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VLADIMIR TISMÃNEANU é professor de ciên-

cia política na Universidade de Maryland.


Foi presidente da Comissão Presidencial
para Análise da Ditadura Comunista da
Romênia (abril de 2006 a abril de 2007),
e desde abril de 2007 é o presidente da
Comissão Presidencial Consultiva para Aná-
lise da Ditadura Comunista da Romênia. Em
fevereiro de 201 O foi nomeado presidente
do Conselho Científico do Instituto de Inves-
tigação dos Crimes do Comunismo e Memó-
ria do Exílio Romeno (llCCMER) onde esteve
até maio de 2012, quando foi destituído
pelo primeiro ministro comun ista, Victor
Ponta. Em 2007 recebeu da Universidade
de Maryland o Distinguished lnternational
Service Award, e a Associação Americana
de Ciência Política lhe conferiu o certifica-
do por mérito excepcional no lecionar essa
disciplina. Detém o título de doutor honoris
causa da Universidade do Ocidente, de
Timiaoara (2002) e da Escola Nacional de
Estudos Políticos e Administrativos de Buca-
reste (2003). Publicou mais de três dezenas
de livros, dentre os quais o também traduzi-
do Do comunismo: o destino de uma religião
política (VIDE Editorial, 2015).
VLADIMIR TISMANEANU

O DIABO
,
NA
HISTORIA
O Diabo na História: comunismo, fascismo e algumas lições do século XX
Vladimir Tismãneanu
1ª edição - junho de 2017 - CEDET
Copyright © 2017 by Uniersity of California Press

Título original: The Devi/ in History: Communism, Fascism, and some lessons of the
Twentieth Century. Los Angeles, CA: University of California Press, 2012.

Os direitos desta edição pertencem ao


CEDET - Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico
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CEP: 13084-060 - Campinas, SP
Telefone: (19) 3249-0580
e-mail: livros@cedet.com.br

Editor:
Thomaz Perroni

Tradução:
Elpíclio Fonseca

Revisão ortográfica:
Felipe Denardi

Conferência com o texto romeno (contracapa):


Cristina Nicoleta Manescu

Capa:
Carlos Eduardo Hara

Diagramação:
Maurício Amaral

Conselho Editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d' Ávila
Diogo Chiuso
Silvio Grimaldo de Camargo
Thomaz Perroni

VIDE Editorial - www.videeditorial.com.br

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta
edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação
ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.
VLADIMIR TISMANEANU

O DIABO
,
NA
HISTORIA
COMUNISMO, FASCISMO E ALGUMAS LIÇÕES DO SÉCULO XX

Tradução:
Elpídio Mário Dantas Fonseca

_[_
VIDE EDlTORJAL
SUMÁRIO

Prefácio ................................................................................ 11

Prólogo: Ditadores totalitários e húbris ideológica .............. 19


O enigma do totalitarismo ............................................... 29
StáJin, Hitler e a apoteose do terror ................................. 31
Ideologia e intencionalidade ............................................ 36

Capítulo 1: Radicalismo utópico e desumanização ............ 45


A mutação leninista .........................................................4 7
O mito do partido predestinado ...................................... 52
O Livro Negro do Comunismo e seu impacto ................. 62
Construindo o inimigo ..................................................... 74
Argumentos de comparação ............................................ 78

Capítulo 2: A pedagogia diabólica e a (i)lógica do


Stél)i11is1110 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• ~~

Capítulo 3: O século de Lênin - Bolchevismo,


marxismo e a tradição russa .......................... 149
A violência e a busca da comunidade perfeita ................ 150
Sonhos marxistas, experimentos leninistas ..................... 15 3
O misticismo do Partido ............................................... 159
O radicalismo ilimitado de Lênin ................................... 165
Mitologias redentoras .................................................... 169
Retorno a Lênin? ........................................................... 181
Bolchevismo como messianismo político ....................... 190
Capítulo 4: A dialética do desencantamento - Marxismo
e decadência ideológica nos regimes leninistas .. 203
.
O llllf)ll lS() \lt'C>{>lC.()
. ••••••• ••••.••• •••.••••••••••••.•••••••••• ••••••••••••••• 208

Stalinismo como mito político ...................................... 211


O monólito quebrado ..................... ;.............................214
A saga do revisionislllo ....... ........................................... 217
Ufll Il()V() ~~l() ................................................................ 2~~
Humanismo e revolta ............................................... ..... 230
O Tsar revisionista ..... .. ............................ ................... ... 23 5
O que resta .................. ....................... .. ...... ...... ............. 250

Capítulo 5: Ideologia, utopia e verdade - Lições da


Europa oriental .............................................. 25 9
O magnetismo duradouro da utopia .............................. 261
O naufrágio da utopia ................................................... 274
O destino de uma religião política ................................. 283
Reinventando a política ................................................. 290
Espectros do nacionalismo ............................................. 29 8

Capítulo 6: Doença e ressentimento - Ameaças à


democracia nas sociedades pós-comunistas .... 307
Annus mirabilis 1989 .................................................... 309
Esperanças e desilusões .................................................. 313
Política e moralidade ..................................................... 321
Paradoxos pós-comunistas............................................. 330
Significados, antigos e novos .......................................... 34 9

Conclusões ........................................................................ 3 5 3

N'<>t~s ................................................................................. ~()~

'Ín.dice ReDlissivo .................................................................4 55


Em memória de Tony ]udt,
Leszek Kolakowski e Robert C. Tucker,
notáveis eruditos e nobres intelectuais,
cujos escritos inspiraram muitas
refiexões neste livro.
"]e crois que l'histoire universelle,
l'histoire de l'homme, est inimaginable
sans la pensée dia bolique, sans un
dessein démoniaque" . 1 (E. Cioran)
PREFÁCIO

Este é um livro acerca de paixões políticas, radicalis-


mo, idéias utópicas e suas conseqüências catastróficas nos
experimentos de engenharia social em larga escala do sé-
culo XX. Mais precisamente, é uma tentativa de mapear
e explicar o que Hannah Arendt chamou "as tempestades
ideológicas" de um século sem igual em violência, húbris,
crueldade e sacrifícios humanos. Comecei a pensar nessas
questões, adolescente na Romênia comunista, quando tive
a oportunidade de ler uma cópia, que circulava clandesti-
namente, do romance Darkness at Noon, de Arthur Ko-
estler. Nasci depois da Segunda Guerra Mundial, de pais
revolucionários, que tinham abraçado os valores comunis-
tas anti-fascistas de antes da Guerra. Tinham lutado nas
Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola, onde
meu pai perdeu o braço direito, aos vinte e quatro anos,
na batalha do rio Ebro; minha mãe - uma estudante de
medicina - trabalhava como enfermeira. Cresci ouvindo
inumeráveis conversas acerca das principais figuras do co-
munismo mundial, assim como das atrocidades stalinistas.
Nomes como Palmiro Togliatti, Rudolf Slánsky, Maurice
Thorez, Josip Broz ·Tito, Ana Pauker ou Dolores Ibarruri
freqüentemente ·eram sussurrados durante as conversas à
mesa de jantar.
Mais tarde, como estudante de sociologia na Univer-
sidade de Bucareste, desprezei os apelos oficiais para
desconfiar da "ideologia burguesa" e fiz o máximo para

II
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

deitar a mão em livros proibidos de Milovan Djilas, Karl


Jaspers, Hannah Arendt, Raymond Aron, Isaiah Berlin,
Karl Popper, Leszek Kolakowski e outros pensadores anti-
-totalitários. Confrontado com as tolices grotescas do co-
munismo dinástico de Nicolae Ceau~escu, dei-me conta de
que estava vivendo num regime totalitário governado por
um líder paranóico que exercia controle absoluto sobre
a população, através do Partido Comunista e da polícia
secreta. Foi por essa razão que me tornei vivamente inte-
ressado nas tradições ocultas do Marxismo Ocidental e da
tentativa dos teóricos da Escola de Frankfurt de reabilitar .
a subjetividade. Minha dissertação de doutorado, defen-
dida em 1980, intitulava-se Revolução e Razão Crítica:
A Teoria Política da Escola de Frankfurt e o Radicalismo
de Esquerda contemporâneo. Dos escritos de Theodore W.
Adorno, Walter Benjamin, Erich Fromm, Max Horkhei-
mer e Herbert Marcuse aprendi acerq1 das tribulações da
negatividade na era da administração total e da inesca-
pável alienação. Li Georg Lukács, Karl Korsch e Anto-
nio Gramsci, e encontrei em suas idéias (especialmente em
seus primeiros escritos) um antídoto contra o otimismo
irrefletido do marxismo-leninismo.
Embora a Romênia fosse um estado socialista dedica-
do aos dogmas marxistas e, portanto, ostensivamente de
esquerda, o partido governante começou, especialmente
depois de 1960, a abraçar temas, motivos e obsessões da
extrema-direita do interbélico. Quando Nicolae Ceau~es­
cu subiu ao poder em 1965, ele exacerbou essa tendên-
cia, e a ideologia passou a misturar um leninismo residual
com um fascismo inconfessado, mas inconfundível. Este
era apenas um paradoxo aparente. Anos mais tarde, quan-
do li a magistral biografia que Robert C. Tucker escreveu
acerca de Stálin, fiquei surpreso com sua brilhante análi-
se do "bolchevismo de extrema-direita". Como no caso

12
PREFÁCIO

da União Soviética depois de 1945, ou da Polônia duran-


te os últimos anos do governo de Wladislaw Gomulka,
com a subida ao poder da facção ultra-nacionalista dos
Partidários chefiada pelo ministro do interior, o general
Mieczyslaw Moczar, o regime comunista romeno estava-
-se tornando cada vez mais idiossincrático, xenofóbico
e anti-semita. Quando publiquei minha História do Co-
munismo Romeno em 2003, cunhei um termo para essa
hibridização: nacional-stalinismo. Durante todos esses
anos pensei nas afinidades profundas entre movimentos
e ideologias aparentemente incompatíveis. Cheguei à con-
clusão de que, em tempos de desordem cultural e moral,
o comunismo e o fascismo podem fundir-se numa síntese
barroca. Comunismo não é fascismo, e fascismo não é co-
munismo. Cada experimento totalitário teve seus atribu-
tos irredutíveis, mas compartilharam algumas das fobias,
obsessões e ressentimentos que puderam gerar alianças
tóxicas, como o Pacto nazi-soviético de agosto de 1939.
Ademais, sua proximidade geográfica permitiu o desen-
volvimento de práticas genocidas entre 1930 e 1945 no
que Timothy Snyder chamou os "campos de sangue", que
tiraram a vida de aproximadamente 14 milhões de pesso-
as. Este desastre começou com a guerra de Stálin contra
os camponeses, especialmente na Ucrânia, e culminou no
horror absoluto do Holocausto.
Este é um livro acerca da encarnação de princípios dia-
bolicamente niilistas da subjugação humana e do condi-
cionamento em nome de fins supostamente puros e puri-
ficadores. Não é um tratado histórico (embora a história
esteja presente em cada página), mas, ao contrário, uma
interpretação político-filosófica de como aspirações utópi-
cas maximalistas podem levar aos pesadelos dos campos
soviéticos e nazistas, personificados por Kolyma e Aus-
chwitz. Discuto as principais similaridades, as distinções
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

notavelmente irredutíveis e as reverberações contemporâ-


neas dessas tiranias totalitárias. Examino também a des-
radicalização de regimes de estilo soviético, a exaustão do
fervor religioso e a ascensão de expressões de percepções
democráticas alternativas, orientadas civicamente. O pro-
pósito deste livro é prover os leitores (estudantes, jorna-
listas, historiadores, cientistas políticos, filósofos e um
público geral) com algumas conclusões acerca da época
cataclísmica que nenhumas palavras poderiam captar tão
precisamente e tão perturbadoramente como os quadros
do artista alemão Anselm Kiefer. Como essas telas, o sécu-
lo XX deixou para trás uma paisagem cheia de cadáveres,
ilusões desfeitas, mitos falhos, promessas traídas, e memó-
rias mal digeridas.
Muitas das idéias do livro foram discutidas com meu
falecido amigo, o grande historiador Tony Judt. Também
tive o privilégio de envolver-me em conversas com um
dos mais sagazes analistas do marxismo e do comunismo
soviético, Robert C. Tucker. Tanto Judt como Tucker en-
fatizaram o papel importantíssimo das idéias na história
e alertaram contra qualquer tipo de determinismo posi-
tivista. Ensinaram acerca da fragilidade dos valores libe-
rais e da obrigação de não desistir, e sim, ao contrário,
de continuar a lutar por eles contra todas as probabili-
dades. O pensador polonês Leszek Kolakowski, descrito
freqüente e corretamente como o filósofo do Solidarieda-
de, também teve uma influência fundamental na formação
de minhas idéias. Fui o primeiro a traduzir um ensaio de
Kolakowski para o romeno no final dos anos de 1980,
no jornal cultural alternativo Agora, publicado nos Esta-
dos Unidos, editado pelo poeta dissidente Dorin Tudoran
e distribuído ilegalmente na Romênia. Mandei uma cópia
para Leszek Kolakowski, que me respondeu com uma car-
ta maravilhosa, dizendo que, embora não lesse romeno,
PREFÁCIO

podia entender, empregando seu latim e francês, a minha


breve introdução. Um dos maiores projetos que empre-
endi na Romênia pós-comunista foi coordenar a publica-
ção de uma tradução de sua trilogia magistral acerca das
principais correntes do marxismo. Ninguém apanhou me-
lhor do que Kolakowski a presença aterradora do diabo
nos experimentos totalitários do século XX. Todos os três
esperavam que a humanidade assimilasse algumas lições
dessas catástrofes. Dedico este livro à memória desses três
eruditos notáveis.
Tal síntese não pode ser conseguida em poucos anos.
Excessivamente otimista, assinei um contrato com a Edi-
tora da Universidade da Califórnia, em 2004, convencido
de que terminaria o livro no final de 2005. Então me dei
conta de que havia ainda muitíssimas questões sobre as
quais eu precisava refletir. Nos anos seguintes envolvi-me
no esforço institucional de analisar a ditadura comunis-
ta na Romênia. Conheci pormenores aterradores acerca
das tecnologias stalinistas de destruição empregadas pelos
comunistas romen9s. O trabalho para este livro começou
em 2001, quando Tony Judt me ofereceu a possibilidade
de passar um mês no Remarque Institute, na Universidade
de Nova Iorque, onde apresentei uma palestra acerca de
tópicos diretamente relacionados a este livro, focalizando
as polêmicas francesas acerca do Livre Noir du Commu-
nisme. Continuei minha pesquisa em junho de 2002 como
bolsista por um mês no Instituto de Ciências do Homem
(IWM) em Viena. Em janeiro de 2003, fui bolsista no Ins-
tituto de Humanidades da Universidade de Indiana, onde
dei uma palestra acerca da tentação totalitária e me bene-
ficiei dos comentários cheios de iluminações de Jeffrey c.
Isaac. Em 2008-2009, como bolsista no Woodrow Wil-
son International Center for Scholars, dirigi uma pesquisa
acerca do radicalismo utópico do século XX assim como

15
O D IABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

a justiça moral na Romênia pós-comunista. Beneficiei-


-me dos excepcionais talentos de pesquisa de meus dois
assistentes, Eliza Gheorge e Mark Moll. Continuaram a
aparecer livros que me inspiraram a repensar algumas das
hipóteses prévias, incluindo o livro inovador de Robert
Gellately, Lenin, Stalin, Hitler: The Age of Social Catas-
trophe (2007), que recenseei no admirável jornal Kritika.
Outro livro importante foi Beyond Totalitarianism (2009),
editado por Sheila Fitzpatrick e Michael Geyer. Em abril
de 2009, Timothy Snyder convidou-me para participar do
seminário "Hitler and Stalin: Comparisons Renewed ",
na Universidade de Yale, onde troquei pontos de vista
com alguns eruditos notáveis, incluindo Saul Friedlander,
Norman Naimark, Lynne Viola, e Amir Weiner. Ao longo
desses anos, com sua maneira gentilmente encorajadora,
Stanley Holwitz, que editara soberbamente meu Stalinism
for Ali Seasons pela Editora da Universidade da Califórnia
(2003 ), continuou a inquirir acerca do status do manuscri-
to. Continuei tranquilizando-o de que não me esquecera
dele. Na verdade, tinha continuado a pensar apenas nele,
e em março de 2010 dei uma palestra na Universidade da
Califórnia em Berkley, intitulada "O Diabo na História",
que apresentava as idéias publicadas aqui no prólogo. Se-
guindo essa apresentação, tive longas discussões com os
· historiadores John Connelly e Yuri Slezkine, que me ofe-
receram sugestões provocadoras.
Finalmente, em fevereiro de 2011, estava completo o
manuscrito. Enviei-o para Niels Hooper da Editora da
Universidade da Califórnia, o qual mostrou interesse no
projeto. Recebi duas recensões muito perspicazes de dois
pares e segui muitas das sugestões dos recenseadores, espe-
cialmente para enfatizar a natureza peculiar da adoração
bolchevique ao partido, as conexões entre Marx e Lênin, e
o entusiasmo ainda assombroso de intelectuais importan-

r6
PREFÁCIO

tes pela utopia comunista. Desenvolvi muitas idéias inclu-


ídas neste livro em artigos publicados desde 2005 nas pá-
ginas de Times Literary Supplement assim como ensaios
para o excelente mensário romeno Idei in dialog, editado
pelo brilhante filósofo Horia-Roman Patapievici.
Esta realização não teria sido possível sem o empenho
entusiasmado e pesquisa criativa of~recidos por Bogdan
Cristian Iacob, um estudante de graduação na Central
European University (defendeu sua dissertação em junho
de 2011 ), que se tornou meu mais próximo colaborador
em 2007. Quero expressar meus agradecimentos cordiais
a todos os que, ao longo desses anos, têm sido meus par-
ceiros participantes neste empreendimento. Primeiro e
acima de tudo, expresso minha gratidão a minha mulher,
Mary Sladek, e a meu filho, Adam Volo Tismãneanu, com
os quais tive conversas intermináveis acerca dos monstros
totalitários e seus legados. Mary leu vários esboços deste
livro e ofereceu sugestões perspicazes. Em várias ocasiões,
Adam pediu-me para explicar as similaridades e diferen-
ças entre Hitler e Stálin. Como muitos de nós, ele ainda
se pergunta quem foi pior. Entre os amigos intelectuais
e colegas cujas idéias e sugestões me ajudaram a moldar
minhas próprias interpretações e que sem dúvida merecem
menção, incluindo alguns que já morreram, incluem-se
Bradley Abrams, Drago~ Paul Aligicã, Cãtãlin Avramescu,
Matei Cãlinescu, Daniel Chirot, Aurelian Craiutu, John
Connelly, Michael David-Fox, Karen Dawisha, Ferenc
Fehér, Dan Gallin, Pierre Hassner, Agnes Heller, Jeffrey
Herf, Paul Hollander, Dick Howard, Charles Gati, Irena
Grudzinska-Gross, Jan T. Gross, Jeffrey C. lsa~c, Constan-
tin Iordachi, Ken Jowitt, Tony Judt, Bart Kaminski, Gail
Kligman, Mark Kramer, Claude Lefort, Gabriel Liiceanu,
Mark Lichbach, Monica Lovinescu, Steven Lukes, Daniel
Mahoney, Adam Michnik, Mircea Mihãie~, Iulia Motoc,

17
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Vlad Mure~an, Mihail Neamtu, Virgil Nemoianu, Martin


Palous, Horia-Roman Patapievici, Marta Petreu, Andrei
Ple~u, Cristian Preda, Ilya Prizel, Saskia Sassen, Marci
Shore, Timoty Snyder, Vladimir Solonari, Ioan Stanomir,
Radu Stern, Valeriu Stoica, Mihai ~ora, Gale Stokes, Ro-
bert C. Tucker, Cristian Vasile, Christina Zarifopol-Illias,
Viktor Zaslavsky, Vladislav Zubok, Annette Wieviorka.
Agradecimentos especiais para meus alunos de graduação
na Universidade de Maryland, que foram parceiros no-
táveis de diálogo durante os seminários acerca do mar-
xismo, bolchevismo, fascismo, nazismo e os sentidos do
radicalismo político.
10 de outubro de 2011.

18
PRÓLOGO
DITADORES TOTALITÁRIOS E
HÚBRIS IDEOLÓGICA

Quando empreguei a imagem do Inferno, não quis fazê-


/o alegórica mas literalmente: parece bastante óbvio que
os homens que perderam a fé no Paraíso não serão capazes
de estabelecê-lo na terra; mas não é tão certo que os que
perderam a fé no Inferno como um lugar da vida futura não
possam estar querendo e sendo capazes de estabelecer na terra
imitações exatas do que as pessoas costumavam crer acerca
do Inferno. Neste sentido acho que uma descrição dos campos
de concentração como Inferno na terra é mais "objetiva", ou
seja, mais adequada à essência deles do que afirmações de
natureza puramente psicológica ou sociológica.
-Hannah Arendt, Essays on Understanding

Nenhum século testemunhou e documentou tanto so-


frimento atroz, ódio organizado e violência devastadora
como o século XX. Os campos de concentração represen-
taram a humilhação última dos seres humanos, a destrui-
ção de sua identidade, sua desumanização inescapável e
sua aniquilação em massa. Nem o comunismo nem o na-
zismo podem ser entendidos sem levar em consideração
o papel central do que Albert Camus chamou certa vez
de l'univers concentrationnaire. Em seu Livro If This Is a
Man, escreveu o escritor italiano e sobrevivente de Aus-
chwitz, Primo Levi:
Talvez não seja possível compreender, na verdade talvez
não se devesse sequer tentar, já que compreender é quase
perdoar. Deixai-me explicar: "compreender" uma intenção e

19
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ação humanas significa (mesmo etimologicamente) contê-la,


conter seu perpetrador, pondo-nos em seu lugar, identificando-
nos com ele. Agora, nenhuma pessoa normal poderia sequer
identificar-se com Hitler, Himmler, Goebbels, Eichmann, e
inumeráveis outros. Embora isso nos apavore, é também um
alívio já que é desejável que as palavras deles (e, ai de nós,
seus atos) ficassem para além de nossa compreensão. Estas
palavras e atos são inumanos, na verdade, anti-humanos, sem
precedente histórico e mal comparáveis às manifestações mais
cruéis da luta biológica pela existência.2

Na Romênia stalinizada entre 1949 e 1951, aconteceu


uma experiência diabólica, destinada a transformar os
seiscentos prisioneiros da penitenciária de Pite~ti (todos
estudantes presos por atividades anti-regime reais ou ima-
ginadas) em "homens novos". O método, aparentemente
inspirado pelos ensinamentos do pedagogo soviético An-
ton Malarenko tais como adotados pela polícia secreta na
União Soviética e seus satélites, deveria fazer das vítimas
seus próprios torturadores e, assim, "educadores". Uma
falange de colaboradores do regime, chefiadas por um
ex-fascista, preso em 1948 por acusações de ter mentido
acerca de seu passado, envolveu-se em brutalidades bár-
baras indizíveis contra seus companheiros de prisão, que
experimentaram dois níveis de transformação: a reeduca-
ção externa e a interna, quando a vítima se transformava
num torturador. Havia apenas duas possibilidades para
os prisioneiros: tornarem-se cúmplices ou morrerem sob
condições horrorosas. Na verdade, como disse um dos
pouquíssimos sobreviventes deste experimento sórdido,
havia uma terceira possibilidade: ficar louco.
O que aconteceu nos campos de concentração nazistas
e comunistas (Pite~ti foi, para todos os propósitos prá-
ticos, uma instituição assim) quase destruiu as caracte-
rísticas da humanidade como a compaixão, a razão e a
solidariedade. 3 O historiador Timothy Snyder concluiu

20
PRÓLOGO

soberbamente sua obra essencial Bloodlands, afirmando


que "os regimes nazista e soviético transformaram pesso-
as em números [... ].Cabe a nós, humanistas, transformar
de novo números em pessoas".4 A base desses horrores
era a convicção de que seres humanos podem tornar-se
sujeitos de engenharia social radical, conduzida por de-
fensores auto-apontados da felicidade universal. Parafra-
seando um historiador, o século XX tornou-se destrutivo
assim que "a presunção historicamente auto-consciente de
que a contingência abunda e tem de ser domada, de que
o caos está prestes a assumir o controle e tem de ser ne-
gociado, de que se pode desenhar a sociedade e fazer-se a
revolução" 5 se converteram na justificação para sacralizar
o político e convertê-lo num substituto das religiões tradi-
cionais. Este livro é um ensaio abrangente e comparativo
acerca das origens intelectuais, dos crimes, do fracasso dos
movimentos totalitários radicais que assolaram o século
passado: o comunismo e o fascismo. Portanto, ele parte da
premissa de que nesta "era dos extremos" (Hobsbawn) a
questão do mal é a questão fundamental. 6
Para o filósofo polonês Leszek Kolakowski, o bolche-
vismo e o fascismo representaram duas encarnações da
presença desastrosa do diabo na história: "O diabo [...]
inventou estados ideológicos, ou seja, estados cuja legiti-
midade é fundada no fato de seus proprietários serem pro-
prietários da verdade. Se te opões a tal estado ou a seu sis-
tema, és um inimigo da verdade". 7 Ambos os movimentos
pretenderam purificar a humanidade de agentes de cor-
rupção, decadência e dissolução e restaurar uma unidade
da humanidade supostamente perdida (excluindo, é claro,
os considerados sub-humanos, inimigos sociais e raciais).
Para os comunistas, o demônio era representado pela pro-
priedade privada, pela burguesia, pelos sacerdotes, pelos
culaques. Os nazistas identificavam o "piolho" judeu, o

21
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIM IR TISMANEANU

"bolchevismo judaico", a "plutocracia judaica", e o mar-


xismo como as fontes de todas as calamidades. O fascismo
(e sua versão radical, o nazismo) eram categoricamente
anti-comunistas. Nos anos de 1930, o stalinismo fez do
anti-fascismo um pilar de sua propaganda, seduzindo in-
telectuais e galvanizando movimentos de resistência por
todo o mundo. Na verdade, na ausência da retórica an-
ti-fascista, é difícil imaginar o stalinismo tornando-se um
ímã tão extraordinário para indivíduos, quanto ao mais,
inteligentes e razoáveis. Essas pessoas estavam convenci-
das de que, ao apoiar os Frontes Populares, especialm.ente
durante a Guerra Civil Espanhola, estavam opondo-se à
barbárie nazista. A máquina de propaganda da Interna-
cional Comunista defendia os direitos humanos contra as
atrocidades abomináveis perpetradas pelos nazistas, ocul-
tando o fato de, até 1939, a maior parte dos crimes na
Europa terem sido de fato cometidos pelos stalinistas na
URSS. 8
Ambos os movimentos dos partidos revolucionários
execravam e denunciavam o liberalismo, a democracia e
o parlamentarismo como degradações da verdadeira po-
lítica, que transcenderia todas as divisões através do es-
tabelecimento de comunidades perfeitas (definidas como
unificadas sem classe ou racialmente). Fundamentalmente
ateus, assim o comunismo como o fascismo organizaram
seus objetivos políticos em discursos de suposta emanci-
pação, agindo como religiões políticas destinadas a livrar
o indivíduo das imposições da moralidade e legalidade
tradicionais. 9 Para empregar a terminologia do pensador
político italiano Emilio Gentile, ambos foram formas de
uma sacralização da política de um caráter exclusivo e
integralista que rejeitava a "coexistência com outras ide-
ologias políticas e movimentos", negava "a autonomia
do indivíduo com respeito a·o coletivo", prescrevia "a oh-

22
PRÓLOGO

servância obrigatória de [seus] comandos e participação


em [seu] culto político", e santificava "a violência como
uma arma legítima da luta contra os inimigos, e como um
instrumento de regeneração" . 10 No universo desses movi-
mentos políticos, o mal levava o nome daqueles que recu-
savam, rejeitavam, ou não estavam capacitados para a ilu-
minação entregue pelos evangelhos infalíveis dos partidos.
No caso do totalitarismo de esquerda, o historiador Igal
Halfin apresenta uma formulação excelente: "A apoteose
da história comunista - a humanidade de mãos dadas e
marchando em direção ao paraíso sem classes - não pode
ser dissociada da tentativa sistemática de Stálin de elimi-
nar os que alcançaram a fonte marxista, mas se recusaram
a dela beber" .11 Ora, voltando ao nazismo, para Hitler, os
judeus encarnavam o mal simplesmente porque, para ele,
estavam abaixo do nível da humanidade. Eram simultane-
amente covardes e onipotentes, capitalistas e comunistas,
pomposos e insidiosos, e assim por diante. Depois de ver
com Goebbels o assim chamado documentário "O Judeu
Eterno", uma propaganda abominavelmente crua, o dita-
dor alemão concluiu que "eles já não são seres humanos.
São animais. Então não é uma tarefa humanitária, mas
cirúrgica. De outro modo a Europa perecerá pela doença
judaica" .12
Não são suficientes explanações psicológicas ou psico-
patológica para esses regimes criminosos únicos. Embora
Stálin e Hitler fossem levados incontroversamente por im-
pulsos de exclusão e de extermínio paranóides, seria difícil
considerar Lênin um indivíduo desequilibrado mentalmen-
te. De fato, mesmo um crítico confiável do bolchevismo
como o filósofo existencialista Nikolai Berdiaev viu Lênin
como uma personalidade paradoxal, um anti-democrata,
um revolucionário neo-jacobino, no entanto, um indivíduo
humano, animado por uma sede de igualdade e mesmo

23
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

uma paixão pela liberdade. Ademais, um dilema adicio-


nal que assombra qualquer tentativa de compreensão dos
horrores do século XX está na dificuldade de investigar
"o nível da devassidão patológica aceitável, aprovada e
sustentada pelas massas de pessoas - incluindo pessoas
muito inteligentes - e vindo a ser considerada como prá-
tica normal e justificável" . 13 Aqui está onde se torna vital
a compreensão da paixão revolucionária do fascismo e do
comunismo. É o espírito da transformação e renovação
radicais que mobilizou as massas que levaram avante am-
bos os movimentos ao longo de sua existência. Fascismo
e comunismo fç>ram encarnações ou materializações de
"uma experiência revolucionária de estar no topo da his-
tória e mudar-lhe, com iniciativa, o curso, livre das coer-
ções do tempo 'normal' e da moral 'convencional"' .14 Am-
bos nasceram nos escombros da Primeira Guerra Mundial
na Europa, que parece ter entrado numa nova era onde a
política tivesse de ser radicalmente redefinida em direção
do nascer glorioso das novas civilizações de esquerda ou
de direita.
De fato, começou mais cedo a catástrofe, na visão apo-
calíptica bolchevique de uma quebra sem precedentes de
todos os valores e tradições liberais, incluindo o ethos plu-
ralista da democracia social internacional. Indo além das
comparações estabelecidas entre Hitler e Stálin, o histo-
riados Robert Gellately trouxe Lênin de volta à história
dos movimentos totalitários políticos como o verdadeiro
arquiteto da ditadura bolchevique, o verdadeiro fundador
do sistema de Gulag, um ideólogo ardente convencido de
que seu partido de vanguarda (uma invenção política re-
volucionária que estilhaçou a práxis da democracia social
internacional) foi encarregado por uma história, definida
quase misticamente, de obter-lhe os fins e tornar a huma-
nidade feliz para sempre, não importa a que custos. Em

