estas imagens irão misturar-se constantemente à nossa percep-
Pretende-se mostrar como a revista passa por uma mudança de dis- ção do presente e poderão inclusive substituí-las.” Tratar de memó-
curso no decorrer do período escolhido como objeto de análise. ria é, sem dúvida, mexer em um terreno movediço, que requer cau-
tela, uma vez que as memórias não estão isoladas de um contexto e
Palavras-chave: Imprensa, Integralismo, Espírito Santo. das influências externas que se tornam manipulações conscientes ou
inconscientes que atuam sobre os atos mnemônicos. Buscaremos as
memórias e suas inserções na coletividade e na realidade histórica,
Desafios da memória como fonte histórica: não destacando os aspectos individuais. Portanto, é na perspectiva
esquecimentos, silêncios, mutações e realidades da memória, segundo Halbwachs, Le Goff, Ricouer e Pollak, que
Dinoráh Lopes Rubim Almeida - UFES
encontramos os referenciais fundamentais para a reflexão histórica
que propomos neste estudo. Daí a importância de ter toda a cautela
e habilidade para nortear a pesquisa nos moldes das lembranças e
Este trabalho tem como objeto discutir a memória como fon-
memórias, que muitas vezes tornam-se oficiais, representando na
te histórica, abordando seus desafios e contribuições. Como exem-
verdade uma história defendida por determinado grupo ou clas-
plo de sua aplicabilidade, analisaremos as diferentes memórias
se, que busca perpetuar seu poder, através de representações e re-
do primeiro foco guerrilheiro do Brasil contra a Ditadura Militar,
construções da realidade histórica, segundo seus interesses. Mas é
organizado pelo Movimento Nacional Revolucionário - MNR, em
justamente aí que entra o papel do historiador: analisar e discutir o
1966-1967, na região do Caparaó, divisa dos Estados de Minas Ge-
mesmo fato histórico sob diferentes aspectos, apresentando as per-
rais e Espírito Santo. Para tanto, objetivamos analisar a memória de
manências e ausências das memórias relatadas, contrapondo-as e
diferentes atores, demonstrando assim, as diferentes percepções e
demonstrando a luta que se trava sobre o domínio da memória, que
representações sobre a referida Guerrilha. Daí surge a problemática
é um processo permanente de construção e reconstrução.
de filtrar e confrontar depoimentos e documentos, para averiguar a
veracidade dos fatos recolhidos. Como metodologia, utilizamos a Palavras-chave: Memória, representações, Guerrilha do Caparaó.
história oral, recolhendo as memórias dos guerrilheiros, dos agentes
da repressão e dos habitantes das comunidades do entorno minei-
ro e capixaba do Parque Nacional do Caparaó, que vivenciaram o
período. Também são analisadas as memórias dos setores conserva- Capitalismo e (sub)desenvolvimento
dores da sociedade, através da análise de documentos, revistas e jor- no Espírito Santo no século XX
nais. Entendemos por memória um conjunto de registros episódicos Diones Augusto Ribeiro - Monteiro Lobato Cems/PMV
ou semânticos sobre um acontecimento, que pode ser transmitida
através de relatos orais, de monumentos, das artes ou de arquivos O trabalho tem como objetivo compreender a inserção da eco-
escritos que trazem os apontamentos de determinado fato. Reconhe- nomia do Estado do Espírito Santo no contexto de desenvolvimento
cemos, no entanto, que os arquivos escritos correspondem a uma capitalista no século XX. Foi o momento em que diversas políticas
memória seletiva, filtrada de acordo com as percepções de quem as públicas foram criadas com o objetivo de superar o atraso do estado
escreve, uma memória que o historiador francês, Pierre Nora chama através da industrialização e da diversificação da infra-estrutura.
de “memória historicizada”. As memórias sofrem, portanto, uma forte Os Grandes Projeto de Impacto, da década de 1970, visavam adequar a
percepção do presente, podendo comprometer a originalidade da economia capixaba a uma nova dinâmica, calcada numa perspectiva
lembrança, com esquecimentos ou apagamentos, e até mutações, de oligopolista do capitalismo internacional, através da associação do
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
29 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 30
capital público com o privado. Um dos objetivos do trabalho será A Vale do Rio Doce na ordem do dia:
analisar a superação da representação de bastardia, ou seja, do atraso Acusações e omissões no discurso
econômico no Espírito Santo pela via da industrialização planejada. de Eurico Rezende em A Gazeta
Aliás, a situação secundária do Espírito Santo, dentro do contexto
Douglas Edward Furness Grandson - UFES
da federação, é devidamente contemplada pela historiografia, o que
reforça assim a tese sobre a bastardia. O planejamento e os Grandes
Projetos no Estado, já no século XX, foram pensados com o objetivo O presente texto tem por objetivo a análise do discurso da colu-
de reverter essa situação, desenvolvendo as forças produtivas e as na Ordem do Dia, publicada no jornal A Gazeta, de agosto de 1947
indústrias locais para superarem o atraso econômico e social. O de- a fevereiro de 1948, pelo advogado Eurico Rezende, editor-chefe do
senvolvimentismo, dentro desta perspectiva, surgiu como projeto jornal naquele período. A coluna, quase exclusivamente direcionada
a ser seguido pelas elites locais no século XX, já que ele, através de à diretoria da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), aborda even-
uma série de metas e programas, principalmente através da asso- tos que ocorriam na empresa e que contrariavam o próprio discurso
ciação do capital público com o privado, foi utilizado como meio moderno que a legitimava. Observada sob o olhar de Rezende, libe-
de se pular etapas do desenvolvimento capitalista, servindo assim ral e partidário da UDN, os eventos da direção da empresa foram
para maximizar as forças produtivas e criar um parque industrial decodificados sob tal prisma político, que desqualificou totalmente
forte e competitivo, superando alicerces arcaicos, principalmente a sua atuação, omitindo, porém, no que ela vinha se engajando, que
aqueles ligados ao setor agrário-exportador, surgindo aqui empre- era a luta pela manutenção da autonomia empresarial em relação
sas como a Companhia Siderúrgica de Tubarão, Samarco Mineração etc. aos interesses norte-americanos no comando da estatal. Apontar
Tal proposta é justificada pela necessidade de se conhecer melhor mecanismos internos da CVRD através das colunas de Rezende e
os aspectos históricos ligados à industrialização do Espírito Santo, identificar como esses foram alocados no pensamento udenista é o
além de seus impactos políticos, econômicos e sociais. Além disso, objetivo deste trabalho. A direção da empresa foi composta por bra-
esperamos elucidar alguns aspectos do desenvolvimento econômico sileiros e norte-americanos. Esses, por sua vez, eram representantes
do Estado, esperando como resultado final a elucidação de como se do Eximbank. Essa composição gerou uma disputa por poder dentro
deu a dinâmica do desenvolvimento do capitalismo capixaba. Nos- da sua direção, pois os representantes norte-americanos indicados
sa metodologia irá se nortear por uma perspectiva ligada à Econo- pelo banco tinham poder de veto nas decisões gerenciais, o que ge-
mia Política, tendo em vista as relações necessárias entre as políticas rou reação por parte do presidente da empresa, Dermeval Pimenta e
públicas e econômicas no contexto da industrialização do Espírito seu antecessor, Israel Pinheiro. Pimenta, percebendo a aproximação
Santo, além de seus impactos no campo social, político e econômico. do ministro da Fazenda do governo Dutra, Correia e Castro, com
Dessa forma, pretende-se abordar numa perspectiva histórica liga- os objetivos do Eximbank, juntamente com Israel Pinheiro, exercen-
das à diferentes contextos, nos quais é possível observar as caracte- do o cargo de deputado federal, buscou sensibilizar a Presidência
rísticas da economia capixaba em sua relação com o capitalismo no da República para a alteração dos estatutos da empresa, com um
Brasil e no mundo. Outra proposta é avaliar como uma perspectiva aporte de capital que eliminasse a influência dos norte-americanos.
historiográfica orientada pela noção de déficit histórico do Espírito Travou-se, assim, um conflito entre estrangeiros e brasileiros, esses
Santo traz implicações na interpretação e na escrita da história ca- com forte ideologia nacionalista. Em 1947, iniciou-se a publicação,
pixaba. No mais, pode-se concluir que o desenvolvimento proposto no jornal A Gazeta, da coluna Ordem do Dia, escrita pelo editor-chefe
pelas elites do Estado no século XX não foram acompanhadas de da publicação, Eurico Rezende. Tal coluna se estendeu de agosto de
reformas sociais e estruturais significativas, cujos efeitos são per- 1947 até fevereiro de 1948, ou seja, por quase seis meses. Essa colu-
cebidos neste começo de século XXI, principalmente a questão da na, segundo o autor, servia para mostrar umas “verdadezinhas” so-
miséria social e da violência. bre a administração dos engenheiros que comandaram a Vale, haja
vista o pedido de aumento de capital feito ao governo federal em
Palavras chaves: capitalismo; bastardia; subdesenvolvimento. 1946, pelas dificuldades que encontravam para investir na estrada
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
31 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 32
de ferro. Rezende se pegou no aumento de capital para atacar a di- ao Japão escritas durante este período e identificando nelas o novo
reção da empresa. Por outro lado, ele adequou situações que real- discurso americano sobre o Japão e como este contrasta com o an-
mente aconteceram na Vale ao discurso de seu partido, dando um terior para assim entendermos a definição dada pelos EUA do seu
valor peculiar aos eventos, usando da ideologia para conferir sen- novo aliado. As questões norteadoras do trabalho serão: como se
tido aos seus achados na Vale. A visão que os udenistas tinham de deu o processo de reumanização do povo japonês nas páginas da
si era de superioridade moral em relação aos outros. Por esta razão, revista Life? E como exatamente é esta imagem reumanizada que
seriam mais aptos ao exercício do poder, “sua missão de sacrifício”. emergiu dessas páginas? A conclusão é de que o processo de reu-
Desta forma, moralismo e elitismo eram marcas do partido, e isso manização se deu pela construção de uma imagem dos japoneses
estava refletido na postura de Eurico Rezende. Rezende adequa as que fosse dentro do possível, familiar aos norte-americanos, sendo
situações a sua ideologia, nos deixa traços do que era a CVRD, mas o novo Japão não apenas mais um país exótico do Extremo Oriente,
também nos deixa a percepção de que a ideologia privilegia alguns mas uma nação moderna e pacificada, que absorveu os valores de
fatos em detrimento ao outros, conforme os interesses em jogo, ba- democracia e individualismo, tornando-se assim algo reconhecível
sicamente a ideologia nacionalista governista sob ataques dos libe- e confiável aos olhos americanos.
rais, representados pela UDN.
Palavras-chave: Japão; reumanização; Revista Life.
Palavras-chave: Vale do Rio Doce; A Gazeta; Eurico Rezende.

Políticas educacionais no Município de Cariacica:


Definindo um Aliado: A Reumanização do Aspectos históricos e mudanças institucionais
Povo Japonês nas Páginas da Revista Life (1945-1964) (2005-2008/2009-2012)
Edelson Geraldo Gonçalves - UFES Elisangela dos Santos de Oliveira – PPGE/UFES