24
PRÓLOGO

verdade, foram aterradores os custos, desafiando nossa


capacidade de representação. A mistura de fanatismo ide-
ológico com ressentimentos corrosivos explica as ambi-
ções destrutivas de Lênin. Lênin não foi apenas o funda-
dor da propaganda política, o sacerdote supremo de uma
nova eclesiologia do partido infalível onisciente, mas tam-
bém o demiurgo do sistema do campo de concentração e o
apóstolo do terror universal. Um verdadeiro bolchevique,
Martin Latsis, um dos líderes da Cheka, disse em 1918:
"Não estamos fazendo guerra contra pessoas individuais.
Estamos exterminando a burguesia como classe. Durante
a investigação, não procuramos provas de que o acusa-
do agiu em atos ou palavras contra o poder soviético. As
primeiras perguntas que tens de fazer são: a que classe
pertence ele? Qual é sua origem? Qual é sua educação e
profissão? E são estas perguntas que devem determinar a
sorte do acusado" .15
De modo similar, Hitler via a guerra com a União So-
viética e as democracias ocidentais como uma cruzada
ideológica destinada a destruir totalmente o inimigo desu-
manizado ideologicamente. 16 Gellately cita as recordações
de um dos secretários de Hitler: "Venceremos esta guerra,
porque lutamos por uma idéia, e não pelo capitalismo ju-
deu, que dirige os soldados de nossos inimigos. Apenas
a Rússia é perigosa, porque a Rússia luta com o mesmo
fanatismo que nós por seu ponto de vista. Mas o bem será
o ,vencedor, e não há mais nada que fazer" .17
O bolchevismo não pode ser entendido sem se reconhe-
cer o papel primordial de Lênin. Sem Lênin, não teria ha-
vido nenhum bolchevismo. Stálin foi de fato o beneficiário
de um sistema que Lênin imaginara e desenvolvera. Na
ausência da ideologia desenvolvida por Lênin, esses regi-
mes teriam permanecido tiranias tradicionais. 18 Na ver-
dade, como enfatizou o sociólogo Daniel Chirot, lidamos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

com dois tipos de regimes despóticos: tiranias de corrup-


ção (as tradicionais) e tiranias de certezas, baseadas na hú-
bris ideológica.19 Foi o pretexto ideológico, a convicção de
que ele estava cumprindo uma missão histórica grandiosa
que fez Lênin envolver-se em sua tentativa incessante de
transformar radicalmente a sociedade. Em suas pegadas,
Stálin perseguiu a mesma agenda de transformar tudo: a
natureza, a ciência, a linguagem, tudo tinha de ser subor-
dinado ao fim sacrossanto. O mesmo ardor ideológico,
impérvio à dúvida e ao auto-questionamento, motivou as
visões alucinantes de Hitler acerca da guerra racial glo-
bal. 2°Como demonstrou Arthur Koestler há muito tempo,
os movimentos totalitários desconsideram e desprezam
os absolutos morais: "Desde a segunda metade do século
XIX nossos freios éticos foram cada vez mais negligen-
ciados até que o dinamismo totalitário fez o motor ficar
maluco. Temos de pisar no freio ou colidiremos" .21
A despeito de sua pretensão de transcender a alienação
e reabilitar a dignidade humana, o comunismo era esté-
ril moralmente, ou, nas palavras de Steven Lukes, sofria
de cegueira moral. 22 Uma vez que subordinou a noção de
bem aos interesses do proletariado, o comunismo anulou
a universalidade das normas morais. Pode-se dizer o mes-
mo acerca do fascismo, com sua exaltação das virtudes
tribais primevas e completa desconsideração pela humani-
dade comum de todos os seres humanos. Ambos subscre-
veram ao estado sua própria moralidade, garantindo-lhe
apenas o direito de definir o significado e fim último da
existência humana. O estado ideológico tornou-se o valor
supremo e absoluto dentro do arcabouço de uma doutrina
escatológica da revolução. Os horrores que definiram o sé-
culo passado foram então possíveis por causa de uma "in-
versão moral": "Os crimes do estado [foram] entendidos
nao como cnmes, mas como precauçoes necessanas para
- 1 - ,; •
PRÓLOGO

prevenir maior injustiça" .23 Através do culto da unidade


absoluta ao longo do caminho até a salvação pelo conhe-
cimento da história, assim o comunismo como o fascis-
mo produziram projetos sociais e políticos novos e totais,
centrados na purificação do corpo das comunidades que
se tornaram presas desses feitiços ideológicos. Os novos
homens ou mulheres produzidos por esses movimentos
deixaram para trás seus "pequenos egos, contorcendo-se
com medo e raquitismo", pois tinham renunciado ao que
o escritor proletário Maxim Gorki chamava desesperada-
mente a "farsa da individualidade" .24 Ora, como declarou
certa vez um antigo membro do Partido Comunista Ale-
mão: "Um homem que lutou sozinho nunca pôde vencer;
os homens têm de estar juntos e lutar juntos e fazer a vida
melhor para todos os envolvidos em trabalho útil. Têm
de lutar com todos os meios à sua disposição, não recu-
ando diante de nenhuma ação, se ela ajudar a causa, não
concedendo tréguas até que a revolução tenha triunfado. 25
Pode-se encontrar uma afirmação incontestavelmente si-
milar no primeiro romance do chefe de propaganda na-
zista Joseph Goebbels, Michael: Um destino alemão: "O
que formou o alemão moderno não foi tanto o engenho
e o intelecto quanto o novo espírito, a vontade de tor-
nar-se um com o povo, de devotar-se e sacrificar-se a ele
prodigamente" .26 Na verdade, os tempos clamavam pela
dissolução do individual num coletivo heróico, construído
nos escombros de uma modernidade que foi declarada de-
funta. Ou da esquerda ou da direita, os horrores do século
XX aconteceram tão logo "movimentos de revitalização
modernista" (nas palavras de Roger Griffin) se tornaram
programas de estado completos de engenharia social.
A avalição impenitente do Grande Terror feita pelo anti-
go carrasco e íntimo de Stálin, Vyacheslav Molotov, exem-
plifica a nova dinâmica entre o poder e a moralidade: "É
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

claro que houve excessos, mas tudo era admissível, do meu


ponto de vista, por causa do objetivo principal - manter o
poder de estado.[...] Nossos erros, incluindo os erros cru-
éis, eram justificados" .27 Uma vez que esses movimentos
políticos construíram suas visões de modernidade no prin-
cípio de uma comunidade purificada e escolhida, cruzando
o deserto da história, da escuridão para a luz, só poderia
haver uma soluçã~ para aqueles que falharam em con-
cordar com esses critérios de inclusão: a excisão. 28 Como
era de se esperar, o mesmo Molotov explicava a opressão
das famílias dos expurgados, executados, deportados ou
assassinados como ação profilática: "Elas tiveram de ser
isoladas. De outro modo, teriam espalhado todo tipo de
reclamações, e a sociedade teria sido infectada por certa
quantidade de desmoralização".29 Do mesmo modo, em
1926, Yemelyan Yaroslavsky, um historiador oficial bol-
chevique e confidente de Joseph Stálin, justificou os ex-
purgos decididos na XVI Conferência do Partido (abril de
1929) como um método de proteger "da 'degeneração' as
células do partido e o organismo soviético" .30
Tal retórica patologizante acerca do corpo político era
pouco diferente da empregada por Himmler em seu dis-
curso aos líderes da SS em Posen, em outubro de 1943. O
Reichsführer-SS descrevia as políticas nazistas como ex-
termínio de "uma bactéria, porque não queremos, afinal,
ser infectados pela bactéria e morrer dela. Não verei apa-
recer ou ganhar força aqui nenhuma pequena área de sep-
ticemia. Onde quer que se forme, nós a cauterizaremos" .31
Parafraseando o historiador italiano Gaetano Salvemini,
assim o fascismo como o comunismo decidiram que ti-
nham encontrado a chave para a felicidade, virtude e infa-
libilidade, e, ao aplicá-la a sociedades específicas, estavam
preparados para matar.
PRÓLOGO

O enigma d'o totalitarismo


Aqui está a essência e mistério das experiências tota-
litárias do século XX: "A rejeição completa de todas as
barreiras e todas as restrições que a política, a civilização,
a moralidade, a religião, os sentimentos naturais de com-
paixão e as idéias universais de fraternidade construíram a
fim de moderar, reprimir ou sublimar o potencial humano
para a violência coletiva ou individual" .32 As similarida-
des reais entre os experimentos comunista e fascista (opa-
pel crucial do partido, a preeminência da ideologia, a po-
lícia secreta ubíqua, a fascinação com a tecnologia, o culto
frenético do "Homem Novo", a celebração quase-religiosa
do líder carismático) não devem turvar distinções significa-
tivas (sendo uma a ausência, no nazismo, de julgamentos-
-espetáculos ou expurgos intrapartidários permanentes).
No entanto, o historiador Eugen Weber observou judicio-
samente que "a distinção entre fascismo e comunismo é
relativa, e não absoluta; dinâmica, e não fundamental".
Sob essas circunstâncias, não se pode evitar fazer as mes-
mas perguntas que Weber: "Não é esta similaridade fun-
damental entre credos e sistemas totalitários ao menos tão
importante quanto seus pontos de vista?" .33 Este livro en-
volve-se num diálogo com as contribuições mais influentes
a estas questões morais e políticas urgentes. O século XX
foi empesteado por polarizações ideológicas agonizantes,
cujos efeitos continuam a assombrar nossos tempos.
Concordo com o cientista político Pierre Hassner que,
a despeito das diferenças entre stalinismo e nazismo, afir-
ma que sua característica comum fundamental e definido-
ra foi seu frenesi genocida. Ou, para empregar a formula-
ção de Sheila Fitzpatrick e Michael Geyer: "O fenômeno
do Gulag como uma manifestação da violência do estado
soviético e o holocausto como o lugar central do terror

29
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

nazista transmitem a mensagem inequívoca de que os dois


regimes eram fundados no genocídio [grifo meu]". 34 Por
outro lado, assim o stalinismo como o nazismo procu-
ravam "inimigos objetivos" e operavam com noções de
culpa coletiva, ou mesmo genética. Obviamente, a visão
bolchevique estigmatizava "pecados" políticos, ao passo
que a Weltanschauung nazista reificava . Em sua saudação
enormemente significativa de 7 de novembro de 1937, por
ocasião do vigésimo aniversário do golpe bolchevique,
como lembrado pelo líder da Comintern Georgi Dimitrov
e no diário de Stálin, um discurso destinado a ser conheci-
do apenas pelos altos membros do partido e pela elite do
Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD ),
disse Stálin:
"Quem quer que tente destruir a unidade do estado
socialista, quem quer que procure a separação de qualquer
de suas partes ou nacionalidades - esse homem é um inimigo,
um inimigo jurado dos povos da URSS. E destruiremos cada
um desses inimigos, mesmo se ele for um velho bolchevique;
destruiremos todos os seus parentes, sua família. Destruiremos
implacavelmente quem quer que, por seus atos e pensamentos
- sim, seus pensamentos - ameace a unidade do estado
socialista. Para a completa destruição de todos os inimigos,
eles mesmos, e seus parentes! (Exclamações de apoio: ao
grande Stálin!}" .35

Ao mesmo tempo o aparato do partido nunca represen-


tou um papel tão poderoso na Alemanha nazista como o
fez na Rússia de Stálin. Na verdade, Hitler invejava Stálin
por ter sido capaz de pôr os oficiais políticos como cães de
guarda ideológicos no exército. O historiador Ian Kershaw
enfatiza o fato de que mesmo quando Martin Bormann
assumiu o controle da liderança do partido, em maio de
1941, levando então a "intervenção do partido nazista e
seu alcance na configuração da direção política a outro
nível", permaneceram as contradições e incoerências in-
PRÓLOGO

ternas do estado nacional socialista. 36 O partido nazista


(NSDAP) não gozou nunca do mesmo status carismático
que a vanguarda bolchevique adquirira. Na Alemanha de
Hitler, a lealdade pertencia ao Führer como a encarnação
da comunidade volkisch prístina. Na Rússia de Stálin, as
alianças de zelotes iam até o líder de maneira que eles o
viam como a encarnação da sabedoria do partido.
Quando dizia que os quadros decidiam tudo, Stálin re-
almente queria significá-lo (sendo ele mesmo o árbitro úl-
timo de promoções e emoções): "Diz-se muito acerca dos
grandes líderes. Mas uma causa não está ganha nunca, a
não ser que existam as condições corretas. E a principal
coisa aqui são os quadros médios [...]. Eles são os que
escolhem o líder, explicam nossas posições às massas, e
garantem o sucesso de nossa causa. Eles não tentam subir
acima de seu posto; tu sequer os notas [... ]. Generais nada
podem fazer sem uma corporação de oficiais". 37

Stálin, Hitler e a apoteose do terror


Esta, de fato, é uma distinção crucial entre Stálin e Hi-
tler. Stálin, na maior parte de seu governo, teve sucesso
em descobrir uma síntese entre o governo e a ideologia,
construção de sistema e expansão ideológica. Sua política
de mobilização, embora destrutiva para a população so-
viética, não obliterou os mecanismos formais da adminis-
tração do estado. Na Alemanha, em contraste, "Hitler era
concomitantemente o esteio absolutamente indispensável
de todo o regime, e, no entanto, amplamente afastado de
qualquer maquinaria formal de governo" . Neste contex-
to, as instruções do estado nazista eram transformadas
em "uma panóplia de agências sobrepostas e competiti-
vas que dependiam, em diferentes maneiras, da 'vontade
do Führer'". 38 Na União Soviética, Stálin conseguiu com
sucesso estatizar a utopia leninista - o que ele chamava
O D IABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

"construir o socialismo num só país". Na Alemanha, a


desordem governamental tornou-se uma faceta inescapá-
vel da política nazista da radicalização cumulativa. Essa
diferença entre stalinismo e nazismo está na base da expli-
cação de Timothy Snyder para a incapacidade de Stálin de
instrumentalizar uma nova onda de terror contra os judeus
no período posterior à Segunda Guerra Mundial. O líder
soviético "viu-se ameaçando os chefes de segurança, em
vez de instruí-los [...]. Eles [seus subordinados] estavam
constantemente entravados por certa atenção à proprie-
dade burocrática e mesmo, em alguma medida, à lei". 39
Segundo o cientista político Kenneth Jowitt, o leninismo,
entendido como um modo de organização, foi construído
no cerne do partido "impessoalmente carismático". Stálin,
a despeito de seu desenvolvimento deste modelo original
e de seu absolutismo, simplesmente não poderia provocar
outro Grande Terror sobre um partido que tinha acabado
de justificar seu messianismo histórico no que passou a ser
chamado a Grande Guerra Patriótica para a Defesa da Pá-
tria. Ou o partido, com seus talentos extraordinários, era
o herói principal da vitória sobre os nazistas agressores,
ou era um abrigo de inimigos malévolos que precisavam
ser denunciados. Iniciar uma nova carnificina contra a eli-
te comunista teria subvertido o mito da Grande Guerra
Patriótica.
É verdade, Lênin não era a encarnação da burocracia
do partido. A esse respeito, Robert Gellately estabelece
distinções excelentes e necessárias: durante o Grande Ter-
ror, o bolchevismo criou um medo universal entre todos
os estratos da população. O projeto leninista, como desen-
volvido por Stálin, significava uma agressão contínua do
estado-partido contra todos os grupos sociais, incluindo
o tão aclamado proletariado e seu partido. A mobilização
de massa e o medo não eram mutuamente excludentes, e

32
PRÓLOGO

milhões de cidadãos comuns tornaram-se envolvidos na


dramaturgia de sangue de história e perseguição. 40 David
Priestland enfatiza corretamente que as dinâmicas especí-
ficas do regime bolchevique sob Stálin foram o resultado
de um contexto ideológico similar aos anos de Lênin no
comando do Partido Comunista Russo. Stálin torturava-
-se continuamente para encontrar a combinação correta
da "consciência proletária como uma força vital na his-
tória e na política", o progresso movido pela ciência, e a
visão de uma sociedade ou mundo estruturados de acordo
com a origem de classe. 41
O comunismo e o fascismo compartilhavam uma ob-
sessão similar com a movimentação contínua para frente a
fim de evitar o espectro extremamente adverso da estagna-
ção. Mao disse certa vez que "nossas revoluções são como
batalhas. Depois de uma vitória, temos de imediatamente
apresentar uma nova tarefa. Desta maneira, os quadros e
as massas serão tomados permanentemente do fervor re-
volucionário em vez da vaidade" .42 Eugen Weber propôs
um diagnóstico similar para o fascismo: "O fascista tem
de mover-se adiante todo o tempo, mas, exatamente por-
que estão faltando objetivos precisos, ele não pode parar
nunca, e toda finalidade at~gida não é senão um estágio
no moinho do futuro que ele pretende construir, do desti-
no nacional que ele pretende realizar" .43 No caminho da
transformação permanente, ambos, comunismo e fascis-
mo imaginaram a ~xtinção do indivíduo (ou melhor, visa- ·
vam a ela), inventando critérios igualmente obrigatórios
de fé, lealdade, e status cristalizados num mito político
diretor. E, de fato, isto define a religiosidade de uma exis-
tência coletiva - "Quand on met toutes les ressources de
l' esprit, toutes les soumission de la volonté, toutes les ar-
deurs du fanatisme au service d' une cause ou d'ui;i ~tre qui
devient le but et le guide des pensées et de actions [Quan-

33
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do alguém sujeita todos os recursos do espírito, todas as


submissões da vontade, todos os ardores do fanatismo a
uma causa ou a um ser que se torna a finalidade e o guia
de todos os pensamentos e ações]". 44
Assim o stalinismo como o nazismo enfatizam a ne-
cessidade de integração social e pertencimento comunal
através da exclusão de outros específicos. O historiador
Richard Overy descreve os dois regimes como "ditaduras
completamente holísticas". Elas fiavam-se em "criar cum-
plicidade, ao passo que operavam isolando e destruindo
uma minoria escolhida, cujo estado aterrorizado confir-
mava o desejo racional do resto de ser incluído e protegi-
do". 45 A legitimidade deles era baseada numa síntese entre
coerção e consentimento. Neste sentido, o totalitarismo
foi encarnado pelas massas que "davam vida e direção a
ele" .46 Assim a União Soviética como a Alemanha passa-
ram pelos tumultos de massa sociais e políticos no período
posterior à Primeira Guerra Mundial. Ao tempo em. que
Stálin e Hitler subiram ao poder, havia, na verdade, "um
consenso popular amplo para uma política sem conflito e
uma sociedade sem divisões" .47 Ao restabelecer e recriar
a ordem social, esses estados mostraram ser tão represso-
res quanto paternalistas. A sociedade foi estruturada. de
acordo com categorias como classe, raça, nacionalidadé e
sexo, cada uma com conseqüências específicas no eixo de
inclusão-exclusão. Assim a União Soviética (e mais tarde,
os países do leste europeu) e a Alemanha foram realinha-
dos demográfica, geográfica, e biologicamente de acordo
com projetos imaginados da cidadania perfeita. As metá-
foras de desenvolvimento e de extermínio adotadas e im- .
plementadas pelos dois ditadores e seus aparatos de poder
tornaram-se a estrutura de vida para a população sujeita,
o fundamento para a reinvenção assim das identidades co-
letivas como individuais.·As macro-estratégias do estado

34
PRÓLOGO

sofreram um processo de tradução e adaptação em micro-


-estratégias do individual. A socialização transformou-se
em prática política, em um esforço de alinhar "o que a
pessoa faz com o que pensa e diz acerca do que faz" .48
A prática política era a área onde o cidadão se confor-
mava com o ambiente vivido de maneira deliberadamente
ideológica. Sob essas circunstâncias, o terror não poderia
ser empregado para referir-se a "uma sensibilidade com-
plexa de deslocamento que atinge a população largamente
sob a regra totalitária" .49 O stalinismo e o nazismo foram
"estados de terror" (como diz Overy) porque tentaram ob-
ter a homogeneização, criando "comunidades de batalha"
(nas palavras de Fritzsche) dentro das quais as diferen-
ças já existentes foram o sujeito de dramatização pública
grotesca e o objeto de eliminação através de "organização
capilar" (termo de Gentile) e a mobilização constante. O
desloc4mento individual e coletivo sob condições de mo-
bilização e a violência de estado geraram novas realidades
sociais que apoiaram assim o genocídio como o sentido
de pertencimento e união na " [Alemanha] fraturada e nas
sociedades [soviéticas] atoladas" (Geyer). Ambas foram
"conseqüências extremas do humanismo secular" (Gen-
tile), reverberando a desilusão e o desespero trazidos pela
experiência traumática da Grande Guerra.50
O fascismo e o comunismo, como movimentos políti-
cos, foram soluções de uma "crise de sentido" dolorosa
e universalmente sentida através da Europa.51 Nascidos
por causa do barbarismo cataclísmico e violência sempre-
cedente da Primeira Guerra Mundial, esses movimentos
apocalípticos proclamavam o advento do milênio neste
mundo, ou, para empregar a expressão de Eric Voegelin,
tentaram imanentizar o eschaton, construir o Céu na Ter-
ra, eliminar a distinção entre a Cidade do Homem e a Ci-
dade de Deus. 52 Entre 1914 e 1918, "em quatro anos a

35
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

confiança na evolução, no progresso e na própria história


foi aniquilada", já que a guerra "retalhou o tecido históri-
co e cortou todo o mundo do passado, de maneira súbita e
irremediável". 53 O comunismo e o fascismo foram reações
a esta anomia percebida. Foram tentativas de dar à luz
um novo sentido de transcendência e pertencimento. Des-
te ponto de vista, eram, como observou iluminadamente
Roger Griffin, modernismos políticos radicais.

Ideologia e intencionalidade
O credo oficial comunista era racionalista e celebrava os
legados do Iluminismo, ao passo que os ideólogos nazistas
(Alfred Rosenberg, Joseph Goebbels, Alfred Baumler, Otto
Strasser) insistiam no poder do irracional, nas energias vi-
tais e escarneciam dos efeitos supostamente esterilizadores
da razão. A realidade era que, por baixo das incompati-
bilidades filosóficas aparentes entre ambas as ideologias
rivais, o nazismo continha algumas afinidades táticas com
o marxismo, tão desacreditado. O próprio Hitler reconhe-
ceu que encontrara inspiração nos padrões marxistas de
luta política: "Aprendi muito com o marxismo, como não
hesito em reconhecer. Não quero dizer com sua doutrina
social enfadonha ou com a concepção materialista da his-
tória [... ] e assim por diante. Mas aprendi com seus méto-
dos. A diferença entre eles e mim é que pus realmente em
prática o que esses vendedores ambulantes e mata-borrões
(

começaram timidamente. Todo o nacional-socialismo é


baseado nele [... ]. O nacional-socialismo é o que o mar-
xismo poderia ter sido, se tivesse rompido suas ligações
absurdas e artificiais éom a ordem democrática" .54
É bem sabido que há pesquisadores que resistem à idéia
mesma de uma comparação entre comunismo e fascismo.
A comparação pode (mas nem sempre o faz) diminuir a
unicidade do horror absoluto simbolizado pelo holocausto
PRÓLOGO

e pode desprezar o fato de as intenções ideológicas terem


sido significativamente diferentes entre o comunismo e os
projetos fascistas, ou melhor, os projetos nazistas. Ainda
assim, ambos foram ideologias revolucionárias que visa-
vam a destruir o status quo (ou seja, a ordem burguesa)
e seus valores consagrados. Ambos os movimentos pro-
clamaram o papel predominante de uma comunidade de
indivíduos escolhidos agrupados dentro do partido. Am-
bos detestavam os valores burgueses e a democracia libe-
ral. Um levou ao extremo certo universalismo iluminista,
o outro fez um absoluto do particularismo racial. Lênin
não alimentou propensões xenófobas, mas Stálin, sim. No
final de sua vida, Stálin comportava-se como um anti-se-
mita rábido e preparou pogroms horrendos. Assim Hitler
como Stálin empregaram a propaganda para desumanizar
seus inimigos, os bolcheviques judeus, os trotskistas, e os
sionistas. O fascismo e o comunismo colocaram-se igual-
mente em posição de "apagar uma era específica do cur-
so homogêneo da história" .55 Ambos visavam a demolir
o passado em nome do futuro. Ambos os totalitarismos
cultivaram o mito da juventude, do renascimento, e do
futuro.
Lênin, Stálin e Hitler não teriam sido capazes de obter
seus fins se não tivessem sabido como arregimentar, mobi-
lizar e incluir grandes estratos sociais em seus esforços. Ao
passo que o bolchevismo era principalmente uma ditadura
ideocrática repressiva, o nazismo era, ao..menos nos seus
primeiros anos no poder, uma ditadura de consenso. Am-
bos representavam o triunfo das construções ideológicas
enraizadas no cientificismo, organicismo, historicismo e
voluntarismo. Para Lênin, a luta de classes era a justifica-
ção última para a perseguição cruel dos aristocratas, sa-
cerdotes e camponeses ricos. A desumanização do inimigo
começou basicamente com Lênin. Isso não significa que

37
O DIABO NA HI STÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

o nazismo era simplesmente uma resposta ao bolchevis-


mo, uma reação movida pelo pânico a uma causa externa
(como sugerido pelo historiador alemão Ernst Nolte).56
Eram endógenas as raízes ideológicas da política de Hi-
tler. Havia uma tradição proto-fascista na Alemanha as-
sim como na França. 57 Ainda assim, em certo momento, o
stalinismo incorporou os motivos e símbolos da direita ul-
tra-nacionalista e se tornou, como defenderam Alexander
Yakovlev e Robert C. Tucker: "bolchevismo de extrema-
-direita" .58 Timothy Snyder enfatizou judiciosamente que
"a qualidade especial do racismo nazista não é atenuada
pela observação histórica de que as motivações de Stálin
eram algumas vezes nacionais ou étnicas. O poço do mal
simplesmente fica mais fundo [grifo meu]" .59
Na verdade, assim Hitler como Stálin falaram de limpe-
za étnica. Por exemplo, entre 1937 e 1938, a maior parte
das vítimas do Grande Terror eram ou inimigos de classe
ou inimigos nacionais. Entretanto, um matiz enfatizado
por Snyder oferece um caveat à comparação entre esses
dois extremismos. De fato, o stalinismo não transformou
o morticínio em massa em história política, como aconte-
ceu na Alemanha Nazista. Para Stálin, "o morticínio em
massa nunca poderia ser mais do que uma defesa bem-
-sucedida do socialismo, ou um elemento numa história
de progresso em direção ao socialismo". 60 Mas, levando
adiante o ponto de vista de Snyder, o comunismo, como o
fascismo, sem dúvida fundou sua modernidade intolerante
alternativa sobre o extermínio. O projeto comunista, em
países como a URSS, a China, Cuba, a Romênia ou a Al-
bânia, estava baseado precisamente na convicção de que
certos grupos sociais eram irreparavelmente estranhos e
mereciam ser assassinados.
O apetite do comunismo pela limpeza étnica, além do
"sociocídio" (para empregar um termo de Dan Diner), não
PRÓLOGO

estava enraizado simplesmente nas fobias e idiossincrasias


de Stálin. O jdanovismo (as campanhas anti-cosmopolitas
depois de 1946), o pogrom secreto do começo dos anos
de 1950 e o caso Slánsky foram parte essencial da stali-
nismo tardio (i)lógico. 61 Ironicamente, representaram uma
assim dita vitória do nazismo sobre seu rival ideológico
principal. Como aponta Martin Amis, o terror anti-judai-
co planejado por Stálin "ter-se-ia modelado na idéia ou
tática bolchevique mais antiga de incitar uma classe para
destruir a outra. Teria parecido com o Terror Vermelho de
1918, com os judeus muito próximos do papel de burgue-
sia.62 Erik van Ree enfatiza corretamente que a originali-
dade ideológica real do stalinismo tardio foi a síntese entre
nação e classe e entre dois objetivos principais: desenvol-
vimento nacional e comunismo mundial.63 O processo de
construção do estado na União Soviética produziu resul-
tados muito não-marxistas. Em vez de murchar, o Leviatã
burocrático, abissalmente corrupto e incuravelmente ine-
ficiente, alcançou dimensões astronômicas. Ora, seguindo
as análises de Ken Jowitt e Terry Martin, o stalinismo fa-
lava de modernização, mas praticava neo-tradicionalismo.
Em suma, já não é possível manter e defender a imagem
de um Lênin relativamente benigno cujas idéias foram per-
versamente distorcidas pelo sociopata Stálin. O elemento
crucial que determinou as decisões dos líderes totalitários
foi a obsessão ideológica. Viviam às custas da ideologia,
na ideologia e para a ideologia. As seitas messiânicas bol-
cheviques e nazistas eram construções ideológicas firme-
mente unidas. A analogia mais próxima, que devo a Ken
Jowitt, seria a fortaleza, o castelo hermeticamente isola-
do cujos habitantes pensam e agem do mesmo modo. A
despeito de outras afirmações questionáveis, Ernst Noite
está certo quando sublinha que, ao passo que Lênin era
um político russo e Hitler um político alemão, a história

39
O DIABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

era muito mais complicada. Eram profetas ideológicos, e


apenas a ideologia poderia explicar o curso de suas inter-
venções históricas: "A questão fundamental permanece a
exacerbação (Überschiessen) da novidade, do hiato que
constituiu o propriamente ideológico. É o ideológico que
gera as ações mais significativas. Podem existir diferenças
profundas entre estas ideologias, mas cada uma é definida
por uma superação simultânea e por um cerne de elemen-
tos legítimos e convenientes, e apenas o extremismo ideo-
lógico pode igualmente gerar e destruir". 64
Robert Gellately retratou Lênin, franca e inequivoca-
mente, como "um indivíduo cruel e ambicioso, que era ar-
rogante ao afirmar conhecer o que era bom para a 'huma-
nidade'; brutal em sua tentativa de submeter seu próprio
povo a uma transformação social radical; e convencido de
que detinha a chave para a derrubada futura do capitalis-
mo global e o estabelecimento do comunismo mundial" .65
É difícil não concordar com ele quando escreve: "Lênin in-
troduziu o comunismo soviético, juntamente com a nova
polícia secreta e os campos de concentração [...]. Uma vez
no poder, Lênin caçou com entusiasmo quem quer que
não se encaixasse no novo regime ou a ele se opusesse, e
inaugurou os expurgos do partido comunista que exigia
periodicamente caças às bruxas em nível nacional [...]. Lê-
nin não se tornou um ditador simplesmente por tomar o
manto do presidente do Sovnarkom (na verdade, seu pri-
meiro-ministro). Ao contrário, fez prevalecer sua vontade
por seu controle dos grandiosos textos marxistas e talvez,
acima de tudo, por sua ferocidade" .66
De novo, Ernst Noite e Richard Pipes não estão errados
em examinar o conflito entre os dois estados totalitários
como um conflito entre construções similares enraizadas
no frenesi intelectual e na húbris utópica. Depois de Hitler
subir ao poder em janeiro de 1933, "dois grandes esta-
PRÓLOGO

dos ideológicos .ficaram face a face na Europa, dois esta-


dos cuja atitude, em última análise, foi determinada por
concepções, que se consideravam interpretações assim do
passado como do futuro da história mundial, e que em-
pregaram essas interpretações para darem sentido à vida
humana". 67
Lênin criou a práxis do voluntarismo e o maniqueísmo
necessário para o sucesso da ação revolucionária. Nacos-
mologia política de Lênin não havia maneira de reconciliar
o proletariado e a burguesia; o triunfo daquele implicava
a destruição desta. No mesmo espírito, como a Segunda
Guerra Mundial confrontou os nazistas com uma derrota
possível, Hitler e seus acólitos recorreram a uma acelera-
ção radical de suas políticas genocidas contra os judeus. A
idéia era que não se poderia alcançar nenhuma paz com os
judeus, sob nenhumas circunst~ncias.
O impacto de Lênin no marxismo e sua responsabilida-
de pelo abismo ético e o imenso sacrifício humano gerado
pelo comunismo no século XX é, penso eu, expresso so-
berbamente na seguinte formulação de Denis Holier e Bet-
sy Wing: "O marxismo levou a história de seus estágios de
infância, de seus momentos sem fala, e lhe deu uma trilha
sonora [... ]. Lênin descobriu que a história falava a lín-
gua do materialismo dialético. Mas é necessário um anun-
ciante para transmitir o roteiro". E essa rádio era a Rádio
Moscou com a única voz do partido comunista da União
Soviética. Para continuar esta discussão, apenas quando
o centro ideológico irradiador "cessou de ser decifrável
para os decodificadores marxistas" é que foi possível vi-
ger o "contrato de silêncio" referente à criminalidade do
bolchevismo, e a emancipação do Diamat [materialismo
dialético] ganhar movimento na história política e inte-
lectual do marxismo na Europa. 68 Ironicamente, foi pre-
cisamente o retorno desencantado aos "grandiosos textos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

marxistas", uma tradição traída e esquecida, que permitiu


ondas sucessivas de des-stalinização balançarem o barco
do partido-estado utópico. Não houve tal tradição na ex-
periência nazista e nenhuma Escritura Sagada originária,
supostamente humanista, para que os nacional-socialistas
desiludidos sonhassem com a ressurreição. Ian Kershaw,
comentando a tentativa falhada de Goebbels e Albert
Speer de aproximar Hitler, em 1943, do que percebiam
como os problemas endêmicos do estado nazista (entre
os quais, ao menos para Goebbels, estava a ausência da
radicalização do front caseiro), concluíram de maneira
inequívoca: "Apoiavam-se na ilusão de que o regime era
reformável, mas que Hitler não queria reformá-lo. O que
não entenderam completamente foi que o 'sistema' sem
forma do governo que tinha emergido era assim o produto
inexorável da regra personalizada de Hitler como a garan-
tia de seu poder". 69
Concluindo, a distinção-chave entre esses dois proje-
tos horrendos do século XX está no revisionismo ou nos
desenvolvimentos similares que simplesmente não pode-
riam ser imaginados ou implementados sob o regime na-
zista. Os nazistas não tinham nenhum projeto humanista
autêntico para invoca~ - nenhum reservatório iluminado
de esperanças libertárias traídas para serem ressuscitadas
contra as abominações do hitlerismo. Não é sequer ima-
ginável uma pancada no estilo Kruschev ao culto místico
de Hitler. O impacto do revisionismo marxista e os inte-
lectuais críticos dificilmente podem ser superestimados.
A aventura do revisionismo levou os intelectuais comu-
nistas para além do sistema denunciado como o culto
da personalidade. O marxismo crítico transformou-se
em pós-marxismo, e mesmo em anti-marxismo liberal.
De dentro, os fiéis verdadeiros acharam o leninismo des-
tituído de sua ambição mais poderosa, a de responder

42
PRÓLOGO

duma maneira positivamente engajadora aos desafios da


modernidade democrática. Como defendeu o historiador
Vladislav Zubok: "O ethos da participação cívica educa-
da, da resistência à imoralidade do regime comunista, e a
crença no socialismo humano foi uma característica co-
mum aos esforços dos reformadores e homens de cultura
russos, poloneses e checos com visão larga" .70 Esse funda-
mento comum crescente de fortalecimento e emancipação
se tornou mais óbvio em 1969 e, mais tarde, nos ecos do
movimento dissidente na Europa Ocidental. A apostasia
apareceu uma vez que o fanatismo ideológico dos regi-
mes comunistas foi denunciado de dentro. O leninismo,
em contraposição ao fascismo, entrou afinal em colapso
na Europa por ter perdido suas credencias hierocráticas,
quase-religiosas.

43
CAPÍTULO 1
RADICALISMO UTÓPICO E DESUMANIZAÇÃO

Temos de arrastar conosco 90 milhões dos 100 milhões de


habitantes da Rússia Soviética. Quanto ao resto, não temos
nada que dizer-lhes. Eles têm de ser eliminados.
- Grigore Zinoviev, Severnaya kommuna,
19 de setembro de 1918

Para o homem, portanto, que, a despeito de um coração


corrompido, possui ainda boa vontade, r~manesce a esperança
de retornar ao bem do qual se extraviou.
- Immanuel Kant, Da inerência do mau princípio ao lado
do bom ou Sobre o mal radical na natureza humana, ou Do
mal radical na natureza humana

Para massacrá-los, foi necessário proclamar que os


culaques não eram seres humanos. Assim como os alemães
proclamaram que os judeus não são seres humanos. Assim
fizeram Lênin e Stálin: culaques não são seres humanos. Mas
isto é uma mentira. Eles são pessoas! Eles são seres humanos!
-Vasily Grossman, Forever Flowing

La relation dialectique entre communisme et fas cisme est


au centre des tragédies du siecle. [A relação dialética entre
o comunismo e o fascismo está no centro das tragédias do
século].
- François Furet, Sur l' illusion communiste

É impossível entender os sentidos do século XX se não


reconhecermos a unicidade dos experimentos da esquerda
e direita revolucionárias em remodelar a condição huma-
na em nome de leis históricas supostamente inexoráveis.

45
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Foi durante esse século que, empregando a expressão de


Leszek Kolakowiski, "o diabo se encarnou na História".
O debate ininterrupto acerca da natureza e legitimidade
(ou mesmo aceitabilidade) de comparações (analogias)
entre as tiranias guiadas ideologicamente do século XX
(comunismo radical, ou melhor, leninismo, ou, como re-
ferem alguns, stalinismo de um lado, e fascismo radical
ou, mais precisamente, nazismo do outro), apoiou-se na
interpretação do mal político último e seu impacto sobre
a condição humana. 1 Em suma, podem-se comparar duas
ideologias (e práticas) inspiradas por visões essencialmen-
te diferentes da natureza humana, progresso e democracia,
sem perder-lhes a differentia speci"fi.ca, turvando distinções
doutrinárias importantes, mas também axiológicas? Foi a
centralidade essencial do campo de concentração, a única
"sociedade perfeita", como disse certa vez Adam Michnik,
o horrendo denominador comum entre os dois sistemas
em seu estágio "altamente eficaz" (Zygmunt Bauman es-
creve acerca de nossa era como um "século de campos
de concentração"). 2 Estava certo François Furet ao reco-
nhecer que a hereditariedade do comunismo deveria ser
detectada na busca do pós-Iluminismo pela democracia de
massa, ao passo que o fascismo simbolizava exatamente
o oposto ?3 Foi o fascismo, como asseverou Eugen Weber,
" uma revolução rival" que via o comunismo apenas como
um "competidor para a fundação do poder" (nas palavras
de Jules Monnerot)? 4
São úteis e necessárias as comparações entre comunis-
mo e fascismo e entre stalinismo e nazismo. Meu esforço de
comparação concentra -se no fundamento comum desses
movimentos políticos, ao passo que também lhes reconhe-
ce as diferenças cruciais. 5 Ademais, concordo com Timo-
thy Snyder quando diz que "os sistemas nazista e stalinista
devem ser comparados, não tanto para compreendermos
CAPÍTULO I

um ou outro, mas para compreendermos nossos tempos


e a nós mesmos" .6 O comunismo e o fascismo forjaram
suas próprias versões de modernidade baseados em pro-
gramas de mudança radical que advogavam homogenei-
zação assim como transformação social, econômica e cul-
tural, pressupondo "a renovação total do corpo social" .7
Ambos eram fundados em utopias imanentes enraizadas
em fervor escatológico. Dito de outra maneira, as tempes-
tades ideológicas do século XX foram a expressão de uma
húbris contagiosa de modernidade. Portanto, as lições que
aprendemos, comparando-os e contrastando-os, têm um
sentido universal, quase eterno, para qualquer sociedade
que deseje evitar urna descida desastrosa na barbárie e for-
mas genocidas de extermínio. Os dilemas contemporâneos
de um mundo globalizado não podem senão beneficiar-se
do exame das falácias desastrosas do passado.

A mutação leninista
Aqui é importante enfatizar a afirmação de Claude
Lefort e Richard Pipes: o leninismo foi uma mutação na
práxis da democracia social, não apenas uma continua-
ção dos legados "iluminista-democráticos" do socialismo.
Igualmente significativo, precisamente porque insistiu tan-
to no "nexo causal" e na angústia e medo contra-revolu-
cionários, o historiador alemão Ernst N olter não entendeu
completamente a natureza do anti-bolchevismo fascista
como um novo tipo de movimento e ideologia revolucio-
nários, uma rebelião contra os próprios fundamentos da
civilização moderna européia. Na verdade, como insistiu
Furet (e, antes, Eugen Weber e George Lichteim), o fascis-
mo, em sua forma nazista, radicalizada, não foi simples-
mente uma reencarnação do pensamento contra-revolu-
cionário em ação. 8 O nazismo foi mais do que uma reação
ao bolchevismo, ou ao culto do progresso e à exaltação

47
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sentimental da humanidade abstrata simbolizada pelo


proletariado. Foi, de fato, algo completamente novo, uma
tentativa de renovar o mundo, livrando-o da burguesia,
do ouro, do dinheiro, dos parlamentos, dos partidos, e de
todos os outros elementos "decadentes", "judeu-plutocrá-
ticos". Então o fascismo não foi uma contra-revolução,
como afirmavam os ideólogos da Comintern; ao contrá-
rio, ele é em si uma revolução. Ou, para empregar a ex-
pressão mais plástica de Roger Griffin: "A flecha do tempo
aponta não para trás, mas para a frente, mesmo quando
o arqueiro, para guiar-se para onde atirar, olha por so-
bre o ombro". De acordo com o mesmo autor, o fascismo
foi "uma forma revolucionária de nacionalismo [...]. [O]
mito central que inspira este projeto é o de que apenas
um movimento de purificação populista e transcendente
de classes, de renascimento nacional catártico (palingene-
sis ) pode represar a onda de decadência. 9 Em jogo está a
reação ao "sistema", ou seja, aos valores, direitos e ins-
tituições burguesas individualistas. Quando Lênin dissol-
veu a Assembléia Constituinte em janeiro de 1918, estava
sancionando um desprezo mantido por muitos anos pela
democracia representativa e soberania popular. O sistema
de partido único, emulado por Mussolini e Hitler, foi en-
tão inventado como uma nova forma de soberania que era
desdenhosa com os indivíduos, a fragmentação, a delibe-
ração e o diálogo. Em 6 de janeiro de 1918, celebrando a
dissolução do pluralismo, o Pravda publicou o seguinte:
"Os mercenários dos banqueiros, capitalistas e proprietários
de terra, os aliados de Kaledin, Dutov, os escravos do dólar
americano, os apunhaladores pelas costas, os socialistas
revolucionários de direita exigem na Assembléia Constituinte
todo o poder para si e seus mestres - inimigos do povo.
Adulam as demandas populares por terra, paz e controle
[do trabalhador], mas, na realidade, tentaram apertar um nó
no pescoço da autoridade socialista e da revolução. Mas os
CAPÍTU LO I

trabalhadores, os camponeses e os soldados não cairão na


armadilha de mentiras do pior mal do socialismo. Em nome
da revolução socialista e da república soviética socialista
nunca erradicarão seus matadores abertos e ocultos". to

Uma das reações mais acerbas à decisão de Vladimir


Lênin, Leon Trotsky, Grigory Zinoviev, Nikolai Yakov
Sverdlov e seus companheiros de dissolver os remanescen-
tes da democracia na Rússia veio da pensadora marxista
teuto-polonesa Rosa Luxemburgo, em suas notas manus-
critas acerca da Revolução Russa. Em sua trilogia, Leszek
Kolakowski cita o comentário de Luxemburgo: "Liberda-
de apenas para os adeptos do governo, apenas para os
membros do partido único, embora numerosos - isto não
é liberdade. A liberdade tem de ser sempre para os que
pensam diferente". Kolakowski captou fielmente a estoca-
da da crítica de Rosa Luxemburgo ao bolchevismo:
"O socialismo foi um movimento histórico vivo e não
poderia ser substituído por decretos administrativos. Se os
negócios públicos não fossem discutidos adequadamente,
tornar-se-iam o campo de um círculo estreito de oficiais,
e seria inevitável a corrupção. O socialismo exigia uma
transformação espiritual das massas e o terrorismo não era
a maneira de levar a ela: tem de haver democracia ilimitada,
uma opinião pública livre, liberdade de eleições e imprensa, o
direito de manter encontros e formar associações. De outro
modo, a única parte ativa da sociedade seria a burocracia:
um pequeno grupo de líderes que dão ordens, e a tarefa dos
trabalhadores seria aplaudi-los. A ditadura do proletariado
seria substituída pela ditadura de um conventículo,, .11

A guerra civil européia aco nteceu, na verdade, no sé-


culo XX, mas seu lance principal não foi a vitória do bol-
chevismo sobre o nazismo (ou vice-versa). Foi, na verdade,
sua ofensiva conjunta contra a modernidade liberal. 12 Am-
bos os movimentos totalitários foram intoxicados com "o
estado de expectativa produzido pela certeza intuitiva de
que uma fase inteira da história está dando lugar a uma

49
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

nova" - um sentimento de Aufbruch [despertar], que se


tornou uma racionalização lógica para o projeto totali-
tário de engendrar a realidade.13 Isso explica a prontidão
de tantos comunistas em aquiescer à cumplicidade soviéti-
co-nazista, incluindo o pacto de "não-agressão" de 1939:
os militantes radicais viram as democracias ocidentais
"decadentes" como condenadas a desaparecer, e estavam,
portanto, querendo aliar-se aos fascistas igualmente anti-
-burgueses. Isto não quer dizer que foi apenas um meio de
propaganda para a Comintern, ou que o anti-marxismo
não foi um componente central do nacional-socialismo.
O ponto é que os dois movimentos eram essencial e ina-
balavelmente opostos aos valores, instituições e práticas
democráticas. O pensador político alemão Karl Dietrich
Bracher afirmou certa vez, de maneira memorável, que "os
movimentos totalitários são os filhos da época da demo-
cracia" .14 Na sua forma mais perfeita, na União Soviética
e na Alemanha, o leninismo e o fascismo representaram
"um ataque feroz e uma alternativa assustadora à moder-
nidade liberal" .15 Suas experiências simultâneas situaram-
-nos numa "intimidade negativa" no quadro europeu de
'guerra e evolução"' 16 - um "abraço mortal" 17 que elevou
o sofrimento e a destruição a um nível sem precedentes na
história.
A meu ver, é extremamente importante esclarecer es-
sas questões para a compreensão dos riscos reais políticos,
morais e culturais da ordem do pós-Guerra, uma ordem
que Ken Jowitt supõe ser "sem leninismo ", mas onde os
legados leninistas e fundamentalista-primordialistas conti-
nuam a assombrar a memória e a imaginação política. Por
outro lado, vivemos num mundo em que não apenas os
espectros pós-comunistas continuam subindo à superfície,
mas onde os delírios pós-fascistas de exclusão (e suas con-
seqüências práticas) não estão totalmente extintos. Não

50
CAPÍTULO I

está encerrada a guerra entre o liberalismo e seus oponen-


tes revolucionários (e sua nostalgia), e não deveriam ser
automaticamente consideradas como impossíveis novas
variedades de políticas utópicas extremas.
Numa cena famosa de seu romance La condition hu-
maine (traduzido para o inglês como Man's Fate), o ro-
mancista André Malra ux captou o grande sonho do
comunismo do século XX (ou ao menos os momentos
romântico-heróicos associados ao que o escritor francês
chamou outrora l' illusion lyrique, a ilusão lírica). A cena
acontece na China, durante a insurreição comunista fra-
cassada de 1926. Capturado pelo Kuomintang, pergun-
tam a um militante comunista o que ele acha tão atraente
na causa por que luta. A resposta é "porque o comunismo
defende a dignidade humana". "E o que é dignidade?",
pergunta o carrasco. "O oposto da humilhação", respon-
de o fiel verdadeiro, pouco antes de sua morte. Conheço
muitos ex-comunistas que se juntaram à causa em virtude
deste romance extraordinário, publicado no começo dos
anos de 1930.
Para o jovem Malraux, o comunismo era uma história
de pureza e regeneração que motivava uma dedicação fa-
nática ao futuro ainda promissor e uma oposição visceral
à sordidez real ou imaginada da velha ordem moribunda.
Em suas memórias, Arthur Koestler descreveu a atração
moral do comunismo inicial, comparando-o ao ascetismo
e martírio dos primeiros cristãos. Mas, apressou-se Koes-
tler em acrescentar que, em poucas décadas, o comunismo
declinou das alturas do idealismo moral para o horror dos
Bórgias e da Inquisição. No entanto, mesmo um crítico tão
lúcido do totalitarismo como Raymond Aron ainda não
estava pronto, até os últimos anos de sua vida, para re-
conhecer que o comunismo e o nazismo eram igualmente
criminosos em sua natureza muito sistêmica. Em seu livro
O DIABO NA H ISTÓR IA 1 VLAD IMIR TISMANEANU

influente Démocratie et totalitarism, baseado num curso


que apresentou em 1957-58, Aron apontou para uma dis-
tinção fundamental entre os dois experimentos totalitá-
rios, referindo-se "à idéia que inspira cada um dos dois
empreendimentos: num caso, o resultado final é o campo
de trabalho, ao passo que no outro é a câmara de gás. Num
caso lidamos com a vontade de construir o homem novo e
possivelmente outro homem, por quaisquer meios; no ou-
tro, há uma vontade literalmente demoníaca de aniquilar
uma pseudo-raça". Mais tarde, contudo, em suas Memó-
rias, Aron renunciou a essa distinção e fez uma acusação
inequívoca a ambos os sistemas corno igualmente repreen-
síveis: "Abomino o comunismo assim como detesto o na-
zismo. Já não me impressiona o argumento que invoquei
outrora para distinguir o messianismo de classe daquele, do
messianismo de raça advogado por este. O universalismo
aparente do comunismo tornou-se, em última análise, uma
mistificação" .18 Esta era uma afirmação desagradável que
muitos intelectuais e ativistas sociais ainda hoje não estão
prontos para endossar. A explicação para esta relutância
está, a meu ver, nas mitologias duradouras de anti-fascis-
mo, incluindo as relacionadas à Guerra Civil Espanhola, a
participação comunista nos movimentos de resistência, e o
fracasso de reconhecer que o nazismo não foi o resultado,
mas o inimigo arrebatado do capitalismo liberal.

O mito do partido predestinado


O partido como a encarnação da racionalidade histó-
rica, com a vanguarda revolucionária eleita para liderar
as massas, doutro modo letárgicas, em direção ao paraíso
comunista, foi o traço distintivo da intervenção leninista
na prática política do século XX. Sem o partido, não teria
havido nenhuma revolução bolchevique e nenhum gulag,
pode-se dizer. O mito do pa rtido, mais que o mito do líder,

52
CAPÍTULO I

explica a longevidade e a tenacidade do projeto leninista.


O outro lado, os fascistas, embora invocando os coman-
dos da providência histórica, investiu o último centro do
poder menos na instituição do que no "gênio" infalível do
líder. Era importante o partido, mas não havia nunca o
mesmo tipo de magnetismo carismático institucional que
as formações leninistas representavam, particularmente
no caso da Alemanha nazista. No caso da Itália fascista,
quando o líder carismático foi deposto em 1943, o par-
tido simplesmente não pôde reinventar-se, a despeito de
ter conseguido reafirmar sua autonomia diante do líder
por meio do Grande Conselho Fascista. 19 Na Itália pro-
priamente dita, o partido desintegrou-se, ao passo que na
República de Saló (a parte do país sob o controle alemão)
Mussolini simplesmente se tornou um títere nas mãos de
Hitler. 20 Mussolini perdera a habilidade de representar o
papel "de um profeta moderno que ofereceu a seus segui-
dores uma nova visão de mundo para redimir a nação do
caos e levá-la a uma nova era, uma era que se inspira-
va num passado mitificado para regenerar o futuro". 21 O
mito de Hitler era muito mais resiliente. lan Kershaw ob-
servou que esse culto da personalidade, como o nexo de
"expectativas e motivações sociais nele investidas por seus
seguidores" ,22 experimentou uma "deflação lenta em vez
de uma pane brusca". 23
Deve-se fazer aqui uma nota relativa à possível dife-
rença entre o fascismo italiano e o nazismo. Como mui-
tos pesquisadores já notaram, no caso alemão, a institu-
cionalização do carisma foi ofuscada pelo "princípio do
Führer". Philippe Burrin enfatiza que na Alemanha nazista
as políticas eram marcadas fundamentalmente pelo "po-
der personalizado - no duplo sentido do termo, centrado
ao redor da pessoa de Hitler e fundado diretamente nas
relações de pessoa a pessoa". Em seu estudo clássico, Karl

53
O DIABO NA HI STÓRlA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Dietrich Brecher considerou que "a criação do sistema de


terror e extermínio e o funcionamento da polícia e dos
apparatchiks da SS que operavam esse sistema fundavam-
-se nessa derrubada de todas as normas legais e morais por
um líder totalitário que não tolerava a adesão às leis, ao
código penal ou à constituição, mas reservava a si mesmo
uma liberdade completa de ação e de tomada de decisão.
O poder político era simplesmente o executor da vonta-
de do Líder" .24 A análise fundamental de Ian Kershaw do
"mito Hitler" mostrou o líder como uma entidade política
quase independente do partido, "o motor de integração,
mobilização e legitimação dentro do sistema de governo
nazista" .25 Neste sentido, a atração do princípio do líder,
para o caso da Alemanha, chega mais perto do culto de
Lênin na União Soviética do que do culto de Stálin ou
Mussolini. Deixando de lado seus aspectos religiosos ex-
traordinários, o culto de Lênin tomou a forma de um mito
do pai fundador como a fonte infinita de renascimento
ideológico e sustentação da política comunista. E, na ver-
dade, o retorno aos "princípios leninistas verdadeiros"
repetidamente levou alívio ao regime soviético. A perpe-
tuação e dominação de uma compreensão krushevita de
sistemas comunistas pós-stalinistas permitiu a invocação
de Lênin (o líder sem pecado, para parafrasear Kershaw)
como salvo-conduto da utopia original, a despeito do cus-
to terrível deste último para as sociedades que o abraça-
ram. Apenas o fracasso persistente de tais revivescências
culturais ideológicas mostrou finalmente a obsolescência
do "mito Lênin", que, afinal, se desintegrou sob seu lega-
do violento.
Na Itália de Mussolini, o mito do II Duce não repre-
sentou a fundamentação lógica da religião fascista. Nas
palavras de Gentile: "Foi criado da experiência coletiva de
um movimento que se considerava investido de um caris-
CAPÍTULO I

ma missionário próprio, um carisma que, de fato, não era


identificado, no início, com Mussolini [... ]. O mito Mus-
solini veio à tona dentro do ambiente da religião fascista
uma vez que esta fora institucionalizada". 26 O fascismo
italiano guardou num relicário o líder como uma insti-
tuição potencialmente independente de Mussolini. Um ju-
rista italiano contemporâneo a esses tempos formulou o
problema como segue: "Se o novo estado há de tornar-se
um modelo de ser permanente, ou seja, um 'sistema de
vida', por causa de sua estrutura hierárquica, não pode
privar-se do papel do Líder, mesmo se este Líder não tiver
a magnitude extraordinária do Homem que, em primeiro
lugar, promoveu a revolução" .27 Em 1934, o intelectual
sardenho fascista Edgardo Sullis publicou um livro cujo
título repercutia Tomás de Kempis, Il Duce - Imitatione
de Mussolini, em que ele instigava os militantes a buscar
uma vida política totalmente dedicada a uma transforma-
ção radical da sociedade e de si mesmos: "Deveis imitar
apenas Mussolini. Não deveis ter outro exemplo na vida,
senão ele" .28 Este "cesarismo totalitário" (para empre-
gar o termo de Gentile), ou bonapartismo hierocrático,
que permitiu a interpermutabilidade do carisma entre o
líder e o partido é notavelmente similar à fórmula sovié-
tica do secretário geral como o "Lênin de nossos tempos"
(freqüentemente empregado também em outros regimes
comunistas). De fato, a luta entre Stálin e seu arqui-rival
Trotsky girava em torno da questão crucial: quem pode
legitimamente dizer que é o "Lênin de hoje"?
A forma primeira de carisma, no caso soviético, foi a
do partido como socialismo científico encarnado, o agente
escatológico que enfatizou "a brecha entre o proletariado
'em si mesmo' e o proletariado 'por si mesmo', e a cria-
ção de um agente encarregado de fechar essa brecha" .29
Mesmo a legitimidade de Stálin, no topo do culto da per-

55
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sonalidade, "aos olhos dos seus camaradas de partido, es-


tava no que viam como seu papel de garantidor do poder
de estado coletivo deles" .3° Como no caso de Mussolini,31
Lênin permaneceu o fundador do bolchevismo, o cabeça
do estado soviético (o primeiro estado proletário), e o lí-
der dos povos soviéticos. Sob o stalinismo, "o fato de o
partido ter existido como uma hierarquia integrada, con-
tínua, que era institucional e ideologicamente embutida
no sistema, significava que ele existira sempre como uma
fonte de correção e manutenção sob controle das políticas
mais extremas do regime. A continuidade institucional do
partido apresentou a base para o auto-controle" .32 Tal ali-
nhamento específico permitiu reinvenções e estagnações
leninistas sucessivas assim na União Soviética como na
Europa Oriental. Uma explicação possível para o impacto
imensamente explosivo do "Discurso Secreto" de Nikita
Krushev (fevereiro de 1956) foi, além da observação clás-
sica acerca da aceitação da falibilidade na aplicação da
linha do partido no mais alto nível do poder, a que revelou
crimes contra o partido. O mito Stálin subverteu irreversi-
velmente o "impersonalismo carismático" do partido (nas
palavras de Ken Jowitt).33 A conclusão que tirar é, por
ora, que assim o fascismo (em sua metamorfose italiana)
como o leninismo tiveram a possibilidade de regeneração
carismática construída a despeito da persona da lideran-
ça. O que contou para os fiéis verdadeiros foi a promessa
salvífica encarnada no partido - a fonte de liberdade atra-
vés da experiência de sucesso com a história. Entretanto,
no caso italiano, tal revivescência do partido depois do
desaparecimento de Mussolini se mostrou impossível por
causa da situação desastrosa em que o país se encontra-
va como resultado da administração chocantemente in-
competente do Partido Fascista Nacional no esforço de
guerra. O historiador R.J.B. Bosworth notou que, mesmo
CAPÍTULO I

durante a República de Saló, "o novo regime evitou cui-


dadosamente a palavra 'fascista', optando, em vez disso,
por 'social' como um sinal de seu compromisso com uma
'nova ordem' em casa e no exterior". A nova Republica
Sociale Italiana pode ser entendida como uma tentativa
desesperada, mas falhada, de reviver a missão heróica do
fascismo na Itália. 34
Houve uma distinção fundamental entre o comunismo
e o fascismo na identificação do lugar do carisma: os leni-
nistas adoravam o partido (e o líder como o garantidor da
correta linha do partido), ao passo que os fascistas celebri-
zaram a personalidade magnética de um líder presumivel-
mente infalível. Isto explica a fascinação persistente pelo
comunismo entre os indivíduos que continuaram a crer
em sua promessa de uma nova sociedade e na transforma-
ção social, econômica, cultural e política, mesmo depois
de Krushchev ter denunciado os crimes abomináveis de
Stálin. Um sentimento contínuo de que havia, a.final de
contas, algo moral no utopismo bolchevique, além da ex-
ploração de emoções anti-fascistas, levou a uma falha per-
sistente de reconhecer o fato básico de que, desde o início,
o sovietismo foi um sistema criminoso.
Lembro-me vividamente de uma conferência em Nova
Iorque, em outubro de 1987, quando a.firmações de dois
dissidentes (o russo Eduard Kuznetsov e o romeno Dorin
Tudoran) acerca do comunismo como uma "civilização
criminosa" provocaram uma resposta zangada de Mihai-
lo Marlovié, marxista crítico iugoslavo, que no final dos
anos de 1990 se tornou o principal ideólogo do regime
Milosevié. Dito de maneira simples: era aceitável docu-
mentar e condenar a bestialidade dos nazistas, mas pôr em
foco as atrocidades análogas perpetradas pela esquerda
radical aparecia como anti-comunismo primitivo. Outrora
Albert Camus sumariou a perplexidade moral provocada

57
O DIABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

por uma barreira tão consistente de preconceito ideolo-


gicamente motivado: "Quando exijo justiça, pareço estar
apelando ao ódio" .35 A revolução de 1989 e o colapso da
União Soviética em 1991 mudaram a situação. Os esforços
do bloco soviético de criar a Cidade de Deus aqui e agora,
a busca da sociedade perfeita, mostraram ser um desas-
tre abismal. O histórico desses regimes foi de um fracasso
absoluto, economicamente, politicamente e moralmente.
É mais do que tempo de suas vítimas serem relembradas.
Norman N aimark formulara uma prioridade para a inves-
tigação histórica: "Em última análise, ambos os estados
totalitários - a Alemanha nazista e a Rússia stalinista -
foram perpetradores de genocídio, o 'crime dos crimes'.
A despeito da queda da União Soviética e o concomitante
acesso maior à informação, sabemos muito m ais acerca
das atrocidades nazistas do que sabemos das atrocidades
soviéticas, e acerca daqueles que as iniciaram, organiza-
r am e executaram. A questão crucial da intencionalidade e
da culpabilidade criminosa no caso soviético pode apenas
ser estabelecida definitivamente com o acesso total aos ar-
quivos russos e àqueles responsáveis, que ainda vivem" .36
Tal conceptualização deveria ser estendida ao período do
"Alto Stalinismo" na China, Albânia, Romênia, Hungria
e Bulgária (1949-1953), e mesmo ao terrorismo genocida
do regime de Pol Pot no Camboja. Em cada um desses
casos pode-se ver como a persistência da vontade de sacri-
ficar seções inteiras da sociedade no altar do mito político
se materializou num compromisso com a violência em lar-
ga escala. 37
A avaliação comparativa e a memória do comunismo
e do fascismo foram inegavelmente marcadas, mediadas
e instrumentalizadas pela tradição do anti-fascismo no
Ocidente. Na raiz desse ethos público e intelectual fun-
d amental está uma interpretação manchada e culpada do

58
CAPÍTULO I

passado comunista. Este último era definido, de um lado,


por silêncio, parcialidade, ou ignorância relacionados aos
crimes e à ditadura dos partidos de estado leninistas, e,
de outro lado, pela dificuldade que separa o anti-fascismo
da propaganda imperialista da União Soviética durante o
século XX (ou a China e seus vários satélites). O caso da
Guerra Civil Espanhola permanece paradigmático para
toda a história do anti-fascismo. François Furet apresen-
tou uma caracterização excelente da deturpação que en-
gendrou essa tradição: "O anti-fascismo comunista tinha
duas faces, nenhuma das quais aconteceu de ser democrá-
tica. A primeira face, a da solidariedade, que enobreceu
tantos soldados, escondeu perpetuamente a busca dopo-
der e o confisco da liberdade". O anti-fascismo funcionou,
na maior parte de sua existência, segundo o princípio de
que a coesão tinha de ser defendida a todo custo, mesmo
que isso significasse, parafraseando Francis Ponge, tirar o
partido da realidade (a cunhagem original é "le parti pris
de choses"). Nas palavras de Furet: "Na hora do Grande
Terror, o bolchevismo reinventou a si mesmo como liber-
dade em virtude de uma negação". 38
Em seguida, o anti-fascismo foi posto na situação de
sempre tornar-se uma simples retórica da democracia e
da liberdade. Ele abrigava "mentiras existenciais" (para
empregar o termo de Diner), das quais constantemente
não conseguia tratar por causa de sua dedicação inaba-
lável ao cerne da ideologia comunista (i.e., soviética).
O anti-fascismo adquiriu, portanto, uma personalidade
dividida: "Abrangia os sátrapas totalitários da Europa
Oriental assim como o cosmos político da esquerda do
leste europeu desde 1945 até os anos de 1970" .39 Seus
proponentes (e hoje seus sobreviventes) adotaram uma
pretensão hegemônica à inocência da utopia socialista em
completo desprezo da criminalidade da utopia no poder.