Esta comunicação tratará do processo de reumanização do A presente comunicação tem como propósito refletir acerca da
povo japonês durante as primeiras décadas do período pós Segun- gestão da rede municipal de educação de Cariacica, no Estado do Es-
da-Guerra Mundial, mais especificamente entre os anos de 1945 (ano pírito Santo, desenvolvida entre os anos de 2005/2008 e 2009/2012,
da rendição do Japão) e 1964 (marcado pela realização das Olimpí- com o foco na execução de algumas ações voltadas para a institucio-
adas de Tóquio), tendo como guia os processos de desumanização nalização de novas formas de sociabilidade no contexto escolar, por
do povo japonês, apresentado por John W. Dower em seu livro War meio da implantação da gestão democrática. Basicamente, a reflexão
Without Mercy, e de reumanização deste mesmo povo apresentado busca vetores explicativos para o seguinte questionamento: por que,
por Shibusawa Naoko, em seu livro America’s Geisha Ally. No perí- a despeito de ser algo consensual entre os segmentos que compõem a co-
odo aqui estudado o antigo inimigo aliado do eixo foi plenamente munidade escolar, é tão difícil instaurar uma gestão democrática, de fato,
convertido em um aliado estratégico no contexto da Guerra-Fria, e nas escolas municipais de Cariacica? Visando encontrar elementos que
um povo que durante a Segunda-Guerra foi definido como bárba- possam responder à indagação, o trabalho se inclina para a análise
ro e fanático pela mídia norte-americana passa a ser definido como da longa tradição oligárquica do município, cuja principal conse-
amável e plenamente humano, buscando assim varrer da memória qüência foi transferir para o ambiente da escola uma lógica de poder
norte-americana (e ocidental como um todo) a lembrança do pas- na qual não se nota uma distinção clara entre o público e o privado.
sado recente militarista e agressor da nação japonesa. Na aborda- Analisa-se, também, a sua histórica instabilidade institucional, con-
gem aqui proposta nos limitaremos à averiguação deste processo substanciada na grande rotatividade de mandatários, constatada ao
nas páginas da revista semanal Life no período de setembro de 1945 longo dos seus mais de 120 anos de município emancipado, e de
a setembro de 1964, usando como fonte as reportagens referentes
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
33 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 34
que modo isso pode ser reproduzido e/ou impactado no ambiente familiares mais velhos. As relações entre cultura e vida coletiva são
escolar. bastante complexas nesse caso. Esta separação de memória dentro
do espaço coletivo se apresenta como uma fronteira entre os jovens
Palavras-chave: Políticas educacionais; Gestão Democrática; Caria- e os anciãos de uma sociedade, desse modo podemos diagnosticar a
cica. presença de duas culturas, uma voltada ao passado que não carece
de mudanças e uma totalmente cambiada, por assim dizer jovem.
Desta maneira observamos uma fronteira cultural dentro da pers-
A imprensa capixaba no Oitocentos: pectiva de ser jovem em uma cidade do interior onde o contato com
redatores, leitores e leituras a Itália se estabelece por meio da homenagem aos nonos e nonas.
Fabíola Martins Bastos - PPGHIS/UFES -IFES
Passado e presente se confundem tal como uma fronteira, uma vez
que esta é cultural. O trabalho e todos os elementos culturais que o
envolvem demarcam o território de permanência como italianos e
Nesta comunicação discutimos a formação de uma imprensa
como brasileiros, mesmo que estes sejam brasileiros natos apenas
orgânica em Vitória, capital da Província do Espírito Santo, no in-
com descendência italiana, demarcando assim um lugar de memó-
tervalo de 1849 a 1889, destacando os processos de produção e de
ria que os torna diferentes dentro do quadro populacional do estado
recepção dos impressos. Objetiva-se identificar os produtores da
do Espírito Santo. Assim sendo, o lugar onde dois conceitos de cul-
imprensa, personalizados na figura dos redatores, e os leitores com
tura se apresentam torna-se um lugar que não há prevalência nem
suas práticas de leitura. Partimos da premissa de que os jornais ca-
relativização de uma cultura única. O lugar é produto de uma soma
pixabas, desde a sua criação, mantiveram vínculos estreitos com a
de conceitos e ideias sobre o que vem a ser a cultura, considerando
política provincial, seja por meio dos contratos das tipografias com
que todos são sujeitos históricos, portanto produtores de cultura.
a presidência da Província para a impressão dos atos oficiais, seja
Anderson (2010) nos apresenta o conceito de imaginário que sus-
pelo envolvimento de homens públicos nas atividades tipográficas.
tenta o pensamento de fronteira como ideal simbólico de ruptura
A pesquisa pautou-se em dois procedimentos: na primeira fase pro-
entre as gerações evidenciando o ponto de transição do pensamento
cedeu-se ao levantamento quantitativo dos jornais publicados em
tradicional da cultura. Conforma avalia Silva (2000) a fronteira pode
Vitória no período assinalado, cotejando as publicações que inte-
ser pensada como a ideia de dimensionamento da característica de
ressavam ao objeto de estudo; num segundo momento realizou-se
uma sociedade especifica como os descendentes de italianos. Fir-
a leitura qualitativa desses registros. Após a análise conjugada dos
ma-se o ideal de uma cultura coletiva italiana que é estabelecida
aspectos quantitativos e qualitativos da investigação verificou-se a
além da fronteira física do país bem como pensando no presente se
procedência de nossa questão norteadora, porque os redatores e lei-
distancia da cultura existente naquela nação. Portanto, a marca da
tores identificados confirmaram a existência de laços estreitos entre
ruptura não é um processo fronteiriço de estabelecimento desta por
a política local e a imprensa capixaba.
meio de uma guerra ou independência é na verdade a montagem de
Palavras-chave: Imprensa periódica; Redatores; Leitores; Política. uma cultura própria de um lugar que é longe da base original mas
que se denomina dessa maneira, como por exemplo uma cultura ita-
liana fora da península. Portanto, uma festa que se propõe resgatar
o passado de uma determinada cultura aparece como um lugar de
A Fronteira como espaço de Memória fronteira de idade e pensamento, juventude e vivência. Neste senti-
Filipo Carpi Girão – UFES do quando há o conflito o que se verifica é de fato a fronteira entre
o jovem e os seus anseios do presente de fronte a recordação de um
Os jovens trazem uma leitura de cultura italiana para a festa ancião dentro de uma festa folclórica.
bastante peculiar, própria que se diferencia dos mais velhos, mes-
mo que estes tenham tomado contato com a festa por meio de seus
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
35 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 36
A construção do passado inglório na representação da tórico de inestimável valor sócio-cultural realizado pelo jornalista
trajetória da AIB em Cachoeiro de Itapemirim Luzimar Nogueira Dias.
Flávio dos Santos Oliveira - UFES
Palavras chaves: Integralismo; Memória coletiva; Ideologia.
Nas últimas décadas, o depoimento oral visando à análise his-
tórica vem adquirindo cada vez mais prestígio nos meios acadêmi-
cos, pois a fonte oral não apenas contribui para a preservação de de- Enlaces e desenlaces:a estabilidade das famílias
terminados fatos e acontecimentos de valor inestimável à sociedade, escravas no Espírito Santo (1790-1871)
mas também permite obter, desenvolver e fundamentar novos co- Geisa Lourenço Ribeiro - UFES
nhecimentos com base na criação de fontes inéditas. Além de sua
importância epistemológica por meio do confronto entre os novos Às vésperas da Abolição, em 1888, o Espírito Santo permane-
conhecimentos produzidos e as versões oficiais veiculadas pela his- cia intimamente ligado à escravidão, ainda que abrigasse regiões
toriografia tradicional, o uso das fontes orais exercem uma significa- bastante diferentes em seu território. No século XIX, é possível dis-
tiva importância social, sobretudo, no que diz respeito à revisão da tinguir três divisões administrativas na Província espiritossantense,
memória oficial construída acerca de determinados eventos como sendo que duas delas receberão enfoque neste trabalho. A primeira,
o violento conflito envolvendo integralistas, aliancistas e antiinte- de colonização mais antiga, é a Central, nos arredores de Vitória;
gralistas na Estação Ferroviária Leopoldina, quando da trajetória esta se caracterizava pela produção de alimentos em pequenas pro-
política da Ação Integralista Brasileira em Cachoeiro de Itapemirim. priedades e por uma população escrava basicamente crioula. En-
Refletindo sobre essa questão Giovanni Contini estabelece uma dis- quanto isso, o Sul foi marcado por uma colonização tardia e por
tinção entre o que denominou memória oficial (aquela construída e grandes propriedades agroexportadoras. As diferenças intraprovin-
reconstruída pelas instituições) e memória dividida (aquela preser- ciais foram exacerbadas após meados do Oitocentos com a expansão
vada pelos sobreviventes, viúvas e órfãos de um evento traumáti- da cultura cafeeira na província. Para o Sul, ricos fazendeiros do
co). Atualmente, já que existe uma parca documentação sobre o in- Rio de Janeiro e de Minas Gerais migraram junto de suas famílias
tegralismo em Cachoeiro de Itapemirim, a memória coletiva que se e de seus escravos, onde montaram imensas fazendas cafeeiras —
construiu por meio de instituições como a família, escola, igreja, Es- para os padrões do Espírito Santo —, contribuindo para afirmar a
tado, partido etc., amiúde ignora e negligencia os ressentimentos da região como o reduto da grande lavoura provincial. Tais caracterís-
dor, do luto e do escândalo, impressos no espírito dos protagonistas ticas transformam as terras espírito-santenses em locus privilegiado
que vivenciaram aquele evento. Com efeito, a importância dessa para a pesquisa referente à escravidão. Aproveitando esse cenário
pesquisa consiste em contribuir, de alguma maneira, para ampliar dinâmico, estabeleceu-se como objetivo investigar a estabilidade da
os estudos da AIB no Espírito Santo e, em especial, Cachoeiro de família escrava — cuja existência não é mais assunto a ser debatido,
Itapemirim. Nosso objetivo aqui é propor novos questionamentos posto que amplamente confirmado — nas Regiões Central e Sul da
acerca da trajetória da AIB em Cachoeiro de Itapemirim e investigar Província capixaba, procurando perceber as diferenças e semelhan-
por que uma parcela considerável dos cachoeirenses da década de ças entre os cenários de pequenas propriedades e aquele dominado
1930 aderiu ao movimento. A metodologia utilizada neste trabalho pelas grandes fazendas cafeeiras, desde o final da Colônia (1790)
combinará a pesquisa bibliográfica cujo objetivo é situar o problema até a libertação do ventre das mulheres cativas (1871). Importa per-
dentro de uma perspectiva teórica mais abrangente, com a pesqui- ceber se a Lei Eusébio de Queirós, que pôs fim ao tráfico Atlântico,
sa documental, onde foram analisados, entre outras fontes, o jornal interferiu na instituição escravista, nas relações entre senhores e es-
Vida Capixaba, trechos de entrevistas concedidas por ex-militantes cravos, especialmente no quesito “família”. Por uma questão meto-
da AIB e da ANL e, principalmente, o importante documento his- dológica, o período estudando será subdividido em dois: o primeiro
refere-se aos últimos anos da Colônia, iniciando-se em 1790 e esten-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
37 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 38
dido até 1821; o segundo começa no ano da citada Lei que pôs fim do Rio Doce. Nosso objeto de pesquisa é uma comunidade pome-
à importação de escravos africanos (ainda que tenha levado alguns rana localizada no Município de Pancas ao norte do Espírito Santo,
anos pra isso), isto é, em 1850, e termina com a promulgação da Lei mais especificamente no distrito de Laginha. Por meio da História
Rio Branco, responsável por eliminar a possibilidade de reiteração Oral e à luz de uma bibliografia já existente, pretende-se entender a
da escravidão por meio dos nascimentos. Seguindo o exemplo dos dinâmica de deslocamento transmigratório dos pomeranos dentro
pesquisadores da família escrava, utilizamos como fonte básica de do Espírito Santo e analisar os aspectos socioculturais, econômicos e
pesquisa inventários post-mortem, testamentos, livros de casamento, políticos que caracterizam esse deslocamento. Além de fontes orais,
relatórios do Censo e de presidentes de província. Tal documenta- que ainda serão colhidas, nos utilizamos, também, de outras fontes
ção, como se percebe, privilegia análises quantitativas, para as quais disponíveis como registros religiosos, documentos oficiais e mate-
utilizamos como instrumento de análise o programa SPSS. Contudo, rial iconográfico para obter maior coleta de informações possíveis e
ainda que cada fonte se assemelhe a um “retrato”, revelando apenas promover melhor discussão e análise da problemática em questão.
um breve instante da vida daquelas pessoas, ela permitiu estabe- Os imigrantes pomeranos apresentam estreita ligação com a terra
lecer os perfis das famílias escravas em cada região estudada, bem e com o seu cultivo. Isso decorre devido ao assentamento dos imi-
como perceber o reconhecimento de sua importância — inclusive grantes em pequenos lotes de terra — minifúndios — aspecto que
pela sociedade escravista — tanto na área de pequenas proprieda- caracteriza o Espírito Santo até os dias atuais. Na comunidade po-
des quanto no reduto da grande lavoura. merana de Laginha predomina a produção do café como principal
fonte de renda. Há de se observar que as comunidades pomeranas
Palavras-chave: Escravidão; Famílias; Espírito Santo. localizadas nos municípios serranos do estado destacam-se pelos
hortifrutigranjeiros. Discutimos, nesta pesquisa, questões que per-
meiam o conceito de território no cotidiano campesino das relações
Imigração pomerana no Espírito Santo: sociais estabelecidas, considerando que território não se restringe
território e identidades somente ao material, à terra, por exemplo. Território é o lugar onde
Helmar Spamer - UFES
o homem manifesta a sua existência e todas as suas relações, o exer-
cício da vida. Muitos traços culturais ainda permanecem firmes e
são expressos nas tradições pomeranas. No entanto, muitos cos-
Esta pesquisa está vinculada ao Laboratório de Estudos do Mo-
tumes se perderam no decorrer do tempo. Além disso, elementos
vimento Migratório (LEMM) da Universidade Federal do Espírito
culturais foram transformados e reelaborados. Assim, trabalhamos,
Santo, e o que se propõe nesta comunicação é apresentar sua fun-
também, com o conceito de identidades, no intuito de discutir essas
damentação teórico-metodológica. A imigração europeia marcou a
transformações culturais e como elas se estabelecem e são identifica-
história do Espírito Santo. Desde meados do século XIX o Estado
das no cotidiano pomerano com vistas a compreender as caracterís-
passou a receber grandes levas de imigrantes, dentre os quais se
ticas utilizadas para identificar o povo pomerano como grupo social
encontravam os pomeranos, tema de estudo deste trabalho. Eram
étnico no Espírito Santo.
oriundos da antiga região da Pomerânia, uma província da Prús-
sia, próxima ao Mar Báltico, subdividida em Pomerânia Anterior Palavras-chave: Pomeranos; Território; Identidades.
(a oeste) e Pomerânia Posterior (a leste). A maioria dos pomeranos
que migraram para o Espírito Santo é originária da Pomerânia Pos-
terior, região que foi anexada ao território polonês após a Segunda
Guerra Mundial. Os pomeranos foram grandes desbravadores das
terras capixabas, estabelecendo-se inicialmente na região das mon-
tanhas e, posteriormente, no final do século XIX e início do século
XX, migraram também para o Norte do estado, em direção ao Vale
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
39 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 40
Gênero, Papel Social e o Poder Masculino: de comportamento para homens e mulheres e moldam as identida-
Contribuições Conceituais para a História Social des de gênero conforme os interesses políticos, sociais e econômi-
das Relações de Gênero cos. A imposição de um papel social masculino voltado ao poder de
controlar as mulheres, ao ser macho, a virilidade e a agressividade,
Helvécio de Jesus Júnior - UVV - UFES
sugerem que os homens são igualmente objetos dessas imposições
culturais e acabam agindo dentro das expectativas de uma cultu-
O gênero, enquanto campo específico de estudo, tem sido ali- ra de gênero patriarcal que consolida um ambiente hostil para as
jado de muitas áreas de conhecimento das ciências sociais nos seus mulheres. Para compreender a estrutura das relações de gênero de
chamados mainstreams teóricos. Em outras palavras as característi- um determinado período é preciso recorrer a história da construção
cas e funções relativas ao papel feminino, em muitos casos, são colo- desses conceitos. As transformações no âmbito dos papeis sociais
cadas em subcategorias às margens das perspectivas filosóficas e so- esperados entre homens e mulheres são lentas, pois não seguem a
ciológicas. Seja por sua condição inferior nas sociedades tradicionais uma lógica jurídica ou institucional, mas sim cultural, representada
pós-coloniais onde essas modalidades de conflitos abundam, seja nos valores sociais mais internalizados na identidade dos indivídu-
por seus papeis sociais submissos nessas sociedades, as mulheres os.
acabam sendo as maiores penalizadas com os efeitos colaterais das
guerras. As mulheres que precisam buscar alimento e água ficam
limitadas ou mesmo paralisadas em razão da guerra, além disso, são
absurdamente elevados os números de abusos sexuais verificados O Impacto da consciência negra na visão, no
nesses conflitos e noticiados por organizações não-governamentais comportamento e na atitude social dos alunos
(ONG) de direitos humanos e pela Organização das Nações Unidas sobre a questão da igualdade étnico-racial
(ONU). O objetivo desse artigo é apresentar os debates conceituais Jayza Monteiro Almeida – Faculdade Saberes
e teóricos sobre conceitos como gênero, família, papel social e po-
der masculino no âmbito da História Social, Sociologia e Teoria das A abordagem deste estudo diz respeito respeito à Consciência
Relações Internacionais. Em um primeiro momento destacarei os Negra e o comportamento dos alunos sobre a questão da igualdade
temas das relações de gênero, papel social e controle social. Em um étnico-racial. Assim, entende-se que o Brasil tem traçado o rumo
segundo momento descreverei a análise sobre o papel social mascu- da conscientização étnica desde o final da ditadura militar, quando
lino, ou seja, a construção social de uma identidade dos homens e os com a volta da liberdade de expressão, diversos movimentos sociais
padrões de poder e violência incutidos nesses processos. Outrossim, foram fundados para manifestar o direito das minorias étnico-ra-
buscarei apresentar o debate incipiente sobre o papel do gênero na ciais e lutarem pelo seu reconhecimento histórico-social. As etnias
História Social, suas principais origens e suas agendas. Tratarei das indígenas e os auto-denominados afro-descendentes começaram a
repercussões teóricas desse novo movimento para a História Social se organizar para conquistar seu espaço na sociedade a partir da
e dos fenômenos políticos relacionados às mulheres que deman- educação e das leis. Assim, diante do cenário ora apresentado, de-
dam mais atenção analítica no mundo contemporâneo. A história finiu-se como objetivo geral analisar o impacto da comemoração
das relações de gênero é um campo primordial para a compreensão do Dia da Consciência Negra nas representações, atitudes e com-
da construção social das relações de gênero. Os estudos dentro da portamentos dos alunos sobre a igualdade étnico-racial. Entre os
historiografia sobre o papel social desempenhado por mulheres e objetivos específicos, destacam-se: conhecer as representações dos
homens demonstram que a concepção do conceito de gênero não se- alunos sobre a igualdade étnico-racial; caracterizar o que vem a ser
gue apenas significados biológicos. Compreende-se, à luz da histó- consciência negra; apresentar conceitos sobre racismo, preconceito
ria social das relações de gênero, que a hierarquização da sociedade e igualdade étnico racial. A justificativa do estudo está no fato de
e os preconceitos advindos desse modelo são processos históricos poder demonstrar que a etnia afro-descendente avançou em relação
informados por contextos culturais específicos que ditam modelos às suas reivindicações, conquistando a promulgação de Lei Especí-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
41 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 42
fica que obriga o estudo da História da África. Interessante é que a dos do século XX a presença de uma oligarquia que atuou no âmbito
referida lei é anterior aos PCNs, que não a incluíram; assim, apesar estadual. Paralelo a questão econômica, uma intensa atividade cul-
de lei obrigatória em relação ao estudo das raízes africanas do povo tural se destacou no cenário nacional, expressadas na literatura, tea-
brasileiro, o próprio Estado a cargo da Educação não conseguiu fa- tro, cinema, música e política que se perpetuou até os anos sessenta.
zer com que a lei seja aplicada. O que se conseguiu foi a instituição, Cachoeiro de Itapemirim foi palco de muitas atividades culturais
em 2003, de lei que obriga o Dia Nacional da Consciência Negra e a vida social se enchia de encantos e viveu uma época de glória
a ser comemorado nas escolas, ocasião em que a conscientização não só no campo econômico, mas também no político e cultural. A
em relação às diferenças a partir dos afro-descendentes, é pratica- música também se fez presente através da Escola de Música de Ca-
do. A relevânica do estudo, está ainda, no fato de mostrar que os choeiro de Itapemirim, que oferecia aulas de solfejo, violino, piano,
problemas de discriminação e preonceitos vivenciados pela etnias violoncelo, cornetim trombone, flauta, saxofone e canto e no que se
estimularam esta pesquisa. A metodologia foi elaborada com base refere às bandas de música, ainda é mais longínquo os registro, pois
na pesquisa bibliográfica como levantamento dos fundamentos teó- datam de 1880, 1900, 1917, 1922 e 1931, sendo que duas delas ainda
ricos sobre a temática. A investigação teórica (revisão bibliográfica) existem na atualidade, a banda Lira de Ouro (1922) e a banda 26 de
aborda livros, periódicos, revistas especializadas, etc, em forma im- julho (1931). São de Cachoeiro personalidades artísticas conhecidas
pressa ou eletrônica). As conclusões finais do estudo demonstraram nacionalmente e algumas obras que também expressam o sentimen-
que a implementação dos objetivos legais em torno da valorização to pela cidade. Talvez este grupo, que possui esse sentimento de
da etnia afro-brasileira parece não ter encontrado aceitação por par- bairrismo, vê a cidade com os olhos do passado e revela uma sauda-
te das próprias escolas, que anos depois de lei específica obrigando de dos tempos de glória que muitos não conheceram. A história tem
o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, ainda discute a sua buscado se relacionar com diversas áreas do conhecimento, sendo
implementação global a partir de experiências-piloto em algumas o estudo do sentimento, entendido como importante para a com-
escolas. Um plano nacional para implementação da lei, cinco anos preensão da dinâmica social. Debater esse tema — o bairrismo em
depois de sua promulgação pelo governo federal é propalado pelo Cachoeiro de Itapemirim — é bastante oportuno, uma vez que não
MEC como conquista da sociedade brasileira. há outro trabalho em termos acadêmicos que tenha se debruçado
sobre o assunto. É salutar o “amor” à terra, a sua defesa frente a ati-
Palavras-chave: Racial. Consciência. Comportamento. tudes que tentam reduzir, desclassificar ou macular a sua imagem.
É a defesa do ninho e de seu ambiente. Mas a extremada condição
do bairrismo pode ser também um comportamento alienante, in-
Cachoeiro de Itapemirim - ES: Para além do bairrismo capaz de ver o que existe de bom além do muro imposto por esse
Joana D’Arck Caetano - UFES sentimento. A questão é: até onde o sentimento de bairrismo é salu-
Sílvia de Souza Dias - UFES tar para a cidade e até onde é prejudicial em relação à imagem que
podemos passar? OBJETIVO: Refletir se o bairrismo pertence a toda
O presente trabalho propõe a reflexãono que tange ao senti- população cachoeirense e se está relacionado ao período econômico
mento conhecido como bairrismo, expresso no discurso e atitudes e cultural citado. METODOLOGIA: A pesquisa foi feita através de
de um grupo da sociedade na cidade de Cachoeiro de Itapemirim - entrevista matérias de jornais, literatura diversificada e revisão bi-
ES. O discurso é caracterizado pela defesa da cidade, privilegiando bliográfica.
a “terra natal”, e encontra presente nos espaços tradicionais na cida-
de, nas rodas de conversa e pontos de encontros. Conhecido como Palavras-chave: Cachoeiro de Itapemirim; bairrismo; sentimento.
epicentro econômico em meados do século XIX, sendo responsável
pela dinâmica econômica da província de todo o Espírito Santo, no
contexto da produção cafeeira, o sul do Espírito Santo, teve até mea-

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


43 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 44
Verdade e virtude: na disputa anti-maniqueísta busca analisar o uso que Agostinho faz destes conceitos no primeiro
de Agostinho de Hipona livro de Demoribuseclesiaecatholicaeet de moribusmanichaeorum bus-
cando compreender como estes são fundamentais para a compreen-
Joana Paula Pereira Correia - PPGHIS - UFES
são da trajetória intelectual e moral do hiponense, assim como para
a disputa com os maniqueístas.
Nas Confissões, escrita no momento de maturidade do hiponen-
se, quando este já era bispo de Hipona, Agostinho destaca a busca Palavras-chave: Maniqueísmo, Agostinho de Hipona, verdade, vir-
pela verdade como norteadora de sua entrada e saída no Manique- tude, anti-maniqueísmo
ísmo e sua transição para o Cristianismo. Obra autobiográfica na
qual o autor relembra sua trajetória de infância e juventude, o mani-
queísmo é mencionado como um erro do passado, no qual em busca
da verdade o jovem é enganado pelas promessas maniqueístas. A Debate de Tortosa e o processo de
verdade buscada pelo jovem hiponense era o conhecimento filosófi- representação e estigmação judaicos
co do mundo criado, suas causas primárias e secundárias. Pelo uso Jordânia Lopes de Freitas - UFES
da razão queria compreender a origem do universo, compreender o
uno e o múltiplo, e, portanto, Deus. Agostinho encontra a explicação Os judeus foram segregados e estigmatizados na sociedade
para a origem do universo primeiramente no maniqueísmo passan- medieval cristã. As qualidades e virtudes cristãs foram apresenta-
do a compreender o mundo de forma dualista. Para os maniqueus das em contraponto aos defeitos judaicos. A questão religiosa de-
o mundo foi criado devido a uma disputa entre Satanás (Príncipe sencadeou uma série de confrontos, que perpassaram pelo campo
das Trevas) e Deus (Príncipe da Luz). Nesta disputa, parte da luz é político, econômico, social e cultural. Durante toda a Idade Média
aprisionada pelas trevas, o que dá início a criação do universo, para os judeus sofreram vários ataques (verbais e físicos) por parte da co-
separar novamente luz e trevas / bem e mal / matéria e luz. O ho- munidade cristã, que os considerava infiéis, pecadores, avarentos e
mem também compartilha desta mistura, sendo sua alma boa, cabe praticantes de usura. Inúmeras vezes este antijudaísmo aflorou e as
a ela buscar a salvação, ou seja, o retorno a Deus, por meio de prá- comunidades judaicas foram perseguidas e atacadas, como ocorreu
ticas ascéticas, ou seja, pelo afastamento das questões materiais. Os nos reinos de Castela e Aragão no final do século XIV. Diante desse
maniqueus são divididos em dois grupos, os eleitos e os ouvintes. contexto de conflito entre culturas e religiões diversas destacamos
Os primeiros são espécie de clérigos que devem cumprir um rígido a problemática de qual seria o interesse da Igreja Católica, no reino
código moral ascético, que os impedede dizer mentira, blasfêmia, de Aragão, organizar um novo debate (Tortosa) entre cristãos e ju-
perjúrio, comer carne, beber bebidas alcoólicas, se casar, fazer sexo, deus no início do século XV? O desejo/interesse de uma possível
trabalhar, matar animais vegetais e seres humanos; devem viver conversão em massa de judeus, para alguns setores da Igreja (em
da caridade do ouvinte. Já estes, espécie de catecúmenos, seguiam especial os dominicanos) e para os monarcas hispânicos serviria, de
a uma moral menos rígida, podiam se casar, mas não deviam ter fato, para uma confirmação/reafirmação da identidade cristã que se
filhos, deviam fazer jejuns de tempos e tempos e evitar alimentos encontrava em crise? A identidade cristã se encontrava enfraqueci-
como carne e bebidas alcoólicas. Agostinho permanece como ou- da por uma crise no instalada no interior da Igreja haja vista a dis-
vinte maniqueísmo por nove anos, quando se desilude e após um puta entre os três papas rivais, bem como a existência de críticas ao
período de crise se converte ao cristianismo, no qual julga encontrar poder secular/temporal adquirido pela Igreja e seu distanciamento
explicações para todas as suas angustias morais e intelectuais. Nes- dos valores apostólicos. Nessa comunicação, temos por objetivo ex-
te também compreende a virtude como um conceito cristão, como plorar a maneira pela qual a Igreja Católica, por intermédio das suas
algo buscado e desejado pela alma, é encontrada em Deus. Assim, campanhas e preconceitos contra os judeus dificulta a interação en-
verdade e virtude estão intimamente ligadas à fé e à Igreja Católica e tre judeus e cristãos e tenta isolar ainda mais os primeiros buscando
passam a ser utilizados no combate ao Maniqueísmo. Este trabalho preservar a comunidade cristã de toda “contaminação” advinda dos
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
45 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 46
meios judaicos. Em alguns momentos, podemos perceber a tentati- tico radical durante o processo de Independência do Brasil. Busca-se
va de estimular e intensificar a conversão forçada de judeus ao Cris- desconstruir a perspectiva historiográfica que enfatiza a existência
tianismo. Em 1391, um elevado número de judeus das comunidades da opção monárquica como uma alternativa política única dentro
aragonesas e castelhanas foi obrigado a escolher entre o batismo ou do debate político iniciado com a difusão do ideário político cons-
a morte. Neste contexto de adversidade para as comunidades ju- titucionalista e liberal vintista. Para tanto, os escritos políticos de
daicas nos reinos ibéricos, a promulgação da Bula de Benedito XIII circunstâncias evidenciados nos periódicos redigidos por sujeitos
(1415) e o ordenamento das Cortes de Valladolid (1412) corrobora- históricos como Cipriano Barata, João Soares Lisboa e Frei caneca,
ram para status construído do Judaísmo como religião “inferior” e bem como panfletos anônimos, serão analisados na perspectiva me-
desprezível tanto para o monarca castelhano quanto para o arago- todológica das Linguagens Políticas desenvolvida por Q. Skinner e
nês, assim como para alguns setores da Igreja. Para tanto, analisa- J. Pocok. Teoricamente trazemos à análise do conceito de radicalis-
remos a disputa judaico-cristã de Tortosa (1413-4), fazendo uso da mo político, baseado em autores como Arturo Colombo e Marcello
Análise do Discurso, promovida pelo soberano da Coroa de Aragão Basile, que definem essa noção, no Oitocentos, como uma união de
e pelos prelados cristãos, em comum acordo de alguns judeus con- valores liberais e democráticas. As análises estão focadas nas ques-
versos, com a finalidade de conferir maior credibilidade à identida- tões referentes à defesa da soberania do povo, do federalismo, do di-
de cristã a custo da estigmatização dos judeus e suas crenças. reito de resistência, do republicanismo e do antimonarquismo, isto
é, características centrais do radicalismo político no início do século
Palavras-chave: Judeus; Representação; Estigmatização. XIX. Objetiva-se, portanto, demonstrar que, para além dos projetos
políticos monárquicos, existiam, no âmbito político, projetos de na-
ção que avançavam em busca de uma legitimação concreta da noção
Jacobinos na Independência do Brasil: prática de soberania popular.
uma análise do radicalismo político nos
impressos do processo de independência do Brasil Palavras-chave: Independência do Brasil; Radicalismo; Imprensa.
Jorge Vinícius Monteiro Vianna - UFRRJ/Faculdade Saberes

O processo de Independência do Brasil deixou como legado Existe uma identidade capixaba?
um conjunto de documentos impressos que revelam as diferentes Dilemas de um Historiador
formas com que indivíduos e grupos imaginavam uma nação bra- José Candido Rifan Sueth - UFES
sileira ideal. Para além da possibilidade de ruptura ou de estreita-
mento dos laços entre Brasil e Portugal, os escritos políticos deste Neste estudo pretende-se analisar a importância, para a histo-
complexo processo histórico são capazes de nos revelar uma gama riografia, das pesquisas relacionadas com a problemática da identi-
de divergências políticas, apresentadas por meio de um amplo e dade, especificamente de uma identidade regional, como a capixaba.
rico vocabulário político no qual a historiografia da Independên- É historicamente conhecido que, na vida política capixaba, existem
cia ainda precisa destinar mais atenção. A proposta de comunicação alguns traços que permanecem há mais de um século, talvez permi-
sustenta a existência de dois diferentes projetos políticos de nação tindo, por isso, afirmar que se tratam de características que fazem
no âmbito da elite intelectual defensora do ideal de soberania do parte de uma longa duração, conforme o conceito de Braudel. Po-
povo durante o processo de independência do Brasil, ou seja, um de-se citar como exemplo a atuação política de Muniz Freire que,
projeto centralizador e monárquico, além de outro, radical, fede- ao longo de sua intensa vida pública, tomou várias atitudes, pro-
ralista e republicano. Em suma, é sobre esse segundo projeto que nunciou inúmeros discursos e escreveu muitos artigos em que se
estruturamos nosso estudo. Assim, a comunicação visa apresentar lamenta do desprezo e do esquecimento em que é colocado o estado
uma investigação das principais características do liberalismo polí- do Espírito Santo no cenário político nacional. Este artigo cita al-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
47 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 48
guns trechos de suas Cartas ao Imperador, escritas em 1885, em que O cotidiano na Antiguidade Tardia:
ele coloca muito claramente essa problemática. Em muitos de seus considerações em torno da África romana
escritos, Muniz Freire deixa essa ideia muito clara: o Espírito Santo é nos tempos de Agostinho de Hipona (354-430)
um estado “satélite” na Federação. Ora, essa característica do estado
José Mário Gonçalves - UFES
do Espírito Santo permanece ao longo do século XX e chega ao sécu-
lo XXI. O artigo faz referência, por exemplo, ao fato de que em todo
o período da Primeira República (1889-1930), o estado do Espírito De acordo com Agnes Heller, a vida cotidiana é a vida de todo
Santo foi tão ausente da política nacional, que sequer um político ser humano, vivida por inteiro. Dele participam todos os aspectos
capixaba esteve presente em qualquer dos diversos ministérios que de nossa individualidade, todos os nossos sentidos, capacidades,
compunham os governos de então. Ora, para quem acompanha a habilidades, sentimentos, paixões, ideias e ideologias. É a vida do
política brasileira na atualidade, vê-se que se trata de uma perma- indivíduo, mas sempre em relação com uma comunidade, na qual
nência histórica, em que a exclusão do estado do Espírito Santo - e constrói tanto sua consciência individual, quanto coletiva. O coti-
a mágoa daí decorrente, marcando muitas declarações de políticos, diano é lugar de permanências e de rotinas, mas também de ruptu-
como também de representantes da intelectualidade capixaba. Po- ras e de transgressões. Nele, o indivíduo possui uma margem, ainda
de-se, assim, afirmar que se trata claramente da continuidade de que limitada, de movimento e invenção, que o permite se apropriar
um mesmo processo no qual a autonomia do Espírito Santo acha-se da realidade a seu favor e imprimir nela a sua própria marca. A
ausente pelo menos há mais de um século. Isto tudo fará parte de presente comunicação tem como objetivo tratar do cotidiano como
uma identidade política capixaba? Existe essa identidade política? É locus apropriado para se investigar a história, com atenção especial à
historicamente admissível estudar identidades políticas regionais? África Romana entre fins do século IV e início do século V, palco de
Tem importância histórica estudar identidades regionais em plena controvérsias que envolveram o bispo Agostinho de Hipona contra
era da globalização? São perguntas que as reflexões até aqui feitas os donatistas e outros grupos religiosos que coexistiam no mesmo
certamente suscitam e cujas respostas este artigo procura encontrar. espaço geográfico. O trabalho está estruturado em três partes: na
O artigo, então, procura se aprofundar, primeiramente, no conceito primeira, faremos um breve balanço historiográfico a respeito do
de identidade. O que se deve entender por identidade? Trata-se de tema do cotidiano, apontando as principais contribuições teóricas
uma problemática do semelhante e do diferente, ou seja, da identi- dadas à sua compreensão — com destaque para os trabalhos de Ag-
dade, e que já preocupava os pensadores, desde a Antiguidade. For- nes Heller, Erving Goffman e Michel de Certeau. Na segunda par-
mulado o conceito, o artigo parte para o estudo de autores como te, discutiremos a pertinência e a possibilidade de fazer uso dessa
Zygmunt Bauman, Peter Burke, Stuart Hall e René Rémond, a fim perspectiva para estudar o período tardo antigo, procurando definir
de indagar sobre o que eles entendem por identidade e a importân- o que caracteriza o cotidiano naquele contexto histórico. Aqui, pro-
cia de seu estudo para a historiografia atual. Bauman, por exemplo, curamos destacar o lugar que a religião ocupava no cotidiano e sua
afirma que atualmente a identidade é o papo do momento, um as- relação com outras áreas da vida. Na parte final, a nossa atenção
sunto de extrema importância e em evidência. Tratam-se de autores se volta para a questão dos métodos e fontes de pesquisa. Quan-
que desenvolvem conceitos e sugerem metodologias que permitam to às fontes, elegemos em nossa pesquisa de doutorado as cartas
ao pesquisador aprofundar-se no estudo dessa problemática e, as- que Agostinho, ao longo do seu ministério episcopal, trocou com
sim, analisar casos concretos, como o do estado do Espírito Santo. inúmeros interlocutores. Em virtude de sua natureza mais pesso-
al e circunstancial, bem como da diversidade de temas, pessoas e
Palavras- chave: política; identidade; estado do Espírito Santo. situações tratadas, entendemos que a correspondência do bispo de
Hipona nos permite olhar mais de perto o cotidiano do período em
questão. No tocante ao método, acreditamos ser adequado o uso do
paradigma indiciário, que, conforme Carlo Ginzburg, nos ajuda a
prestar atenção aos detalhes, aos casos particulares, aos indivídu-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
49 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 50
os, enfim, a tudo que pode ser revelador das relações cotidianas. A bilidades, que eram poucas, com a instituição. O provimento de ar-
intenção é ler as cartas agostinianas lançando sobre elas um olhar mas e instrução segundo a Lei do Orçamento eram despesas gerais,
oblíquo, percebendo os indícios dos conflitos, das negociações, das portanto, cabia ao Governo Central fornecê-los. Porém, ele não cum-
táticas de resistência e de sobrevivência num cotidiano permeado pria com suas funções, ficando a Guarda Nacional dependente dos
pela presença significativa das questões religiosas. recursos dos milicianos de alta patente. O crescimento de algumas
vilas da província do Espírito Santo, no século XIX, alertavam para
Palavras-chave: cotidiano; Agostinho; religião. a necessidade da organização efetiva da milícia. A Guarda Nacional
no Espírito foi um exemplo de instituição em busca da organização
para seu funcionamento previsto na lei que a criara, a Lei de 18 de
A atuação da Guarda Nacional na agosto de 1831. A ausência mínima do Estado, somada à falta de
província do Espírito Santo (1831 a 1862) estrutura que a província já enfrentava, impediu que se formasse
Kamyla Nunes de Deus Oliveira - UFES
um verdadeiro aparato que contribuísse na manutenção da ordem
nesta província. Da mesma forma, observamos que embora fossem
muitas as carências no Espírito Santo o fracasso da milícia como
Nesta comunicação, analisamos a atuação da Guarda Nacional
instrumento de Força pública não foi um privilégio desta província.
na província do Espírito no período de 1831 a 1862. Para tanto utili-
zamos como fontes: o Registro da Correspondência do Governo re- Palavras-chave: Espírito Santo; Guarda Nacional; Força pública.
lativo à Guarda Nacional (1846-1871), o Registro da Correspondên-
cia do Governo com diversas autoridades civis e militares da capital
(1831-1837) e os Relatórios dos Presidentes de Província de 1831 a
1862. A Guarda Nacional foi criada nos primeiros anos da Regência, O Antijudaísmo Medieval em perspectiva:
sendo uma das medidas de descentralização que aquele fértil pe- a violência dos pogroms da Primeira Cruzada
ríodo promoveu. A também denominada milícia cidadã procurou e sua influência sociocultural e religiosa para as
denotar a presença do Estado por toda extensão do Império, uma comunidades ashkenazim da Germânia no século XI
vez que ela estava presente em todas as províncias brasileiras. Os Karla Constancio de Souza - UFES
guardas nacionais executavam serviços ordinários dentro do muni-
cípio, serviços ordinários de destacamento fora do município (estes O presente estudo irá alocar sua discussão entre os séculos X-XI,
eram remunerados) e serviços de auxílio ao Exército de Linha. Além início de um longo período de violência e perseguição contra judeus
disso, o serviço dos milicianos era solicitado para capturar crimi- da Europa. Especialmente na região germânica do Vale do Reno, o
nosos, segundo requisição feita pelos juízes locais e delegados de contexto foi marcado pelos maiores pogroms da Idade Média, a de-
polícia; para patrulhamento e policiamento das cidades, assim como nominada Cruzada Germânica. A conjuntura foi palco da incitação
das guarnições de cidades e prisões; para destruir quilombos, repri- dos fiéis cristãos pelos sermões de clérigos itinerantes em favor do
mir o tráfico de escravos, dentre outros serviços. Ao mesmo tempo, extermínio de judeus e hereges, assim como a consagração do ódio
a milícia cidadã constituiu-se num espaço de expressão do domínio antijudaico. Foi também momento de fortalecimento da influência
das elites locais que ocupavam os principais postos de comando. No do Cristianismo e da Igreja no campo dos valores e ideias do homem
Espírito Santo é possível observar em sucessivos relatórios dos pre- medieval. A tolerância aos judeus entra em questão quando surgem
sidentes de província a necessidade de se organizar a milícia para acusações de deicídio, conspiração, usura, e uma série de outras ca-
reprimir, sobretudo, os grupos de escravos fugidos. Tais relatórios racterísticas difamatórias que vinham sendo radicadas no imaginá-
atestam o que autores como Jeanne Castro (1977) apontam: a demo- rio popular por séculos e agora serão intensificadas. Dentre nossos
ra para se organizar plenamente a Guarda Nacional ocorreu devido, objetivos buscaremos identificar a posição do alto e baixo clero em
sobretudo, à ausência do Estado no cumprimento de suas responsa- relação à presença judaica e sua funcionalidade na sociedade cristã.
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51 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 52
Assim poderemos observar a influência do conflito discursivo cle- Escritoras do Oitocentos e o movimento abolicionista:
rical para a efetivação da violência contra as judiarias do Vale do emancipando escravos e mulheres
Reno na Primeira Cruzada, aliada aos agravantes da estigmatização
Karolina Fernandes Rocha - UFES
dessas comunidades judaicas. Em paralelo a todo esse contexto his-
tórico que se desenvolve e culminará nos pogroms, ou seja, os mas-
As décadas finais do século XIX se destacaram pela grande
sacres perpetrados contra comunidades judias ashkenazim do Sacro
efervescência política e cultural, e, sobretudo, pelo desenvolvimen-
Império Romano Germânico, iremos delinear algumas percepções
to da imprensa de opinião, que serviu de veículo para a difusão
iniciais sobre uma problemática em que procuramos verificar o im-
das grandes discussões sobre a crise do Império brasileiro. Entre os
pacto que tais acontecimentos causaram ao judaísmo como religião
principais debates, constava a defesa do abolicionismo que ganhou
e cultura a médio prazo. Definimos como “médio prazo”, pois nos-
as páginas dos periódicos e das principais obras do período, de-
sa fonte foi, segundo especialistas, escrita cerca de um século após
monstrando suas múltiplas expressões e significados. Considerado
os eventos, como uma maneira de fortalecer a identidade judaica
o primeiro grande movimento social brasileiro (ALONSO, 2002) e
que estava se deteriorando. Segundo Avraham Grossman e Jeremy
de autêntica participação popular (CARVALHO, 2003), o abolicio-
Cohen (1994) a apostasia representava uma séria ameaça para as ju-
nismo foi responsável por trazer a lume setores da sociedade tradi-
diarias germânicas no período em que foram compostas as crônicas,
cionalmente alijados da política, como, por exemplo, as mulheres e
e se a deterioração social e religiosa fosse uma questão de apostasia,
os escravos. Neste sentido, o discurso feminino em prol da liberda-
enfatizar o repúdio da conversão em 1096 e a apologia ao sacrifício
de ganhou destaque na sociedade oitocentista. Algumas mulheres
do mártir eram linhas lógicas a se seguir. Outra problemática que
aproveitaram os seus dotes artísticos, como Chiquinha Gonzaga —
também traremos à luz deste trabalho diz respeito à questão deter-
o Rouxinol Abolicionista — e Josephina Senespleda, e promoveram
minante que foi a divergência dos discursos entre alto e baixo clero
através de seus espetáculos, a arrecadação de donativos para a ma-
para o desenvolvimento desses eventos. Problematizaremos a atri-
numissão dos escravos; outras se organizaram em sociedades eman-
buição dos pogroms como consequência de um discurso derivado do
cipacionistas ou tomaram parte nas associações masculinas e assim
baixo clero da Igreja, o que valida tal discurso como uma das vozes
contribuíram na organização dos meetings, proferiram discursos,
da instituição, mesmo que não oficial. Para isso utilizaremos uma
arrecadaram dinheiro, dentre as demais atividades das quais os ho-
ótica que abarcará conceitos como identidade e alteridade, desta-
mens tomavam parte. Dentre essas mulheres escritoras, destacamos
cando os estudos acerca dos marginalizados e excluídos do mundo
Maria Firmina dos Reis, autora do romance Úrsula e do conto A Es-
medieval. Nossa metodologia utiliza o conceito das representações
crava; Júlia Lopes Almeida e sua obra A Família Medeiros; e Francisca
d’ A História Cultural de Roger Chartier para analisar a construção
Senhorinha da Mota Diniz, proprietária do jornal O Sexo Feminino.
da representação criada no imaginário de uma comunidade em re-
Por se tratar de tema ainda pouco explorado pela literatura acerca
lação à outra — entre cristãos e judeus e vice-versa — que se revela
do movimento abolicionista, o objetivo de nossa pesquisar é ana-
como um produto criado para o benefício da concepção da própria
lisar o discurso feminino a respeito da emancipação escravista e a
comunidade criadora. A análise de fontes se fundamenta na Análise
utilização do conceito de liberdade na produção literária e jornalís-
do Discurso, e para isso nos baseamos em duas obras principais: Eni
tica e buscamos identificar os elementos que contribuíram para que
Orlandi (2006) e Helena Brandão (2002).
estas mulheres defendessem a abolição da escravidão no Brasil e
Palavras-chave: Antijudaísmo; Idade Média; Cruzadas narrar a maneira pelas quais elas o fizeram.