59
O D IABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Este monopólio anti-fascista sobre o passado "afligiu o


próprio passado". 40
A promessa anti-fascista falhou por causa de sua liga-
ção umbilical com o centro de Moscou. É difícil, portan-
to, concordar com o historiador Geoff Eley, que dizia que
o momento de unidade anti-fascista de 1943-1947 saiu
perdendo por causa das "tensões agudas entre a União
Soviética e os Estados Unidos [...]. [E] como Stálin arras-
tou os partidos comunistas de volta à linguagem dos so-
vietes e da ditadura do proletariado, esta santificação do
parlamentarismo de novo se tornou um indicador-chave
de divisões da esquerda" .41 Falhou por causa da natureza
verdadeira dos partidos ~omunistas e de seu líder, o Par-
tido Comunista (CSPU) de Stálin. Falhou porque aceitou
o mesmo contrato de silêncio, o que ele endossou duran-
te o Grande Terror, no que diz respeito à ofensiva jdano-
vista e a já ampla sovietização de alguns países do les-
te europeu (por exemplo, os campos de extermínio e as
execuções em massa na Bulgária entre 1944 e 1947).42 O
jdanovismo não deveria ser reduzido a significar apenas a
"teoria dos dois campos" explicada pelo primeiro-tenen-
te em setembro de 1947 na conferência de fundação do
Escritório de Informação dos Partidos comunista e dos
trabalhadores (Cominform). 43 Quando nos referimos aos
tempos de Jdanov (zhdanovhchina), pensamos no deba- ,
te ao redor da História da Filosofia Européia Ocidental,
do filósofo oficial Georgi Aleksandrov e da condenação
de Anna Akhmatova (difamada por levar "uma atração
mística sexual louca pelos bons dias de Catarina) e Mi-
khail Zoshchenko. 44 Esses momentos-chave do período
imediatamente posterior da Segunda Guerra Mundial dis-
pararam na URSS (e, implicitamente nos países satélites
sovietizados) uma nova onda de frenesi terrorista sob a
máscara de anti-cosmopolitismo e remobilização ideoló-

60
CAPÍTULO I

gica. Essas dinâmicas domésticas precederam o começo da


Guerra Fria. Também não se deve esquecer a execução e
o aprisionamento de milhões de cidadãos soviéticos espa-
lhados no Reich de Hitler (POWs, indivíduos empregados
como trabalho forçado pelos nazistas, ou detentos de cam-
pos) uma vez forçados pelos aliados a retornar à URSS. A
União Soviética do pós-guerra era a antítese da liberdade
e da democracia; era, na verdade, "um mundo construído
sobre a escravidão" .45 Depois de pesquisar os dados exis-
tentes, Timothy Snyder concluiu que "nunca houve mais
cidadãos soviéticos nos gulags do que nos anos depois da
guerra; na verdade, o número de cidadãos soviéticos nos
campos e estabelecimentos especiais aumentou a cada ano
desde 1945 até a morte de Stálin" .46 Com tal sistema en-
cabeçando o movimento anti-fascista, não havia nenhu-
ma oportunidade para qualquer renovação da esquerda. 47
Mas depois da derrota de Hitler, o anti-fascismo foi en-
trincheirado como vontade politizada, alimentando sua
própria arrogância, abrindo caminho à força cegamente
num ativismo frenético. Portanto, ele apenas piorou uma
fascinação pré-existente com o "Grande Experimento" de
Stálin. Neste contexto, como observou Sydney Hook, "a
integridade intelectual tornou-se a primeira vítima do en-
tusiasmo político" .48
Voltando a meu argumento anterior, a comparação
entre comunismo e fascismo foi manchada fundamental,
intelectual e eruditamente, tanto pela afirmação da ino-
cência original do leninismo (ou a assim chamada utopia
comunista positiva e afinal humana)49 como pelo fracasso
ressonante e duradouro do anti-fascismo em denunciar o
caráter criminoso e intolerante dos regimes comunistas.
Ademais, a experiência da Segunda Guerra Mundial nos
vários países ocidentais, com sua violência, colaboração,
traição, e resistência freqüentemente limitada ao ocupante

61
O DIABO NA HISTÓRlA 1 VLADIMIR T ISMANEAN U

fascista, deixou uma visão turvada da justiça. Por exemplo,


no caso da França do pós-guerra, Tony Judt demonstrou
convincentemente que "a ausência de qualquer consenso
acerca da justiça - seu sentido, suas formas, sua aplicação
- contribuiu para a resposta confusa e inadequada dos
intelectuais franceses à prova de injustiça em outro lugar,
especialmente nos sistemas comunistas" .50
No entanto, considero legítimas as perguntas levanta-
das pelo historiador Anson Rabinbach acerca do legado
de uma tradição que é parte integrante da presente iden-
tidade européia: "É possível ir além de uma confrontação
entre o anti-fascismo como um mito apoiado pelo estado
mobilizado para esconder os crimes do 'primeiro' regime
anti-fascista (soviético), e o anti-fascismo como um mo-
mento necessário e heróico na história da resistência do
Ocidente ao totalitarismo na primeira fase? Podemos che-
gar a um julgamento diverso além das perspectivas mutu-
amente excludentes de 1936 e 1989?" .51 Minha resposta,
e a discussão que se segue serve como um exemplo, é po-
sitiva, no sentido de que a nova avaliação da história dos
totalitarismos do século XX nos dá lições e valores para
a salvaguarda da democracia e liberdade tanto na esquer-
da quanto na direita. O anti-fascismo e o anti-comunismo
são reações lógicas às experiências e realidades de um sé-
culo devastado. 52

O Livro Negro do Comunismo e seu impacto


Um dos mais importantes momentos de reavaliação do
papel desempenhado pelo comunismo (como ideologia e
como tipo de regime) foi a publicação de O Livro Ne-
gro do Comunismo e os debates subseqüentes (na França,
Alemanha, Estados Unidos, e assim por diante) gerados
por este livro e suas teses, assim na esfera pública como
entre acadêmicos. O livro veio a público inicialmente com
CAPÍTULO I

um enorme sucesso na França, onde vendeu mais de 200


mil exemplares. Suas traduções italiana e alemã também
se tornaram best-sellers. A publicação do livro na Euro-
pa Central e Oriental levou a polêmicas e discussões sem
fim relativas à responsabilidade pelos crimes comunistas,
cumplicidade com eles e conseqüências deles. O que O
Livro Negro do Comunismo conseguiu demonstrar é que
o comunismo em sua versão leninista (e, pode-se reco- .
\

nhecer, esta foi a única aplicação de sucesso do dogma


original) foi desde o início inimigo dos direitos humanos
e da liberdade humana. Como afirmou Martin Maliano
prefácio à edição americana, "os regimes comunistas não
apenas cometeram atos criminosos (todos os estados às
vezes os cometem); eram empresas criminosas em sua
própria essência: em princípio, por assim dizer, eram go-
vernados sem lei, pela violência, e sem preocupação pela
vida humana". 53 A despeito de sua retórica pomposa acer-
ca da emancipação da opressão e da necessidade, o salto
no reino da liberdade anunciado pelos pais fundadores
se revelou um experimento de engenharia social desen-
freada e ideologicamente guiada. 54 A idéia mesma de um
judiciário independente foi rejeitada como "liberalismo
podre" . O partido definia o que era legal e o que não era:
assim como na Alemanha de Hitler, onde as odiosas Leis
de Nurembergue de 1935 eram uma ficção legal ditada
pelas obsessões raciais nazistas, o bolchevismo, desde o
começo, subordinava a justiça aos interesses do partido.
Para Lênin, a ditadura do proletariado era a regra de for-
ça e sem restrição de nenhuma lei. Sua famosa reposta a
Kautsky diz tudo acerca do verdadeiro ethos de sua ideo-
logia: "A ditadura revolucionária do proletariado é poder
obtido e mantido através do emprego da violência pelo
proletariado contra a burguesia, poder que não é limitado
por nenhuma lei". 55
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

O inimigo de classe tinha de ser eliminado e destruí-


do sem nenhuma piedade. Andrei Vyshinsky, o promotor
histérico de Stálin nos processos-espetáculo dos anos de
1930, levou essa lógica macabra até suas últimas conse-
qüências, quando fez das confissões dos réus o principal
argumento para sentenciá-los à morte. Em outras pala-
vras, a presunção de inocência foi substituída por uma
presunção universalizada de culpa. Quanto à retórica de
ódio, comparável aos discursos mais insanamente infla-
mados de Goebbels, vale a pena citar este passo:
Matem os cães raivosos! Morte a esta gangue que esconde
do povo seus dentes ferozes, suas garras de águia! Abaixo com
o abutre Trotsky, de cuja boca pinga um veneno sangrento,
putrefazendo os ideais grandiosos do marxismo! Ponhamos
esses mentirosos em lugar seguro, esses pigmeus miseráveis
que ousam dançar ao redor de carcaças que apodrecem!
Abaixo com esses animais abjetos! Ponhamos um fim de uma
vez por todas nesses híbridos miseráveis de raposas e porcos,
esses cadáveres fedorentos! Que seus guinchos horríveis
finalmente cheguem ao fim! Exterminemos os cachorros
loucos do capitalismo, que querem cortar em pedaços a flor
de nossa nova nação soviética! Empurremos de volta goela
abaixo o ódio bestial que eles têm contra nossos líderes! 56

Ambos os totalitarismos "acreditavam na ubiqüidade


de adversários maléficos" . Ambos definiam seus inimigos
com base em seu potencial de bloquear a realização da
comunidade perfeita. A obsessão deles com .a eliminação
de todos os "inimigos objetivos" no caminho para a terra
prometida levou primeiro à substituição da "suspeita de
crime pelo crime possível" (Hannah Arendt), e então até
uma fixação total em conspirações universais.57
Usaram-se ideais utópicos para legitimar os piores abu-
sos contra os inimigos "objetivos", definidos apenas em
conexão com os interesses de uma vanguarda revolucioná-
ria auto-eleita e as fixações do líder. Na Alemanha nazista,
CAPÍTULO I

a cosmologia de Hitler centrada no arianismo hiperbo-


lizou simultaneamente o judeu imaginário como o orga-
nizador da exploração do mercado e o fomentador das
tentativas marxistas de derrubá-lo. 58 A mitologia do pla-
no judeu-bolchevique e judeu-plutocrático prosperou nas
visões anti-semitas da extrema-direita do Leste europeu
e da Europa Central (mais tarde reemergiria no anti-se-
mitismo stalinista de após a Segunda Guerra Mundial). 59
A paranóia quanto a infiltrações, subversão e traição vem
sendo característica duradoura de todas as culturas polí-
ticas comunistas, desde a Rússia e a China até a Romênia
e a Iuguslávia. Jogando oficialmente o jogo do parlamen-
to democrático (na França e na Itália depois da Segunda
Guerra Mundial), os partidos leninistas não eram menos
intolerantes quanto ao desvio da linha ortodoxa do que
formações similares no poder (com a diferença de que não
podiam liquidar fisicamente supostos espiões e agentes).
Certa vez Lênin fez urna declaração famosa de que "uma
organização de verdadeiros revolucionários não se deterá
diante de nada para livrar-se de um membro indigno" .60
Talvez o melhor livro que se possa ler para a compre-
ensão da natureza e do sentido do leninismo continue a
ser o romance Os Demônios, de Dostoiévski. O grande
escritor russo e pensador político-religioso apanhou as
conseqüências ominosas das ações revolucionárias extre-
mistas e niilistas empreendidas pelos apóstolos extáticos
da liberação universal. 61 Na verdade, o capítulo acerca da
Rússia em O Livro Negro do Comunismo, assim como o
prefácio de Martin Malia, mostram como o bolchevismo
tinha raízes profundas na cultura do extremismo apoca-
líptico da intelligentsia revolucionária russa. Sua morali-
dade encarnou-se apenas na "disciplina sólida e unida, e
luta de classe consciente contra os exploradores" (Lênin).
Há apenas um pequeno passo de tal dedicação destrutiva
O DIABO NA ~ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

para a resolução criminosa. Em agosto de 1919, o órgão


da Cheka, Krasnyi Metch, apresentou uma visão dos ho-
rizontes vermelhos para a humanidade sob o impacto da
Grande Revolução de Outubro: "Para nós, tudo é permi-
tido, pois somos os primeiros no mundo a empunhar a
espada, não para oprimir e escravizar, mas para liberar
a humanidade de suas correntes [... ]. Sangue? Deixem o
sangue correr!". 62 Esta é a essência mesma do leninismo
como um movimento totalitário: a convicção de que esta-
va construindo uma nova civilização, que era o repositó-
rio da discriminação entre o bem e o mal, o intérprete de
uma nova verdade. 63
Não houve nenhuma revelação espetacular em O Livro
Negro: afinal de contas, o que quer que tenha emergido
dos arquivos secretos do antigo bloco de países soviéticos
é apenas a confirmação da visão longamente mantida de
que os comunistas, por toda a parte, se envolveram na
guerra civil revolucionária para obter a transformação to-
tal do homem, da economia, da sociedade e da cultura. O
que era original era a análise abrangente e sistemática dos
crimes e repressões associados às práticas leninistas no sé-
culo XX. Recomendo as análises matizadas de diferenças
entre estágios e países: a Polônia e a Hungria, especialmen-
te depois da morte de Stálin, não eram exatamente totali-
tárias. Afinal de contas, a revolução húngara foi iniciada
por um grupo de comunistas reformistas anti-stalinistas.
Deveria ter havido análises mais profundas da experiência
leninista na Alemanha Oriental, incluindo a discussão dos
dados hoje disponíveis concernentes ao universo ignomi-
nioso de medo e intimidação da Stasi. Como um todo,
entretanto, o mérito fundamental de O Livro Negro do
Comunismo, que deu o tom para discussões futuras, foi
seu esforço de restaurar a memória pública dos crimes do
comunismo e opor-se às tentativas revisionistas, visando

66
CAPÍTULO I

a desculpar a visão comunista, se não mesmo suas práti-


cas. O livro mostrou que, como apontado excelentemente
por Michael Scammel, "o que importa é que entendamos
a inteireza da história terrível deste século [...]. Como ci-
vilização, estamos obrigados a lidar com essa verdade [o
caráter criminoso do comunismo], reconhecer nossa cota
de culpabilidade, e chegar a conclusões corretas". 64
Os autores de O Livro Negro conseguiram reunir in-
formação suficiente para construir um grande quadro que,
pela primeira vez, quiçá, fez uma acusação inegável de que
de fato importa a escala de crimes contra a humanidade
cometidos pelo comunismo. A despeito dos argumentos
em contrário, o comunismo não deveria e não pode seres-
tudado como quaisquer outros acontecimentos importan-
tes na história do mundo.65 O que é lamentável- e algumas
das afirmações introdutórias controversas de Courtois po-
dem ser explicadas nesta base - é que levou muito tempo
para se aprender que "na triste história de nosso século, o
comunismo e o nazismo são, e sempre foram, moralmente
indistinguíveis". Na verdade, como afirma Tony Judt, essa
epifania consensual tardia "justifica uma refundição e re-
escrita da história de nossos tempos". 66
O livro foi publicado na França em 1997 e gerou polê-
micas tremendas, especialmente em publicações como Le
Monde, Le Débat, e Commentaire. Foi publicado numa
época em que a intelligentsia francesa discutira apaixo-
nadamente os apelos mistificadores do comunismo, como
explorado pelo falecido François Furet em seu magistral
Le passé d'une illusion. Afirmações que eram consideradas
aceitáveis, partindo de Furet, um dos mais respeitados e in-
fluentes historiadores franceses, soaram ultrajantes a mui-
tos intelectuais ex-esquerdistas quando apresentadas numa
formulação muito provocadora pelo editor de O Livro Ne-
gro, Stéphane Courtois, em sua introdução. Inicialmente, a
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU
0

introdução deveria ter sido escrita pelo próprio Furet, mas


quando ele faleceu, Courtois, o editor da revista Commu-
nisme, escreveu um texto que conseguiu irritar muitos
historiadores, cientistas políticos e jornalistas franceses. 67
Dentro de uma cultura política e acadêmica em que a es-
querda radical tinha exercido longamente uma influência
desmesurada (pode-se empregar o termo hegemonia), as
afirmações francas e nem sempre equilibradas de Courtois
acerca da comparabilidade inerente (e, para ele, moral-
mente obrigatória) do comunismo e do fascismo foram
percebidas como politicamente carregadas, uma simples
simulação de um tratamento histórico consciencioso. Ade-
mais, pesquisadores como Annette Wieviorka acusaram
Courtois de uma tentativa de usar essa comparação para
fazer o comunismo parecer pior do que o nazismo (ao me-
nos à luz do número de vítimas). 68 Dois colaboradores,
Nicolas Werth e Jean-Louis Margolin, decidiram desvin-
cular-se publicamente das principais teses da introdução.
Os principais problemas com a introdução de Cour-
tois foram uma fixação em números e uma falha em re-
alçar não apenas as similaridades, mas também as distin-
ções significativas entre os sistemas comunista e nazista
de terror em massa e extermínio. Courtois abriu a porta
para uma prática que continua a assombrar as discussões
acerca da criminalidade do comunismo, especialmente no
antigo bloco soviético: "uma competição internacional de
martírio" (nas palavras de Timothy Snyder). Courtois e
outros que amplificaram seu modelo de análise pareciam
acreditar que "mais matança traria mais sentido". Na ver-
dade, um dos riscos centrais que rondam a comparação
entre fascismo e comunismo é aquele que pode desencade-
ar, se suas apostas estiverem ganhando numa competição
acerca de números redondos de vítimas, o que Snyder cha-
mou "imperialismo martirológico". E, na verdade, como

68
CAPÍTULO I

.
"milhões de fantasmas de pessoas que nunca viveram
"69

são lançados nas contas de vários países, a memória do


mal radical não oferece nenhum sentido senão para ara-
cionalização no serviço da política nacional e discursos de
prerrogativa histórica.
Ao comparar o número de vítimas sob os regimes co-
munistas (entre 85 e 100 milhões) com o número de pes-
soas que pereceram sob o nazismo ou por causa dele (25
milhões), Courtois minimizou a importância de alguns
fatos cruciais. A este respeito, alguns de seus críticos não
estavam errados. Primeiro, como um fenômeno global ex-
pansionista, o comunismo durou entre 1917 e a conclusão
de O Livro Negro (pensai na Coréia do Norte, na China,
em Cuba, e no Vietnã, onde está ainda vivo, se não bem).
O nacional-socialismo durou de 1933 a 1945. Segundo,
simplesmente não sabemos que preço o nazismo teria
pago em vítimas, tivesse Hitler vencido a guerra. A hipóte-
se lógica (apoiada pela prova assim como pelas diferenças
entre como os nazistas implementaram a ocupação dia-a-
-dia da Polônia e como ocuparam a Holanda) é que não
apenas judeus e ciganos, mas também milhões de eslavos
e outros indivíduos "racialmente inferiores" teriam mor-
rido. De acordo com Ian Kershaw, "O Plano Geral para o
leste, comandado por Himmler, visava à deportação, ao
longo dos anos subseqüentes, de 32 milhões de pessoas,
a maioria eslavos para além dos Urais e para a Sibéria
Ocidental". 70 E, como mostrou o plano de reassentar os
judeus, tais desígnios eram em si genocidas. Christopher
Browning e Lewis Segelbaum resumiram excelentemente,
para a Alemanha nazista, o cerne da mutação identitária
pós-1941 que criou o potencial para o exterminismo racial
irradiante e cumulativo: "a asserção nazista da identida-
de alemã como a 'raça superior"' significava a destruição
assim da liberdade como da identidade daqueles a quem
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

eles governavam. A vitória e o império completaram a


transição do Volksgemeinschaft da ilusão de restauração
de uma comunidade unificada do povo alemão para a vi-
são nazista de uma comunidade lutando uma luta eterna
- uma Kampfgemeinschaft". 71 Quanto aos oponentes po-
líticos do reino de terror de Hitler, é suficiente relembrar
Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen.
Em terceiro lugar, no caso do comunismo, pode-se
identificar uma dinâmica interna que contrastou as pro-
messas originais com as práticas sordidamente crimino-
sas. Em outras palavras, havia uma busca de reformas, e
mesmo do socialismo com uma face humana, dentro do
mundo comunista, mas, sob o nazismo, seria impensável
tal coisa. O abismo entre teoria e prática, ou ao menos
entre credo marxista moral-humanista (ou socialista) e
os experimentos leninistas ou stalinistas (ou maoístas, ou
do Khmer Vermelho) foi mais do que uma fantasia inte-
lectual. Ademais, ao passo que o sovietismo e o nazismo
eram igualmente desdenhosos da moralidade tradicional
e da legalidade em sua inclinação de eliminar os inimi-
gos, tem-se de lembrar que para Lênin e seus seguidores
a "re-educação", por cruel e humilhante que fosse, podia
oferecer ao menos alguma oportunidade de sobrevivência
ou para o inimigo de classe ou para seus descendentes.
Diários, cartas, transcrições de comissão de inquérito e
outras transcrições públicas e privadas mostraram até que
ponto "falar bolchevique" (Kotkin) ou tornar-se "stalinis-
tas comuns" (Figes) poderia tornar-se um mecanismo de
(re)integração social. Nas palavras de um autor que lidou
consideravelmente com esta questão:
O caminho para a conversão comunista, certamente
estreitado de maneira significativa durante a era dos expurgos
amplos, permaneceu sempre negociável, embora, na verdade,
CAPÍTULO I

pudesse ser dificílimo. O fato de uma manipulação bem-


sucedida do discurso oficial permitir, ao menos a alguns,
limpar seus nomes por se distanciarem dos membros da
família condenados aponta para a importância do cerne
voluntarista no comunismo. O direito de petição, de fazer
uma queixa, protestando pela própria inocência, tudo isso
enquanto se usava a linguagem pública, não desapareceu
mesmo durante os piores dias do Grande Expurgo. Nem o
pano de fundo de classe nem as origens nacionais eram um
obstáculo intransponível. 72

Não foi este o caso com o tratamento nazista dos ju-


deus. Como afirma Tony Judt: "se não queremos compra-
zer-nos no desespero impotente quando se trata de expli-
car por que se chegou a isto, temos de ter em vista um
contraste analítico crucial: há uma diferença entre regimes
que exterminam pessoas na perseguição inumana de um
objetivo arbitrário e regimes cujo objetivo é o extermínio
em si".73 Para os nazistas, e para Hitler em particular, a
demonização dos judeus, e implicitamente sua excisão, era
parte essencial da visão milenarista de salvação nacionaF4
do regime. Hitler descreveu-se em julho de 1941 como
"o Robert Koch da política". O ditador nazista explicou
ainda a comparação: "Ele [Koch] encontrou o bacilo da
tuberculose e, através disso, abriu novos caminhos para a
investigação médica. Descobri os judeus como o bacilo e
fermento de toda decomposição social. O fermento deles.
Provei uma coisa: que um estado pode viver sem judeus;
que a economia, a cultura, a arte, etc., podem existir sem
judeus e, na verdade, melhor. Este é o pior golpe já asses-
tado aos judeus" .75
A armadilha mais importante da introdução de Cour-
tois é que, por fechar os olhos freqüentemente para essas
diferenças, sua explicação para a anamnese imperfeita re-
lativa à criminalidade do comunismo abriu a porta a in-
terpretações dúbias. Ele afirmou que

71
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

"depois de 1945 o genocídio judeu tornou-se um sinônimo


de barbarismo moderno, o epítome do terror em massa do
século XX. Depois de disputar inicialmente a natureza única
da perseguição dos judeus pelos nazistas, os comun istas logo
compreenderam os benefícios envolvidos na imortalização do
H olocausto como uma maneira de reavivar o anti-fascismo
numa base mais sistemática [...]. Mais recentemente, um
foco perseverante no genocídio judeu, numa tentativa de
caracterizar o Holocausto como uma atrocidade única,
também impediu uma avaliação de outros episódios de
magmtu , 1no mun do comumsta
. de comparave . " .76

Isto é, na melhor das hipóteses, uma distorção. Como


mostraram Tony Judt, Ian Kershaw,Jürgen Kocka, e outros
historiadores proeminentes, foi apenas depois de 1970, ou
mesmo depois de 1980, que o Holocausto se tornou um
tópico central na análise e compreensão do Terceiro Reich.
As dificuldades relatadas para um reconhecimento dos cri-
mes em massa comunistas são devidas às longas décadas
de controle pelo estado das informações nesses países, ao
atraso na abertura dos arquivos e à reação nervosa de cír-
culos de esquerdistas na Europa Ocidental (especialmente
na França, na Grécia e na Espanha) ao que desacreditaram
como uma instrumentalização política do passado.
Houve dois tipos de reação à tese de Courtois. Críticos
como Scammel, Judt, Bartov e Herf reconheceram que ele
tinha razão, até certo ponto. Jeffrey Herf, por exemplo,
argumentou que "a despeito de algumas exceções, Cour-
tois tem razão: na academia ocidental, os eruditos que
escolhem focalizar os crimes do comunismo eram e conti-
nuam uma minoria, e enfrentam o perigo de bloqueio da
carreira se forem rotulados de direitistas". 77 Mas, como
apontaram Scammel e Judt, isto não é razão para impor
uma escolha entre "nossa memória de Auschwitz e nossa
memória do Gulag, porque a história ordenou que lem-
bremos ambas" .78 O Livro Negro constrói um argumento

72
CAPÍTULO I

de sucesso e convincente para a equação entre comunismo


e mal radical, além de pô-lo na mesma categoria do fascis-
mo. E, mais recentemente, esta posição foi endossada na
Assembléia Parlamentar da Organização de Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE) e discutida no Parlamento
Europeu, durante a apresentação da Declaração de Praga
(assinada, entre outros, por Václav Havel, Joachim Gauck
e Vytautas Landsbergis). Por exemplo, a "Resolução acer-
ca da reunificação da Europa dividida: Promovendo os
Direitos Humanos e Liberdades Civis na região de OSCE
no Século XXI" afirma:
Observando que no século XX os países europeus
experimentaram dois regimes totalitários principais, o
nazista e o stalinista, que acarretaram genocídio, violações
dos direitos humanos e das liberdades, crimes de guerra e
crimes contra a humanidade, reconhecendo a singularidade
do Holocausto [... ]. A Assembléia Parlamentar da OSCE
reconfirma seu apoio comum contra toda regra totalitária
de qualquer fundo ideológico [... ], recomenda aos Estados
participantes: a) a continuar a pesquisa do legado totalitário
e a torná-lo de conhecimento público; b) fazer crescer
e desenvolver instrumentos educacionais, programas e
atividades, principalmente para as gerações jovens, acerca da
história totalitária, dignidade humana, direitos humanos e
liberdades fundamentais, pluralismo, democracia e tolerância;
[... ] expressa profunda preocupação com a glorificação dos
regimes totalitários. 79

Sob tais circunstâncias, dificilmente se pode ver o moti-


vo de tentar, como Courtois parece ter feito (estabelecendo
o tom para futuras racionalizações por outros nos anos
seguintes), apropriar-se da imagem do mal supremo. Sua
tese foi transformada em bucha de canhão por aqueles que
quiseram rejeitar inteiramente O Livro Negro. O jorna-
lista francês Nicolas Weil declarou enfaticamente à época
que o livro era "uma máquina de guerra ideológica contra
a teoria da singularidade do Shoah" que "minimizava a

73
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

memória do período marrom". 80 Não se pode concordar


com essa coloração política do Livro Negro, mas o livro
de fato gerou uma guerra de números, palavras e memó-
rias que, algumas vezes, especialmente na Europa Oriental
e Central, tiveram tonalidades negacionistas e banalizado-
ras. Estabeleceu-se uma relação causal implícita entre lem-
brar o sofrimento judaico e "esquecer" a dor dos outros,
estabelecendo assim uma nova onda de anti-semitismo na
esfera pública. 81
A comparação entre comunismo e nazismo tinha sido
durante muito tempo um assunto delicado nas análises
russas, ocidentais e da Europa Oriental. Courtois apontou
para os escritos perturbadores de Vassily Grossman, o au-
tor do romance Vida e Fado, uma obra-prima da literatura
do século XX (e co-autor, com Ilya , no período posterior
à Segunda Guerra Mundial, de O Livro Negro dos cri-
mes nazistas contra os judeus soviéticos, uma reportagem
horrenda que os stalinistas baniram). 82 Tanto no romance
como em seu livro de menores dimensões Tudo flui, Gros-
sman insistiu em que a destruição stalinista dos culaques
foi fundamentalmente análoga à política genocida nazista
contra os grupos considerados racialmente inferiores. A
perseguição e extermínio dos judeus foi tanto uma con-
seqüência de princípios considerados sacros pelos zelotes
nazistas quanto a destruição dos culaques durante as cam-
panhas de coletivização stalinistas. Um autor com amplo
conhecimento dos arquivos soviéticos afirmou que "pare-
ce que Stálin e seus capangas não acreditavam menos do
que Hitler em indivíduos inúteis irremediáveis que tinham
de ser eliminados". 83

Construindo o inimigo
Milhões de vidas humanas foram destruídas como re-
sultado da convicção de que o estado lamentável da hu-

74
CAPÍTULO I

manidade poderia ser corrigido somente se se eliminas-


se a ideologia designada como "piolho". Esta tendência
ideológica de purificar a humanidade estava enraizada no
culto cientificista da tecnologia e na crença firme de que a
História (sempre com letra maiúscula) tinha dotado as eli-
tes revolucionárias (de extrema direita ou esquerda) com
a missão de livrar-se das "populações supérfluas" (como
o disse Hannah Arendt). Os regimes comunistas tentaram
extirpar permanentemente os segmentos da sociedade que
designaram como potencialmente inimigos da realização
da utopia. E, como mostraram Gerlach e Werth no caso da
União Soviética, "quanto mais definida e precisa se torna-
va a ordem bolchevique sonhada, tanto maior o número
dos que eram excluídos dela à força". Da mesma manei-
ra, criaram "um mundo de inimigos, e por fim não havia
nenhuma outra solução para a ameaça que esses inimi-
gos imaginados apresentavam do que a aniquilação física
total deles". Neste sentido, ambos os autores concluem
afirmando que "o terror em massa foi uma variante sovi-
ética da 'solução final"'. 84 O conceito de racialização do
historiador Eric Weitz inscreve-se na mesma categoria. Ele
considerava útil explicar a maneira pela qual as autorida-
des soviéticas alternavam a designação de categorias de
população submetidas ao terror com conseqüências dire-
tas concernentes ao seu aprisionamento, execução, depor-
tação, e assim por diante: "Ajuda a captar a maleabilida-
de de identidades atribuídas, como os grupos percebidos
como nações ou classes podem, em circunstâncias histó-
ricas específicas, passar a ser vistos como tão distintos
dos grupos dominantes que apenas o termo raça capta a
grande demarcação que é criada. E o termo também capta
como, em diferentes circunstâncias, as populações podem
tornar-se 'des-racializadas', como aconteceu oficialmente
a muitas das nacionalidades expurgadas depois da morte
de Josef Stálin". 85

75
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

O enfoque de Weitz é apenas outra entrada na longa


lista de pesquisadores que tentaram entender os "ciclos de
violência" (nas palavras de Nicolas Werth), que se torna-
ram a norma na União Soviética. Neste ponto, tornou-se
cada vez mais difícil desprezar o fato de que havia uma
"uniformidade embaraçante nos meios de salvação advo-
gados pelos nazistas e comunistas, ou seja, a ciência (e,
por conseguinte, as práticas de remodelamento dos corpos
políticos)" .86 O cerne da matéria era que na União Soviéti-
ca (assim como em outros regimes comunistas) a popula-
ção estava organizada com base em critérios de exclusão
e privações dos direitos civis de acordo com os imperati-
vos ideológicos e tarefas do desenvolvimento estabeleci-
dos pelo partido. Como afirma Golfo Alexopoulos: "na
União Soviética, houve cidadãos e cidadãos" . Como na
Alemanha nazista, os direitos do cidadão cada vez mais
se metamorfosearam numa fronteira entre os pertencentes
ao sistema e os criminalizados, entre "o eu-nacional e os
outros-inimigos", como indicador de amigos e inimigos. 87
O princípio do eleito que era o cerne da teoria leninis-
ta do sujeito histórico realizando a utopia refletiu-se nos
direitos de cidadania. Os julgados indignos de manter e
exercer os direitos assinados ao corpo político soviético
eram privados deles, o que, no caso das polític~s comu-
nistas, era o mesmo que a desnaturalização de facto e a
apatridia. Ademais, durante certos períodos na evolução
desses regimes, essa falta de direito tornou-se uma doença
herdada. Sob Stálin, "a privação de direitos estendeu-se
a famílias inteiras, pois as unidades familiares freqüente-
mente eram punidas coletivamente. O estado stalinista via
os inimigos de vários tipos como definidos por ligações
de família; então famílias inteiras perderam seus direitos
como um grupo. Inimigos de classe (homens da NPE, co-
merciantes, culaques, os sem direito de voto - lishentsy)
CAPÍTULO I

e os chamados "inimigos do povo", assim como nações


inimigas (alemães, poloneses, coreanos, gregos, chineses)
- tanto cidadãos soviéticos como sujeitos estrangeiros -
estavam cercados como grupos de família. A deslealdade
dos pais era tida como transmissível para os filhos. Tanto
a perda de direitos como a apatridia se tornaram traços
herdados". 88
Se se associam esses descobrimentos às análises do per-
fil das populações de campos ou à natureza do terror e
das vítimas da violência em massa sob regimes comunis-
tas (assim como as oferecidas pelos autores de O Livro
Negro), então a noção de "genocídio de classe" apresen-
tada por Stéphane Courtois (Dan Diner emprega o termo
sociocídio) ganha peso considerável. A vitimização, apri-
sionamento e mesmo a execução de "grupos familiares"
baseados numa identidade total, herdável e aplicada ex-
clusiva e comumente a todos os seus membros chega as-
sintoticamente perto do tipo de violência pressuposta pelo
conceito de genocídio, assim como é definido internacio-
nalmente. 89 Às vezes há, na história de quase todos os regi-
mes comunistas (o que Stephen Kotkin chamou "re-revo-
lucionar a revolução") 90, intervalos distintos de perpetrar
genocídio contra suas populações. A diferença crucial do
nazismo, no entanto, é que essas práticas foram embutidas
no sistema por conseqüência. 91 Mesmo se se concordar
com Halfin que "porque a culpa na União Soviética foi
sempre um conceito pessoal a vítima morria não como
um número anônimo, mas como um indivíduo concreto,
culpado de ações específicas" ,92 a vitimiz~ção determinista
tornou-se de fato uma norma de estado sob o comunismo.
Mesmo os debates internos dentro dos círculos de gover-
no do partido bolchevique atestam esse ponto.
Em 1945, o principal ideólogo Andrei Jdanov criticou
expurgos automáticos baseados em origem de classe: "O

77
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

tratamento 'biológico' das pessoas é muito espalhado en-


tre nós, quando a existência de alguns parentes não to-
talmente 'convenientes' ou outros, freqüentemente mortos
de há muito, se torna o critério da lealdade política de
um trabalhador. Tais 'biólogos', apresentando sua teoria
distintiva de 'herança', tentam olhar para os comunistas
vivos através de uma lupa". Mesmo Stálin, na afirmação
que assinala sua retirada do Grande Terror, reconheceu
em 1938 a prática de expurgos em massa indiscriminados
(que, à época, tiveram conseqüências devastadoras para
os submetidos a eles): "É tempo de entender que a vigi-
lância bolchevique consiste, em.essência, na habilidade de
desmascarar o inimigo, independente de quão inteligente
e astucioso possa ser, sem prestar atenção em como ele se
adorna, e não em expulsões [do partido] indiscriminadas
ou 'pelo sim, pelo não', às dezenas ou centenas, de quem
quer que esteja ao alcance" .93 A própria noção de vigilân-
cia revolucionária lançou uma linha tênue entre a exclusão
e a eliminação física. No ponto de radicalização da utopia
revolucionária em ação, a obsessão de Lênin e Stálin (e,
quanto a isso, outros ditadores comunistas) com a limpeza
e purificação do "jardim humano", o foco do comunismo
na excisão, metaformoseou-se em extermínio. 94·

Argumentos de comparação
Como questão de princípio, a comparação entre nazis-
mo e comunismo surge-me como moral e cientificamen-
te justificável, ao menos porque podemos ver elementos
suficientemente similares e dissimilares a justificar tal
comparação. Negar esta comparação (que, afinal de con-
tas, inspirou uma das grandes obras da filosofia política
e moral do século XX, As origens do Totalitarismo, de
Hannah Arendt, e desenvolveu-se não com direitistas, mas
com socialistas democráticos como os mencheviques) é
CAPÍTULO I

prova de estreitamento intelectual auto-imposto. 95 Micha-


el Scammell enfatizou que "não podemos escolher entre
nosso memória de Auchwitz e nossa memória do Gulag,
porque a história nos encarregou de nos le~brarmos de
ambos" .96 Investigadores não são juízes, e a confusão en-
tre esses dois papéis pode tornar alguns pesquisadores
alheios a distinções importantes. A comparação ajuda no
trabalho de compreensão quando é empregada para real-
çar assim as similaridades como as diferenças.
François Furet insistia em sua correspondência coín
Ernest Noite que há algo absolutamente mal na prática
nazista, assim no nível da intenção original como na im-
plementação dos objetivos utópicos. Isso não é minimizar
de maneira nenhuma as abominações do comunismo, mas
simplesmente reconhecer que, comparáveis como são os
dois horrores em massa, há algo verdadeiramente singu-
lar no Holocausto e na perfeição maníaca e tenacidade
da Solução Final Nazista. A ideologia nazista foi fundada
no que o historiador Enzo Traverso chamou "violência re-
dentora". Seu ethos funde anti-semitismo com "uma 'reli-
gião da natureza' baseada na crença cega no determinismo
biológico até o ponto onde o próprio genocídio passou a
representar assim ~uma desinfecçãó, uma purificação - em
suma, uma medida ecológica', como um ato ritual de sa-
crifício realizado para redimir a história do caos e da de-
cadência [ênfase minha] " .97
No caso da União Soviética, depois da guerra aos cam-
poneses, a máquina repressiva stalinista, especialmente du-
rante o Grande Terror, atacou todos os estratos sociais. Esta
forma de repressão tinha um caráter imprevisível e distinta-
mente volátil. A histeria era universal e impossível de deter.
Qualquer cidadão podia ser visado. Deste ponto de vista,
poder-se-ia dizer que o terror stalinista era mais abrangen-
te, amorfo, mas também p.o roso porque representa assim

79

O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

"o apenamento extremo de tipos de comportamento so-


cial" como a vitimização baseada em "padrões político-
-ideológicos destinado a erradicar a linguagem desviante
e as origens 'ruins' de classe" .98 Começando com Lênin e
piorando com Stálin, o conhecimento abrangente do esta-
do de violência na URSS revelou "uma prontidão para de-
clarar guerra ao resto da sociedade" (como diz Scammell).
O resultado foi que, de acordo com Nicolas Werth, um em
cada cinco varões passou pelo Gulag. Aqui, deve-se lem-
brar a campanha pós-1945 contra "ladras" (na realidade
viúvas de guerra) ou a redução da idade para responsabi-
lidade criminal a doze anos, em 1935.
Na Alemanha nazista, o terror foi desencadeado prin-
cipalmente contra minorias (judeus, ciganos, deficientes
ou gays) e populações estrangeiras. Na União Soviética,
o terror levou a dois mundos: o corpo social soviético,
formado de pessoas politicamente validadas, e o Gulag,
com o partido e suas instituições repressoras mediando
os dois reinos. Enquanto na Alemanha nazista o regime
procurou "suas vítimas principalmente fora da Volksge-
meinschaft, a gentalha soviética foi a principal vítima de
seu próprio regime". Em outras palavras, a guerra con-
duzida por Stálin e pelos partidos leninistas era interna,
"uma catástrofe ostensivamente iniciada como uma suble-
vação social, apropriando-se do idioma da luta de classes
e da guerra civil". 99 Na mesma ordem de idéias, Richard
Overy apresenta uma definição excelente de Gulag, que, a
seu ver, "simboliza a corrupção política e a hipocrisia de
um regime formalmente empenhado no progresso huma-
no, mas capaz de escravizar milhões nesse processo" .100 O
projeto stalinista de construção do estado, aquele que se
tornou o cerne da "transferência civilizacional" implicada
pela exportação da revolução ou sovietização, estava in-
clinado "dialeticamente" para a purificação e a inclusão.