Palavras-chave: Abolicionismo. Mulheres. Literatura.

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53 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 54
“A República bate-nos à porta”: No caminho das urnas:
a imprensa da província do Espírito Santo a participação eleitoral no Império
na crise do Império brasileiro, 1880-1889 Kátia Sausen da Motta - PPGHIS/UFES
Karulliny Silverol Siqueira Vianna/ UFES-FAPES
Na renovação do interesse dos historiadores pela História Po-
A difusão do projeto republicano nas últimas décadas do Impé- lítica, as eleições surgem como importante objeto para discussão
rio foi consequência de importantes cisões políticas ocorridas na eli- da cidadania e dos direitos políticos no Brasil Império. Por muito
te, e, sobretudo, da contestação da ordem por parte dos indivíduos tempo predominou na historiografia brasileira interpretações pou-
marginalizados do poder. As divergências dentro do partido Liberal co precisas sobre a extensão do sufrágio no Império. Sem dúvida,
abriram espaço para a atuação dos radicais, que viam na República o critério de renda exigido pela legislação colaborou intensamente
a solução para os problemas sociais e políticos do país. A imprensa para isso. Novas fontes e abordagens, como também testemunhos
política e de opinião serviu como veículo condutor da crítica à Mo- da época apontam a ocorrência constante de eleições em todo país e
narquia, destruindo as bases simbólicas do Império por meio da di- o grande número de participantes no pleito, elementos reveladores
fusão das “novas ideias”. A intensa circulação de ideias demandou da intensa atividade eleitoral no país e da participação ativa dos
também a utilização de novos conceitos e novas linguagens que, por cidadãos no processo decisório eleitoral. O objetivo desta comu-
meio dos jornais, livros e outros impressos, indicavam o iminente nicação é demonstrar a amplitude do voto e o perfil dos votantes
fim do Império. No Espírito Santo oitocentista a situação partidária nas freguesias da província do Espírito Santo no século XIX. Com
se distinguia da maioria das províncias que se empenhava na causa a apresentação de dados eleitorais quantitativos busca-se delinear
contra o Império, já que até o fim da década de 1880 ainda não havia as características singulares da região e permitir aproximação dessa
um partido Republicano. No entanto, a ausência de um partido não parcela expressiva de homens que trilhavam o caminho às urnas no
impediu que as críticas fossem divulgadas e debatidas na provín- Brasil Império.
cia. Este trabalho pretende analisar a contestação da monarquia e a
difusão das ideias republicanas nos jornais produzidos na década Palavras-chave: Eleição; Participação Política; Brasil Império.
de 1880, o que deu base para a elaboração de novo arcabouço con-
ceitual. Investiga-se aqui a forma como a imprensa política foi utili-
zada no Espírito Santo durante este contexto, além da variedade de A doença como representação do pecado
ideias e projetos políticos que circularam na província por meio das no imaginário cristão dos Reinos
tipografias, e da leitura de impressos, tanto por bibliotecas particu- Ibéricos nos séculos XV e XVI
lares, como nos espaços públicos de discussão. Pretende-se destacar Larissa Oliveira Heringer - UFES
a emergência de nova cultura política, baseada em novas práticas de
leitura e na difusão de um vocabulário cientificista baseado em con-
No presente trabalho, propomo-nos à apresentação de um estu-
ceitos como: república, progresso, evolução social e soberania popular. A
do sobre a construção da representação das doenças como manifes-
investigação centra-se na análise das linguagens políticas, atentando
tações do pecado nos reinos Ibéricos da Baixa Idade Média, a partir
para a crítica ao regime feita por jornais de tendência positivista e
das posições adotadas pela Igreja em relação às enfermidades e aos
republicana, como também na defesa dos pilares do Império feita por
doentes, na tentativa de compreender o impacto por elas causado
jornais monarquistas. Objetiva-se, deste modo, investigar a o papel
no seio dessa sociedade. Buscaremos entender de que forma a ótica
da imprensa durante a recepção do projeto republicano na provín-
cristã concernente às enfermidades fomentou a abordagem de peca-
cia do Espírito Santo.
do e transgressão das leis divinas, culpabilizando o doente pela sua
Palavras-chave: imprensa; política; Império condição. Para o homem medieval não era possível separar os acon-

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55 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 56
tecimentos corporais de sua significação espiritual. Dessa forma, Modernização e ruptura na Belle Époque capixaba:
observaremos em nossas fontes as representações criadas acerca da revisitando o Novo Arrabalde
doença que a consideram, primeiramente, como uma manifestação
Leandro do Carmo Quintão -IFES
externa de uma alma corrompida pelo pecado, em especial pelo pe-
cado sexual, e ainda como um castigo enviado aos homens deso-
Esse artigo tem por objetivo analisar o processo de moderni-
bedientes em consequência à ira de Deus por seus pecados. Nesse
zação urbana em Vitória, ocorrido na Belle Époque. Busca-se expor
sentido, nos atentaremos a duas ocorrências em especial: a lepra e
os principais interesses que giravam em torno dessa modernização,
a peste. Isto pois, ambas evidenciam nesse esse período situações
relacionando-o com processos de maiores proporções em importan-
diferenciadas de pecado e impureza. A lepra, como representação
tes cidades, tanto no Brasil como na Europa, com destaque para as
do castigo devido às transgressões individuais, e a peste, resultante
cidades do Rio de Janeiro e de Paris. Nesse sentido, defendemos
do castigo consequente das transgressões coletivas. Nesse contexto,
duas hipóteses: primeiramente, a de que o intento de modernizar a
analisaremos o discurso cristão de uma moral rígida, à qual a socie-
capital capixaba não somente se pautava por transformação urbana
dade devia ser submetida, que marginalizava e excluía os que dela
que rompesse com o aspecto colonial do sítio urbano, mas adequa-
se distanciavam de alguma forma, a fim de entender o medo ocasio-
va-se a um projeto de desenvolvimento regional centrado no for-
nado pela ideia do contágio tanto da doença que afligia ao corpo,
talecimento da capital; em seguida, de que a atuação do Estado na
quanto dos pecados que afligiam a alma. Ainda quanto a moral pre-
definição dos espaços contemplados pelo projeto foi mais forte do
gada pela cristandade, o corpo representava um paradoxo: ora exal-
que sugere interpretações anteriores.
tado, ora negado. Este paradoxo se estendia a condição dos doentes.
Ora excluídos por serem impuros e pecadores, ora assistidos devido Palavras-chaves: Modernização urbana; Primeira República; Espí-
a responsabilidade de lhes prestar caridade. Essas representações rito Santo;
atribuídas aos enfermos encontram legitimidade na Bíblia, que é
rica em exemplos de homens e mulheres, humildes e ilustres, que se
tornavam doentes em consequência da desobediência à lei divina.
A metodologia empregada nessa apresentação abrange leituras que As cidades das histórias:
auxiliam na concepção de alteridade, diferença e marginalização, a Constituição imaginária das cidades de Vitória
fim de compreendermos a temática das minorias marginalizadas na e da Serra por meio das narrativas de imigrantes.
Idade Média, dentre as quais se inserem os doentes. Nesse sentido Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra - UFES
tomamos como base o trabalho História Cultural de Roger Chartier
(1990), no que concerne ao conceito de representação, além de uma Analisar as narrativas orais recolhidas de distintos moradores
série de leituras específicas do tema e do recorte em questão, a fim do município da Serra e Vitória, observando como elas constroem
de situarmos nossa pesquisa no tempo e no espaço trabalhados. discursivamente e simbolicamente cada uma das cidades nas quais
residem. O objetivo é demonstrar múltiplos olhares direcionados a
Palavras-chave: doença, pecado, Igreja. cada cidade, revelando como os imigrantes, munidos de experiên-
cias e histórias de vida únicas, engendram mentalmente os novos
locais de moradia, a partir das ressignificações simbólicas contidas
em suas narrativas registradas via História Oral. As cidades atuais,
conforme Bauman (2009), tornaram-se “objeto de novos e intensos
fluxos de população e de uma profunda redistribuição da renda”
(BAUMAN, 2009, p. 8). As dinâmicas sociais de transferências de
pessoas aumentaram vertiginosamente atualmente, proporcionan-

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57 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 58
do mudanças, não só no cotidiano de cada habitante, mas também sentações dos imigrantes se mostram relevantes para compreender
nas próprias cidades. Dentre talmovimento, este trabalho focará es- as evoluções e mudanças de ambas as cidades no decorrer do tempo.
pecificamente o movimento migratório. Oriundos de outras regiões
brasileiras e do exterior, o imigrante, optando por determinado lo- Palavras-chave: Fluxo migratório, História Oral, Imaginário urbano.
cal, trás consigo sua cultura coletiva e sua história individual, os
quais proporcionam uma visão de mundo singular, transformando
o ambiente circundante. Uma maneira de perceber essas transfor- História e Memória: o livro de memórias
mações é através dos símbolos verbais utilizados por eles, buscando do senador Eurico Rezende (1963-1978),
retratar seu novo lar, produzindo ressignificações. Conforme Pierce entre as memórias, os traumas e as rupturas
(1977), o símbolo mediaa interpretação do mundo, auxiliando nossa
Levy Soares da Silva – UFES
representação dele. Neste viés, Cornelius Castoriadis (1982) desven-
da o caráter imaginário e simbólico da sociedade e das instituições
Nesse trabalho nos propomos a analisar o livro de memórias
modernas. O sistema simbólico consiste em ligar símbolos (signifi-
escrito pelo político capixaba Eurico Vieira de Rezende ao final de
cantes) a significados (representações, significações). Esta noção do
sua carreira política na década de 1980, utilizando-nos da metodo-
simbólico e do imaginário em Castoriadis se aproxima da teoria se-
logia da análise do discurso na busca da compreensão dos elemen-
miótica de Pierce. Tal aproximação possibilita a afirmação de que o
tos motivadores à escrita de uma obra desse modelo e as suas con-
signo cria cadeias produtoras de sentidos ancoradas em instituições
seqüentes implicações para a História do Espírito Santo e para os
sociais, dentre elas, a cidade. Como cada pessoa desenvolve suas re-
capixabas, em se tratando de algo que se refere à história capixaba
lações simbólicas individuais, identificar e analisar os símbolos que
recente. O momento de escrita do livro de memórias é emblemá-
permeiam o relato oral do imigrante contribuiria para a formação
tico, pois coincidiu com o processo de redemocratização do Brasil
representativa da cidade, sinalizando suas várias faces que a com-
no final da década de 1980, o senador Eurico Rezende encerrava
põem. Consoante à Sayad (1988), a imigração é um evento duplo fa-
aquele que seria o seu último mandato eletivo no momento em que
cetado: Individual e Coletivo, cuja análise se fundamenta tanto nos
um ciclo na vida política brasileira também se encerrava, e o seu li-
motivos pelos quais acarretaram a mudança de ares desde a origem,
vro de memórias reflete todo esse momento, uma vez que, centra-se
quanto na representação da mudança social, econômica, política e
na sua atuação enquanto senador. Assim, por meio dessa análise
histórica ocorrida pelo estabelecimento nesse novo local adotado
alcançamos a mentalidade do político, e conseqüentemente de sua
para se viver (SAYAD, 1988). Logo, a metodologia empregada neste
geração, enquanto ator ativo dos fatos que narra e descreve no livro,
trabalho será a História Oral, pois ela possibilita investigar qualita-
descortinando a complexa fronteira existente entre a História e a
tivamente as informações colhidas oralmente, extraindo fatos e in-
Memória, o senador Eurico Rezende seletivamente excluiu de seu
formações de maneira mais sensível e perceptiva, principalmente,
livro qualquer menção acerca de seus outros mandatos eletivos, ten-
contemplando o que François (2006) denomina como “Silenciosos”
do sido deputado estadual e também governador do Estado do Es-
e “Excluídos” (FRANÇOIS, 2006). Este trabalho almejou coletar as
pírito Santo, optou por relatar somente o mandato que considerou
narrativas orais de imigrantes de Vitória e da Serra, para analisá-los,
de mais relevo em sua vida política, como pudemos analisar essa
de maneira que se indiquem as transformações a respeito da signi-
ação não foi não intencional, o político capixaba havia feito parte da
ficação de ambos os centros urbanos. Conforme examinado, todos
base de sustentação política do Regime Militar do Brasil (1964-1985)
os imigrantes tinham uma imagem inicial a respeito das cidades e,
e no processo em que este encontra o seu fim parte significativa de
ao longo do tempo de residência, tal percepção mudou, transfor-
seus antigos aliados e/ou apoiadores procurava não apenas se des-
mou-se à medida que novas vivências são somadas às já existentes,
vencilhar do mesmo, mas, principalmente, construir uma imagem
permitindo, assim, novas imagens e construções mentais acerca das
que não os vincule aos militares, isso ao menos geraria uma rup-
cidades. Haja vista os aspectos conclusivos, notamos que as repre-
tura, posto que fosse praticamente impossível apagar os resquícios
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
59 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 60
de ligação entre os políticos e os militares. Nesse sentido, o político um mero acidente na história política brasileira, resultado, ora da
Eurico Rezende ao escrever o seu livro de memórias procurou ofer- anomia das classes trabalhadoras frente a um Estado todo-podero-
tar aos capixabas, e extensivamente aos brasileiros, uma autobio- so, ora de um pacto social ‘cimentado’ pelos ganhos materiais numa
grafia de um político com reputação ilibada e que, ainda que tenha lógica racionalista e puramente material de adesão. A partir da aná-
apoiado o Regime Militar, estava credenciado para a vida pública lise de Castro Gomes como um novo marco, discutiremos as abor-
na democracia, ou seja, minimiza o fato de ter apoiado os militares dagens de outros autores, sendo eles Lucilia Delgado, Jorge Ferreira
enquanto os mesmos estiveram no poder, colocando isso como algo e Glaucio Soares, que também reelaboram, com suas especificidades
menor e sem importância tendo em vista a sua comprometida atua- de análise, o período Varguista e democrático do pós-45 a partir do
ção política. Buscando o esquecimento político do povo na medida estudo do trabalhismo/populismo e do PTB. Se Angela de Castro
em que se apresenta como um político altamente capacitado para Gomes e Jorge Ferreira, este seguidor da primeira, abandonam o
continuar atuando na política, Eurico Rezende testa a sua formula- termo populismo em favor do trabalhismo, Lucilia Delgado opta pelo
ção nas eleições de 1994, candidatando-se novamente ao cargo de primeiro ao descrever o fenômeno. Isto porque a autora analisa o
senador pelo Estado do Espírito Santo, sendo que nesse pleito não assunto como uma fase em que o Estado se mostrou forte o bas-
foi eleito. Assim, percebemos a construção de uma memória cole- tante para conduzir os movimentos trabalhista e sindical, devido
tiva, onde Rezende e os políticos de sua geração deixavam a vida à falta de organização autônoma empenhada pelos próprios traba-
política à força, pois demandava-se a oxigenação da classe política lhadores, porque incapazes de fornecer um projeto alternativo de
por novas gerações, estes políticos, entretanto, saíam ressentidos e nação. Estes pressupostos se assemelham com a leitura que Glaucio
exigiam, através de biografias e memórias, o eterno agradecimento Soares faz ao estudar a atuação do PTB em áreas subdesenvolvi-
do povo brasileiro por seus feitos legislativos considerando-se polí- das e predominantemente rurais, focando-se na falta de identidade
ticos e brasileiros incomparáveis. de classe e força das classes trabalhadoras. O resultado disso é a
tática dos trabalhistas dessas regiões em se aliarem aos partidos e
Palavras-chave: História Política. Memória. Livro de Memórias. elites conservadoras, para sub-representar — ou representar de for-
ma vanguardista, dirigista e personalista - as demandas populares e
dos trabalhadores. Entretanto, se os autores possuem congruências
Trabalhismo e Populismo: uma breve discussão e discordâncias com a obra inaugural de Castro Gomes, todos são
Lucian Rodrigues Cardoso - UFES uníssonos em defenderem um ponto:que o trabalhismo/populismo
O presente trabalho diz respeito a uma parte da análise teórica consistiu na introdução, ainda que autoritária e elitista, dos traba-
e interpretativa presente na monografia, orientada pelo Professor lhadores na sociedade política brasileira. Desta forma, reporta-se
Dr. André Ricardo Valle Vasco Pereira, sob título Entre a raia miúda ao que existe na literatura sobre o trabalhismoe populismoe como o
e o blacktie, em que estudou-se a administração do trabalhista Mario mesmo no caso brasileiro estava organizado, em seus debates, em
Gurgel a frente da Prefeitura de Vitória, no intervalo de junho de sua agenda, em suas atividades e em suas cisões para elucidar a
1957 a agosto de 1958. Desta forma, traz à luz o debate na literatura complexidade do fenômeno, para além de taxações e pré-conceitos
que versa sobre trabalhismo e populismo. Objetiva-se estudar alguns que sombreiam uma parte significativa e latente da história política
autores que abordaram este projeto de nação promovido pelo Es- brasileira.
tado brasileiro a partir do Estado Novo, que encontrou no Partido
Palavras-chave: Trabalhismo; Populismo; PTB.
Trabalhista Brasileiro(PTB) o seu principal defensor no período de-
mocrático subsequente ao período acima citado. A análise bibliográ-
fica do conceito, não sem intenção, inicia-se com a obra de Angela
de Castro Gomes, visto que esta criou uma nova tradição no estudo
do fenômeno ao romper com as abordagens que o retratavam como
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
61 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 62
Rupturas nos hábitos de indumentária: os cristãos recém-convertidos abrissem mão do antigo modo de se
um estudo de caso das mulheres vestir. Algumas imagens provenientes de catacumbas romanas tam-
cristãs no norte da África (séc. III) bém ratificam que muitas mulheres não aderiam à vestimenta idea-
lizada pelos bispos. Tais figuras revelam, pela precisão nas feições,
Ludimila Caliman Campos - UFES
que se tratava de representações de mulheres reais. Deste modo,
nossa comunicação vai abordar fontes escritas e imagéticas a fim de
Quando adentramos o campo de pesquisa dos hábitos e dos abordar a construção de novas identidades no seio do cristianismo
costumes de uma dada comunidade, ficamos envoltos em uma sé- e o estabelecimento de rupturas com padrões de comportamento
rie de aspectos do campo simbólico e cognitivo que não podem ser ditados pelos clérigos.
desprezados. Considerando-se que o estudo ora proposto busca elu-
cidar a formação de costumes religiosos de ordem híbrida no cris- Palavras-chave: História do Cristianismo; Ruptura; Gênero.
tianismo, nossa atenção se voltará para determinadas manifestações
no âmbito das representações visuais, a fim de não nos distanciar-
mos do foco de nossa proposta. A partir das fontes consultadas, jul-
gamos que a análise das escolhas e dos hábitos de indumentária e
A questão da tirania em Isidoro de Sevilha:
de decoração de ambientes de alguns cristãos, entendendo-se tais contradições de um discurso
como manifestações artísticas, é fundamental para uma compreen- Luís Eduardo Formentini - UFES

são inicial da construção das identidades nestas comunidades. Isso


porque o vestuário, por exemplo, não serve apenas para proteger Isidoro, bispo de Sevilha, foi um dos maiores nomes do epis-
o corpo ou como um simples adereço, mas é parte integrante do copado hispano-godo do século VII, e um importante expoente do
cotidiano, do habitus humano, traduzindo identidades pessoais e pensamento eclesiástico da Antiguidade Tardia. Suas obras mar-
coletivas, estando ligado a fatores de natureza psicológica, política, caram profundamente o pensamento religioso e político do Reino
econômica e sociocultural. Além disso, entendemos que, a partir da Visigótico de Toledo. Durante mais de três décadas, sua proemi-
percepção da adoção de determinados adereços, vestimentas e de- nência em relação ao conjunto dos bispos lhe valeu a proximidade
coração de ambientes, é possível alcançar formas de representação dos círculos reais, durante o reinado de vários monarcas visigodos.
e de comportamentos de uma dada época, demonstrando e carac- Além disso, o período de atividade de Isidoro foi exercido numa
terizando sistemas de regulação e de pressões sociais. É evidente, época em que a conversão dos visigodos ao catolicismo, e a subse-
ainda, que a indumentária e a decoração de ambientes identifica, quente aproximação entre realeza e episcopado era algo recente. Tal
rotula, exclui ou insere o indivíduo em um determinado contexto aliança, cujo ponto de partida foi o III Concílio de Toledo, em 589,
ou grupo social. Será a partir da compreensão desses hábitos que resultou em um novo papel dos bispos: serem os principais legiti-
poderemos perceber como se deram as primeiras confecções de íco- madores do poder do rei, dando ao monarca uma sanção espiritual.
nes entre os cristãos. Clemente entendia que as roupas tinham uma Desse modo, era comum os bispos escreverem sobre temas políti-
função específica: cobertura do corpo, além da defesa do frio e do cos: desde o Baixo Império Romano, com a crescente aproximação
calor. Ornar a vestimenta seria papel daqueles que viviam para o entre o cristianismo e o poder imperial, vários membros do clero
mundo e não para Deus (Pedag., II, XI). Os textos de Clemente mos- em formação, de modo especial os bispos, escreveram tratados de
tram, ainda, haver mulheres que se convertiam ao cristianismo e teologia política, ou seja, obras que de algum modo relacionavam o
que permaneciam com as mesmas vestimentas usadas quando eram poder temporal, representado pelo Império Romano, com o poder
pagãs. Essas mulheres, provenientes de famílias da aristocracia ale- espiritual vindo de Deus e exercido por sua representante na Terra:
xandrina, parecem não querer abdicar desses costumes. Por outro a Igreja. Isidoro de Sevilha não se furtou a essa tendência: ele tam-
lado, Clemente desejava que os cristãos andassem em uma unida- bém contribuiu para o pensamento político tardo-antigo. Contudo,
de de pensamento e de costumes, sendo necessário, para isso, que não encontramos, na obra do bispo de Sevilha, um tratado que verse
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
63 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 64
exclusivamente sobre a realeza: o pensamento político de Isidoro se cimento urbano-industrial da Região Metropolitana da Grande Vi-
encontra disperso entre seus vários escritos, sendo que três deles tória tenha contribuído para o processo de migração e aumento da
ocupam lugar de destaque em nosso trabalho: As Etimologias, com- desigualdade socioeconômica, no período de 1950-80? Hipotetica-
pilação isidoriana de todo o saber registrado da época; as Sentenças, mente, aduz-se que, a quantidade da mão-de-obra dos desemprega-
coleção de pequenos tratados sobre questões teológicas e políticas e dos da hinterlândia, decorrente, precipuamente, da erradicação dos
a Historia Gothorum (História dos Godos), formada por perfis curtos cafezais antieconômicos, no período 1962-1977, somado ao grupo de
de todos os reis visigodos até a época de Isidoro. Um dos temas mais migrantes de outros estados compuseram, majoritariamente, a mão-
trabalhados pelos escritores tardo-antigos é a questão do mau go- -de-obra informal (desqualificada) na RMGV, no período 1970-1977.
vernante, outyrannus. O que qualificaria um soberano como um tira- Essa mão-de-obra colaborou para o crescimento urbano-industrial,
no? O modo como chegou ao poder? Seu comportamento perante os ao passo que ampliava as fileiras dos segregados socioeconomica-
súditos? Sua maneira de exercer o mandato? É lícito ou não retirá-lo mente, incluídos de forma precária na população da Região Metro-
do poder? Tais questionamentos eram comuns à maior parte dos politana da Grande Vitória. Estima-se, segundo Rocha e Morandi
escritores eclesiásticos tardo-antigos, e Isidoro não constitui exce- (2012), que o desemprego nesse período atingiu cerca de 60 mil
ção. No entanto, o pensamento isidoriano sobre otyrannus apresenta pessoas. Segundo Singer (1980), a migração é resposta a processos
contradições, pois este se encontra em obras diferentes, escritas em sociais, econômicos e políticos, denotando que existem fatores de
momentos diferentes, e que não versam apenas sobre política. As- origem e de destino: quanto aos de origem ressaltam-se mudança e
sim temos nas Etimologias uma aparente defesa do afastamento do estagnação, que se apresentam como redução da oportunidade de
mau rei do poder, enquanto nas Sentenças, o bispo de Sevilha afir- emprego, seja pelas relações capitalistas de trabalho, seja pela estag-
ma que tanto o bom soberano quanto o tirano foram designados por nação da produção e uso da terra; quanto aos fatores de destino po-
Deus para governarem. Em nosso trabalho, nos propomos a analisar dem-se mencionar as “oportunidades econômicas”, representados
tais contradições e suas consequências para a trajetória política do por oferta de trabalho. Esta comunicação, ainda, objetiva descrever
Reino de Toledo. o acentuado crescimento econômico, urbano-industrial na Região
Metropolitana da Grande Vitória, no período 1950-1980, ressaltan-
Palavras-chave: Tirania; sacralização; estabilidade. do a crise de superprodução do café no estado, que culminou com
a “Erradicação dos cafezais”. Pretende-as, também, correlacionar a
desigualdade socioeconômica, do período 1970-1977, como um dos
Migração e desigualdade socioeconômica efeitos da política de erradicação dos cafezais, abarcando dentro do
Madson Gonçalves da Silva - UFES grupo dos segregados e marginalizados a classe dos trabalhadores
desempregados oriundos do interior e de outros estados. Ainda, ci-
Esta comunicação é reflexão do projeto de mestrado “Fluxo mi- tar o “Plano de Valorização do Estado do Espírito Santo”, durante o
gratório e criminalidade: entrecruzamento e desdobramentos nos governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954), também os “Gran-
municípios de Vitória e Serra (1970-2010), realizado no Programa de des Projetos Industriais” e a política de “Erradicação dos cafezais”
Pós-Graduação em História, UFES. O trabalho está vinculado à li- como fatores preponderantes do desenvolvimento urbano-indus-
nha de pesquisa “Estado e políticas públicas”. Objetiva-se, portanto, trial. Ainda, apontar indicadores de desigualdade socioeconômicos
descrever o “Plano de Valorização Econômica do Espírito Santo”, a partir da renda/salários dos trabalhadores oriundos do interior e
desenvolvido no governo de Jones dos Santos Neves (1951-1954) outros estados, compondo uma classe de mão-de-obra desqualifi-
como gênese do desenvolvimento urbano-industrial verificado a cada, analisando sua relação com o crescimento urbano-industrial
partir dos “Grandes Projetos industriais”. Descreve ainda o proces- da RMGV entre 1970-1977. Embora Simmons (1991) afirme que os
so migratório e a desigualdade socioeconômica como efeitos desse diversos olhares das Ciências Humanas e Sociais sejam incapazes de
crescimento. Nesse sentido, qual relação pode-se inferir que o cres- integrar as diversas formas do fenômeno migratório, uma vez que

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65 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 66
essas ciências se apliquem em “contextos particulares e preocupa- serem construídos em seus sentidos puros, a burocracia patrimonial
ções conceituais”, essa será a perspectiva: olhar a partir da Histó- no Brasil foi um fenômeno que se regulou tanto pela forma racional
ria imediata, buscando relacionar no contexto específico a interação de dominação, quanto pela forma tradicional. Pudemos identificar
entre migração, desenvolvimento urbano-industrial e desigualdade de um lado a autoridade política atuando por meio do aparato ad-
socioeconômica, no período 1950-1980, na Região Metropolitana da ministrativo-burocrático do Estado, e por outro lado a autoridade
Grande Vitória, Espírito Santo. política atuando patrimonialmente através das classes locais. Por
isso, fomos levados a crer que os meios de dominação descritos sob
Palavras-chave: Migração; Industrialização; desigualdade socioeco- as formas efetivas do exercício do poder no Brasil foram legal e pa-
nômica. triarcalmente legitimados. Ainda para este estudo, identificamos a
noção daideologiado liberalismo como uma “falsa consciência” de
relações de domínio entre as classes (CHAUÍ, 2004), ou seja, utiliza-
Bases da cultura política brasileira do início do século XIX mos o significado negativo de ideologia, predominante no contexto
Maiara Caliman Campos Figueiredo - UFES da tradição teórica da sociologia crítica. À medida que o liberalismo
se fixou em um universo relativamente coerente, se tornou um po-
Este artigo discute a cultura política brasileira do início do sé- deroso instrumento de disputa política, de dominação, ocultando
culo XIX. Sabemos que a ideologia liberal foi um projeto que nutriu os verdadeiros propósitospregados pelos pensadores iluministas.
grande parte das sociedades ocidentais do Oitocentospor meio da Concluímos que nossa experiência de liberalismo é um tanto quan-
literatura emergente das Revoluções Francesa e Americana, estipu- to conservadora, em detrimento da ambiguidade entre a estrutura
lando padrões políticos, sociais, econômicas, jurídicos e internacio- liberal e o conteúdo oligárquico. Foi em tal contexto que nos dedi-
nais. No mundo luso-brasileiro isso não foi diferente. No ínterim do camos à reflexão das bases sobre as quais foi construído o Estado
Oitocentos, também presenciamos um intenso debate em torno da brasileiro.
ideologia do liberalismo. Conscientes desta realidade, nosso objeti-
Palavras-chave: Brasil Império; Liberalismo; Processo de Indepen-
vo principal é apresentar a dinâmica do processo de independência
dência.
a partir dos antagonismos do liberalismo pátrio existentes em ra-
zão da ausência dos pressupostos básicos de sustentação daquele
liberalismo pregado no século das luzes. No Brasil, esta ideologia
significou um projeto antimetropolitano de manutenção do mono- A lógica capital x coerção no
pólio da aristocracia agrária regional escravista. Logo, mesmo com Espírito Santo da Primeira República
a independência de inspiração liberais, permaneceu a mesma dinâ- Marco Aurélio Borges Costa - UFRJ/CUSC
mica social e política de bloqueio do homem livre emrazão da ma-
nutenção das práticas autoritárias de dominação. Desde o período A proposta consiste em aplicar a tese geral de Charles Tilly
colonial, a forma de dominação no Brasil foi fortemente influencia- acerca da relação capital x coerção desenvolvida pelo autor para
da pela difícil determinação fronteiriça entre o público e o privado. compreender a evolução do Estado na Europa ao contexto do Es-
A administração privada da justiça foi uma realidade que dificultou pírito Santo. A hipótese geral é que a necessidade de incentivar a
a racionalização burocrática do aparelho administrativo, atuando o acumulação e a concentração de capital no estado diante da peque-
liberalismo sobre o terreno do clientelismo e outras formas de au- na estrutura coercitiva levou os administradores estaduais a adotar
toritarismo. Para entendermos melhor como o clube aristocrático estratégias diversas para compensar a baixa concentração de capi-
trabalhou suas formas de dominação, contamos com a ajuda das tal e pouca capacidade de coerção que vão desde associação com
categorias sociológicas de Weber (2004), no que diz respeito à tipo- grupos criminosos às tentativas de aceleração do desenvolvimento
logia de “burocracia patrimonial”.Apesar dos tipos ideais de Weber econômico via modernização autoritária. Importante observar no
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67 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 68
processo histórico do Espírito Santo a situação desvantajosa dos po- de terra, que mantiveram sua influência participando sob outras
deres locais em relação aos poderes nacionais em vista a inserção formas do pacto de dominação.
tardia do estado na economia nacionalgerando decisões, ações e rea-
ções das elites governantes locais e da sociedade no que se refere ao Palavras-chave: Capital, coerção, Espírito Santo.
“desenvolvimento” nesse contexto desfavorável. Dependendo dos
grupos que alcançavam a hegemonia política e assumiam o controle
do Aparelho Regional de Estado, alternam-se momentos em que o Estudos sobre os casos de defloramento na Comarca de
objetivo era resistir a tendências industrializantes, modernizantes, Itapemirim de 1930 à 1939
que se impunham na pauta do país e, em outros, a acelerar pro- Marcos da Silva Azevedo (CUSC)
cessos desejáveis de modernização, intensificando conscientemente Luiz Carlos Ferreira Neto (CUSC)
ou não aspectos indesejados resultantes desse processo. As relações
de autoridade no estado do Espírito Santo permaneceram durante Os documentos que se refere essa pesquisa encontram-se no
muito tempo ao estilo de grandes proprietários rurais, sustentadas laboratório de Pesquisas Históricas e Sociais (LAPHIS) do Centro
na dependência do café que será o principal elemento da economia Universitário São Camilo - ES, na cidade de Cachoeiro de Itapemi-
capixaba até o fim da década de 60 do século XX. A própria fraque- rim ES. Baseou-se na análise qualitativa de 7 documentos processu-
za desses proprietários e a fragmentação das grandes propriedades ais referentes a casos de defloramento na década de 1930 na Comar-
em algumas regiões no início do Século XX afetaram a consolidação ca de Itapemirim-ES. Esses documentos revelam hábitos, conflitos,
da coerção e do capital gerando a necessidade de mais coerção para relacionamentos, enfim, uma verdadeira amostra da cultura da épo-
compensar o desequilíbrio acumulação/concentração de capital x ca e as relações que as cercavam e os seus paradigmas. Evidencian-
gestão da coerção, produzindo um contexto ainda mais autoritário do como eram tratados os casos de defloramento perante a justiça e
que justificaria o uso de meios ilegítimos para essa coerção, assim sociedade. Os casos de defloramento mostram um pouco de como
como a neutralização moral das suas consequências. A fragilidade que e as mulheres foram desmoralizadas perante a sociedade e o
do pacto de dominação sustentada na fraca acumulação/ concen- judiciário e como o ato de deflorar uma jovem pode acabar não só
tração de capital exige mais violência para que o grupo dominante com sua reputação pessoal mais também de sua família. Um dos
se imponha sobre o grupo dominado para obter qualquer forma de motivos que levam essa jovem ser devolvida e o fator econômico,
hegemonia. A permanência de formas arcaicas de exploração da ter- devido a ele, a amasia era comum entre os mais pobres e esse tipo
ra e de dominação social mesmo após o Estado Novo foi um fator de união era tido como uma deformidade nos patrões da época essa
importante para a manutenção de padrões e lideranças políticas ao moça, que já era retraída e oprimida pelo simples fato de ser mulher,
estilo do início do século, sustentadas em relações próximas de um eram ainda mais subjugadas por está de certa forma na clandesti-
“coronelismo” adaptado as novas imposições nacionais que se co- nidade matrimonial e a opressão e o desprezo social tendia a au-
locavam em termos eleitorais e legais. Não previamente ignoradas mentar devidos os discursos da santa amada igreja descriminada a
pelas elites políticas, mas gerenciadas como “efeitos colaterais”, os pratica. Os casos de defloramento mostram um pouco de como que
resultados das tentativas de modernização autoritária, em especial e as mulheres foram desmoralizadas perante a sociedade e o judiciá-
a partir dos anos 60, fogem ao controle no vácuo organizacional do rio e como o ato de deflorar uma jovem pode acabar não só com sua
fim do regime militar e aprofundam a crise institucional no esta- reputação pessoal mais também de sua família. Um dos motivos que
do do Espírito Santo. Como no restante do Brasil, a urbanização, levam essa jovem ser devolvida e o fator econômico, devido a ele,
a estruturação e expansão para o interior do Aparelho de Estado, a amasia era comum entre os mais pobres e esse tipo de união era
central e local, a mudança de base econômica e produtiva durante a tido como uma deformidade nos patrões da época essa moça, que já
Ditadura enfraqueceram definitivamente o poder dos proprietários era retraída e oprimida pelo simples fato de ser mulher, eram ainda
mais subjugadas por está de certa forma na clandestinidade matri-