80
CAPÍTULO I

Este paradoxo é mais bem expresso pelo contraste entre a


descrição da constituição de 1936 de uma sociedade feita
de "classes não antagonistas" e o apelo de Stálin, em 1937,
para a erradicação não apenas dos inimigos do povo, mas
também de seus "amigos e parentes" .101
Pode-se concluir que, na União Soviética, em diferentes
estágios, certos grupos eram, na verdade, alvos designa-
dos, mas o exercício do terror era aplicado aos indivíduos
de todas as origens sociais (operários, camponeses, inte-
lectuais, quadros de partido e militares, ex-média e alta
burguesia, sacerdotes, mesmo oficiais da polícia secreta).
O terror soviético tinha um caráter distintamente aleató-
rio, pois seu único propósito foi a construção do comu-
nismo através da homogeneização total da sociedade. Sua
fundamentação lógica era a unidade político-moral da
comunidade. Deste ponto de vista, a violência infligida à
população era ideologicamente organizada. Não alcançou
nunca o escopo industrial do Holocausto. Foi, entretanto,
um fim em si mesmo. Era a outra face da "agenda moderna
de subjetivação" do regime bolchevique. Esses indivíduos
que não conseguiram tornar-se "cidadãos conscientes em-
penhados no programa de construção do socialismo pela
própria vontade deles", os que não conseguiram entender
suas obrigações como membros do "primeiro estado so-
cialista", os que erraram na vigilância, em outras pala-
vras, "os hermeneutas fracassados" do grande salto para
fora do império da necessidade se tornaram um excedente
das necessidades do estado soviético. Os bolcheviques es-
tavam interessados em remodelar a alma humana. A vida
do indivíduo só poderia fazer sentido se se imergisse na
"corrente geral da vida" do coletivo soviético. 102 Não é ne-
nhuma surpresa que, conforme observa Orlando Figes, a
palavra russa para consciência (sovest' ) como um diálogo
particular com o ser íntimo quase que desapareceu do uso

8r
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

oficial depois de 1917. Em 26 de outubro de 1932, Stálin


descreveu a natureza inteira da transformação bolchevi-
que: "Vossos tanques não valerão nada se a alma (dusha)
estiver podre. Não, a 'produção' de almas é mais impor-
tante do que a produção de tanques" .103
No verão de 1937, no auge do Grande Terror, a produ-
ção da indústria bolchevique de almas já estava em exi-
bição: mais de 40 mil participantes se reuniram para um
desfile esportivo na Praça Vermelha, intitulado "O Desfile
da Raça [plemia] poderosa de Stálin" [ênfase minha]. No
final das celebrações da primeira década de existência da
Itália fascista, o jornal Gioventu fascista apresentou uma
descrição quase arquetípica do corpo político totalitário:
"Com o fascismo, a massa tornou-se uma harmonia de
almas, uma combinação perfeita de cidadãos participando
ativamente na vida grandiosa do Estado [...]. [E]sta foi
uma massa com auto-conhecimento, consciente de sua
obediência, fé e energia de luta, uma massa serena e se-
gura, confiante em seu Líder, num Estado [...]. Esta não
foi uma multidão sem face, mas uma imagem formada e
ordenada pelos espíritos educados na épica destes novos
tempos, não uma massa amorfa, mas um amálgama de
valores frescos e inteligência" .104 O imaginário empregado
pelos jornalistas italianos -certamente teria sido adequado
para as fileiras de milhares de novos homens e mulheres
soviéticos participando no desfile da "raça poderosa de
Stálin", expressando o júbilo dessas massas celebrando
sua alegria e fortuna em serem a prole da utopia tornada
realidade sob o guiamento do amado Timoneiro (Vozhd).
O que é surpreendente na passagem, do ponto de vista de
nossa discussão do fascismo e do comunismo, é a cons-
tância do significado a despeito da permutabilidade dos
significantes-chave.
CAPITULO I

Mesmo quando não assumiu um perfil diretamente ex-


terminador (e.g., execuções em massa, marchas de morte
e fome planejada pelo estado), o terror soviético assumiu
a forma de trabalho forçado cuja utilidade econômica
era altamente questionável. Neste ponto discordo de Dan
Diner, pois considero que o trabalho forçado no Gulag
tinha um caráter primordialmente pedagógico e correti-
vo. Assim no nazismo como no stalinismo, os campos de
concentração serviam fundamentalmente a uma função
ideológica; todos os outros aspectos que poderiam ser
atribuídos a eles eram epifenômenos de uma força motriz
ideológica das duas ditaduras. 105 Na União Soviética, os
campos de trabalho eram "um modelo cultural", "um ca-
samento específico entre disciplina e representação", que
permitiu aos de dentro serem treinados e aos de fora serem
aterrorizados. Mais importante, esse modelo negativo de
organização dentro do espaço comunista foi empregado
para a estruturação e disciplina mesmo de meios sociais
positivos, como fábricas e universidades. 106 Até 1956, o
Gulag foi o projeto de gerência humana na URSS. Como
nota Orlando Figes, era "mais do que uma fonte de traba-
lho para construir projetos como o Canal do Mar Branco.
Era em si uma forma de industrialização" .107Eu iria mais
além: o Gulag foi o desenho normativo na base do projeto
comunista de modernidade, a fonte original do subdesen-
volvimento produzido por todos os regimes soviéticos.
A exploração pelo estado teve, na verdade, seu pro-
pósito produtivo, mas foi uma conseqüência e uma ex-
tensão da instituição do campo de concentração e depor-
tação como lugares de transformação antropológica. É
verdade que "a Solução Final foi um projeto que anulou
mesmo o que é considerado, de maneira geral, como os
padrões de auto-preservação universalmente válidos" .108
Mas acho que é deixar o bom caminho forçar reservas ao
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

terror comunista com base em circunstâncias e utilidade,


enquanto se desprezam seus motivos purificadores e pa-
dronizadores.109 Parafraseando Timothy Snyder, o projeto
stalinista de auto-colonização pelo terror em massa fun-
dou-se na indiferença à vida humana individual. O terror
do stalinismo e do nazismo foram "erguidos na visão de
mundo de cada ditador e de cada ditadura; era essencial
para o sistema, não um simples instrumento de controle,
e era praticado em todos os níveis da sociedade" .110 Sob o
comunismo o assassínio em massa tornou-se uma certeza
por causa da violência inevitável que resultou da corrobo-
ração do princípio do estado (gosudarstvennost) e da luta
para criar ordem a partir daquilo que os líderes leninistas
percebiam como stikhiinost, caos social.111
Ademais, Timothy Snyder adverte que se focalizarmos
resolutamente em Auschwitz e no Gulag, "não consegui-
remos notar que por um período de doze anos, entre 1933
e 1944, cerca de 12 milhões de vítimas das políticas de
assassínio em massa nazista e soviética pereceram numa
região particular da Europa, a definida mais ou menos
pela Bielo-Rússia, Ucrânia, Polônia, Lituânia e Letônia de
hoje" .112 Snyder, embora enfatizando a singularidade das
atrocidades nazistas, demonstra o que ele chama "a ausên-
cia de economia":
"Conquanto a história do assassínio em massa tenha muito
que ver com o cálculo econômico, a memória esquiva-se a
qualquer coisa que pareç~ fazer o assassínio parecer racional
[...].O que é crucial é que a ideologia que legitimou o assassínio
em massa foi também uma visão de desenvolvimento
econômico. Se há uma lição política geral da história do
assassínio em massa, é a necessidade de ser cauteloso com
o que poderia ser chamado de desenvolvimento privilegiado:
tentativas por estados de realizar uma forma de expansão
econômica que designa vítimas, que motiva a prosperidade
pela mortalidade [minha ênfase]" .11 3
CAPÍTULO I

Em Bloodlands Snyder leva seu ponto de vista adiante.


Argumenta, em sua nova avaliação do abismo monstruo-
so gerado pelas políticas de extermínio do stalinismo e na-
zismo, em favor de uma revisão de nossas premissas para
compreender tal cataclismo: "Catorze milhões de pessoas
foram deliberadamente assassinadas por dois regimes em
doze anos. Este é o momento que mal começamos a enten-
der, muito menos a dominar" .114 Durante o século XX, "a
história se tornou verdadeiramente um delinqüente" .115
Snyder está certo: a única solução para esta patologia da
modernidade é "o compromisso ético com o indivíduo".
Esta é também a lição fundamental das revoluções de
1989, o legado de dissidentes como Leszek Kolakowski,
Jan Patocka, Václav Havel, Jacek Kurón, Bronislav Gere-
mek, Adam Michnik, János Kis e George Konrád. É exa-
tamente por isso que considero as revoluções de 1989 o
ponto final da era histórica governada pela utopia.
A conclusão mais importante que se deve tirar das com-
parações da dinâmica do terror nos dois casos é que ambos
os regimes (leninismo radical ou stalinismo ou nazismo)
foram genocidas. Norman Naimark descreve excelente-
mente esta realidade: "As duas grandes tiranias do século
XX simplesmente têm muito em comum para se afastarem
desde o início as tentativas de classificá-las e ordená-las na
história dos sistemas políticos e do genocídio" .11 6 Certa-
mente são importantes as distinções analíticas entre elas,
mas seu desprezo comum pelo estado de direito burguês,
direitos humanos e a universalidade da humanidade, a
despeito das distinções de raça e classe falazes, está, em
minha opinião, para além de qualquer dúvida. Qualquer
estudante da "era dos extremos" teria reconhecido que o
leninismo continha todos os ingredientes políticos e ideo-
lógicos da ordem totalitária (o monopólio do poder pelo
partido, a uniformidade e arregimentação ideológica, a
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

censura, a demonização do "inimigo do povo", uma men-


talidade de fortaleza sitiada, o terror da polícia secreta,
os campos de concentração, e, não menos importante, a
obsessão em modelar o "Homem Novo"). Parafrasean-
do Dan Diner, o comunismo e o nacional-socialismo, por
causa dos crimes terríveis que cometeram, "cravaram-se
na memória do século XX como gêmeos do terror" .117
Para terem êxito os experimentos totalitários, o terror
e a ideologia são instrumentos obrigatórios para exercer o
poder. Uma afirmação de Boris Souvarine, o autor de uma
biografia inovadora e ainda impressionantemente válida
de Stálin, publicada no meado dos anos de 1930, resume a
natureza convergente do comunismo e do fascismo: "Nos
primórdios da Revolução Russa, era facil inscrever tudo
na idéia da 'alma eslava'; no entanto, os acontecimentos
que se reputavam fenômenos exclusivamente eslavos fo-
ram observados subseqüentemente na Itália e na Alema-
nha. Quando se liberta a besta no homem, são visíveis
por toda a parte as mesmas conseqüências, independendo
de se o homem em questão é latino, alemão ou eslavo,
por mais diferente que possa parecer na superfície" .118 A
racionalidade patológica fria da guerra nazista contra os
judeus, incluindo o emprego de tecnologias de assassínio
em massa em Auschwitz e outras fábricas de matar, não
podiam ser previstas pelo apóstata marxista Boris Souva-
rine no diagnóstico escrito em 1937. No entanto, ele esta-
va certo em considerar a mistura estranha de barbarismo
e modernidade descarrilada nos despotismos ideológicos
da extrema-esquerda ou extrema-direita.
De novo, comparar as duas vergonhas absolutas do sé-
culo XX, o Gulag e o Holocausto, freqüentemente leva a
mal-entendidos e sentimentos feridos entre as vítimas de
uma ou outra dessas monstruosidades. Isto é lamentável
porque, com toda a justiça, nenhuma dessas experiências

86
CAPÍTULO I

será nunca suficientemente lembrada. Sim, como salienta


Alain Besançon, há uma espécie de amnésia quanto aos
crimes comunistas, assim como há uma hipermnésia em
relação à Shoá. 119 Mas como mostra o historiador fran-
cês, isto não é porque haja uma tentativa de um grupo
de monopolizar a memória do sofrimento do século XX.
As origens deste fenômeno devem ser buscadas, antes, no
fato de o comunismo ter sido freqüentemente considerado
progressivo, anti-imperialista, e, mais importante ainda,
anti-fascista. O comunismo sabia como posar como her-
deiro do Iluminismo, e muitos foram enganados por este
fingimento humanista e racionalista. Então, a meu ver, a
agenda de pesquisa sugerida inicialmente pelo Livro Ne-
gro pressupunha uma reconsideração não apenas do co-
munismo e do fascismo, mas também de seus opositores,
anti-fascismo e anti-comunismo. Em outras palavras, nem
todos aqueles que resistiram a Hitler eram amigos da de-
mocracia, e nem todos aqueles que se rebelaram contra
Lênin, Stálin, Mao ou Castro eram liberais hona fide. O
Livro Negro obrigou muitos na França, Alemanha, Esta-
dos Unidos e, se for preciso recordar, na Europa Central e
do Leste a reconhecer que aqueles "que falaram das mara-
vilhas da União Soviética serviram para legitimar o mas-
sacre de milhões [... ]. [Eles] enganaram suas próprias so-
ciedades, fazendo-as ver milhões de cadáveres corno uma
grande promessa para um futuro melhor" .120 O tumulto
causado pelo Livro Negro ajudou a trazer à tona a ne-
cessidade assim da lembrança dos crimes do comunismo
corno de nova avaliação do morticínio em massa e mortes
perpetrados por tantos regimes em nome desta ideologia,
com o endosso daqueles que preferiam manter os olhos e
ouvidos firmemente fechados. 121
Quanto à anamnese da violência leninista, um proble-
ma fundamental é que os sujeitos do trauma pertencem
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

principalmente a categorias sociais em vez de categorias


nacionais, étnicas (como no caso do Holocausto). Essa
questão está diretamente ligada à diferença discutida aci-
ma: o comunismo estava em guerra com sua própria so-
ciedade. Mesmo sob as mais moderadas manifestações (a
Hungria de Kádár, a URSS de .Gorbachev, ou a China con-
temporânea), quando uma seção da sociedade ameaçava
a existência do sistema, as alavancas repressivas (quase-
-terroristas) eram ativadas para isolar e extirpar "o foco
de infecção" . Sob essas circunstâncias, é notável o esboço
que Diner faz do dilema:
"A memória de 'sociocídio', morticínio de classe, é
arquivada, não transmitida de uma geração a outra como no
caso do genocídio [...]. Como podem ser mantidos vivos na
memória coletiva e por tão longo tempo os crimes que evitam
o componente étnico da memória? Podem crimes perpetrados,
não em nome de uma coletividade, como a nação, mas em
nome de uma construção social, como a classe, ser lembrados
de forma apropriada?"_ 122

Aconteceu muitas vezes de tal pergunta ser resolvida


por meio da criação artificial de uma "armadura étnica".
No antigo bloco soviético, o comunismo foi vendido prin-
cipalmente como uma importação russa, ao passo que os
líderes locais caíam numa categoria definida vagamente
de colaboradores ou "elementos estranhos à nação". Foi
apenas um passo antes da cunhagem do rejuvenescimento
do velho espectro do Zydokomuna (bolchevismo judaico).
Mas o cerne do problema é que, a despeito dos esforços
de Courtois e dos outros autores do Livro Negro, podia
ser possível uma ferramenta unitária de morte, mas não
existe uma memória coletiva, transnacional dos crimes
do comunismo. No começo do século XXI, através de vá-
rios documentos pan-europeus que foram adotados pela
União Européia ou pela Organização de Segurança e Coo-

88
CAPÍTULO I

peração na Europa, foram dados os primeiros passos nes-


se sentido. O experimento leninista (ou seja, o movimento
comunista mundial) dissolveu-se em narrativas nacionais
de trauma e culpa antes da extinção da ideologia. O terror
e o assassínio em massa parecem ainda manter os estados
comunistas separados em termos assim de memória corno
de história. E desafios consideráveis permanecem na inte-
gração do trauma maciço causado pelos regimes comunis-
tas no que chamamos hoje de a história da Europa.
O problema é que a maior parte dos crimes são tam-
bém crimes de regimes comunistas nacionais; ou seja, o
Gulag (emprego o termo aqui como uma metáfora para
todo o terror em massa sob o comunismo) é também fra-
tricida. Além disso, esses regimes duraram mais de vinte
anos até se domesticarem e entrarem numa fase pós-tota-
litária. Corno medir vidas de sucesso com vidas roubadas?
Uma possível solução é aceitar o fato de o leninismo ser
o mal radical, de tal forma que seus crimes possam ser
universalmente (ou continentalrnente) relembrados e me-
morializados. Desta forma, podem-se evitar a apropriação
unilateral do trauma, a etnização do terror e o silêncio
coletivo. Çada caso individual poderia manter suas es-
pecificidades, mas seria, ao mesmo tempo, parte de um
fenômeno histórico mais amplo, sendo assim assimilado
à consciência pública. Os autores do Livro Negro conde-
naram o que consideraram tanto urna amnésia institucio-
nalizada quanto inforrnal acerca da verdadeira natureza
dos regimes comunistas. Suas apreciações deveriam pro-
vocar a intimidade e inefabilidade necessárias para urna
memória sa~ralizada do Gulag. Desde então, algum pro-
gresso se fez por este caminho, mas ainda pende a iden-
tificação européia com lugares de sua memória (em vá-
rios países).123 Não devemos esquecer que em 2000, em
Estocolmo, durante a conferência internacional acerca do
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Holocausto (comemorando cinqüenta e cinco anos desde


a liberação de Auschwitz), os participantes afirmaram que
"a base normativa de uma comunidade política transna-
cional é definida pela exposição e lembrança de barba-
rismos inumanos, crueldade e humilhações inimagináveis,
que são impensáveis no pano de fundo de nossa existência
coletiva". Parafraseando Helmut Dubiel, a contemplação
traumática do horror absoluto e do malogro total da ci-
vilidade legitima uma ética que vai além da fronteira de
qualquer estado individual. 124
Retornando ao Livro Negro, quero enfatizar que o
ponto chave concernente a seu legado é a legitimidade da
comparação entre nacional-socialismo e leninismo. Con-
cordo aqui com o tratamento que lhe deu o historiador
polaco-francês Krzysztof Pomiam:
"É inegável que ocorreram crimes em massa, assim como
crimes contra a humanidade, e este é o mérito da equipe
que reuniu O Livro Negro: ter trazido à discussão pública
o debate concernente ao comunismo do século XX; a esse
respeito, como um todo, para além .das reservas que se
podem ter quanto a uma página ou outra, ele exerceu um
papel notável [... ].Dizer que os sovietes foram piores porque
o sistema deles fez mais vítimas ou que os nazistas foram
piores porque exterminaram os judeus são duas posições
inaceitáveis, e o debate desenvolvido sob esses termos é
chocante e obsceno''. us

Na verdade, o desafio é evitar qualquer "trivialização


comparativa" 126 ou qualquer forma de "martirológio"
competitivo e reconhecer que, para além das similarida-
des, esses sistemas extremos tinham particularidades úni-
cas, incluindo a racionalização do poder, a definição do
inimigo e metas designadas. A questão, portanto, é re-
cuperar a memória, organizar a compreensão desses ex-
perimentos e tentar compreender-lhes o funcionamento,
métodos e fins.
CAPÍTULO I

Alguns capítulos de O Livro Negro tiveram mais êxito


do que outros, mas, como um todo, justificou-se a empre-
sa. Obviamente não foi um esforço acadêmico neutro, mas
uma tentativa de compreender algumas das questões mo-
rais mais atemorizantes de nossos tempos: como foi pos-
sível que milhões de pessoas se alistassem em movimen-
tos revolucionários que visavam à escravização, exclusão,
eliminação, e finalmente, extermínio de categorias inteiras
de seres humanos, seus semelhantes? Qual foi o papel da
húbris ideológica nessas práticas criminosas? Como inte-
lectuais requintados como o poeta francês Louis Aragon
puderam escrever odes à polícia secreta de Stálin? Como
pôde Aragon acreditar nos "olhos azuis da revolução que
queimam com necessidade cruel"? E como pôde o então
crítico acerbo dos bolcheviques, o aclamado escritor pro-
letário Maxim Gorky, tornar-se um apologista abjeto da
pseudo-ciência stalinista, clamando descaradamente por
experimentos com seres humanos: "exigem-se centenas de
éobaias. Este será um verdadeiro serviço à humanidade, o
qual será muito mais importante e útil do que o extermínio
de dezenas de milhões de seres humanos saudáveis para o
conforto de uma classe de predadores e parasitas degene-
rados física, psicológica e moralmente" .127 Toda a tragédia
do comunismo está dentro desta afirmação alucinante: a
visão de uma elite superior cujos fins utópicos santificam
os métodos mais bárbaros, a negação do direito à vida
àqueles que são definidos como "parasitas e predadores
degenerados", a desumanização deliberada das vítimas e o
que Alain Besançon identificou corretamente como a per-
versidade ideológica no coração do pensamento totalitário
- a falsificação da idéia do bem (la falsification du bien).
Tenho fortes reservas quanto às distinções teoréticas
com base nas quais alguns historiadores chegam à conclu-
são de que o comunismo é um "mal pior" do que o nazis-
mo. De fato, ambos foram males, mesmo males radicais. 128
O D IABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

A consciência pública da violência comunista e do terror foi


procrastinada pela durabilidade da pretensão do leninismo
· à universalidade. Por causa da projeção, levou tempo para
se obter uma concordância de que o bolchevismo não era
outro caminho para a democracia e que suas vítimas eram
esmagadoramente inocentes.129 Não se pode negar que o
comunismo representou para muitos a única alternativa
(em meu prefácio discuto um exemplo pessoal de família),
especialmente com a ascensão do fascismo e de Hitler numa
época quando a democracia liberal parecia comprometida.
O comunismo foi coerentemente apresentado como si-
nônimo de esperança, mas o sonho se transformou num
pesadelo: o comunismo '.' não matou apenas milhões, mas
também levou consigo a esperança" .130 O comunismo foi
fundado numa "versão de uma sede pelo sagrado com uma
revulsão concomitante contra o profano". A "principal
narrativa do Grande Experimento" soviético envolve are-
purificação ou ressacerdotalização do espaço" .131 É por isso
que Furet, em suas observações finais de O passado de uma
ilusão, afirma que em conseqüência do colapso político e
moral do leninismo "estamos condenados a viver no mun-
do como ele é" (p. 502). Com um pincel significativamente
mais forte, Martin Malia argumentou que "qualq':ler des-
crição realista dos crimes comunistas fecharia efetivamente
a porta da Utopia; e muitíssimas almas neste mundo injus-
to não podem abandonar a esperança de um fim absoluto
da desigualdade (e algumas almas menos boas sempre lhes
oferecerão panacéias curativas 'racionais'). E, assim, todos
os camaradas em busca da verdade histórica deveriam cin-
gir seus rins para uma Longuíssima Marcha, naturalment~
antes que ao comunismo seja atribuída sua cota justa de
mal absoluto" .132 E, na verdade, dois registros importantes
de crítica dirigida ao processo de revelar e relembrar os
crimes dos regimes comunistas foram o anti-anti-utopismo
e o anti-capitalismo. Não tratarei da validade de contrapor
CAPÍTULO I

o comunismo ao capitalismo; é um beco sem saída. Ape-


nas reproduz o ethos revolucionário marxista-maniqueu
do Manifesto Comunista. De certo modo é cativante, pois
devem-se respeitar as crenças de cada um, mas é irrelevan-
te se procuramos compreender a tragédia do século XX.
O emprego do anti-anti-utopismo na discussão do tota-
litarismo de esquerda e direita é apenas outra maneira de
evitar a verdade. Rejeitar a legitimidade da comparação
entre nacional-socialismo e bolchevismo com base em seus
fins distintos é completamente indecente e logicamente de- .
feituoso. Ian Kershaw critica os argumentos baseados nos
Diferentes fins e intenções do nazismo e do bolchevismo
- fins que eram completamente inumanos e negativos no
primeiro caso e totalmente humanos e positivos no último
caso. O argumento é baseado numa dedução do futuro (nem
verificável nem exeqüível) para o presente, um procedimento
que na lógica estrita não é permitido .. .0 ponto puramente
funcional que o terror comunista era "positivo" porque era
"dirigido à mudança completa e radical da sociedade" ao
passo que o "terror fascista (i.e. nazista) alcançou seu ponto
mais alto com a destruição dos judeus" e "não fez nenhuma
tentativa de alterar o comportamento humano ou construir
sociedade verdadeiramente nova" é, além da afirmação
discutível da última frase, um juízo de valor cínico acerca do
terror stalinista [minha ênfase] .133

Aceitar o comunismo como esperança encharcada em


utopia revolucionária é verdadeiramente um espectro que
devemos rejeitar. Esta esperança materializada como um
mal radical só pode levar ao massacre, porque "il cherche
à s' incarner, et ce faisant, il ne peut faire autrement qu'
éliminer ceux qui n' appartiennent pas à bonne classe so-
ciale, ceux quie résisten à ce projet d' espoir [procura en-
carnar-se, e ao fazê-lo, só pode eliminar os que não perten-
cem à classe social correta, os que resistem a este projeto
de esperança]" .134 Ronald Suny estava certo em enfatizar
que não devemos esquecer que as aspirações originais do

93
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

socialismo "eram também os impulsos emancipatórios da


Revolução Russa~' .135 É difícil ver como isso atinge o "de-
ver de lembrança" quanto aos crimes do leninismo. Para
não mencionar que, já em 1918, com a Declaração dos
Direitos do Povo Laborioso e Explorado, os bolcheviques
minuciaram seu protótipo ideal de justiça social em cate-
gorias de pessoas privadas de direitos políticos e sociais
(lishentsy), a taxonomia prototípica para o terror que se
seguiria nos anos seguintes. 136 Tony Judy diz sem rodeios:
"O caminho para o inferno comunista já estava sem dú-
vida pavimentado com boas intenções (marxistas). Mas e
daí? [...] Do ponto de vista das vítimas exiladas, humilha-
das, torturadas, aleijadas ou mortas, é claro, dá tudo no
mesmo" .137 Ademais, essas afinidades entre socialismo e
bolchevismo deveriam, na verdade, ser um incentivo para
chamar as coisas por seus nomes reais, quando se trata
do mal radical que foi o comunismo no poder ao longo
do século XX. A esperança que o bolchevismo trouxe a
muitos era uma mentira. Todo o impacto da mentira só
pode ser medido pelo pesadelo de milhões que ela matou.
A falência política e moral dos ideais originais "puros"
não pode continuar escondida apenas por amor da salva-
guarda de seu estado prístino. O tumulto provocado pelo
Livro Negro indi~ou uma "relutância contínua em tomar
como valor nominal a prova esmagadora dos crimes co-
metidos pelos regimes comunistas" .138 Tantos anos depois
da publicação do livro, algumas coisas mudaram, mas
muito mais permanece por fazer. Retornando à metáfora
de Kolakowski, o diabo não apenas se encarnou na histó-
ria, mas també~ arruinou nossa memória dela.
Para além de debates acerca de como relembrar, com-
parar e analisar o comunismo e o fascismo, há urna con-
clusão que tirar e que podemos aceitar. Talvez com alguma
dificuldade mínima todos possam concordar com a con-
clusão de Emilio Gentile de que

94
CAPÍTULO I

"os experimentos totalitários, mesmo se foram imperfeitos


e defeituosos, envolveram, condicionaram, transformaram,
deformaram e terminaram com a existência de milhões de
seres humanos. Em termos não duvidosos, isto foi determinado
pela convicção dos principais protagonistas de que eram os
arautos de uma nova humanidade, os construtores de uma
nova civilização, os intérpretes de uma nova verdade, os
repositórios da discriminação entre bem e mal, e os mestres
dos destinos daqueles apanhados em sua empresa" .139

Afinal de contas, refletindo no "porquê" da experiência


comunista inteira, deve-se lembrar que o leninismo· emer-
giu do encontro entre certa direção do socialismo revo-
lucionário europeu, que não podia de maneira nenhuma
reconciliar-se com a ordem liberal estabelecida e os direitos
do indivíduo, e a tradição russa de violênc!a conspiradora.
A mistura de anti-capitalismo revolucionário com o anti-
-capitalismo e racismo alemão ultra-nacionalista levou aos
sonhos quiliásticos de Hitler com a supremacia ariana. 140
Num discurso no Palácio de Esportes de Berlim, em 10 de
fevereiro de 1933, Hitler formulou, com fervor religioso,
sua "missão predestinada" de ressuscitar a nação alemã:
"Pois não posso desvestir-me de minha fé em meu povo,
não posso dissociar-me da convicção de que esta nação um
dia se elevará novamente, não posso divorciar-me de meu
amor por ela, meu povo, e acalento a convicção fume de que
chegará a hora afinal em que milhões que nos desprezam
hoje estarão a nosso lado e conosco saudarão o novo Reich
Alemão conquistado dolorosa e arduamente que criamos
juntos, o novo reino alemão de grandiosidade e poder e glória
e justiça. Amém" .141

Similarmente, Mussolini confessou em Minha autobio-


grafia: "Sinto a necessidade profunda de uma concepção
original capaz de causar um ritmo mais frutuoso de história
num novo período da história. Foi necessário estabelecer
o fundamento de uma nova civilização". O fascismo para
Mussolini era a solução da "crise Espiritual da Itália" .142 O

95
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

mesmo frenesi por "uma nova temporalidade e nomos",


alternativo e oposto ao da modernidade liberal, foi tam-
bém o cerne do comunismo. Tal sentido de missão era ní-
tido no Congresso dos Vitoriosos (O XVII Congresso do
Partido Comunista da União Soviética) em janeiro-feverei-
ro de 1934, quando o regime soviético entrou no segundo
plano qüinqüenal e finalizou a Revolução Cultural, depois
de Stálin matar, deixar morrer de forne e deportar milhões
de culaques na Ucrânia e fazer a transferência forçada de
vários grupos étnicos, e quando consolidou sua posição de
líder incontroverso do partido bolchevique. Em tal "mo-
mento glorioso", quase dois anos e meio antes do começo
do Grande Terror, o membro do Politburo Lazar Kagano-
vich louvou Stálin como o criador "da mais grandiosa re-
volução que a história humana já conheceu" .143
A condição precária de milhões de vítimas do comunis-
mo (muitas das quais tinham esposado as promessas ge-
nerosas da doutrina marxista) não pode ser explicada sem
referência ao partido leninista e à sua tentativa de impor
à força a vontade de um pequeno grupo de fanáticos so-
bre populações reticentes e com muita freqüência hostis.
Mikhail Bakunin expôs adequadamente esta posição numa
carta irada, repudiando a apoteose da violência destrutiva e
terrorismo psicológico de Sergey Nechaev: "Dessa renúncia
cruel e extremo fanatismo quéres agora fazer um princípio
geral, aplicável a toda a comunidade. Queres coisas malu-
cas, impossíveis, a negação total da natureza, do homem e
da sociedade!" .144 O comunismo e o fascismo acreditavam
que era possível aquela mudança fundamental. Engendra-
ram projetos revolucionários radicais a fim de responder
a esta crença.145 Entretanto, desempenharam suas utopias
com desprezo completo pela vida humana individual. Sua
aceleração frenética do desenvolvimento humano engen-
drou a materialização do mal radical na história.
CAP1TUL02
A PEDAGOGIA DIABÓLICA E A
(l)LÓGICA DO STALINISMO

Estou muito ocupado, defendendo inocentes que se


declaram inocentes, para perder meu tempo com indivíduos
culpados que declaram suas culpas.
Paul Éluard, recusando-se a assinar uma petição contra o
enforcamento do poeta surrealista checo Závis Kalandra (in
Stéphane Courtois, O Livro Negro do Comunismo)

LucreJiu Pdtr~canu morreu como um soldado servindo


seus ideais políticos que ele perseguitJ através da escuridão,
do subterrâneo, e palácios, de modo tenaz, furioso e fanático.
Petre Pandrea, Memoriile Mandarinului Valah [Memórias
do Mandarim Valáquio]

Com rigor ascético para consigo mesmo e para com os


outros, o ódio fanático aos inimigos e heréticos, o fanatismo
sectário e um despotismo ilimitado alimentaram a consciência
de sua própria infalibilidade, esta ordem monástica trabalhara
para satisfazer suas preocupações terrenas, muito "humanas".
Semyon Frank, Vekhi [Balizas]

Não é apenas a palavra "impossível" que saiu de circulação,


"inimaginável" também já não tem valor.
Victor Klemperer, I will Bear Witness [Darei testemunho]

Uma das principais distinções entre as tiranias nazis-


ta e stalinista · foi a ausência, na Alemanha, de expurgos
permanentes da elite do partido dominante como um me-
canismo de mobilização, integração e transformação em
bode expiatório. De fato, o filósofo esloveno Slavoj ZiZek

97
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

está certo ao observar que não houve os processos-espetá-


culo na Alemanha de Hitler (nem na Itália de Mussolini). 1
A explicação está nas diferenças entre a centralidade do
partido carismático nos regimes bolcheviques e o status
predominante do líder nas ditaduras fascistas. Isto não
quer dizer que o líder (seja Stálin, Mao, Mátyás Rákosi,
Gheorghe Gheorghiu-Dej, Klement Gottwald, ou Enver
Hoxha) não era uma figura onipotente sob o leninismo,
mas seu poder de culto derivava da apoteose do partido
como portador das ordens da história. A ausência de pro-
cessos-espetáculo na Alemanha nazista não eliminou os
expurgos como meio de consolidar o poder do Führer. 2
O caso Blomberg-Frisch, quando Hitler consolidou seu
domínio sobre a liderança do exército, e a eliminação da
facção SA de Ernst Rohm durante a Noite das Facas Lon-
gas, em 1934, foram, de acordo com Ian Kershaw, "pe-
dras de fundamento no fortalecimento o poder absoluto
de Hitler". 3
Para entender a dinâmica do experimento stalinista
na Europa Oriental, tem-se de levar em consideração o
papel supremo de intervenção e intimidação soviéticas. 4
Formações comunistas locais estavam seguindo o mode-
lo stalinista de destruição sistemática de partidos não-co-
munistas, a desintegração da sociedade civil e a ocupação
monopolista do espaço público através de rituais ideoló-
gicos controlados pelo estado e instituições coercitivas. 5 O
fim global era construir um consenso passivo baseado em
compromisso ilimitado ao programa político ideocrático
da elite reinante. O verdadeiro conteúdo do regime polí-
tico foi descrito como o "culto da personalidade". Stálin,
como o Egocrata (para empregar o termo de Soljenítsin),
foi a figura derradeira do poder. Fazendo eco a críticas
anteriores da lógica autoritária-vertical leninista feitas
por Leon Trotsky e Rosa Luxemburgo, o filósofo político
CAPÍTULO 2

Claude Lefort aponta que esse princípio pressupunha uma


"lógica de identificação" específica:
"Identificação do povo com o proletariado, do proletariado
com o partido, do partido com a liderança, da liderança com
o Egocrata [...]. A negação da divisão social anda de mãos
dadas com a negação de uma distinção simbólica que é
constitutiva da sociedade" .6

A personalização do poder político, sua concentração


nas mãos de um semi-deus, levou à sua adoração religio-
sa forçada e à humilhação masoquista de seus súditos. O
jornalista britânico George Urban descreveu este sistema
como "uma paranóia do despotismo" que se vangloriou
de sua (i)lógica. Parece agora e então "parecia uma for-
ma de loucura para nós, observando-a de fora, mas não
parecia assim para ninguém que se identificasse com o
contexto em que Stálin agia. Dentro deste contexto, Stá-
lin perseguia seus objetivos incansável e racionalmente" .7
No contexto de tal inversão absoluta do mundo da vida,
pode fazer sentido a carta do velho bolchevique Nikolai
Bukharin a Stálin, em 10 de dezembro de 1937, alguns
meses antes de seu julgamento público e execução como
"inimigo do povo", em março de 1938. Bukharin, como
Karl Radek, outro luminar bolchevique, foi o protótipo da
personagem Nikolai Salmanovich Rubashov na obra-pri-
ma de Arthur Koestler, Darkness at Noon (foi Radek que
falou da "álgebra da confissão" ).8 Como apontaram os
historiadores J. Arch Getty e Oleg V. Nautmov, "de acordo
com a fórmula de Stálin, a crítica era o mesmo que oposi-
ção; a oposição inevitavelmente implicava conspiração; a
conspiração significava traição. Algebricamente, portanto,
a mais leve oposição ao regime ou a falha em reportar tal
oposição era equivalente ao terrorismo" .9
Outrora amigo íntimo e partidário de Stálin, expulso sob
acusações de "desvio de direita" em 1929 e reinstalado no

99
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Comitê Central em 1934, Bukharin fora descrito por Lê-


nin em seu "Testamento" como o "filho favorito" 1º do
partido. Ele se submetera à supremacia de Stálin e era, de
fato, um dos autores da Constituição Stalinista de 1936.
No mesmo ano, Bukharin viajou até Paris para recuperar
o Arquivo Marx-Engels dos social-democratas alemães
exilados. A despeito de avisos de velhos amigos (entre eles
os veteranos mencheviques Fyodor Dan e Boris Nikolae-
vsky ), de que, de volta a Moscou, ele seria preso, Bukha-
rin recusou-se a permanecer no exterior. Foi encarcera-
do depois do Pleno do Comitê Central, em fevereiro de
1937, quando Stálin explicou sua teoria de aguçar a luta
de classes à medida que a URSS avançava em direção ao
socialismo. Bukharin foi forçado a confessar publicamen-
te acusações surreais. Entretanto, recusou-se a reconhe-
cer ter participado num complô para aprisionar Lênin em
1918. O notável biógrafo de Stálin, Robert C. Tucker, des-
creve a posição contraditória de Bukharin: "Ele confessou
a 'soma total dos crimes cometidos por esta organização
contra-revolucionária', mas logo em seguida sugeriu que
não apenas não participara, mas nem sequer sabia de 'ne-
nhum ato particular' envolyido" . 11
Durante os últimos dias de seu julgamento, Bukharin
escreveu uma carta a Stálin. Nela, afirmava "intimidade
pessoal" com o líder soviético, na verdade reafirmando
sua fé firme na visão do partido da utopia social e na cau-
sa revolucionária bolchevique. Ademais, este amor pelo
partido traduziu-se num desejo quase neurótico de tran-
qüilizar Stálin quanto à sua dedicação inflexível ao líder
infalível. Este documento (que Stálin manteve em sua ga-
veta pessoal até sua morte, em março de 1953) dá teste-
munho do apoio místico da crença no sistema bolchevique
e suas reverberações nas relações interpessoais dentro do
topo da elite do partido. Vale a pena, pois, citar ampla-
mente da carta de Bukharin:

100
CAPÍTULO 2

"Talvez seja esta a última carta que te escreva antes de


minha morte. É por isto que, embora na prisão, te peço que ·
me permitas escrever-te esta carta sem recorrer a termos
oficiais [ofitsia/' schchina], tanto mais que estou escrevendo
a ti somente: o fato mesmo de sua existência ou inexistência
permanecerá inteiramente em tuas mãos. Cheguei à última
página de meu drama e talvez de minha vida. Atormento-
me em pegar da caneta e do papel - enquanto escrevo, estou
tremendo com esta emoção e milhares de outras que se agitam
dentro de mim e mal posso controlar-me. Mas precisamente
porque tenho tão pouco tempo restante, quero fazer minha
despedida de ti antecipadamente, antes que seja tarde demais,
antes de minha mão deixar de escrever, antes de meus olhos
se fecharem, enquanto meu cérebro ainda funciona de
algum modo [... ].Estando à beira de um precipício, do qual
não há retorno, dou-te minha palavra de honra, enquanto
espero minha morte, de que sou inocente daqueles crimes
que confessei na investigação [... ]. Então no Pleno eu disse a
verdade e nada além da verdade, mas ninguém acreditou em
mim. E aqui agora digo a verdade absoluta: em todos esses
anos passados, executei honesta e sinceramente a política do
partido e aprendi a estimar-te e amar-te judiciosamente [...].
Há algo grandioso e ousado na idéia política de um expurgo
geral. Ela é a) ligada à situação do pré-guerra e b) ligada à
transição para a democracia. Este expurgo abrangeu 1) os
culpados; 2) pessoas sob suspeita; e 3) pessoas sob suspeita
potencial. Este negócio não poderia ser feito sem ti. Uns são
neutralizados de um modo; outros, de outro; e o terceiro grupo,
ainda, de outro modo [... ]. Pelo amor de Deus, não penses que
estou aqui envolvido em reprimendas, mesmo nos meus mais
íntimos pensamentos. Não nasci ontem. Sei muito bem que
planos grandiosos, idéias grandiosas, e interesses grandiosos
têm precedência sobre tudo, e sei que seria mesquinho colocar
a questão de minha pessoa a par com as tarefas histórico-
universais que estão, principalmente, em teus ombros. Mas
é aqui que sinto minha agonia mais profunda e encontro-me
contemplando meu paradoxo principal e agonizante [...].
Minha cabeça está tonta de confusão, gostaria de gritar com
todas as minhas forças. Sinto-me batendo minha cabeça na
parede: pois, neste caso, tornei-me uma causa para a morte
de outros. Que devo fazer? Que devo fazer? Oh, meu Deus,
se houvesse um mecanismo que tivesse tornado possível

!OI
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

veres minha alma aberta de maneira esfolada e destruída!


Se pudesses ver como sou ligado a ti, de corpo e alma [... ].
Bem, já basta de "psicologia" - perdoa-me. Nenhum anjo
aparecerá para tirar a espada de Abraão de suas mãos. Meu
destino fatal será realizado[ ... ]. Iosif Vissarionovich! Em mim
perdeste um de teus generais mais capazes, um general que é
genuinamente devotado a ti [...], mas estou preparando-me
mentalmente para partir deste vale de lágrimas, e não há nada
em mim, dirigido a vós todos, ao partido e à causa, senão um
amor sem limites. Estou fazendo tudo que é humanamente
possível e impossível [... ]. Escrevi-te acerca disto. Pus todos
os pingos nos is. Fiz tudo isso antecipadamente, já que não
tenho nenhuma idéia de em que condição estarei amanhã e
no dia depois de amanhã etc. [... ]. Sendo neurastênico, devo
talvez sentir tal apatia universal que não serei capaz sequer de
mover o dedo. Mas agora, a despeito de uma dor de cabeça e
com lágrimas nos olhos, estou escrevendo. Minha consciência
está límpida perante ti, Koba. Peço-te pela última vez o teu
perdão (apenas em teu coração, não de outra forma). Por essa
razão abraço-te em mente. Adeus para sempre e lembra-te
com carinho de teu desgraçado. N. Bukharin" .12

A carta de Bukharin pode ser entendida em seu valor


nominal ou cum grano salis. Obviamente ele estava ten-
tando salvar a jovem esposa e um filho; a carta foi, neste
sentido, uma última tentativa desesperada. Tal argumen-
to não explica, entretanto, a exaltação na carta. Bukharin
morreu como um fiel verdadeiro, empenhado em realizar
a utopia bolchevique. Ademais, é ainda questionável se ele
percebeu sua morte como um último serviço prestado ao
partido, como sugerido por Darkness at Noon de Koes-
tler. Stephen E. Cohen, o biógrafo muito compreensivo de
Bukharin, considerava que ele queria proteger "o legado
histórico do bolchevismo, refutando a acusação criminal"
em vez de aceitá-la. 13 Robert C. Tucker defendeu uma lei-
tura mais matizada da transcrição de Bukharin: "Bukha-
rin tinha então um objetivo duplo no julgamento - obe-
decer a Stálin, ao confessar, e ao mesmo tempo virar o
jogo sobre ele. Queria fazer dois julgamentos em um". De

102
CAPÍTULO 2

acordo com Tucker, "havia um esforço ativo da parte de


Bukharin em transformar o julgamento num anti-julga-
mento. A luta que teve contra Vyshinsky foi inteiramente
dedicada a esse propósito" .14 Sem dúvida Bukharin, em
sua aparição pública final, estava tentando dar a última
palavra política contra Stálin e o sistema que este havia
criado. Não se deve esquecer que durante o encontro fatal
do Comitê Central, em 23 de fevereiro de 19 37, Bukharin
alertou Stálin de que "eu não sou Zinoviev nem Kamenev,
e não direi mentiras a meu respeito". Depois deste acon-
tecimento, escreveu uma carta intitulada "para uma gera-
ção futura de líderes de partido", que pediu a sua esposa
que decorasse, e na qual notava, agourento: "Sinto minha
impotência diante de uma máquina demoníaca, que [...]
obteve um poder gigantesco, fabrica calúnias organizadas,
age audaz e confiadamente". Acusou então Stálin: "Me-
diante terrorismo político, e por atos de tortura numa es-
cala até agora inaudita, forçaste os velhos membros do
Partido a fazer 'deposições"' .15
Consideradas todas essas coisas, o caso de Bukharin
não pode ser lido simplesmente como o relato heróico
contado por Cohen ou como a auto-imolação de Koes-
tler apenas a serviço do partido. O que permanece é um
paradoxo: de um lado, Bukharin estava dedicado à causa
bolchevique embora conhecendo muito bem a "teoria da
doce vingança" 16 de Stálin; de outro lado, sua carta a Stá-
lin revela que ele preservou um apego estranho a seu ex-
-aliado e amigo. Ao ser devorado pela utopia que ajudara
a construir, seus últimos movimentos foram uma mistura
de obediência, oportunismo, medo, e, mais importante, fé.
Por fim, mas não menos importante, as interpretações de
Cohen e de Tucker de sua última posição no julgamento
foram formuladas sem nenhum conhecimento da carta de
Bukharin a Stálin.

103
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

No entanto, Bukharin não foi o único caso de fé no


partido e na causa comunista diante de um expurgo ex-
terminador iminente. Em junho de 2010, apresentei uma
preleção em Bucareste acerca de religiões seculares e mo-
vimentos totalitários, concentrando-me nos significados
dos expurgos e processos-espetáculo. Citei consideravel-
mente da carta de Bukharin. Imediatamente após eu ter-
minar minha apresentação, um historiador romeno apro-
ximou-se de mim e mencionou a existência no Conselho
Nacional de Estado dos Arquivos da Securitate de uma
carta notavelmente similar dirigida ao partido por um ve-
terano comunista, Mirei Costea (Nathan Zaider), chefe do
Departamento de Quadros do Partido, antes de cometer
suicídio durante o apogeu do terror stalinista na Romênia
(junho de 1951). O cunhado de Costea, o engenheiro Emil
Calmanovici, tinha sido um dos principais financiadores
do Partido Comunista Romeno durante os dias de subter-
râneo. Intimamente associado com as pessoas envolvidas
no caso Lucretiu Pãtrã~canu, foi preso e acusado de trai-
ção. Tendo de escolher entre a lógica "objetiva" de sua
devoção inabalável ao partido e seu entendimento subje-
tivo da inocência de Calmanovici, Costea decidiu tirar a
própria vida. Em sua última mensagem a seus camaradas,
escreveu Costea:
"Um comunista deve ter sempre confiança no Partido e
deve ser o homem mais feliz do mundo quando sente que o
Partido tem confiança nele. Fui feliz, alegrei-me pela confiança
do Partido, e digo que a mereci, não enganei o Partido. Desde
1939 não vivi outra vida senão para o Partido. Odiei e odeio os
inimigos da classe trabalhadora, seus traidores[ ...]. Não posso
suportar o pensamento de que o Partido perdeu a confiança
em mim. Por isso, beijo minha carteira de partido, que não
sujei nem mesmo antes de tê-la, desta forma, nem agora que
a tenho. Deponho-a no Partido. Agradeço-lhes pela confiança
mantida até certo momento. Este [cometer suicídio] não é
um gesto de comunista, não aprendi do Partido este gesto,

104
CAPÍTULO 2

mas é ainda um resquício da educação e da moral burguesa.


Teria suportado as torturas nos porões da Securitate, mas
não posso suportar o tormento de já não gozar da confiança
de meu Partido. Meu último pensamento para o camarada
Stálin, para o Comitê Central do Partido dos Trabalhadores
Romenos, para o camarada Gheorghiu-Dej".

Também encontrei nos arquivos da Securitate a última


carta de Mirel Costea a suas filhas, Radica e Dana, escrita
alguns minutos antes de ele dar um tiro em si mesmo:
"O vosso paizinho, que amastes e que vos amou, pede-vos
desculpas por partir; quando ficardes adultas entendereis que
o maior bem de um homem honesto é gozar da confiança
do Partido. Gozei dessa confiança até recentemente; até
recentemente, e isso é o que não posso suportar. Minha vida
foi para o Partido; sem a confiança dele, ela não tem sentido.
Peço-vos que vivais bem e que vos ameis assim como eu e
vossa mãe vos amamos. Sabei que vosso pai foi um homem
honesto e devotado ao Partido. Mas se algum dia souberdes
que o Partido tem outra opinião sobre mim, então crede no
que diz o Partido. Vossa mãe cuidará de vós e vos educará no
espírito de amor pelo camarada Stálin, pela URSS, pelo nosso
Partido, pelos líderes amados do nosso Partido, assim como
vos eduquei também eu" .17

O veículo simbólico desta arregimentação moral e po-


lítica foi a definição stalinista do internacionalismo como
fidelidade ilimitada à URSS (a "teoria da pedra de to-
que"). Para manter controle estrito sobre todos os meca-
nismos que garantiam a reprodução social e preservavam
a matriz de dominação em tal sistema, o partido tinha de
representar o papel central. Baseado em minha pesquisa
nos arquivos do Partido Comunista Romeno, parece que
nenhum segmento do corpo social, econômico ou cultural,
assim como nenhuma instituição repressiva, escapou da
intervenção contínua e sistemática do partido. Mesmo du-
rante o período terrorista ascendente (1948-53), a polícia
secreta servia como o instrumento obediente do partido e

105
O DIABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

não o oposto. Na verdade, como afirmou um especialista:


"a URSS, em outras palavras, não manteve dois conjuntos
de livros, ao menos em questões ideológicas" .18 A pureza
ideológica e a vigilância revolucionária foram impostas
como os principais imperativos políticos. A polícia políti-
ca, forjada no molde soviético e controlada por conselhei-
ros soviéticos, tomou cuidado em preencher os desiderata
ideológicos. O conteúdo político dessa ditadura ideológi-
ca em sua encarnação radical (os primeiros cinco anos) foi
puro terror e propaganda permanente de guerra movida
dentro de uma ditadura personalizada, encarnada pelos
"stalinzinhos" locais.
O que esses países experimentaram não foi apenas uma
importação institucional ou expansão imperial. Passaram
pelo que se poderia denominar, empregando a formulação
de Stephen Kotkin, uma transferência "civilizacional" 19
que transplantou uma escatologia secular (marxismo-le-
ninismo ), uma visão radical do mundo (o cerco capitalista
e a teoria da "pedra de toque" do internacionalismo pro-
letário20 decifrada por Stálin nos anos 1920), e por fim,
uma idéia alternativa da modernidade (baseada no anti-
-capitalismo e no coletivismo administrado pelo estado),
auto-identificada como infalivelmente justa - em outras
palavras, o stalinismo. A caracterização de Kotkin do sta-
linismo como civilização chega muito perto da compara-
ção que Anthony Stevens, um analista junguiano, faz com
o nacional-socialismo. De acordo com Stevens, "o nazis-
mo tinha seu Messias (Hitler), seu Livro Sagrado (Mein
Kampf), sua cruz (a Suástica), suas procissões religiosas
(o comício de Nurembergue), seu ritual (a passeata em co-
memoração do Golpe do Beer Hall), sua elite ungida (a
SS), seus hinos (a Canção "Horst Wessel"), a excomunhão
para os heréticos (os campos de concentração), seus de-
mônios (os judeus), sua promessa de milênio (O Reich de

106
CAPÍTULO 2

Mil Anos), e sua Terra Prometida (o Oriente)" .21 Assim o


stalinismo como o nazismo eram civilizações revolucio-
nárias radicais que visavam ao estabelecimento de uma
modernidade não-liberal, alternativa, pela instrumentali-
zação da religião política que estava em seu cerne.
O stalinismo foi um plano auto-suficiente e pré-esta-
belecido de reestruturar a sociedade, em nome do qual o
movimento distribuía tantas vidas humanas quantas eram
precisas, ao passo que engendrava freneticamente a trans-
formação radical. 22 O culto da personalidade (e a crescen-
te russificação do sistema stalinista durante e depois da
Segunda Guerra Mundial) combinado com a perspectiva
cada vez mais ortodoxa do comunismo (como "um siste-
ma vivido") 23 exacerbou a lógica de exclusão nas "demo-
cracias populares". Como na União Soviética, na Europa
Oriental o próprio stalinismo foi a revolução: 24 abriu uma
brecha nas estruturas já frágeis do antigo regime e deixou
os alicerces do socialismo de estado em cada um dos países
da região. Criou um partido-estado onipresente que ten-
tou - e na maior parte dos casos conseguiu - estender seus
tentáculos a todas as esferas da vida. 25 Nas palavras do
diretor do Instituto Francês em Tallinn, Jean Cathala, em
1940 o processo de sovietização significou "a incorpora-
ção em outro mundo: num mundo de instituições, de prá-
ticas e maneira de pensar, que tinham de ser aceitas como
um bloco, porque o espiritual e o temporal, a doutrina e
o estado, o regime e os métodos de governo, a pátria e o
partido no poder estavam todos misturados nisso" .26
Ao mesmo tempo, a sovietização foi "parte de uma
concepção imperialista, de acordo com a qual se realizou
e racionalizou um sistema de dominação e subjugação, e
de acordo com a qual se atribuiu uma identidade subalter-
na aos povos submetidos" .27 Entretanto, a principal fra-
queza deste sistema foi seu déficit crônico de legitimidade.

107
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Sob o stalinismo maduro, assim na União Soviética como


na Europa Oriental, o despotismo autocrático arruinou o
funcionamento do partido como uma instituição autôno-
ma, seu potencial para "impersonalismo carismático" ine-
rente no leninismo como um modelo organizacional. Esse
fenômeno explica as características neo-tradicionalistas
do stalinismo. Se se seguir o argumento de Ken Jowitt, a
mutação da definição de heroísmo revolucionário (inicial-
mente pertencente ao partido, mas agora a prerrogativa
de alguém) cancelou a característica fundamental da no-
vidade no leninismo como uma forma de agregação ideo-
-política. 28 Nesta estrutura monolítica dominada pela fa-
lange revolucionária, sempre se buscaram freneticamente
planos de remodelar o homem, a natureza e a sociedade.
O stalinismo como uma religião política pôs de pernas
para o ar a moralidade tradicional: bem e mal, vício e vir-
tude, verdade e mentira foram drasticamente reavaliados.
O objetivo era criar um sistema que unificasse a vítima e
os torturadores, que abolisse os tabus morais tradicionais
e estabelecesse um código diferente, com diferentes pres-
crições e proibições. A dramaturgia dos processos-espetá-
culo com sua "pedagogia infernal" (Annie Kriegel) foi o
principal componente de um sistema baseado no medo, na
duplicidade e na suspeição.
O "sentimento oceânico" de êxtase de solidariedade, o
desejo de dissolver a autonomia do indivíduo na entidade
mítica supra-individual do partido, adequadamente des-
crito por Arthur Koestler, foi o fundamento emocional de
um tipo quiliástico de empenho revolucionário. 29 Em suas
conversas com Czeslaw Milosz, o poeta polonês Aleksan-
der Wat formulou uma avalição memorável do fenômeno:
"O comunismo é o inimigo da interiorização, do homem
interior, e esta é a essência do stalinismo. A essência do
stalinismo é o envenenamento do homem interior de tal forma

108
CAPÍTULO 2

que ele se contraia da maneira que os caçadores de cabeças


contraem as cabeças - aquelas cabecinhas murchas - e então
desapareça inteiramente [...]. O homem interior tem de ser
morto para o decálogo comunista ser alojado em sua alma". 30

A comunidade, definida à luz da classe, era o antípoda


do execrado egoísmo pequeno-burguês do burguês indivi-
dual. O eu tinha de ser negado a fim de obter a fraternité
real. Gerações de intelectuais marxistas apressaram-se em
aniquilar a própria dignidade nesta corrida apocalíptica
por certezas últimas. Toda a herança do racionalismo cé-
tico ocidental foi facilmente rejeitada em nome da luz re-
velada que emanava do Kremlin. A era da razão haveria
então de culminar no universo congelado do terror quase-
-racional. Paradoxalmente, no rescaldo da Segunda Guer-
ra Mundial, Georg Lukács, um protótipo do filósofo mar-
xista e partidário fiel do bolchevismo, escreveu todo um
tratado acusando a filosofia ocidental de ter abandonado
tradições humanistas em favor de uma tentativa geral de
destruir a Razão.31
O sujeito, o ser humano - totalmente desprezado no
âmbito do discurso filosófico - foi finalmente abolido
como entidade física no vórtice dos "grandes expurgos".
O historiador Jochen Hellbeck observou com precisão em
sua análise de diários durante o stalinismo que
"um indivíduo vivendo sob o sistema bolchevique
não podia formular em teoria uma noção de si mesmo
independentemente do programa promulgado pelo estado
bolchevique. Um indivíduo e o sistema político em que vivia
não podiam ser vistos como duas entidades separadas" .32

Essas imagens eram mais do que metáforas, já que me-


táfora sugere uma face inefável da realidade, ao passo que
o que ocorreu sob Stálin foi terrivelmente visível e ins-
tantâneo. Mesmo os que mantinham diários e eram alvo
de campanhas políticas ou cujos parentes próximos eram

109
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

vítimas dos expurgos tentaram alinhar o pensamento com


a linha oficial:
"O desejo dos que mantinham diários na era de Stálin
de terem uma vida com propósito e significativa refletia
uma necessidade difundida de ideologizar a própria vida, de
transformá-la na expressão de uma Weltanschauung firme,
internamente consistente e totalizante [...]. O regime era
então capaz de canalizar esforços para a auto-validação e
transcendência que emergiram das fronteiras ideológicas do
bolchevismo. A essa luz, o projeto soviético emerge como uma
variante de um fenômeno europeu mais amplo do período
interbélico que pode ser descrito como uma obrigação
duplicada de uma visão de mundo pessoal e da integração
dos indivíduos numa comunidade [...]. O poder do apelo
comunista, que prometia que os que tinham sido escravos no
passado poderiam remodelar-se em membros exemplares da
humanidade, não pode ser exagerado" .33

Sob Stálin, o processo de estabelecimento da identida-


de do indivíduo foi fundamentalmente condicionado pelo
projeto do partido-estado de transformação radical.
Dificilmente se pode negar que os regimes fascista eco-
munista foram a antítese do legado humanista ocidental.
Nas palavras do filósofo marxista crítico Ferenc Fehér, o
telos omni-abrangente do nazismo foi "a conquista uni-
versal que pode apenas concluir-se ou numa coletividade
da 'raça' ou na irrelevância do objetivo mesmo quando
a conquista se torna verdadeiramente universal". Quanto
às características do bestiário comunista, Fehér listou as
seguintes: a monotonia diária do gulag, a rudeza de massa
de seus funcionários, rudeza como uma atmosfera geral,
um falso tipo de ateísmo, e o elemento jacobino. Escreve
Fehér:
"É uma dialética estranha que muitos aspectos refinados
do projeto jacobino sirvam como fundamento da indiferença
animal absoluta do bestiário. O primeiro deles é a legitimação
de todos os atos inumanos em nome das 'futuras gerações', cuja

IIO
CAPÍTULO 2

felicidade supostamente está em risco. Este é um bom antídoto


contra os vestígios de uma consciência pessoal. O segundo é
a calúnia moral coletiva do inimigo: pertencer a um grupo
não aceito torna-se aqui um pecado que também tem o efeito
colateral útil de eliminar os resquícios da compaixão cristã
[... ]. A extensão do bestiário no 'socialismo real' não pode ser
razoavelmente reduzida ao escopo do Gulag propriamente
dito. A cultura criada por Stálin, atenuada, mas deixada
fundamentalmente inalterada por seus herdeiros e sucessores,
é bárbara precisamente no sentido que nela não há nenhuma
linha de demarcação entre o bestial e o não bestial [...].
Portanto, não é acidental que a única criação cultural nesta
sociedade tenha vindo, há décadas, apenas de dissidentes que
estão escrevendo acerca do bestiário e cuja questão ultrajada é
exatamente esta: o que fizestes a nosso povo?". 34

Ao mesmo tempo, François Furet e Pierre Hassner esta-


vam certos em enfatizar a natureza do leninismo/stalinis-
mo como patologia do universalismo, uma descendência
descarrilada (devoyé) do Iluminismo. Naturalmente, seria
absurdo restringir-nos à simples condenação ética. Mas
não seria de maneira nenhuma louvável atenuar as impli-
cações morais do stalinismo ou, fazendo ecoar um famoso
ensaio do jovem Georg Lukács, os dilemas de "bolchevis-
mo como um problema moral". É importante, quando se
pondera o destino do marxismo no século XX, compre-
ender a divisão de personalidades, o embate entre ideais
elevados e práticas palpáveis, os métodos da pedagogia
terrorista stalinista em seu esforço de produzir um novo
tipo se ser humano cujas lealdades e crenças seriam decre-
tadas pelo partido. A vingança da história em seus adora-
dores - assim poderia ser descrita a psicose terrorista dos
massacres stalinistas. Para citar a interpretação perspicaz
do sociólogo Alvin W. Gouldner,
"a estratégia central do projeto marxista, sua preocupação
em procurar um remédio para o sofrimento desnecessário,
foi então, afinal, suscetível de um abuso que retratou suas
confissões mais altas. A raiz do problema foi que esta

III
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

concepção de seu próprio projeto redefinia a compa1xao


[... ]. A condição humana foi rejeitada em nome da condição
histórica". 35

Como apontou certa vez Koestler (em sua carta de


demissão de 1938 da União Alemã de Escritores Comu-
nistas), para Lênin não era suficiente destruir seu inimigo
- queria fazê-lo parecer desprezível. Lászl Rajk, Lucretiu
Pãtrã~canu, Rudolf Slánsky, Ana Pauker, Vladimir Clemen-
tis, Traicho Kostov, Bedfich Geminder, Artur London, Ru-
dolf Margolius - todos eles tinham sido retratados como
patifes desprezíveis e ralé infame. Os heróis de ontem se
tinham tornado a escória de hoje.36 Em certa medida, Ro-
bert C. Tucker está certo em apontar que
"os processos-espetáculo de 1936-1938 [...] para Stálin
eram uma dramatização de sua visão conspiradora do
mundo contemporâneo e soviético [...]. O terror stalinista
era em grande medida uma expressão das necessidades
da personalidade ditatorial de Stálin, e essas necessidades
continuaram a gerar o terror enquanto ele viveu" .37

Entretanto, no cerne da visão de Lênin de uma nova


sociedade está um ethos de extermínio. Bukharin, a quem
Cohen rotulou como "o último bolchevique" e que se con-
siderava o verdadeiro herdeiro de Lênin, enfatizou em seu
livro Economics of the Transition Period, publicado em
1920, que "a coerção proletária em todas as suas formas,
começando com fuzilamento e terminando com trabalho
forçado, é [... ] um método de criar a humanidade comu-
nista dos materiais humanos da época capitalista". Pelos
começos dos anos 1930, Bukharin tinha mudado para
uma teoria de "crescimento para o socialismo". Entretan-
to, como fora avisado sabiamente por Trotsky, "o sistema
de aparato de terror não pode chegar a um fim apenas nos
assim chamados desvios ideológicos, reais ou imaginários,
mas tem de espalhar-se inevitavelmente por toda a vida

112
CAPÍTULO 2

e atividades da organização" .38 O Grande Terror poderia


ter sido ato de Stálin e poderia ter refletido sua "perso-
nalidade belicosa" (como argüi Tucker), mas o princípio
espalhado da ablação violenta contra os que se opuseram
ou se alienaram da ditadura do proletariado estava codifi-
cado no coração do leninismo.
Especialmente depois de 1951, as obsessões stalinistas
anti-ocidentais, anti-intelectuais e anti-Tito· fundiram-se
num anti-semitismo cada vez mais rábido:
"Stálin temia que outros países campeões da paz seguissem
o modelo independente iugoslavo e se afastassem da esfera
de influência da União Soviética. Instigou o terror dos
julgamentos políticos para descobrir 'inimigos' dentro de
cada Partido Comunista a fim de desencorajar o dissenso.
Procuraram-se e acusaram-se vítimas de ligação com atitudes
oposicionistas de Tito e traição. Nestes últimos casos, os
sovietes voltaram-se para o sionismo e para a suposta ligação
deste com o imperialismo ocidental como a causa da traição
ao comunismo. O processo-espetáculo era uma arma de
propaganda do terror político. Seu objetivo era personalizar
um inimigo político abstrato, colocá-lo em carne e osso e,
com a ajuda de um sistema pervertido de justiça, transformar
diferenças ideológicas políticas abstratas em crimes comuns
facilmente inteligíveis. Incita tanto as massas contra o mal
encarnado pelos réus quanto as amedronta no apoio a
qualquer oposição potencial". 39

Entre as maquinações legais da Europa Oriental sta-


linista, o julgamento de Slánsky em Praga, no outono de
1952, simbolizou a conversão última do bolchevismo
numa versão emergente do fascismo comunista. A seleção
da defesa (onze dos catorze eram comunistas proeminen-
tes de ascendência judaica); a brutalidade feroz dos inter-
rogatórios, que envolviam cruéis insultos anti-semitas; as

,.. Titoísmo: doutrina e regime político da dissidência comunista do


Marechal Josip Broz (Marechal Tito), chefe dos guerrilheiros iugoslavos
na Segunda Guerra Mundial - NE.