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69 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 70
monial e a opressão e o desprezo social tendia a aumentar devidos via de regra, neste contexto poderá interferir na estrutura arquite-
os discursos da santa amada igreja descriminada a pratica. A socie- tônica, na economia, geografia e política local (ações ou proposições
dade brasileira e oriunda de uma filosofia patriarcal deixando assim de políticas públicas) e obviamente na vida do migrante por meio
à mulher a margem social, sendo subjugada deixada de lado sempre do aparelho do Estado (educação, habitação, saúde, segurança). A
com discursos desmoralizardes e de inferioridade como a do “sexo migração ocorre motivada por inúmeras razões, no entanto esse es-
frágil”, assim deixando a historia da mulher de lado sendo apaga- tudo propõe o movimento migratório em face de busca de melhoria
da com o passa do tempo. A principal justificativa desta pesquisa na qualidade de vida e condição monetária do sujeito e da sua fa-
e resgata o prestigio da historia feminina, mostra que as mulheres mília, ou seja, sobrevivência e prosperidade. A (OIM) Organização
fizeram a diferença na nossa historia, que essa mulher tinha desejos Internacional de Migração destaca a essencialidade de se ter uma
sonhos e mesmo nascendo sem direitos é apenas com deveres de ser migração ordenada, a fim de garantir os reais benefícios tanto ao
uma boa esposa uma excelente mãe e se casar, mesmo essas deflora- migrante quanto à comunidade anfitriã. No universo apropriado
das tinha o sonho de se casar obter sua família, mas devido fatores para esta pesquisa, em sendo a migração mais bem gestada, com es-
econômicos e paradigmas sociais eram impedidas do matrimonio tudos prévios, amplos e focalizados, poder-se-ia visar ações prediti-
legalizado. vas e preventivas não com o propósito de somar barreiras mas sim
para garantir o desenvolvimento sócio econômico equitativo. Assim
Palavras-chaves: Defloramento, Honra, Família, Amancebamento. o presente projeto se paramenta para se inserir historicamente nos
eventos ocorridos por ocasião da implantação da Aracruz Celulose
na década de 70 e compreender fenômenos que se repetem ou que
Industrialização: resultados e impactos na vida do mi- foram previamente articulados na atual implantação do Estaleiro
grante Jurongue. Neste sentido o Estado do Espírito Santo oferta amplo
Maria Rita de Cássia Sales Régis - UFES
ambiente para estudos e pesquisa de eventos que notadamente in-
fluenciaram a vida de tantos que aqui chegaram, passaram, perma-
necem. Outra aspecto é como o estado do Espírito Santo tendo uma
O progresso, a tecnologia, a contínua oferta de trabalho, o
localização privilegiada do ponto de vista econômico geográfico
desenvolvimento das pessoas, das empresas e comunidades bem
(fronteira com Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia), fazendo parte
como a manutenção e sustentabilidade do meio ambiente é essen-
da região Sudeste, considerada a mais desenvolvida no cenário bra-
cial. Neste contexto a garantia ao acesso destas oportunidades por
sileiro diante das demais regiões do Brasil, é ainda confundida com
parte da comunidade anfitriã e o preparo prévio do local aonde se
Vitória da Conquista, município baiano, portanto da região Nor-
instalam plantas industriais poderiam minimizar os fenômenos que
deste. Credita-se este fato a identidade ainda refratária no cenário
afetam o cenário e cotidiano local. Industrialização aqui é entendida
nacional deste pequeno, mas importante produtor de divisas para
como processo de desenvolvimento industrial em uma determinada
o Brasil. Naturalmente que a abordagem despertará memórias do
localidade, cujo principal interesse é a substituição do modo de pro-
local, traumas pelas mudanças pouco articuladas e rupturas frente
dução para maximização dos lucros. Ocorre nessas localidades estu-
ao devir.
dos prévios realizados por grupos empresarias a fim de verificar os
requisitos (estrutural, capacidade produtiva e de ampliação, aces- Palavras-chave: industrialização; migrante; impactos.
sibilidade para chegada de serviços inerentes e saída do produto e
quantitativo mão de obra qualificada ou a qualificar), além da ava-
liação da carga tributária, concessões. Tendo em vista a movimenta-
ção e deslocamento de pessoas é essencial compreender o fenômeno
histórico da migração que evidencia o confronto dos padrões cultu-
rais (tradições, crenças e valores) estabelecidos. Esse deslocamento,
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71 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 72
Partido Comunista do Brasil: a defesa nado principalmente aos latifundiários especuladores da Cidade de
do projeto político nacional na Vitória, assinalando a necessidade da reforma agrária. No que diz
Câmara de Vitória - ES, 1948 respeito à CCBFE — um truste norte-americano em território capi-
xaba - acusou a empresa de não ter interesse na melhoria do serviço,
Marlon Pittol de Oliveira - UFES
responsabilizando a Companhia pelo baixo desenvolvimento indus-
trial do Espírito Santo, que ganhou destaque na discussão. Apontou
Esta comunicação visa relacionar o discurso presente no reque- a ofensiva de setores “fascistas” e a necessidade de enfrentamento
rimento apresentado pelo vereador comunista Hermógenes Lima ao governo Dutra, interpretado como uma ditadura que estava se
Fonseca à Câmara Municipal de Vitória (CMV), no dia dois de feve- consolidando. Demonstrou também a preocupação de defender o
reiro de 1948, à defesa do projeto político nacional do Partido Co- Petróleo brasileiro contra os interesses do imperialismo aliado ao
munista do Brasil (PCB). Hermógenes inicia com uma crítica muito governo Dutra, que foi citado como “governo de traição nacional”.
comum no período em questão, apontando o alto nível de carestia Fica claro, assim, que a análise feita por Hermógenes tem como base
(inflação), a ineficácia dos serviços prestados e os altos preços da a adaptação da leitura do Comitê Central do PCB no período em
venda de energia cobrados pela Companhia Central Brasileira de questão, que pode ser constatada no Manifesto de Janeiro de 1948, de
Força Elétrica (CCBFE). A argumentação desenvolvida para diag- Luiz Carlos Prestes.
nosticar os problemas levantados demonstra o alinhamento do le-
gislador com o programa do Comitê Central do Partido Comunista. Palavras-chave: Partido Comunista do Brasil, Hermógenes Lima
Desde sua origem, em 1922, o PCB sempre esteve na ilegalidade. Fonseca, Câmara, Municipal de Vitória.
Após o fim do Estado Novo e a redemocratização do país, em fe-
vereiro de 1945, conquistou o direito de existência legal. A direção
do Partido optou por uma linha pacifica de conciliação, com gran-
de foco no trabalho de disputa eleitoral, buscando alianças com a
Festas populares capixabas e as raízes de um
chamada “burguesia-progressista”. Naquele ano, o PCB teve um sistema de representações em torno
grande crescimento, elegendo uma quantidade significativa de par- das tragédias do mar
lamentares, inclusive o Secretário Geral, Luiz Carlos Prestes, para Michel Dal Col Costa - UNIRIO
o Senado. A linha mantida até então seria profundamente abalada
após julgamento do dia 7 de maio de 1947, que decidiu pela sus- No Espírito Santo há uma série de festejos populares protago-
pensão do seu registro. Posteriormente, os mandatos de seus parla- nizados ao longo da história por indivíduos de ascendência africana
mentares foram cassados, em janeiro de 1948. O partido passou por e índia. São as festas devotados aos santos católicos construídas em
um processo de radicalização, colocando-se em oposição ferrenha formatos rituais distintos das práticas ortodoxas da Igreja. Nelas,
ao governo de Dutra. Hermógenes foi eleito neste contexto. O pe- as dramatizações populares de rua, a dança e a música de origem
ríodo que compreende seu mandato, de janeiro de 1948 a janeiro negra das bandas de congo são os elementos centrais das festas. A
de 1951, foi marcado pela radicalidade do partido. O edil era um principal delas é a de São Benedito que, na Serra e em outras cidades
conhecido e destacado militante do PCB no Espírito Santo. Lançou capixabas, remonta a uma espécie de mito de origem, a um naufrá-
sua candidatura pelo Partido Republicano (PR) e foi eleito com uma gio ocorrido nos mares capixabas no século XIX, cujos passageiros
quantidade de votos tão expressiva que permitiu a vitória de outros negros foram salvos do sinistro marinho pela ação milagrosa do
seis vereadores que disputaram por sua legenda. O requerimento santo negro. Por gratidão, a comunidade local definiu a promessa
apresentado demonstra que Hermógenes usou o espaço da Câma- de todos os anos erguerem um quadro de São Benedito sobre um
ra Municipal na disputa e defesa do programa do PCB. Ao tratar mastro, ex-voto de naufrágio que vem sendo feito desde então. Não
do aumento excessivo do preço dos alimentos, Hermógenes não foi possível, nas pesquisa realizadas até então, encontrar relatos jor-
apontou apenas as falhas administrativas. Seu ataque foi direcio- nalísticos ou escritos sobre o fato em si. Ele permanece como um
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
73 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 74
objeto específico da memória tradicional popular, revestido de uma cas desse período de forma parcial. No projeto Música nos Teatros
aura mítica. Mas, por outro lado, o tema dos naufrágios enquanto Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais (1890-1920), em an-
problemas difíceis e dos salvamentos impossíveis como atos sobre- damento como estágio de pós-doutorado no Instituto de Artes da
naturais de milagre, constituem um modo de representação comu- Unesp e com financiamento do CNPq, proponho um levantamento
memum âmbito espacial e temporal bem mais amplo que a região do repertório musical praticado nos principais teatros da cidade do
do Espírito Santo. Nesse sentido, o trabalho apresenta uma série de Rio de Janeiro entre 1890 e 1920. A partir da análise desse reper-
indícios que apontam para a existência de um sistema antigo de re- tório (compositores, forças musicais empregadas, gêneros pratica-
presentações em torno do mar, ora visto como um fator de desco- dos) e da crítica musical encontrada nos periódicos e nos cronistas
nhecimento, impotência, temor e traumas; ora como um palco para urbanos serão discutidas a recepção e as práticas musicais nesses
a manifestação do poder da fé e da devoção no poder sobrenatural espaços, bem como seu significado social e sua importância para a
de Deus. Influenciado pela leitura de Alain Corbin e o seu clássico prática e pesquisa da atualidade. O assunto mais geral do projeto
livro sobre o mar, intitulado “O Território do Vazio. A Praia e o são as atividades musicais realizadas na cidade do Rio de Janeiro
Imaginário Ocidental” e também por uma perspectiva de história entre 1890 e 1920. Capital da recém-proclamada República, o Rio
detetivesca nos moldes de Carlo Ginzburg, o texto busca apresentar era palco de uma atividade musical fervilhante e variada. Tais ativi-
uma interpretação das Festas de Mastro do folclore espírito-santen- dades tinham lugar em vários espaços: teatros, clubes, residências,
se e outras manifestações congêneres, intentando situá-las como ele- salões, cinemas e na rua. O repertório musical incluía óperas italia-
mentos, matizes, clivagens, apropriações ou manifestações práticas nas, modinhas, lundus, música de câmara, maxixes, sambas, música
de uma duradoura forma de relação com o mar alicerçada na fé, sinfônica pautada nos moldes centro-europeus dos séculos XVIII e
marcante no mundo ocidental da era cristã, sobretudo a partir das XIX, vários gêneros de teatro musical. As personagens envolvidas
grandes navegações do Período Moderno. Assim, o texto identifica, nessas atividades incluíam músicos profissionais e amadores, em-
descreve e analisa traços que compõem tal sistema de representa- presários, afinadores de piano, professores de música, proprietários
ções ao longo da história, tais como: os relatos de naufrágio do XVI de estabelecimentos comerciais musicais, editores de música, críti-
ao XIX; manifestações populares brasileiras relacionadas às comu- cos, público. A movimentação das pessoas pela cidade e o trânsito
nidades de pescadores e ao mar; alegorias relacionadas ao mar e aos dos repertórios para além de seus espaços de origem ou destinos
seus temores; e, por fim, as próprias festas de mastro do Espírito preferenciais tornam essa rede musical complexa e interessante. A
Santo, dando destaque para o modelo da cidade da Serra. apreensão dessa totalidade, das relações entre essas várias persona-
gens, repertórios, práticas e instituições, sujeitas ainda aos estímulos
Palavras-chave: Mar; Representações de Naufrágio; cultura popular e choques com forças políticas, econômicas e culturais mais gerais,
do Espírito Santo. exige uma abordagem que leve em consideração essa polifonia e
exige também recortes precisos que a tornem abordável. Tipicamen-
te o tratamento dado às práticas musicais é submetido a uma cliva-
Música nos Teatros Cariocas: gem em duas grandes categorias: música erudita (associada a uma
a passagem da Monarquia à República educação musical formal e à prática dos gêneros musicais do reper-
Mónica Vermes - UFES / IA-Unesp
tório europeu dos séculos XVIII e XIX) e música popular (abarcan-
do grosseiramente todas as outras práticas musicais urbanas). Essa
organização preliminar em duas grandes categorias tende a sugerir
A intensa vida cultural do Rio de Janeiro na virada do sécu-
uma distribuição da vida musical em círculos mais ou menos está-
lo XIX para o século XX tinha os teatros como um de seus espaços
veis e independentes constituídos em torno de camada social, gêne-
principais. A tradição da historiografia musical brasileira, que tra-
ro musical e espaço (por exemplo, elites – ópera – teatro).Trabalhos
ta música erudita e música popular como entidades isoladas, tem
recentes realizados principalmente na área da História Cultural têm
registrado as atividades musicais desenvolvidas nos teatros cario-
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
75 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 76
evidenciado quanto essa ideia de uniformidade e independência é 1978 , deu-se uma grande migração para a sede municipal — local
ilusória. Nesta comunicação apresento resultados parciais do levan- onde se instalou a empresa. Tal mobilidade gerou um crescimen-
tamento da atividade teatral carioca, concentrando-me no momento to populacional significativo em praticamente todos os distritos de
de transição Monarquia – República e na maneira como a mudança Aracruz. A exceção foi a localidade de Guaraná, distante da fábri-
de regime incidiu mais diretamente nesse âmbito da vida da cidade. ca da referida empresa. Tal fato se constitui enquanto objeto deste
estudo, no qual se busca analisar o discurso na obra “Faça-se Ara-
Palavras-chave: Rio de Janeiro - música, gêneros do teatro musical, cruz”, de Maurilen de Paulo Cruz, bem como o discurso de um dos
práticas culturais. fundadores do grupo de dança Unità Itália de Guaraná. O objetivo é
identificar a construção das representações e memórias sobre a imi-
gração italiana após o surgimento da Fibria. A hipótese desse estu-
Gođkynningr: o rei escandinavo do é que há uma simbiose entre os dois discursos: o memorialístico
como ponte entre deuses e homens e a narrativa atual. O grupo Unità Itália é formado por moradores
Munir Lutfe Ayoub PUC-SP
de Guaraná, parte deles descendente dos imigrantes italianos, que
quando questionados sobre a história dos descendentes, apenas re-
petem o que foi narrado pelos líderes. Além da dança, os moradores
O presente trabalho por meio de uma metodologia compara-
de Guaraná buscam outra forma de reviver o seu passado. Um de-
da entre as fontes literárias e arqueológicas buscou compreender
les é o museu criado pela comunidade do distrito que visa mostrar
as modificações ocorridas nas praticas cultuais que possibilitaram a
às gerações futuras como viviam seus antepassados. O museu que
forja de ideais, de legitimação e a formação das funções das realezas
foi montado por meio da doação de bens de moradores, possui ex-
escandinavas, além de buscar as funções e ânsias que esses homens
postos na entrada duas fotos de importantes personagens históricos
tinham sobre seus deuses. Evidenciando por fim a importância dos
considerados de extrema importância para o município de Aracruz.
antigos costumes nórdicos e da mitologia nórdica como instrumen-
São eles Pietro Tabachi, quem organizou a primeira expedição de
to de legitimação e de criação de poderes sociais, contribuindo para
italianos em massa ao Brasil junto ao governo provincial — vieram
a compreensão de um período onde rito, mito e os poderes sociais
336 famílias no navio a vela “La Sofia” que desembarcou em 1874 no
estavam em plena conexão, relações essas que marcariam o período
porto de Santa Cruz, distrito de Aracruz, berço da imigração italia-
Viking na Escandinávia. Tendo assim sua baliza temporal inserida
na no Espírito Santo —, e Aristides Armínio Guaraná, um empreen-
entre os séculos VIII e X sendo o primeiro o século no qual surgiram
dedor que ajudou a formar diversas vilas com a ajuda dos imigran-
as primeiras realezas escandinavas e o segundo o século no qual os
tes, e instalou o telégrafo na região, bem como construiu um grande
povos escandinavos começaram a sofrer um processo de conversão
fabrica de açúcar . Diante disso, é possível problematizar: qual a im-
ao cristianismo.
portância da transmissão oral nas representações de memória dos
Palavras-chave: Realeza; ritos; mitos. cidadãos do município de Guaraná (ES)? E se Santa Cruz é o porto
que recebeu a primeira expedição de imigrantes em massa por que
as representações de memória não surgiram nesse distrito? Trata-se
de uma pesquisa qualitativa que utiliza a história oral para analisar
Da contemporaneidade Italo-capixaba o discurso dos integrantes do grupo de dança Unità Itália. Optou-se
ao passado histórico no Espírito Santo pela entrevista oral e fonte histórica secundária. As análises mos-
Otávio Benincá Toscano - UFES tram que a transmissão oral e a cumplicidade entre os cidadãos dos
distritos de Guaraná pode ser considerada como uma estratégia de
Com o surgimento Fibria (primeiramente denominada Aracruz
Celulose) empresa localizada no município de Aracruz (ES), em

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


77 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 78
preservar as representações e memórias da cultura italiana nessa da introdução de navios franceses para a repressão do comércio. O
localidade . presente trabalho tem como propósito discutir aspectos da opinião
pública francesa a respeito da emancipação dos escravos na Améri-
Palavras-chave: imigração italiana; memória; cultura ca contidas no Journal da Société de La Morale Chrétienne, entre os anos
de 1836 e 1848.O periódico era um órgão formado, basicamente, por
protestantes (calvinistas, luteranos, anglicanos e batistas) que per-
Memórias de uma opinião: tenciam às classes mais afortunadas da sociedade francesa e podiam
as ideias abolicionistas no Journal da custear suas causas. No recorte cronológico abrangido por essa co-
Société de la Morale Chrétienne (1836-1848) municação situam-se, dentre outros eventos, a proibição do comér-
cio de escravos e a abolição da escravatura nos territórios franceses.
Pollyanna Soares Rangel - UFES

Palavras-chave: França; Escravidão; Abolição.