II3
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

campanhas da mídia anti-sionista histérica na Checoslo-


váquia e outros países comunistas; a acusação hidrófoba
racista feita pelo Promotor, Josef Urválek; o envolvimento
direto dos enviados de Stálin na preparação desta mega-
-provocação - todos esses elementos se uniram numa cor-
rente sem precedentes de ilusões desfeitas, vendetas amar-
gas, lealdades traídas. Nas palavras de Artur London, um
dos três sobreviventes do julgamento e um veterano da
Guerra Civil Espanhola e da maquis francesa anti-nazista,
que era, no momento de sua prisão em 1951, ministro do
exterior da Checoslováquia:
"Toda tortura física e moral era levada a um extremo. Fui
forçado a andar continuamente [... ]. Durou meses, e ficou
pior por eu ter de manter os braços pregados ao corpo. Meus
pés e pernas ficaram inchados. Estourou a pele ao redor de
minha unha do dedão do pé e as bolhas se tornaram feridas
purulentas" .40

O filho de Margolius, um dos réus, imagina os pensa-


mentos de seu pai na noite antes da abertura da Sessão na
Alta Corte em Pankrác, em 20 de novembro de 1952:
"Rudolf lembra-se de ter lido O Conceito de ansiedade de
S0ren Kierkegaard, escrito em 1844, onde afirma o grande
filósofo: 'O indivíduo torna-se culpado não porque é culpado,
mas por causa de sua ansiedade quanto ao ser tomado por
culpado'. Rudolf achou que era seu dever atuar como exigido;
não era culpado, mas o Partido lhe pediu para apoiá-lo na
hora de necessidade [... ]; ironicamente era exatamente como
o Darkness at Noon, de Koestler, que [Pavel] Tigrid [uma
figura importante do exílio democrático checo] lhe tinha
emprestado. [Karol] Bacilek [o ministro stalinista de segurança
do estado, 1952-53] parecia Gletkin, que disse a Rubashov:
'Seu testemunho no julgamento será o último serviço que o
senhor pode fazer para o partido'. O Partido negava o livre
arbítrio do indivíduo - e ao mesmo tempo, exigia seu arbítrio
em sacrifício. Tudo isso tinha sido ficção: mas Rudolf estava
no mundo real" .41

114
CAPÍTULO 2

No segundo dia do julgamento de Slánsky, Bedfich Ge-


minder, um ex-oficial do Comintern e chefe do Departa-
mento Internacional do Partido Comunista da Checoslo-
váquia, foi submetido a depreciações inomináveis ligadas
às sua origem judaico-germana:
juiz Novák: "Que nacionalidade tem o senhor?".
O réu Geminder: "Checa".
Juiz Novák: "O senhor sabe falar bem checo?".
O réu Geminder: "Sim".
Juiz Novák: "O senhor quer um intérprete?".
O réu Geminder: "Não".
[ ... ]
O Promotor Urválek: " ... o senhor realmente nunca
aprendeu a falar bem o checo, nem mesmo em 1946, quando
voltou para a Checoslováquia e ocupou postos importantes
no Partido Comunista?".
O réu Geminder: "Não, não aprendi adequadamente o
checo".
[...]
O Promotor Urválek: "O senhor não sabe falar nenhuma
língua adequadamente, sabe? O senhor é um cosmopolita
típico. Como tal o senhor esgueirou-se no Partido
Comunista" .42

"Cosmopolitismo sem raízes" era um termo-chave, um


contraposto à propaganda anti-semita malévola de Julius
Streicher. O Geminder aviltado, nascido de uma família
teuto-judaica na Morávia em 1901, unira-se ao grupo jo-
vem sionista antes de tornar-se membro do Partido Co-
munista em 1921. Em 1928 foi eleito para o Comitê Exe-
cutivo da Internacional Comunista da Juventude (KAM).
Depois do Pacto de Munique de 1938, Geminder mudou-
-se para a União Soviética, onde se juntou à Comintern
como cabeça de seu Serviço de Informação e de Imprensa
sob o nom de guerre G. Friedrich. 43 Por seus serviços re-
volucionários lhe foi dada a Ordem de Lênin. Era casado

115
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

com Irene Falcon, uma comunista espanhola e secretária


pessoal da secretária geral do Partido Comunista Espa-
nhol, a legendária Dolores Ibarruri, la Passionaria. 44 Sen-
tenciado à morte em 2 7 de novembro de 1952, Geminder
foi executado em 3 de dezembro. Em 5 de março de 1953
faleceu Stálin.45
O impacto mágico do poder no stalinismo clássico te-
ria sido impensável na ausência de ideologia. Eles se ali-
mentavam reciprocamente; o poder obtém sua força hip-
notizante do potencial sedutor da ideologia. O homem é
proclamado onipotente, e a ideologia supervisiona a iden-
tificação do homem abstrato com o poder concreto. A ve-
neração do poder está enraizada no desprezo pelos valores
tradicionais, incluindo os associados à sobrevivência da
razão. É importante, portanto, resistir à tentação do pen-
samento crítico, já que a razão é a inimiga da arregimen-
tação total. Para citar um dos cúmplices mais importantes
(e malévolos) de Stálin, Lazar Kaganovich, "a traição na
política sempre começa com a revisão da teoria". 46 Em um
de seus últimos aferismos, Max Horkheimer fez alusão à
revolução filosófica provocada pelo marxismo. Defender a
dignidade do sujeito individual torna-se uma empresa sedi-
ciosa, um desafio ao mito prevalecente de homogeneidade:
"Por mais socialmente condicionado que seja o pensamento
individual, por mais que necessariamente se relacione com
questões sociais, com a ação política, permanece o pensamento
do indivíduo que não é apenas o efeito de processos coletivos,
mas pode também tomá-los como seu objeto" .47

O xamanismo político, praticado pelos supostos adver-


sários do misticismo, opõe tentativas de resistir ao con-
tínuo assalto da mente. O marxismo-leninismo, que foi
o nome-chave para a ideologia da nomenklatura, visava
a dominar assim a esfera pública como a esfera privada
da vida social. O homem, tanto como indivíduo quanto

116
CAPÍTULO 2

como citoyen, tinha de ser massificado. O culto da violên-


cia e a sacralização da linha infalível do partido criaram
súditos totalmente submissos para quem qualquer crime
ordenado pelos escalões mais altos era justificado em
nome dos "amanhãs brilhantes". Assim como o Eichmann
movido ideologicamente, os "carrascos de boa vontade"
de Stálin agiam com base no que Hannah Arendt chamou
"irreflexão". 48
Precisa-se de um clima de medo para preservar a unida-
de monolítica. Para cimentar esta coesão frágil, a "perso-
nalidade belicosa" stalinista arquitetou a figura diabólica
do traidor:
"A percepção caractenst1camente paranóide do mundo
como uma arena de hostilidades mortais sendo conduzidas
conspiratoriamente por um inimigo insidioso e implacável
contra o eu encontra expressão altamente sistematizada em
relação a símbolos políticos e ideológicos que são amplamente
compreendidos e aceitos em dado meio social. Por uma forma
especial e radical de substituição de afetos privados em objetos
públicos, esta imagem de mundo é politizada. Na visão de
realidade resultante, assim o atacante como a vítima visada
são projetados na escala de coletividades humanas amplas" .49

No sentido de René Girard, o bode expiatório50 alimen-


tou uma utopia libertada de exploração, antagonismo, e
do imperativo da necessidade. A origem desta lógica de
exclusão é, naturalmente, o maniqueísmo combatente e
intransigente de Lênin, nós contra eles, quem se livra de
quem? (kto kogo). 51 Ora, para retornar ao livro de Bukha-
rin de 1920, Economics of the Transition Period, a força
revolucionária é a "parteira" da transição do ancien régi-
me para a nova ordem:
"[Ela] tem de destruir os grilhões do desenvolvimento
da sociedade, i.e., de um lado, as antigas formas de 'força
concentrada', que se tornaram um fator contra-revolucionário
- o velho estado e o velho tipo de relações de produção. Essa

117
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

força revolucionária, por um lado, tem de ajudar ativamente


na formação das relações de produção, sendo uma nova
forma de 'força concentrada', o estado da nova classe, que
age como a alavanca da revolução econômica, alterando a
estrutura econômica da sociedade" .52

Para Bukharin, assim como para Lênin ou Stálin, "as


camadas sociais desmanteladas" da velha estrutura fo-
ram recombinadas por um estado proletário mediante a
estatização, militarização e mobilização das forças de pro-
dução. Subseqüentemente, o autor de O ABC do Comu-
nismo concluiu que "o processo de socialização em todas
as suas formas [ênfase minha]" foi "a função do estado
proletário" .53 Como já mostrado, no processo de eliminar
as ambivalências da sociedade soviética, os bolcheviques
introduziram um estado indiscriminado de violência na
função do estado proletário. O terror era um mecanismo
central de ordenar a nova política.
Quem são os inimigos? De onde vieram? Quais são
seus propósitos? Oferecer respostas a essas perguntas foi
a função principal dos processos-espetáculo. Manter a vi-
gilância, estigmatizar os supostos vilões e preservar a psi-
cologia de angústia universal foram as tarefas que Stálin
assinou para os cabeças de expurgos sucessivos. Não eram
admitidas nenhumas fissuras no escudo bolchevique, não
podia surgir nenhuma dúvida que não dissimulasse ardis
maliciosos visando a minar o sistema. De novo e de novo
o refrão foi repetido pelos sicofantas covardes: estamos
cercados de inimigos jurados, somos invencíveis apenas
se ficarmos unidos. Expressar visões divergentes significa
necessariamente enfraquecer a vanguarda revolucionária.
Quebrar os escalões era considerado um pecado mortal,
e a suspeição era a virtude revolucionária suprema. Na
verdade, quando a aquiescência é a regra de ouro, exige-
-se muita coragem moral para rebelar-se. No espaço ho-

118
CAPÍTULO 2

mogêneo da dominação totalitária, a oposição equivalia a


crime e os oponentes eram tratados como simples crimi-
nosos. Encarnavam a diferença e eram, portanto, vistos
como fora da lei. O ostracismo levou afinal à emancipa-
ção mental, à autonomia da mente adquirida pelos zeks
de Alexandre Soljenítsin, a população do Gulag de Stálin.
O arame farpado era então o símbolo de um novo tipo de
fronteira entre vítimas absolutas e cúmplices relativos do
mal. Toda a tragédia do comunismo está nesta afirmação
alucinante: a visão de uma elite superior cujos objetivos
utópicos santificam os métodos mais bárbaros; a negação
do direito à vida àqueles que são definidos como "parasi-
tas e predadores degenerados", a desumanização delibe-
rada das vítimas.
A imagem do homem como um mecanismo, proposto
pelos filósofos franceses, encontrou seu eco estranho nessa
tecnologia, que tudo invade, do assassínio orientado so-
cialmente. Este foi o apogeu do utopismo radical, quando
nada podia resistir ao movimento perpétuo do jogo sujo.
A escatologia marxista foi imposta através da demonolo-
gia stalinista. O expurgo funcionava como um panóptico
onde os pecadores e seus segredos vêm à tona. Era um
ritual de auto-depreciação e submissão total à vontade sa-
crossanta do partido. A crítica e a auto-crítica eram rituais
do partido de certitudo salutatis· para a vocação intra-
mundana de seus membros.
"O partido aparecia como um panopt1co que podia
descobrir em 'reunião públicas dos núcleos' a 'corrupção moral
e a conduta imprópria da parte dos membros do Partido. A
auto-crítica exigida e a crítica dos quadros do partido eram
empregadas como meio de alcançar sua consciência íntima,
e, portanto, convertê-los e convencê-los a mostrar auto-
disciplina e trabalho de 'auto-sacrifício' em benefício do
comunismo" .54

rr9
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Dentro dessa construção, a moralidade era definida em


termos de lealdade a um sentido da transcendência histó-
rica última. Igal Halfin apresentou muito bem o processo
pelo qual, através de expurgos cíclicos na União Soviéti-
ca (pode-se considerar o estágio embrionário delas como
1920-21), a escatologia marxista metamorfoseou-se numa
demonologia que alcançou sua maturidade discursiva,
exacerbada e criminosa com a Segunda Transformação
Socialista disparada pelo pyatileka [plano qüinqüenal]
desencadeada para construir o socialismo em um único
país. 55 O discurso público estava saturado de imagens
amedrontadoras de desviantes, heréticos, espiões, agen-
tes, e outros patifes. Em meados dos anos 1930, podia-
-se ver sob o stalinismo um processo que tem uma forte
semelhança com as práticas de terror sob o nazismo: "a
desubjetificação da vítima" tornou-se "uma pré-condição
programada para sua vitimização, uma pré-condição que
permitia ao perpetrador a representação da narrativa do
programa de extermínio" .56 Entreviu-se uma fenomeno-
logia da traição para justificar o massacre, e não havia
nenhuma escassez de intelectuais para apoiar este cenário
mórbido. Em outras palavras, os perpetradores definiam
com sucesso, em seus próprios termos, as vítimas. Um sen-
timento duradouro de que havia, afinal de contas, algo
moral no utopismo bolchevique, além da exploração de
emoções anti-fascistas, levou a uma falha persistente em
reconhecer o fato básico de que desde seu início o sovie-
tismo era um sistema criminoso.
Na mente de Stálin, os expurgos eram meios de consoli-
dação política e de construção de autoridade, um trampo-
lim para recém-chegados e oportunistas. Assegurariam a
base humana para o controle eficaz da sociedade. Um dos
primeiros biógrafos de Stálin comentou acerca da função
e conseqüências do Grande Expurgo:

120
CAPÍTULO 2

"Ele queria obter uma ditadura pessoal irrestrita com uma


totalidade de poder que ainda não possuía [... ]. Emergindo
dos acontecimentos de 1936-38 como um ditador pessoal
no que agora era um verdadeiro sistema totalitário de poder,
Stálin obtivera o propósito político internacional do Grande
Expurgo".57

Em um de seus ensaios mais pungentes, publicado antes


da Segunda Guerra Mundial em Partisan Review, Philip
Rahv apresentou uma interpretação completa do mecanis-
mo que levava ao "grande terror":
"Esses são os julgamentos da mente e do espírito humano
[...]. Na União Soviética, pela primeira vez na história, o
indivíduo tinha sido privado de quaisquer meios concebíveis
de resistência. A autoridade é monolítica: a propriedade e a
política são uma só. Sob as circunstâncias tornou-se impossível
desafiar a organização; estabelecer uma vontade contra ela.
Não se pode escapar dela: não apenas ela absorve toda a vida,
mas também procura modelar as formas de morte" .58

Sem os expurgos, o sistema teria parecido radicalmente


diverso. Assim as vítimas como os beneficiários do meca-
nismo assassino foram misturados por este ritual de sa-
crifício. Para alguns dos militantes bolcheviques liquida-
dos ou deportados durante o grande expurgo, a provação
terrorista equivalia à auto-depreciação e auto-humilhação
necessárias. Ademais, foi uma oportunidade de obter a tão
esperada absolvição para esses momentos de "descarrila-
mento" quando tinham ousado opor-se a Stálin. Zbigniew
Brzezinski, muito tempo atrás, listou sinteticamente os
principais objetivos do expurgo: "A limpeza do partido,
a restauração de seu vigor e unidade monolíticos, a eli-
minação dos inimigos, e o estabelecimento da correção
de sua linha e o primado da liderança".59 Toda uma fe-
nomenologia da servidão mística aconteceu no processo
de massacrar a sociedade, e foi reproduzida irresponsável
(e entusiasticamente) por muitos intelectuais que tinham

121
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

aceitado esta emasculação de suas faculdades críticas. Es-


peranças residuais de migalhas irresponsáveis de morali-
dade dentro da utopia comunista, combinadas com uma
exploração maquiavélica do sentimento anti-fascista, le-
varam a um fracasso trágico em reconhecer a natureza
criminosa do experimento soviético. Ainda assim, tem-se
de mencionar os que viram a realidade e se recusaram a
permanecer silentes. Entre essas vozes de lucidez, deve-se
mencionar Panait Istrati, Boris Souvarine, Ignazio Silone,
Carlo Roselli, George Orwell, e outros intelectuais que de-
safiaram a Grande Mentira. 60
O problema com o leninismo foi a santificação dos fins
últimos, e então, a criação de um universo amoral em que
os crimes mais terríveis poderiam ser justificados em nome
de um futuro radiante. Na prática, a eliminação da políti-
ca parecia um terminus lógico, pois o partido era a encar-
nação de uma vontade coletiva extremista. 61 Esta fixação
em fins e a prontidão para empregar os meios mais atrozes
para obtê-los são características de muitas utopias ideo-
lógicas, mas na experiência leninista, alcançaram limites
grotescamente trágicos. A crença ultra-determinista de Lê-
nin no advento da ordem proletária funcionou depois de
1917 como um mecanismo niilista de levar o mundo a ali-
nhar-se com tal milenarismo. A velha ordem tinha de ser
destruída, então suas encarnações humanas eram demo-
nizadas e se tornaram alvos de perseguição cruel. Em seu
manifesto contra os mencheviques, Um passo para frente,
dois para trás (1904 ), Lênin proclamou: "seria a covardia
mais criminosa duvidar, ainda que por um instante, do
triunfo inevitável e completo dos princípios da social-de-
mocracia revolucionária, da organização proletária e da
disciplina do Partido [minha ênfase]". 62 Bertrand Russel
notou já em 1920 que havia uma dualidade central dentro
do bolchevismo que continha a ruína do movimento: ha-

122
CAPÍTULO 2

via, de um lado, "sua dedicação a certa concepção de mo-


dernização", e, de outro lado, "uma dedicação ideológica
a um mundo ideológico moldado pelo zelo ideológico e
intolerância de outras visões de mundo, que era uma ne-
gação do Iluminismo ao discurso racional". 63 Em outras
palavras, o bolchevismo foi, desde o começo, rico em sua
própria Inquisição.
Não menos importante, o apelo do comunismo estava
ligado ao poder extraordinário de sua ideologia (e o mito
central do partido como o portador da razão na histó-
ria). Nenhum outro movimento revolucionário teve tan-
to sucesso como o leninismo em tornar um credo gnós-
tico numa arma auto-hipnótica. Os militantes leninistas
ao redor do mundo acreditaram no mito do partido com
um ardor comparável apenas aos iluminados das seitas
de religiões milenaristas. É importante insistir assim nos
fundamentos ideológicos como institucionais do leninis-
mo quando tentamos sondar o mistério da resistência do
leninismo no século XX. O mito do partido como repo-
sitório de sabedoria e racionalidade históricas é a chave
para compreender a dinâmica e finalmente a decadência
e extinção do leninismo. O leninismo, em suas várias fa-
ses, foi o que Ken Jowitt descreveu como um "momento
católico" na história, quando "uma 'palavra' universal se
tornou 'carne' institucional, um formato institucional pa-
dronizado e centrado autoritariamente domina um con-
junto altamente diverso de culturas" . A interpretação al-
thusseriana permanece válida apenas se se apresentar uma
inversão fraseológica: o leninismo foi uma nova práxis da
filosofia. A explanação de sua longevidade no século XX
pode, portanto, ser encontrada na "Promessa da Grande
Revolução de Outubro[...] da União Soviética como uma
hierofania socialista". 64

123
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

As biografias das elites ideológicas nos regimes de tipo


soviético eram normalmente descoloridas e não tinham
nenhum momento de distinção real. Na Europa Oriental,
os cães de guarda ideológicos eram recrutados das facções
moscovitas dos partidos governantes. Na Hungria, Józ-
sef Révai, um dos discípulos mais promissores de Georg
Lukács, se tornou um flagelo da vida intelectual. Révai era
membro da delegação húngara para vários encqntros do
Conminform e implementou entusiasticamente a estraté-
gia jdanovista. Na Romênia, a dupla Josif Kishinevschi
e Leonte Rãutu forçou a cultura nacional a um impasse
mortal. Burocracias ideológicas na Checoslováquia (Vi-
lem Kopecky, Jiri Hendrich) 65 e na Alemanha Oriental
(Gerhart Eisner, Albert Norden, Kurt Hager) 66 promove-
ram negações semelhantes de tradições genuinamente na-
cionais e um sentimento apócrifo de internacionalismo.
Todos os recursos eram convenientes quando visavam a
desenraizar tentações desviacionistas mal-intencionadas.
O "nacionalismo burguês" foi fundido com o "cosmopo-
litismo desenraizado" na figura diabólica do inimigo ma-
ligno. Nesse ínterim, estava florescendo o nacionalismo
socialista. Os membros do exército ideológico estavam
oficiando de boa mente nos ritos do culto. Privados de sua
própria personalidade, estavam alegres em identificar-se
com a super-personalidade de Stálin e de investir-se dela.
Depois da dissolução terrorista do ego, era normal para
os apparatchiks projetar-se no mito de Stálin como um
super-ego institucionalizado.
O Cominform emergiu em setembro de 1947 como a
primeira tentativa de institucionalizar a satelitização da
Europa Oriental. Representava uma iniciativa para conter
e aniquilar as tendências centrífugas dentro do comunismo
mundial (a tentação "domesticista" e a procura de um "ca-
minho nacional para o socialismo" defendida por militan-

124
CAPÍTULO 2

tes tão diferentes como Gottwald, Gomulka e Pãtr~canu).


Estabeleceu o fundamento para estruturas futuras de do-
minação supra-governamental e hegemonia ideológica do
Partido Comunista Soviético. Paradoxalmente, o Comin-
form provocou o primeiro exemplo de dissenção e revi-
sionismo de um partido-estado (a "heresia" titoísta). No
caso de Tito havia um nível significativo de ambivalência:
ele apoiava entusiasticamente a nova orientação de Stálin
("a teoria dos dois campos de Jdanov"), mas pensava que
o momento era propício para ampliar sua própria agenda
hegemônica nos Bálcãs. Poder-se-ia chamar tal síndrome
estratégica hegemonismo paralelo. A ironia da situação
era que o rompimento entre os dois líderes aconteceu num
momento em que as visões soviética e iugoslava de luta
de classes em nível mundial espelhavam uma à outra. Em
1947-48, Tito subestimou o monopólio total de poder ob-
tido pelo tirano do Kremlin, e imaginou-se o beneficiário
de algum poder na tomada de decisões regional. O histo-
riador Ivo Banac diagnosticou corretamente o paradoxo:
" O desenlace dramático de 1948 estava diretamente ligado
aos medos de Stálin de que a Iugoslávia começasse a ter um
papel de centro regional comunista e as provocações potenciais
inerentes contra o Ocidente que tal posição implicava'' .67

Na verdade, o líder da Liga de Comunistas na Iugos-


lávia (até 1952 o Partido Comunista Iugoslavo) seguiu
constantemente adiante em seus planos de criar uma con-
federação danubiana comunista (que deveria incorporar a
Iugoslávia, a Bulgária e a Romênia) 68 enquanto, simulta-
neamente, perseverava na assimilação do Partido Comu-
nista Albanês (que em 1948 se tornou o Partido Albanês
do Trabalho).
O conflito com a Iugoslávia e a excomunhão de Tito do
Cominforn em junho de 1948 sinalizaram o começo de
expurgos dramáticos nos partidos comunistas da Europa

125
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Oriental. Também indicaram que a hegemonia de Mos-


cou não poderia suprimir completamente as tendências
domésticas, mesmo nas facções mais pró-soviéticas. No
entanto, na visão de Stálin, em tal tempo perigoso, quan-
do os imperialistas tinham decidido intensificar suas ações
agressivas contra as nascentes "democracias do povo" e a
ameaça de uma nova guerra mundial estava perigosamen-
te perto, não se poderia permitir a nenhum país nem líder
o envolvimento nos experimentos comunistas nacionais.
Os identificados como nacionalistas poderiam ser acu-
sados dos pecados mais fantásticos. Afinal de contas, ·o
único princípio de legitimação para governar os partidos
comunistas no bloco soviético era sua ligação sem reser-
vas à União Soviética, sua prontidão em executar inaba-
lavelmente todas as diretivas de Stálin. A aspereza da re-
ação de Stálin pode ser explicada pelo fato de a liderança
do Partido Comunista Soviético ter reativado o motivo
geopolítico do ''cerco capitalista". Nesta tendência, o fim
da Segunda Guerra Mundial disparou uma nova ofensi-
va imperialista contra o comunismo que, de acordo com
Stálin, anunciava um iminente conflito armado de esca-
la mundial. Sob tais circunstâncias, qualquer tentação de
comunismo nacional tinha de ser esmagada desde a raiz.
Portanto, dentro dos países do bloco soviético, líderes de
partido poderiam gozar da adoração de seus subordina-
dos, mas seus cultos eram apenas ecos da verdadeira fé:
amor inabalável por Stálin. Nas palavras de Wladislav
Gomulka, o culto dos líderes locais "poderia ser chamado
apenas um brilho refletido, uma luz tomada de emprésti-
mo. Brilhava como brilha a lua" .69
As ligações com Tito eram usadas como argumentos
para demonstrar a inconfiabilidade política de certos lí-
deres europeus orientais (e.g., László Rajk na Hungria,
que lutou na Guerra Civil Espanhola e mantivera relações

126
CAPÍTULO 2

amigáveis com membros do círculo íntimo de Tito). Vale


a pena discutir neste contexto a análise de confissões for-
çadas proposta por Erica Glaser Wallach, a filha adotiva
de Noel Field, cujos pais eram membros das unidades mé-
dicas associadas às Brigadas Internacionais na Espanha:
"Isso depende de ti, confessa teus crimes, coopera conosco,
e nós faremos todo o possível para te ajudar. Podemos até
considerar deixar-te sair livre se nos convencermos de que
deixaste o campo inimigo e contribuíste honestamente para
a causa da justiça e do progresso. Não somos bárbaros e não
nos interessa a vingança. Além disso, não és o verdadeiro
inimigo. Para nós não és tu quem nos interessa; interessam-
nos os criminosos que se encontram a tuas costas, as forças
sinistras do imperialismo e da guerra. Não deves protegê-
los, eles perderão as próprias batalhas. Nós ajudamos
freqüentemente pessoas como tu a reencontrar o caminho
normal na vida e a ter um papel respeitável na sociedade
[... ].Queres saber como é uma serpente capitalista? Eis ali, o
lixo que está ali! Não verás mais esse ente abjeto rastejante
[... ]. Apaga esse arreganho sujo de teu rosto, serva que és
dos americanos [... ]. És uma puta! É isso que és! Ora, pior
do que isso: as prostitutas vendem o corpo, e tu vendeste a
alma. Por dólares americanos, por alguns miseráveis dólares
americanos [... ] ". 70

O domesticismo, de acordo com Zbigniew Brzezinski,


foi uma preocupação "exagerada" e freqüentemente in-
consciente "com os objetivos comunistas domésticos, lo-
cais, a expensas de finalidades soviéticas internacionais,
mais amplas". 71 Não foi uma filosofia elaborada de opo-
sição à hegemonia soviética, mas uma convicção da parte
de alguns líderes europeus orientais, como Gomulka na
Polônia, Lucretiu Pãtrã~canu na Romênia e Traicho Kos-
tov na Bulgária, de que os interesses nacionais não eram
necessariamente incompatíveis com a agenda soviética e
que tais propósitos poderiam, portanto, ser perseguidos
impunemente. Doravante, a principal - senão a única - ta-
refa do Cominform era suprimir tais ambições domésticas.