Não se encontra esgotado o campo de estudos sobre a abolição
da escravidão no Brasil. O debate a respeito do fim da escravidão no
território brasileironutria-se, muitas vezes, de argumentos gerados
no estrangeiro. Na historiografia do período têm-se um amplo co- O Esquecimento do Pathos? Uma releitura
nhecimento a respeito da opinião pública inglesa no tocante ao fim sobre memória e sofrimento na obra
do tráfico e da escravidão, contrastando com certo desconhecimento Casa-Grande e Senzala (1933)
do mesmo processo na França. Sabe-se que desde 1788 os franceses Márcia Barros Ferreira Rodrigues - UFES
Claudio Marcio Coelho - UFES
criaram sociedades defensoras da emancipação dos escravos. A pri-
meira delas foi a Societédes Amis de Noirs. Esta contava com ilustres
membros da sociedade francesa como Mirabeau, o abade Grégroire, O curso propõe a reflexão e a discussão de temas como me-
Lafayette e Sieyès. A sociedade objetivava a emancipação gradual mória, sofrimento e esquecimento na formação histórica e social do
dos escravos das colônias francesas, a declaração de igualdade en- Brasil, a partir de uma releitura do pensamento de Gilberto Freyre
tre negros e brancos e a proibição do comércio de escravos. Criada (1900-1987) e de sua obra germinal Casa-Grande e Senzala, publica-
em 1821, a Société de laMoraleChrétienne, teve considerável duração da em 1933. Essa discussão será orientada pelo Paradigma Indiciá-
no século XIX e empreendeu diversos debates sobre o assunto nas rio de Base Psicanalítica, e pela busca de diálogos e interfaces entre
páginas do seu periódico, Journal da Sociéte de laMoraleChrétienne. História e Psicanálise. Assim, indicaremos e analisaremos inúmeros
A decisão da Assembleia Constituinte francesa pela abolição da trechos da obra, onde o pathos (sofrimento em psicanálise) aparece
escravidão não ocorreu sem polêmica. Pela lei de 20 de maio de de forma pujante, surpreendendo os leitores, acostumados e sedu-
1802, Napoleão Bonaparte restabeleceu a escravidão em territórios zidos pelas descrições poéticas e emocionadas do autor. Demons-
como Guadalupe e Guyane que havia sido findada por decreto da traremos como G. Freyre apropriou-se de conceitos psicanalíticos
Convenção de 4 de fevereiro de 1794. A Revolução do Haiti trou- como “sadismo” e “masoquismo” para interpretar relações sociais
xera uma enorme repercussão para o processo escravista em toda entre brancos (colonizadores) e negros (escravos), no Brasil colonial.
a América e com consequências fundamentais sobre a escravidão Muito embora, a violência e a dor estejam presentes na construção
após essa revolta. Em resposta a pressão abolicionista, iniciou-se da narrativa freyreana, o sofrimento (pathos) não prevalece na in-
uma segunda escravidão que acelerou a compra de africanos pelos terpretação do Brasil e no imaginário brasileiro. Na perspectiva do
senhores escravagistas americanos devido ao temor do fim do co- autor (e do leitor), o ethos vence, e a conciliação das etnias (negros,
mércio de escravos. Pressionado pelos ingleses, em 1815, Napoleão índios e brancos) faz nascer a maior civilização dos trópicos. Isto
I proibiu o tráfico negreiro e nos anos seguintes foi instituída uma posto, desejamos discutir como e porque o ethos vence o pathos na
lei que interditava e reprimia o tráfico negreiro francês no mar, além interpretação freyreana do Brasil. Esta discussão será construída a
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
79 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 80
partir do que denominamos como “história subjetivada”, pois sabe- A opinião pública e a corrupção no Espírito Santo
mos que o processo histórico não é comandado apenas por forças es- Rafael Cláudio Simões - UFES
truturais e conscientes, e que, o curso individual (subjetivo daquele
narra a história) também é guiado por emoções inconscientes. Esses
Com base em pesquisas de opinião pública realizadas em par-
aspectos abrem espaço para um importante diálogo entre História e
ceria pela Transparência Capixaba e o Instituto de pesquisas Flex-
Psicanálise, principalmente, para a pesquisa historiográfica.
consult, entre os anos de 2007 e 2011, denominadas de Barômetro
Palavras-chave: Memória, Sofrimento, Esquecimento, Formação do Capixaba da Corrupção, pretende-se realizar uma análise dos prin-
Brasil. cipais elementos que constituem a percepção dos capixabas sobre
o fenômeno da corrupção, como ele afeta as instituições, as ações
delas no seu combate, o papel do cidadão na questão do comba-
te à corrupção e a ocorrência da propina. As pesquisa são do tipo
Os obstáculos do progresso: survey e tiveram sua metodologia traçada de acordo com o padrão
o discurso do atraso colonial e a recomendado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesqui-
representação dos indígenas na obra de José Teixeira sa (ABEP) e da Associação Mundial de Mercado, Pesquisa Social e
Rafael Cerqueira do Nascimento - UFES Opinião (ESOMAR), com Intervalo de Confiança de 95% e Margem
de Erro em torno de 4,9%, com plano de amostragem baseado nos
A obra História do Estado do Espírito Santo, de José Teixeira de dados do IBGE 2000, TSE 2006, 2008 e 2010 e Instituto Jones dos San-
Oliveira, é considerada como referência da historiografia capixaba. tos Neves. Foram realizadas 400 entrevistas na Grande Vitória. Têm
Deve ser observada, também, como portadora de um discurso que por base o “Global Corruption Barometer” realizado bianualmente
se pretende oficial, pois foi editada por três governos estaduais nos pela Transparência Internacional desde 2003. Por certo, não se pre-
anos de 1951, 1974 e 2006. Dessa forma, pretendemos demonstrar tende, de modo algum, reduzir a análise do fenômeno da corrupção
que a obra de José Teixeira elaborou uma representação do passa- e de sua ocorrência à média da opinião dos cidadãos. Arlette Farge
do capixaba fundamentada em critérios de avaliação e qualificação já nos alerta que “a opinião é um lugar emaranhado onde a memó-
a partir de um binarismo atraso versus progresso. Tal perspectiva ria, o saber, a informação e a projeção sobre o presente e o porvir se
teve sua implicação na escrita sobre a história do Espírito Santo, mesclam para o desenhar; através das tensões e das distorções de
uma vez que definiu um sentido para a trajetória capixaba, a da suas formas de expressão nota-se um bocado de heterogeneidade”.
superação do atraso. Nesse sentido, evidenciaremos como a narrati- Newton Bignotto afirma que as pesquisas podem ser utilizadas para
va do autor estabeleceu uma imagem do passado colonial capixaba a compreensão dos mecanismos que minam a nossa vida coletiva
como sendo do atraso, marcado por diversas dificuldades. Nessa e que precisamos auferir bem o objeto que se pretende e precisam
construção, atribui lugares e papéis a determinados personagens. ser repetidas por período significativo para captar as nuances da
Uns tornaram-se símbolo do progresso, outros, correspondiam ao opinião pública. Destacando os principais elementos da análise po-
atraso. Demonstraremos, portanto, que os indígenas foram repre- demos afirmar que no que diz respeito ao processo de desenvolvi-
sentados como símbolos do atraso colonial. mento da corrupção em nosso estado, apesar de toda a discussão
pública ocorrida sobre o tema e das ações que os poderes afirmavam
Palavras-chave: Representação; historiografia; indígenas. realizar para o seu combate, a opinião se manteve estavelmente ne-
gativa. Essas pesquisas, em que pese a generalidade das perguntas,
conseguem estabelecer, segundo a percepção dos cidadãos, uma
presença constante da corrupção em nossas instituições públicas e
servem para que o sistema político, a sociedade de modo geral, suas
organizações sociais e o mundo acadêmico, seja mobilizado para a
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
81 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 82
discussão e o tratamento do tema. Dito isso, é possível perceber pelo A fronteira entre ortodoxia e heresia na
Barômetro Capixaba da Corrupção, que os capixabas, residentes na cristandade tardoantiga sob a perspectiva
Grande Vitória, têm, ao longo desses últimos cinco anos, demons- da controvérsia pelagiana
trado preocupação com a dimensão do problema da corrupção, com
Raphael Leite Reis - UFES
a falta de ação coordenada e específica dos poderes e órgãos para
combater a sua ocorrência, mas que ao mesmo tempo, e isso é algo
relevante, percebem, cada vez menor o papel dos cidadãos nesse Nos últimos anos a historiografia acerca do Império Romano
processo. Como destacou Marc Bloch “a história consiste não ape- tem se voltado para uma análise mais profunda sobre as fronteiras.
nas em saber como os acontecimentos ocorreram, mas igualmente Para além das discussões concernentes ao sentido dado ao conceito
como foram percebidos”. de fronteira, tais estudos transpassam os aspectos puramente ter-
ritoriais e políticos e avançam rumo à compreensão dos limites e
Palavras-chave: Corrupção, Opinião Pública, Poderes Públicos das intersecções das representações sociais e culturais da civilização
romana. A presente comunicação visa inquirir sobre os embates in-
telectuais entre o bispo Agostinho de Hipona (354-430) e o asceta
bretão Pelágio (354-42?) — momento apreendido pela história como
Pontos de interseção e vontades: a “controvérsia pelagiana” que culminou com a vitória de Agosti-
estratégias de compadrio e o caso da nho, considerado a partir de então o grande representante da “orto-
escravaria de Francisco Pinto Homem de Azevedo doxia” cristã, e com a condenação de Pelágio como herege e de suas
Rafaela Domingos Lago - UFES ideias como “heresia”, o pelagianismo — exatamente mediante os
estudos sobre as fronteiras, nesse caso em particular, a respeito das
No presente trabalho, objetivou-se analisar os significados so- fronteiras identitárias que permeavam o universo romano cristão da
ciais das relações de compadrio de escravos estabelecidas na Pia ba- primeira metade do século V — momento que entende-se inserido
tismal da Catedral de Vitória (ES) durante parte do Oitocentos. A dentro do conceito e do período conhecido por Antiguidade Tardia.
análise das relações rituais de cativos pertencentes à escravaria de Ora, tanto Agostinho quanto o próprio Pelágio, se consideravam de-
Francisco Pinto Homem de Azevedo permite asseverar que tal co- fensores da “tradição cristã”. O ortodoxo é, na verdade, aquele que
munidade se expandia com a admissão frequente de homens livres uma vez vitorioso passa a “segregar” e a tentar, pelos mais variados
como compadres. Enquanto os cativos buscavam construir vínculos meios, expurgar o derrotado (herege) de seu meio fazendo prevale-
de solidariedade e proteção com homens fora do cativeiro, os padri- cer sua abordagem doutrinária e suas práticas e representações re-
nhos livres, por sua vez, viam nessas alianças ampliação da autori- lacionadas à fé cristã. O olhar retrospecto e privilegiado da história
dade e respeito com escravos que não os seus. O compadrio emerge do fim do Baixo Império Romano ao mesmo tempo em que exalta a
nesses casos como estratégia para multiplicação das alianças sociais vitória do pensamento agostiniano sobre as concepções pelagianas
e políticas, como ponto de interseção das vontades de cativos e li- acaba por relegar estas últimas apenas à uma condição de “trans-
vres. Com o presente estudo, acredita-se contribuir para a amplia- gressoras da verdadeira doutrina” sem dar-lhes a devida importân-
ção e sistematização dos estudos sobre o compadrio, no Brasil e para cia como importantes colaboradoras na demarcação de limites so-
a historiografia da escravidão no Espírito Santo. cioculturais imprescindíveis à sociedade do período e na formação
de grupos identitários cujas semelhanças e diferenças além de não
Palavras-chave: Escravidão; Compadrio; Província do Espírito San- muito claras eram bastante flexíveis no seio da cristandade tardo an-
to. tiga ocidental. Porém, em um olhar voltado para o universo oriental
do Império Romano, por exemplo, a situação se altera vertiginosa-
mente: lá, as ideias agostinianas é que não eram tão benquistas, Pe-
lágio, por outro lado, obteve uma profusão de seguidores com seus
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
83 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 84
ideais de austeridade. Utilizando a análise do discurso (ORLANDI das “falsas verdades” dos praticantes do Judaísmo. A proposta des-
e MAINGUENEAU) como método de pesquisa, este trabalho pre- sa comunicação é analisar como se deram os debates judaico-cris-
tende compreender algumas dimensões relacionadas à construção tãos no século XIII à luz dos ocorridos nas regiões da França (De-
das representações de identidade e de alteridade através do con- bate de Paris) e Espanha (Debate de Barcelona) e demonstrar como
junto de tratados feitos por Agostinho com o intuito de combater o a desenvoltura dos debates refletiram a situação/aceitação judaica
pensamento pelagiano (De Gesti Pelagi) e de alguns raros escritos de naquelas regiões. Como método de pesquisa utilizamos a leitura de
Pelágio comportando algumas de suas ideias principais, para que a obras de caráter geral acerca da temática das minorias marginali-
partir dessa compreensão se possa refletir com relação ao limiar, à zadas do medievo e bibliografias específicas acerca dos conceitos e
fronteira entre o ortodoxo e o herético, e as características atreladas contextos do antijudaismo e as várias correntes interpretativas que
à construção e à consolidação desse binômio. o tem como objeto de estudo. Como aporte teórico utilizamos como
referência Os Estabelecidos e os Outsiders (SCOTSON; ELIAS, 2000)
Palavras-chave: Fronteira, Agostinho, Pelágio. que nos possibilitou refletir sobre a temática das minorias, no intui-
to de contextualizar e contrapor as perspectivas cristãs da margina-
lização dos judeus, além de sua identificação e legitimação social.
Entre Paris e Barcelona: Nesta perspectiva, tentamos compreender os motivos que levaram
Os Debates Judaico-Cristãos no século XIII ao desenvolvimento da imagem herética do judeu praticante de sua
Regilene Amaral dos Santos - UFES
religião. No campo historiográfico específico à temática dos Debates
judaico-cristãos utilizamos a obra, rica em fontes do tema abordado,
O Judaísmo em Julgamento: Os Debates Judaico-Cristãos na Idade
Oriundos de uma mesma vertente religiosa, cristãos e judeus
Média (MACCOBY, 1996).
conviveram os primeiros séculos da era comum em conflitos atenu-
ados. Como religião lícita o Judaísmo se apoiava em direitos insti- Palavras-chave: Judeus. Cristãos. Talmude.
tuídos por leis que garantiam a sua existência. A situação mudou
a partir do início do século IV, quando a Igreja Católica tornou-se
hegemônica. A partir de então podemos analisar que o trato com o
Outro, na figura do judeu, pode se inverter no momento histórico Além e Aquém mar: notícias e ideias políticas
em que se processa, a depender de múltiplos fatores, “entre eles a no Espírito Santo pós Revolução do Porto
interação social permanece provavelmente bastante influente, pois Rodrigo da Silva Goularte- UFF
através dela se expressam as disputas de interesses, os valores vigen-
tes a cada momento [...]” (ARRUDA 1998, p. 41). Um exemplo que, Esta reflexão se debruça sobre as releituras de ideias e notícias
também, se pode expressar de interação social, seriam as artima- recebidas no Espírito Santo, então província do Reino Unido Lusi-
nhas que a Igreja construiu durante a Idade Média com o propósito tano, a respeito das transformações políticas que se processavam
de se firmar como a única detentora da verdade, os debates seriam em Portugal no início da década de 1820, contexto da realização das
uma dessas estratégias. A Igreja então, buscou construir interpreta- Cortes, desdobramento da Revolução do Porto. Essas releituras va-
ções dos textos sagrados que a colocou como instituição eleita por riavam de acordo com o grupo sociopolítico regional que recebia as
Deus e como tal detentora da verdade absoluta o que garantiu o novidades das mudanças inauguradas no além mar. Esse estudo foi
fortalecimento da identidade cristã. Com a finalidade proselitista, feito com base na análise de documentos enviados por autoridades
os debates entre judeus e cristãos ocorridos desde há muito se in- das Vilas para a Junta Provisória de Governo, órgão criado pelas
tensificaram no século XIII, momento auge da Hierocracia Católica. Cortes para administração das províncias, incluindo o Espírito San-
Antes de haver o confronto a verdade já imperava: o Cristianismo. to, procurando-se perceber como os personagens em tela percebiam
Ali se encontravam os rabinos unicamente para representar os erros esse momento. Dentre esses personagens, estão autoridades locais,
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
85 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 86
escravos e milicianos, cada um produzindo ações e discursos parti- Educação inclusiva, abandono escolar e criminalidade
culares ligados às posições especificas ocupadas naquele universo juvenil (1980-2010) ruptura ou continuidade?
social. De acordo com cada grupo produtor de discursos e ações,
Rosely Maria Aparecida Machado - UFES
palavras como liberdade, adesão e sossego possuíam significados
peculiares. Apesar dessas diferenças, foi possível observar que, na-
Este estudo visa analisar e refletir sobre algumas tendências
quele momento, as notícias políticas vindas de Portugal eram in-
pedagógicas que entraram em cena no Brasil a partir da década de
terpretadas no Espírito Santo como um novo tempo, um tempo em
1920 e que deram direcionamentos, também, ao campo do currículo.
que demandas anteriores seriam satisfeitas. Para alguns escravos,
Contudo, na década de 1980 na conjuntura do processo de redemo-
seria um tempo de liberdade; para os milicianos, seria uma época
cratização, tivemos a abertura para a influência de algumas visões
de melhores condições para o desempenho de suas funções; e para
críticas, com isso novos enfoques também foram dados ao currículo
as autoridades um tempo de estabilização social, de sossego públi-
escolar e, que no Estado Espírito Santo culminou com a elabora-
co. Apesar de contemporâneos, não eram projetos convergentes,
ção do Currículo Básico Comum das escolas estaduais publicado
demonstrando a diversidade das leituras dessas ideias políticas de
em 2009. Neste sentido, propomos uma discussão sobre a escola de
acordo com cada grupo social. No caso dos milicianos e escravos, os
qualidade e a importância de discutir o currículo e o ensino focados
discursos e ações foram acessados por meio da fala de outros perso-
especialmente na visão de mundo e sociedade que permeiam diver-
nagens, Juízes Ordinários e Câmaras de Vila. Foram localizadas re-
sos fazeres escolares, bem como a seleção de conteúdos e seu desen-
voltas escravas que se referenciavam nas notícias de liberdade que
volvimento na prática, assim como, avaliar certas práticas que são
chegavam do além-mar e milicianos que exigiam melhorias de vida
incompatíveis com um projeto vinculado a uma perspectiva eman-
respaldando-se na Causa Pública. Para promoção do sossego público,
cipatória. Nossa discussão se inscreve no âmbito das políticas públi-
as autoridades locais tentavam enquadrar ou reprimir esses tumul-
cas para educação inclusiva, para atender, inclusive, aos interesses
tos, classificando-os como anarquia. Apesar dessa mediação das au-
de adolescentes e jovens que cumprem medidas socioeducativas e
toridades, foi possível perceber como grupos fora das elites também
que não conseguem cumprir com determinação de estar concluindo
se informaram desse novo contexto político e dele retiraram suas
os estudos. Destacaremos o abandono escolar e a transversalidade
próprias conclusões, e a partir delas se mobilizaram no sentido de se
desse tema no que concerne a temática da criminalidade juvenil na
incluírem como agentes e beneficiários de mudanças sociais. Essa in-
região metropolitana da Grande Vitória.
vestigação tenta ser uma contribuição para uma gama de pesquisas
regionais que se dedicam à compreensão do nascimento do Estado Palavras-chave: Currículo, criminalidade juvenil, inclusão.
Brasileiro, como esse processo se deu em nível local, de acordo com
as peculiaridades de cada região. Percebe-se que o Espírito Santo
não ficou fora desse processo e que os atores que dele participaram
não eram apenas membros das elites, mas também dos grupos de Entre a magia e o poder:
cativos e dos livres pobres. A simbologia do bastão da völva
Sara Carvalho Divino - UFMA
Palavras-chave: Cortes, Escravos, Milícias.
Resumo: A análise da simbologia do bastão da völva se realizará
por meio de analises de fontes primárias literárias e do debate ar-
queológico a cerca dos bastões já encontradas. E a partir dessas ana-
lises observar os elementos que estão ligados ao bastão e a völva e
assim localizar o lugar social em que esta personagem está inserida
durante a Escandinávia Medieval. O imaginário permeia as mais di-

ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST


87 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 88
ferentes épocas da história e através dela a tradução do pensamento Desumanizando o judeu medieval: sangue e pecado
desta época. O simbolismo existente entre os imaginários medievais Sergio Alberto Feldman - UFES
são bastante similares e antagônicos na mesma proporção. A defini-
ção de uma característica não pode ser desvinculada de uma época
Esta comunicação almeja refletir sobre a construção do estere-
sem que se observe as influências as quais ela estava. As uniões e
ótipo medieval do judeu, nos reinos cristãos no assim denominado
as intercessões dessa influência é que dá a capacidade para que se
Ocidente medieval, nos séculos XI até o XIII. O eixo desta análise
perceba como essa sociedade se projeta. A construção da figura da
está embasado tanto em textos judaicos, quanto em crônicas e do-
völur se caracteriza de diversos debates entre eles de que essa figura
cumentos cristãos. A problemática central é como numa sociedade
era apenas um personagem mitológico inspirada nos adivinhos que
medieval os mitos e as representações circulam, ora da cultura cleri-
existiam durante a Escandinávia Medieval. A völva é a aquela que
cal no sentido da cultura popular, ora no sentido oposto, da cultura
pratica o seiðr, spá e galdr, praticas mágicas que englobam a profecia
popular para a erudita/clerical. Os judeus são percebidos, desde a
e muitas outras formas de magia. Várias representações históricas
Antiguidade Tardia, nas sociedades em que convivem, como infiéis
e literárias demonstram a importância que as völur (plural de völ-
e incrédulos, mas são tolerados pelos governantes e pelas autorida-
va) possuíam, pois as mesmas eram consultadas para saber o que o
des eclesiásticas como inferiores, mas dotados de “humanidade”.
futuro os reservava. Na sociedade Viking entre 793 - 1066, a völva
Potencialmente podem ser salvos, pela evangelização e pela con-
era uma mulher que se libertou dos fortes laços familiares e comu-
versão, desde que sincera. O período das Cruzadas traz em seu bojo
nitários. Ela viajava de um clã ao outro, às vezes acompanhado por
uma alteração bastante radical na percepção dos judeus. A atitude
jovens aprendizes, sendo ela convocada em tempos de crise. Talvez
judaica de resistência gera o sacrifício em “santificação do Nome
o relato mais detalhado de uma völva é a Eiríks saga rauða, onde des-
divino” que propicia a morte de muitos judeus, que sacrificam suas
creve Thorbjörg visitando uma littlevölva (pequena profetisa/viden-
famílias e depois se autoimolam. Esta atitude direciona a percepção
te). Como grande parte dos personagens da Era Viking possuíam
cristã de uma conspiração judaica que consolida, geralmente na cul-
objeto e/ou símbolo que os identificavam, a völva também possuía
tura popular, mas ascendendo até elementos dum nível intermediá-
o seu e este era o seu bastão. Em Örvar-Odds saga, a völva usa um
rio, tais como monges e padres e por fim chegando a cultura clerical
manto azul e carrega uma roca, um bastão que supostamente tem o
erudita envidando a contrução de diversos estereótipos tais como o
poder de causar esquecimento em quem é tocado três vezes no rosto
crime ritual, a profanação das hóstias e a efeminação dos judeus que
por ele. A cor da capa pode ser menos importante do que o fato de
são descritos, “sangrando” em função de seus pecados, em especial
que ela tinha a intenção de significar a alteridade da praticante de
por causa do deicídio. O recorte espacial é os reinos da França e
magia. Acredita-se que assim como as armas feitas de metais encon-
Inglaterra e o Império Germânico. As fontes são fundamentalmente
tradas e datas da Era Viking eram marcadores sociais, o bastão tam-
clericais. Parcela de uma pesquisa de Pós Doutorado realizado no
bém era um marcador, demonstrando então a importância da völva.
EHESS Paris sob patrocínio de bolsa da CAPES.
O bastão que a völva carrega envolve está envolvido por significados
e funções, no entanto existe a associação do bastão da völva com as
nornas, a Skuld, principalmente, que são as mulheres que a partir
da tecelagem de fios num roca definem o destino dos deuses e dos Revistas historiográficas inglesas - da reconstrução a
homens, sendo então associada ao bastão do tear. desconstrução
Thiago Vieira de Brito - UFES
Palavras-Chave: Bastão, Escandinávia Medieval, Völva.
A apresentação pretende analisar os perfis historiográficos de
três periódicos ingleses: English historical review, Past and present e
Rethinking history. Sob a perspectiva do desconstrucionismo, proposto
ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA UFES - PARIS-EST
89 MEMÓRIAS, TRAUMAS E RUPTURAS 90
por Alun Munslow e Keith Jenkins, que também são idealizadores que a comunicação tentará levantar, apresentando possíveis respos-
da revista Rethinking history, existe uma releitura das tradicionais tas.
divisões da historiografia, e essa nova perspectiva permite também
uma nova interpretação dos lugares historiográficos que os perió- Palavras-chave: revistas, desconstrucionissmo, narrativas
dicos ingleses sobre história ocupam. Trata-se de uma tentativa de
entender a dinâmica entre estas três revistas e as possíveis repercus-
sões disso também em outros ambientes historiográficos, para além Pensar a Nação em um contexto de ruptura:
do contexto anglo-saxão. A heterodoxa maneira de compreender a Mariano Moreno e a Independência
dinâmica da história e seus autores sob o viés do desconstrucionismo da América Espanhola
tem efeitos em todas as tradições historiográficas. E é por esse mo-
Tito Souza da Silva - UFES
tivo que se faz necessária a compreensão dessa nova perspectiva
em seu local de origem - neste caso a historiografia inglesa — pois,
A partir de 1792 a Espanha esteve inserida em inúmeras guer-
é ali que se demonstram os conflitos que resultaram na criação de
ras no continente europeu, com destaque para as invasões francesas
uma nova revista que pudesse dar conta de uma possível nova di-
que culminaram na abdicação forçada de Carlos IV (1788-1808) e de
nâmica da historiografia. Para propor este novo olhar sobre os pe-
seu filho, Fernando VII (1808, 1814-1833). Neste contexto, uma Junta
riódicos historiográficos ingleses é necessário entender o panorama
Central de Governo foi estabelecida em Sevilha, e reconhecida pela
da perspectiva desconstrucionista da história e suas digressões sobre
maioria dos Vice-reinos, Capitanias Gerais e Províncias do Impé-
os outros paradigmas narrativos que ela propõe: o reconstrucionista
rio. Essa instituição, entretanto, teve uma existência efêmera, sendo
e construcionista. Se há de fato esses três tipos de narrativa, e cada
dissolvida em 1810. Diante da ausência de um governo unificado,
um deles possui uma proposta de compreensão de como funciona
ocorreu a formação de juntas autônomas de governo nas principais
a relação do passado e sua representação na linguagem, há também
cidades da América Espanhola. Em 25 de maio de 1810, por con-
uma epistemologia diferenciada em cada um deles. Essas epistemo-
seguinte, foi proclamado em Buenos Aires um ‘cabildo aberto’, ou
logias são inconciliáveis e necessitam de meios ou dispositivos espe-
seja, uma assembléia política formada pelos principais moradores
cíficos para difusão de sua estrutura de narrativa. As revistas por
— chamados de gente decente -, responsável por nomear uma Junta
sua vez, devem ser compreendidas como o lugar onde se realiza a
autônoma de governo para a então chamada região do Rio da Prata.
divisão formal dos modelos de narrativa estruturados na redivisão
Nesta época de ruptura e transição, destacaram-se os discursos po-
de Alun Munslow e Keith Jenkins. Essas revistas abrigam cada uma
líticos do advogado Mariano Moreno, que ocupou o cargo de secre-
seu gênero de vazão narrativa. Em English historical review existe
tário da Guerra e do Governo na Primeira Junta. Moreno defendia a
uma proposta reconstrucionista de narrativa do passado. Em Past and
formação da Junta de Governo a partir do ‘pactismo’, uma teoria de-
present ocorre uma proposta construcionista da narrativa do passado.
senvolvida no século XVI pelo jesuíta Francisco Suárez (1548-1617),
E, por fim, em Rethink history se concentra o reduto de uma narrativa
a qual afirmava que a autoridade divina não repousava diretamente
desconstrucionista do passado. Tal redivisão da historiografia inglesa
sobre o monarca, e sim no povo (pueblo) que transferia tal autori-
pode ser tomada como parâmetro para encontrar pontos de conta-
dade ao rei. Na tradição espanhola, ademais, o conceito de Nação
to com outras tradições historiográficas. É possível vislumbrar tais
estava diretamente relacionado à Monarquia e a todos os reinos e
aspectos narrativos em outros periódicos de outros países? Em que
cidades-províncias que a compunham. Com base nos preceitos ‘pac-
medida é aceitável, compreender tradições narrativas pelo o que
tistas’, o advogado afirmava que, a partir das invasões napoleôni-
elas não se auto intitulam? Tais ambientes historiográficos podem
cas e da deposição do rei, o poder de governar deveria retornar aos
ser compreendidos como órbitas de revistas? São essas as questões
‘pueblos’. Tal argumento ficou conhecido como a teoria da ‘retrover-
são de poderes’, e expressava um apoio ao cativo Fernando VII, bem
como a recusa por aceitar e legitimar o governo exercido por uma
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nação estrangeira. Havia também nos discursos de Moreno a junção que abrigava uma ampla gama de partidos políticos — UDN, PTB,
de uma rigorosa moralidade cristã com a teoria do contrato social PSP, PSB, PR, entre outros — os quais faziam oposição ao PSD. Já o
de Jean-Jacques Rousseau e o jacobinismo francês, fatores que o le- MDB, foi, desde o início, aparelhado por um ex-membro da ala mais
varam a idealizar uma república constituída por homens virtuosos. conservadora do antigo PTB e seu grupo, o que transmitiu ao par-
Esta comunicação pretende, portanto, abordar o período de inde- tido oposicionista capixaba o mesmo perfil conservador verificado
pendência da América Espanhola, principalmente da região do Rio no PTB regional.
da Prata, destacando os discursos políticos de Mariano Moreno. E, a
partir dos estudos contemporâneos de Elías Paltí, José Chiaramonte, Palavras-chave: Regime Militar; Elites Políticas Regionais; Partidos
Noemí Goldman e outros, ressaltar como os conceitos de ‘pactismo’, Políticos.
‘nação’ e ‘pueblo’ foram utilizados no contexto de ruptura do pacto
colonial e surgimento de novos países.
2013 - as jornadas de junho e a rosa dos ventos:
Palavras-chave: pactismo, nação, pueblo. para onde sopram as linhas do horizonte?
Valter Pires Pereira - UFES

Regime Civil-militar de 64 e elites capixabas: A presente comunicação refere-se à pesquisa em andamento


rupturas e continuidades acerca do ciclo de manifestações, apressadamente nomeadas “Jorna-
Ueber José de Oliveira – UFES das de Junho”, apesar da sequência de eventos ainda recentes, cujas
características se encontram em fase de refinamento e configuração
No conjunto da literatura relevante sobre partidos políticos e de imagens e significados. A partir da elaboração de um conceito
sistemas eleitorais, poucos são os trabalhos que enfatizam o fato de de manifestação, que deve orientar as análises destes atos sociais
que o novo sistema partidário não é tão novo quanto parece num coletivos, incorporam-se aspectos conceituais desde “A Opinião e
primeiro olhar e que, em grande medida, é formado a partir das fa- as Massas”, de Gabriel Tarde, bem como contribuições abstraídas
mílias e máquinas políticas e eleitorais que transpõem com êxito as da teoria das elites, com objetivos de reconhecer as complexidades
fronteiras e turbulências representadas pelas mudanças institucio- conjunturais e específicas do ciclo de manifestações, adiversidade
nais. Diante dessa premissa, a presente comunicação tem por objeti- de objetos-problemas e competências comunicativas e deliberati-
vo analisar como as elites políticas capixabas do multipartidarismo vas, nos parâmetros das interações entre sociedade civil e socieda-
do período 1945-1965 se reestruturaram à luz da nova instituciona- de política. O ensaio de discernimento dos corpos coletivos, para o
lidade político-partidária instaurada após o golpe civil-militar de reconhecimento dos interlocutores, anseios e possibilidades de en-
1964. Aventa-se a hipótese de que, apesar das restrições impostas caminhamentos políticos, bem como viabilização de utopias remo-
pelo regime militar ao funcionamento do sistema bipartidário, iden- tas ou ulteriores, sugerem o vislumbre de miragens refletidas nas
tificam-se certas linhas de continuidade entre os períodos pré e pós- imprecisas linhas dos horizontes dispersos daRosa dos Ventos, no
1964, em que os principais atores políticos, sejam eles indivíduos que concerne às possibilidades de conformação da práxis política
ou agrupamentos, no interior das agremiações políticas em apre- em cidadania participativa de novo tipo, nos parâmetros da nome-
ço, mantiveram certos padrões de posicionamento já verificados no ada democracia representativa, numa sociedade tradicionalmente
cenário político-eleitoral do período 1945-1964. No caso da Arena autoritária.
capixaba, o partido reuniu tanto os membros do antigo PSD, com
suas duas principais alas — a urbano-industrial e a agro-fundiária
—, quanto as forças políticas que se aglutinavam em torno da frente
partidária convencionalmente chamada de Coligação Democrática,
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Esquecidos e renascidos - a percepção gico expressivo para sua realidade. Procuro traçar qual o tipo de
de si mesmo, nas origens da formação memória - “bergsoniana” ou “halbwachiana” - é predominante na
política do Brasil Colonial fala do entrevistado, além de analisar se houve ressonância entre
os trabalhadores, durante o processo eleitoral, das campanhas que
Valter Pires Pereira - UFES
o PCB abraçava naquela conjuntura: a luta em defesa do petróleo,
pela paz e contra o Imperialismo. A metodologia utilizada é a da
Trata das primeiras formas de organização social, em espaços História Oral. Busco do entrevistadoa percepção social dos even-
urbanos, na América Portuguesa, a partir das organizações de so- tos na época e não a “verdade dos fatos”, mas sim a forma como a
ciedades literárias conhecidas como arcádias e academias, a exem- campanha eleitoral ocorreu e quais discursos foram elaborados pelo
plo da Academia Brasílica dos Esquecidos e Academia Brasílica militante comunista naquele momento. Para tanto, procuro estabe-
dos Renascidos, entre outras, constituindo ambientes da produção lecer uma diferença entre os aspectos pessoais, privados da memó-
do conhecimento e cristalização da cultura erudita regionais. Trata ria, e seus componentes coletivos, remetendo o paralelo que Ecléia
também da organização de sociedades secretas, como areópagos e Bosi estabelece entre asconcepções de Henri Bergson e Maurice Hal-
maçonarias, como ambientes de conhecimento das ideias iluminis- bwachspara fazer uma classificação do tipo de memória elaborada
tas e liberais, com repercussões em manifestações políticas. Conclui pelo entrevistado. Apesar da pesquisa estar em seu começo e não
com a criação da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, em seja possível fechar um quadro definitivo sobre o período que estou
1827, entre outras associações, destacando-se a idealização e funda- analisando, aponto algumas conclusões iniciais a partir das análises
ção do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. das entrevistas: o fato de um candidato comunista atuar numa ci-
dade com uma economia agrária, mas com um expressivo - embora
não dê pra medir o seu peso nas eleições — operariado metalúrgico
A campanha eleitoral do comunista Antônio Granja e ferroviário, obrigou-o a adotar estratégias diferentes para atingir
a vereador em 1947 em Cariacica essas bases. Os principais temas utilizados nos núcleos operários
Vinícius Machado - UFES
era o aumento dos salários e a construção de moradias. Já nas re-
giões rurais, o estímulo à participação nas eleições e as promessas
de favores foi o modo encontrado por Antônio Granja para chegar
A presente comunicação se propõe a discutir a campanha elei-
até esse eleitorado. Sua memória é predominantemente “halbwa-
toral do dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCB), Antônio
chiana”. Alinhada a leitura do PCB à época: destaque para ênfase
Ribeiro Granja, ao pleito de vereador na cidade de Cariacica no final
no caráter semi-feudal do país e do atraso da classe operária (anal-
do ano de 1947. Para tanto, recorro à análise de duas entrevistas
fabeta, incapaz de ser politizada, etc). Apesar de terem sido temas
concedidas por ele. A primeira, concedidaao Professor Doutor An-
explorados durante a campanha eleitoral, a luta em defesa do petró-
dré Pereira no dia 19/07/2012 e, a segunda, concedida a mim no
leo, pela paz e contra o Imperialismo não teve ressonância entre os
dia 22/10/2013. Ambas na residência do entrevistado no município
trabalhadores.
da Serra. O objetivo da pesquisa é, através da análise do discurso,
problematizar quais foram as estratégias adotadas e contradições
Palavras-chave: Partido Comunista do Brasil (PCB), Antonio Ribei-
enfrentadas pelo candidato comunista durante a campanha para
ro Granja, Campanha eleitoral.
convencer o eleitorado e conseguir votos, em um município pobre,
com perfil predominantemente agrícola e relações de trabalho não
capitalistas, dominado por oligarquias cafeeiras em decadência.
Mas que, ao mesmo tempo, graças principalmente a presença da
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e da Companhia Ferro e Aço
de Vitória (COFAVI), possuía um operariado ferroviário e metalúr-
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