127
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

A realização da concepção de Stálin para a Europa Orien-


tal incluía a busca de uma estratégia singular que pudes-
se, com o passar do tempo, transformar as várias cultu-
ras políticas nacionais em cópias-carbono da experiência
"avançada" soviética. Partidos comunistas locais, envolvi-
dos em tentativas frenéticas de imitar o modelo stalinista,
transplantavam e algumas vezes realçavam as caracterís-
ticas mais repulsivas do sistema totalitário soviético. O
propósito dos processos-espetáculo que aconteciam nas
democracias populares era criar um consenso nacional ao
redor da elite comunista do topo e manter um estado de
pânico na população. De acordo com George H. Hodos,
um sobrevivente do processo de 1949 de Lászlo Rajk na
Hungria, essas tramóias eram sinais endereçados a to-
dos os potenciais livres-pensadores e heréticos nos países
satélites. Os processos também "tentavam rotular como
criminosos e/ou agentes do imperialismo quem quer que
mostrasse diferenças de opinião, e tentavam distorcer dife-
renças táticas como traição, sabotagem e espionagem". 72
Entretanto, tem-se de enfatizar que esses processos não
eram uma mera repetição dos expurgos sangrentos que
tinham devastado o corpo político soviético nos anos de
1930. Entre 1949 e 1951, as principais vítimas dos proces-
sos eram membros das "elites comunistas nacionais", ou
"comunistas de casa", como opostos aos lealistas dou-
trinários de Stálin. Loki Xoxe, Traicho Kostov, Lucretiu
Pãtr~canu, Wladyslav Gomulka e László Rajk tinham
todos passado os anos de guerra em seus próprios países,
participando do movimento de resistência anti-nazista.
Ao contrário de seus colegas treinados em Moscou, po-
diam invocar a legitimidade pelo envolvimento direto no
movimento partidário. Alguns dos comunistas "criados
em casa" podem ter-se ressentido dos comportamentos
condescendentes dos "moscovitas", que se aproveitavam

128
CAPÍTULO 2

de suas melhores conexões com Moscou e tratavam os


comunistas de casa como partidários subalternos. Stálin
estava a par dessas rivalidades de facções e empregou-as
para iniciar os expurgos permanentes nos países satélites.
No princípio dos anos de 1950, Stálin passou a ficar
cada vez mais preocupado com o papel dos judeus como
portadores de uma "visão de mundo cosmopolita" e como
defensores "objetivos" do Ocidente. Para os comunistas,
não importava se um indivíduo era "subjetivamente" con-
tra o sistema; o que importava era o que ele ou ela pudesse
ter pensado e feito em virtude de seu status "objetivo" (por
exemplo, vir de uma família burguesa, ter estudado no
Ocidente ou pertencer a certa minoria). Embora haja uma
literatura enorme e impressionante lidando com o anti-se-
mitismo de Stálin durante os últimos anos de seu governo,
lamentavelmente há uma escassez de análise do anti-semi-
tismo como uma característica definidora da cultura polí-
tica pós-1948 nos satélites europeu-orientais. Numa ava-
liação feita em 1972 acerca do anti-semitismo na União
Soviética, William Korey fez uma observação interessante:
"A discriminação anti-judaica tinha-se tornado uma parte
integrante do estado policial soviético desde o final dos anos
de 1930. O que lhe faltava era uma ideologia oficial que
racionalizasse a exclusão dos judeus de certas posições ou
justificasse a suspeição neles focalizada. Primeiro durante
1949-1953, e então mais inteiramente elaborado desde 1967,
o 'judeu coletivo', seja 'cosmopolita' ou 'sionista', passou a
ser identificado como o inimigo. O estereótipo popular anti-
semita tinha sido absorvido em canais oficiais, gerados por
necessidades chauvinistas e exigências totalitárias [... ]. A
ideologia do 'judeu coletivo' não foi nem está totalmente
integrada no pensamento soviético. Funciona num nível
puramente pragmático - preencher propósitos domésticos,
limitados, embora claramente definidos. Isto sugere a
possibilidade de que possa ser posto de lado quando esses
propósitos já não precisarem ser servidos". 73

129
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

No universo mental de Stálin, os judeus estavam as-


sociados aos mencheviques, mas ainda mais instigadora-
mente à oposição intra-partidária liderada nos anos de
1920 por Leon Trotsky, Lev Kamenev e Grigory Zinoviev.
Enquanto Stálin se arvorava em defensor dos interesses
do aparato comunista, os oposicionistas eram retratados
como aventureiros temerários faltos de empenho na cons-
trução do "socialismo num só país" . Nos anos de 1930,
na famosa entrevista à Agência Telegráfica Judaica, Stálin
definiu o anti-semitismo como uma forma atual de cani-
balismo. Pode bem ter sido por isso que os fortes senti-
mentos anti-semitas se desenvolveram em sua mente, espe-
cialmente depois da Segunda Guerra Mundial, durante as
campanhas para afirmar a prioridade russa na cultura e na
ciência e restaurar a arregimentação ideológica completa.
Timothy Snyder argumenta que o anti-semitismo no
stalinismo do pós-guerra estava intimamente ligado à afir-
mação dos russos como a "base segura" do regime depois
de 1945. O ponto de partida deste processo foi, é claro,
o famoso brinde da vitória de Stálin à "Grande Nação
Russa" logo depois do final da guerra. Entretanto, como
enfatiza Snyder, "a guerra no território soviético foi lutada
e vencida principalmente na Bielo-Rússia soviética e na
Ucrânia soviética, em vez de na Rússia soviética". Mas a
"Rússia soviética era bem menos marcada pelo Holocaus-
to do que a Ucrânia soviética ou a Bielo-Rússia soviética,
simplesmente porque os alemães chegaram mais tarde e
mataram menos judeus (cerca de 60 mil, ou cerca de 1 %
do Holocausto). Desta maneira, também, a Rússia soviéti-
ca estava mais distante da experiência da guerra". Na ope- .
ração de ilhar "a nação russa, e, é claro, todas as outras
nações da infecção cultural[... ], [u]ma das mais perigosas
pragas intelectuais seriam interpretações da guerra que di-
ferissem da do próprio Stálin" .74 A tragédia dos judeus na
União Soviética

130
CAPÍTULO 2

"não podia ser incluída dentro da experiência soviética,


e era então uma ameaça à fabricação soviética de mitos do
pós-guerra. Cerca de 5-7 milhões de civis judeus tinham
sido mortos pelos alemães e romenos, dos quais cerca de 2,6
milhões eram cidadãos soviéticos em 1941. Isso significava
não apenas que mais civis judeus foram mortos em termos
absolutos do que membros de qualquer outra nacionalidade
soviética. Significava também que mais da metade do
cataclismo aconteceu para além das fronteiras do pós-guerra
da União Soviética. De uma perspectiva stalinista, mesmo
a experiência do assassínio em massa de um povo era um
exemplo preocupante de exposição para o mundo exterior
[...]. Precisamente porque o extermínio era um destino comum
para judeus além das fronteiras, sua lembrança não podia ser
reduzida ao de um elemento na Grande Guerra Patriótica".75

A conseqüência do novo mito fundador da União So-


viética de Stálin tinha um impacto agourento na memória
e papel dos judeus na nova política: "O assassínio dos ju-
deus não era apenas uma memória indesejável em si e de
si; suscitava outras memórias indesejáveis. Tinha de seres-
quecido".76 Sob essas circunstâncias, os judeus soviéticos
tornaram-se rapidamente inimigos "mascarados de povo
soviético". 77
O ideólogo-chefe Andrei Jdanov exerceu um papel
importante na campanha, incluindo as notórias resolu-
ções do Comitê Central quanto a revistas literárias, filo-
sofia e música. Inicialmente um partidário da formação
do Estado de Israel, Stálin desenvolveu fortes apreensões
quanto à presumida "lealdade dividida" dos cidadãos
judeus soviéticos a sua pátria. Membros do Comitê An- ·
ti-fascista Judeu (um braço de propaganda soviética du-
rante a guerra) foram presos sob acusações alucinantes
de conspiração para se separarem da União Soviética e
criarem "um estado judeu na Criméia ".Entre as vítimas
desta caça às bruxas anti-semita estavam os principais
poetas da língua ídiche (entre eles Peretz Markisch e

131
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

David Bergelson), antigos intelectuais bolcheviques, um


ex-membro do Comitê Central e um ministro-adjunto
de relações exteriores, Solomon Lozovsky, e a acadêmi-
ca Lina Shtern, uma física proeminente que fora à URSS
como refugiada política da Alemanha Nazista. Os réus,
incluindo Lozovsky, recusaram-se a confessar. Com várias
exceções recrutadas entre informantes da polícia política
secreta, foram sentenciados à morte e executados no verão
de 1952 (Lina Shtern foi a exceção, provavelmente por
causa de seu prestígio entre os comunistas alemães). 78
A paranóia final de Stálin consistia na designação de
judeus - na URSS assim como na Europa Central Oriental
- como os novos "inimigos do povo", tão traiçoeiramente
ignóbeis como os trotskistas nos anos de 1930. Ninguém
foi poupado de suspeição: mesmo os comunistas mais leais
poderiam ser espiões e renegados, pessoas de duas caras
e sabotadores, especialmente aqueles que pudessem ali-
mentar propensões sionistas ocultas. A cosmologia judeo-
-fóbica incluía sionistas reais e imaginários, mas nenhum
inimigo real da União Soviética. Durante os últimos meses
de vida de Stálin, a campanha anti-semita alcançou seu clí-
max com milhares de demissões de judeus nas principais
instituições soviéticas e a prisão dos médicos do Kremlin,
a maior parte judeus, que eram acusados de ter envene-
nado ou aplicado deliberadamente tratamentos errados a
luminares stalinistas como Andrei Zhdanov, Aleksander
Scherbakov e Marshall Ivan Konev. 79 O departamento de
propaganda foi instruído a obter endosso público de per-
sonalidades judaicas altamente reconhecidas em apoio de
decisões iminentes para punir aqueles suspeitos de desleal-
dade e traição. Entre aqueles procurados pelos emissários
do Comitê Central estavam o escritor Ilya Ehrenburg e o
historiador Isaac Mints, membro da Academia Soviética
de Ciência. Embora um partidário vistoso das campanhas

132
CAPÍTULO 2

de paz stalinistas, aquele recusou-se a assinar uma carta


que deveria ser publicada no jornal do partido, Pravda. 80
Este assinou, provavelmente depois de uma agonia de par-
tir o coração:
"A filha de Mints disse que seu pai estava profundamente
amedrontado e preocupado com as acusações contra ele,
e as notícias acerca do Complô dos Médicos apenas lhe
exacerbaram os medos. Ela ainda se lembra de quão pálido
estava ele quando, depois da morte de Stálin, levou o jornal
anunciando que o assim chamado complô tinha sido uma
falsificação. Ele não disse uma palavra, apenas lhe mostrou
a manchete. Mas Mints pode também ter sentido que estava
agindo dentro das normas prescritas da cultura acadêmica
bolchevique. Mints podia aceitar s~a denunciação pública e
participar de uma falsificação óbvia de sentimentos judaicos
porque essas coisas eram parte de um processo e léxico
cultural que ele conhecia bem. Era parte do ritual público
padrão por que se tinha de passar para ser um bolchevique e
mostrar a devoção e lealdade". 81

Embora o espectro de um pogrom em massa se agigan-


tasse sobre a população judaica soviética, nas democracias
populares, a luta contra o "cosmopolitismo desenraizado"
permitiu que certos líderes locais se envolvessem num ex-
purgo de elite contra as facções "moscovitas" dominadas
pelos comu~istas de origem judaica (muitos dos quais ti-
nham fugido do fascismo e procurado refúgio na União
Soviética entre as duas guerras). 82 A eliminação desses ~ta­
linistas, sob outros aspectos totalmente leais, alcançou um
nível espetacular na Checoslováquia, onde o principal réu
era Rudolf Slánsky, que até setembro de 1951 tinha sido o
secretário geral do Partido Comunista governante e nessa
qualidade presidira à perseguição cruel de comunistas e
não comunistas. Já que o julgamento tinha de confirmar a
convicção de Stálin acerca da existência de uma conspira-
ção mundial ameaçando o bloco comunista, não havia ne-
nhuma maneira de exonerar nenhum dos réus. Ademais,

133
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

as acusações anti-semitas estavam sujeitas a apelar a pre-


conceitos chauvinistas pró-comunistas em toda a região.
Os numerosos exemplos de anti-semitismo sob o assim
chamado socialismo de estado não podem simplesmen-
te ser desconsiderados como aberrações. Como apontou
corretamente Vasily Grossman, já que sob os regimes to-
talitários não há nenhuma sociedade civil, "só pode haver
anti-semitismo de estado" .83 Sob o comunismo, os judeus
tornaram-se um alvo de políticas de exclusão, isolamen-
to e punição com base em sua etnicidade, foram julgados
potencialmente desleais ("inimigos do povo") e ineren-
temente burgueses ("inimigos de classe"). A identidade
judaica tornou-se algumas vezes, sob o comunismo, uma
fonte inata, invariável e mesmo hereditária de diferença
que exigia excisão engendrada pelo estado.
Ademais, o anti-semitismo stalinista do pós-guerra for-
çou os comunistas judeus a perseverar na negação de sua
própria identidade. Muito poucos mantiveram seus no-
mes judaicos (Ana Pauker, Jakub Berman), ao passo que a
maioria adotou nomes harmônicos com as maiorias étni-
cas (Mátiyás Rákosi, Ramon Zambrowski, Leonte Rãutu).
Falando em geral, os comunistas judeus abjuraram suas
raízes, cortando com orgulho todas as ligações com suas
tradições ancestrais, e envolveram-se em ataques vitrióli-
cos ao "nacionalismo burguês judaico". Eram, para em-
pregar o termo de Isaac Deutscher, "judeus não judeus" .
Depois de 1945, no entanto, "stalinistas judeus [...] foram
apanhados entre o anti-semitismo stalinista em Moscou
e o anti-semitismo popular em seus próprios países". Por
exemplo, Timothy Snyder observa que na Polônia "os co-
munistas judeus tinham de enfatizar que sua identificação
política com a nação polonesa foi tão forte que lhes apa-
gou as origens judaicas e removeu qualquer possibilidade
de políticas judaicas distintas". 84 Sob tais circunstâncias,

134
CAPÍTULO 2

o anti-semitismo stalinista foi tanto criminoso quanto fa-


vorável a um apagar de toda uma comunidade das narra-
tivas importantes reconhecidas da ordem do pós-guerra
sob o comunismo.
Uma conseqüência direta dos acontecimentos de
Slánsky na Checoslováquia foi o processo-expurgo de
Paul Merker, um membro do Comitê Central do Partido
da Unidade Socialista (PUS) desde 1946. Sua queda inicial
aconteceu por causa de suas relações durante a Segunda
Guerra Mundial com Noel Field e Otto Katz (parte do
grupo julgado e executado em Praga em 1951). Entretan-
to, o cerne das acusações contra Merker dizia respeito a
suas opiniões e posições acerca da questão judaica na Ale-
manha do pós-1945. Em 19$2, a Comissão de Controle
Central do Partido PUS apresentou um documento que ·
minudenciava os erros de Merker. Previsivelmente, foi in-
titulado "Lições do Julgamento contra o Centro de Cons-
piração Slánsky". A comissão insistiu em que Merker es-
tava envolvido na "atividade criminosa de organizações
sionistas", que, aliadas aos "agentes americanos", visavam
a destruir as "democracias populares" na Europa Orien-
tal. Além disso, afirmava que Merker tentara "conquistar
os camaradas do PUS de ascendência judaica".85 Durante
o interrogatório (assim pela Stasi como pelo Comissaria-
do do Povo para Assuntos Internos), Merker foi tachado
de ]udenknecht ("servo dos judeus"). Numa reviravol-
ta interessante, mesmo depois da resolução de 1954 do
caso Noel Field, Merker não foi libertado. Ao contrário,
agora todo o seu julgamento estava concentrado em sua
suposta colaboração com círculos cosmopolitas e capita-
listas judaicos. Foi sentenciado em 1955 a oito anos de
prisão, mas foi solto em 1956, sem sequer ser completa-
mente reabilitado. No entanto, Merker e sua esposa nunca
tentaram fugir para a Alemanha Ocidental. Fazendo uma

135
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

abordagem exemplarmente à Rubashov, Merker afirmou:


"No julgamento contra mim, estive sem um advogado de
defesa a fim de ajudar a manter os procedimentos absolu-
tamente secretos". De novo, a (i)lógica do Stalinismo es-
tava funcionando: "Ele envidara esforços para evitar que
os inimigos do RDA usassem o seu caso, e ele e a esposa
tinham ficado e permaneceriam silentes acerca do caso". 86
Seu julgamento, sentença e minutas de interrogatório na
verdade foram mantidos secretos, vindo à superfície ape-
nas depois da queda do Muro de Berlim.
Em maio de 1952 a mídia romena anunciou a elimina-
ção de três membros do Politburo, dois dos quais tinham
sido os líderes do centro de emigrados do partido a Mos-
cou, durante a Segunda Guerra Mundial. Todos os três ti-
nham sido secretários de partido e tinham compartilhado
poder absoluto com o líder da facção doméstica, Gheor-
ghe Gheorghiu-Dej. Ana Pauker, uma líder comunista ve-
terana, que fora tratada como celebridade durante muito
tempo pela propaganda internacional como uma lutadora
comunista impecável, perdeu seu emprego como ministra
das relações exteriores e foi posta em prisão domiciliar.
Seu aliado moscovita, Vasile Luca, nascido húngaro, foi
acusado de sabotagem econômica durante seu mandato
como ministro de finanças e de colaboração com a polí-
cia burguesa durante a atividade subterrânea do partido.
Luca foi preso e morreu na prisão no começo dos anos de
1960. O terceiro membro do grupo, Teohari Georgescu,
um comunista de casa e ex-ministro de assuntos interiores,
cujo principal defeito consistia em sua associação íntima
com a facção Pauker-Luca, também foi aprisionado, mas
logo solto, embora nunca reinstalado em posições do par-
tido. O caso romeno é um exemplo perfeito da dinâmica
de país determinada pelo facciosismo e sectarismo parti-
dário. Pode-se dizer que quanto mais marginal e menos
CAPÍTULO 2

historicamente representativo era um partido comunista,


tanto mais profundo era seu sectarismo. O Partido Comu-
nista Romeno (PCR), dilacerado por brigas internas entre
seus três centros 87 durante o período subterrâneo, preser-
vou uma mentalidade de fortaleza sitiada mesmo depois da
Segunda Guerra Mundial. Dado que no período anterior a
1945 as acusações mútuas tinham levado à expulsão dos
membros da fação derrotada, uma vez que o partido esteve
no poder, os efeitos da luta continuada foram catastróficos.
Uma vez estabelecidos como partido governante, o PCR
projetou uma visão baseada na exclusividade, dogmatismo
cruel, e suspeição universal em nível nacional.
A mística do partido exigia a ah-rogação completa das
faculdades críticas de seus membros. Como afirmou Franz
Borkenau, o comunismo, "uma utopia baseada na crença
na onipotência da 'vanguarda', não pod~ viver sem bodes
expiatórios, e os procedimentos aplicados para detectá-
-los, inventá-los, tornaram-se apenas mais cruéis e temerá-
rios". 88 Para todos os propósitos práticos, a história polí-
tica do movimento comunista internacional é a história de
expurgos contínuos de facções diferentes marcadas pelos
vitoriosos como "desvios anti-partidários". Os vencidos
nas lutas de poder do partido eram rotulados de facciosos,
ao passo que os vencedores eram celebrados como campe-
ões da "causa santa" da unidade do partido.
Embora o julgamento Slánsky e o "complô dos mé-
dicos" pareçam representar os limites da irracionalidade
do sistema stalinista, o expurgo do grupo Pauker-Luca-
-Georgescu é, antes de tudo, uma expressão de pragma-
tismo revolucionário doméstico. Este processo envolvia
expurgos em massa do Comitê Democrático judaico e do
Comitê húngaro, sugerindo uma campanha concertada
de enfraquecimento da facção de Moscou. Nos esquemas
bizantinos que devoravam a elite comunista romena, o

137
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

internacionalismo místico do período do Comintern foi


substituído gradualmente por uma posição cínica embele-
zada por motivos nacionalistas, mesmo xenófobos. Ghe-
orghiu-Dej e seus acólitos não apenas especularam acerca
do anti-semitismo de Stálin, mas não hesitaram em jogar
o mesmo jogo. 89 As apostas eram o poder absoluto, e o
judaísmo dos rivais era um argumento que poderia ser
empregado com o ditador soviético. Embora os stalinistas
nacionais fossem os principais beneficiários da advertên-
cia de Stálin para não transformar o partido de um "par-
tido social e de classe num partido de raça" ,90 não eram
seus iniciadores nem seus arquitetos. Não menos apanha-
dos no mesmo mecanismo perverso da auto-humilhação
do que seus colegas poloneses e húngaros, os stalinistas
romenos - Gheorghiu-Dej, Chi~inevschi e Ceau~escu as-
sim como Ana Pauker e Vasile Luca - eram perpetradores
espontâneos dos desígnios de Stálin. O ditador soviético
permitia que ganhassem autonomia, não perante o centro,
mas perante outra geração dos agentes do centro. Era, na
verdade, uma espécie de momento de emancipação, um
momento que sinalizava a sanção de Moscou ao amadu-
recimento de uma nova elite stalinista na Romênia. A his-
tória do grupo governante stalinista em outros países da
Europa Central e Oriental é notavelmente similar. Há o
mesmo sentimento de predestinação política, a mesma fal-
ta de interesse nos valores nacionais, a mesma obsequiosi-
dade diante do Kremlin.
Um indicador da natureza contínua stalinista do regi-
me romeno, de sua mentalité de expurgo, é a longevidade
fatídica de Leonte Rãutu nos escalões mais altos de poder
como o sumo sacerdote de uma revolução cultural à la
roumaine. 91 Veterano proeminente de origem judaico-bes-
sarabiana, perfeitamente fluente em russo, foi o arquiteto
de políticas anti-culturais do stalinismo na Romênia. Até
Sll;a remoção do Comitê Executivo Político no verão de
CAPÍTULO 2

1981, personificava um devotamento perinde ac cadaver· à


causa marxista-leninista. Foi a figura mais significativa dos
"intelectuais de partido", que produziram, reproduziram
e instrumentalizaram a ortodoxia ideológica. Um sobre-
vivente profissional disposto às acrobacias dialéticas mais
surreais, Leonte Rãutu ajustou-se à degeneração sistêmi-
ca gradual do regime e com ela levou vantagem, fazendo
uma transição de sucesso de revolucionário profissional a
burocrata astuto e escorregadio, sempre pronto a caçar he-
réticos entre as fileiras do partido e dentro da sociedade
como um todo. Nascido em 1910, Rãutu uniu-se ao PCR
em 1929 (quando estudante de matemática na Universi-
dade de Bucareste) e nos anos de 1930 tornou-se cabeça
do departamento de propaganda de agitação. Na Prisão
Doftana entrou em contato com Gheorghiu-Dej e Nicolae
Ceau~escu. Nos anos seguintes, tornou-se o editor de Sctn-
teia, o jornal ilegal do partido. Em 1940 deixou a Romê-
nia e refugiou-se na URSS, tornando-se o diretor da seção
romena da Rádio Moscou. Retornou para o país com Ana
Pauker, Vasile Luca e Valter Roman, e iniciou uma versão
doméstica de jhanovismo. Em um de seus discursos mais
veementemente jdanovistas, "Contra o cosmopolitismo e o
objetivismo nas Ciências Sociais" ,92 Rãutu declarou guerra
a tudo que fosse de valor na cultura nacional:
"Os canais pelos quais as visões cosmopolitas se difundem,
especialmente entre intelectuais, são bem conhecidos: a servidão
e bajulação à cultura burguesa, a fala vazia da assim chamada
comunidade de cientistas progressistas e de representantes da
ciência burguesa reacionária, o niilismo nacional, significando
a negação de tudo o que é de valor e progressista para cada
povo em sua cultura e história, o desprezo pela linguagem
do povo, o ódio à construção do socialismo, a difamação

Em latim no original, "tal qual um cadáver". Maneira pela qual


os jesuítas, segundo as Constituições de Santo Inácio de Loiola,
devem obedecer a seus superiores. Apud RÓNAI, Paulo. Não
perca o seu latim, 8ª impressão, Nova Fronteira, 1980 - NT.

139
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de tudo o que é novo e em desenvolvimento, substituindo o


partiinost pelo objetivismo burguês, que despreza a diferença
fundamental entre cultura socialista, progressista, e cultura
reacionária burguesa". 93

Depois de 1953, buscou uma aproximação aparente-


mente mais equilibrada, como mecanismo de defesa no
contexto da desestalinização. Sua principal arma nesses
tempos de mudança foi a da manipulação. O indivíduo
era sempre uma ferramenta sem personalidade distinta
(sendo, ao contrário, um complexo de características ad-
quiridas ou atribuídas); quando mostrava a vontade de
uma ação autônoma, tornava-se uma vítima da lógica dia-
bólica do expurgo (um exemplo excelente é a carreira de
Mihai Beniuc, o "tiranete da União dos Escritores", como
o chamou certa vez o poeta comunista Miron Radu Paras-
chivescu). Eram flagrantes em 1964 o cinismo e oportu-
nismo de Rãutu, quando o mesmo indivíduo que dirigira
a sovietização da cultura romena iniciou uma campanha
estridente contra a academia, que ele desmascarou e acu-
sou de ''ter esquecido os verdadeiros valores nacionais" e
de "mostrar descarada fidelidade às menores realizações
soviéticas". A carreira de Leonte Rãutu foi caracterizada
fundamentalmente por uma capacidade extraordinária de
aliar-se com os que estavam no poder dentro do PCR. Pri-
meiro tornou-se um favorito de Ana Pauker e Vasile Luca,
obtendo sua posição na Rádio Moscou e suas nomeações
iniciais na Romênia por causa de suas conexões. Por volta
de 1952 pulou para a barca de Dej, sendo, juntamente com
Miron Constantinescu, o autor da resolução da Sessão
Plenária de maio-junho, o texto no qual os procedimentos
de expurgo eram baseados (o que veio a ser conhecido
como "as noites de junho"). Sua contribuição inquisitorial
ao caso Pauker não foi a primeira (ver seu envolvimento
no desmascaramento dos "crimes" intelectuais de Pãtrã~-
CAPÍTULO 2

canu) e não seria a sua última de tal gênero. Em 1957, ele


estava de novo no banco do promotor durante a ação do
partido contra Chi§inevschi-Constantinescu (esses aconte-
cimentos são freqüentemente rotulados na historiografia
romena como "uma desestalinização falhada"). Depois
da queda desses dois, que tinham competidores diretos na
luta pela administração do front cultural, Rãutu tornou-se
o patriarca incontestado da política comunista de cultura.
Com exceção do período quando compartilhou o poder
com Grigore Preoteasa, Rãutu criou um aparato tripulado
por indivíduos medíocres, cujo ego lhes igualava a incom-
petência (e.g. Mihail Roller e Pavel Tugui). A biografia de
Leonte Rãutu é a expressão perfeita do jogo perverso de
máscaras stalinistas. Dissimulação, promiscuidade ética
e hipocrisia eram as únicas constantes da existência do
apparatchik, uma retirada completa de qualquer imperati-
vo moral. Rãutu era a encarnação da antilógica diabólica
de stalinismo: um indivíduo experimentando um processo
irresistível de declínio pessoal baseado na subordinação
inabalável ao líder do partido, para além de considerações
tais como razão, honra e dignidade. ·
A jornalista polonesa Teresa Toránska, numa série de
entrevistas realizadas no começo dos anos de 1989 com
alguns dos ex-líderes do Partido Comunista Polonês, re-
velou de maneira notável a mente das elites stalinistas da
Europa Oriental. A mais iluminadora dessas entrevistas é
com o antigo membro do Politburo e secretário do Comitê
Central, Jakub Berman, que tentou defender as ações de
sua geração política. De acordo com Berman, os comunis-
tas poloneses estavam certos em defender as políticas de
Stálin na Polônia porque os soviéticos lhes garantiam a li-
bertação nacional e social do país. Os líderes dos partidos
comunistas do bloco soviético estavam convencidos, como
Lênin no momento. em que fundou o partido bolchevique,
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de que as pessoas precisavam de uma força externa para


iluminá-las, que sem tal partido de vanguarda não havia
nenhuma esperança de emancipação verdadeira. Berman
estava convencido de que viria um dia quando a huma-
nidade faria justiça a este sonho quiliástico de revolução
global, e todas as atrocidades e crimes do stalinismo se-
riam lembrados apenas como incidentes passageiros:
"No entanto, estou convencido de que a totalidade de
nossas ações, hábil e consistentemente realizadas, produzirá
finalmente resultados e criará uma nova consciência polonesa;
porque todas as vantagens resultantes de nosso novo caminho
serão provadas, têm de ser provadas, e [...) haverá finalmente
uma vitória na mentalidade que dará a ela um conteúdo e
qualidade inteiramente novos'' .94

Em sua fé absoluta de que a história estava de seu lado e


de seus camaradas, Berman não estava sozinho. A mentali-
dade dele era a mentalidade característica das elites comu-
nistas em todos os países-satélites soviéticos. Tal (i)lógica
explica o frenesi de síndrome de submissão: a prontidão
em envolver-se em qualquer forma de auto-aviltamento e
auto-desaprovação, contanto que tais gestos fossem exi-
gidos pelo partido. Os líderes comunistas leste-europeus
eram militantes treinados, para quem a personalidade de
Stálin era um exemplo de comportamento revolucionário
correto. Admiravam a intransigência do líder soviético e
sua luta inflexível contra facções de oposição e compar-
tilhavam sua hostilidade ao Ocidente. Acreditavam na
teoria da intensificação permanente da luta de classes e
fizeram o melhor para criar um sistema repressivo onde se
pudessem eliminar imediatamente tendências críticas. Era
maniqueísta a mente deles: o socialismo estava certo, oca-
pitalismo errado, e não havia nenhum caminho do meio.
Durante seu serviço comunista subterrâneo, os comunis-
tas do bloco soviético tinham aprendido a ver as fórmulas
CAPÍTULO 2

catequéticas de Stálin como as melhores formulações de


seus próprios pensamentos e crenças. lnternalizaram uma
pedagogia diabólica baseada numa crença em serem or-
denados tanto como jurados quanto como carrascos, pois
a legitimidade deles vinha de uma obediência fanática ao
vozhd. Quando Stálin morreu, seus discípulos leste-euro-
peus ficaram órfãos: mais do que o defensor de seus parti-
dos, perderam um protetor, a encarnação dos seus sonhos
mais altos, o herói que tinham passado a reverenciar, o
símbolo do vigor, paixão e entusiasmo ilimitado deles.
A lógica do stalinismo excluía a vacilação e a hesita-
ção, paralisava o pensamento crítico e a inteligência, e ins-
tituía o marxismo de estilo soviético como um sistema de
verdade universal, inimiga de qualquer forma de dúvida.
O expurgo permanente, a técnica básica da demonologia
stalinista, foi o equivalente moderno da caça às bruxas me-
dieval. Foi avidamente adotada pelos aprendizes de Stá-
lin leste-europeus e adaptada a seus próprios propósitos.
Imitando o culto ardente a Stálin, os líderes leste-europeus
engendraram campanhas similares de louvor e idolatria a
seus próprios países. O partido era identificado com o lí-
der supremo, cujo mérito principal consistia em ter aplica-
do corretamente a linha stalinista~ As soluções a todas as
questões perturbadoras poderiam ser encontradas nos es-
critos de Stálin, e os que falhavam em descobrir as respos-
tas eram tachados de "inimigos do povo". Membros das
elites políticas tradicionais, membros do clero, e represen-
tantes da intelligentsia nacionalista que se tinham recusado
a colaborar com os novos regimes foram sentenciados a
longos anos de prisão, que se seguiam aos processos-espe-
táculo dramáticos ou documentários filmados ultrajantes.
Este foi o primeiro estágio do expurgo na Europa Oriental.
Depois de 1949, os expurgos alimentaram-se das próprias

143
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

elites comunistas, e, através delas, muitos stalinistas fiéis


experimentaram em primeira mão os efeitos da máquina
terrorista à qual nada podia deter e que eles tinham ajuda-
do a pôr em andamento.
As sociedades sob o stalinismo foram reestruturadas
por uma re-imaginação da ,c omunidade de classe, que em
si refletia essas visões dos regimes de conspirações totais
tanto interna como externamente. Como notou judiciosa-
mente Sheila Fitzpatrick, era necessário apenas um passo e
"a imaginada base de classe da conspiração diluir-se-ia" .95
Durante o reinado de Stálin, a culpa de classe estava fre-
qüentemente imbricada no pedi.lamento nacional. Erik
van Ree explica que para Stálin
"os caracteres nacionais eram compartilhados por todos os
membros da nação; formavam uma 'mentalidade [dukhouvnyi
oblik] do povo que se unia numa nação'. Esta mentalidade
'estável' era, ademais, transmitida ao longo do tempo, como
uma 'maquiagem psicológica' [psikhicheskii sklad] que era
formada entre eles de geração a geração como resultado de
condições idênticas de existência'" .96

Tal tratamento para o problema das nacionalidades


permitiu a Stálin entregar-se a estereótipos nacionais, que
ele superpôs na visão ultra-racionalista de engenharia so-
cial do bolchevismo. Nesta visão de mundo, os russos e
outras nacionalidades tornaram-se heróis assaltando qual-
quer forte, ao passo que os que eram percebidos como re-
ticentes em dedicar-se à "modernidade heróica" de Stálin
eram estigmatizados como espécies decadentes estragadas
por uma mentalidade que busca o lucro. Essa forma de ro-
mantismo político aproveitou-se do estereótipo existente
na população como um todo. Não é de admirar que nas
cartas ·enviadas ao Pravda no começo de 1953, a maior
parte dos interlocutores concordassem que "era mais que
tempo de expurgar os judeus do Partido e de posições de

144
CAPÍTULO 2

liderança no serviço e profissão públicos". A solução para


a traição percebida dos judeus era a sua "educação pelo
trabalho" .97
Assim, um aspecto central dos expurgos pós-1954, as-
sim na União Soviética como na Europa Oriental, foi o
anti-semitismo stalinista. Este fenômeno estava enraizado
na própria mentalidade de Stálin, no período' logo após a
guerra, e nos preconceitos da maioria das populações des-
ses países. Mesmo que algumas de suas origens já estejam
nos anos de 1930 (afinal de contas, muitos dos velhos bol-
cheviques que foram eliminados por Stálin eram de ori-
gem judaica), o anti-semitismo stalinista era um produto
direto da visão de mundo do líder soviético após 1945.
Pode não ter tido os mesmos resultados assassinos como o
Grande Terror, mas "confundiu o passado europeu":
"o anti-semitismo stalinista assombrou a Europa Oriental
muito tempo depois da morte de Stálin. Raramente era uma
ferramenta importante de governo, mas estava sempre à
disposição nos momentos de pressão política. O anti-semitismo
permitia aos líderes rever a história do sofrimento do tempo
de guerra (relembrado como o sofrimento apenas dos eslavos)
e também a história do próprio stalinismo (que era retratado
como a forma judaica deformada do comunismo)" .98

Na verdade, o anti-semitismo reemergiu muitas vezes


durante a existência do bloco soviético. Em alguns casos,
era parte essencial da construção das nações socialistas.
Como discuti algures, o stalinismo nacional na Romênia
ou na Polônia ou na Alemanha Oriental foi caracteriza-
do, entre outras coisas, pela reafirmação do judeu entre os
Outros arquetípicos do grupo étnico dominante.99 Mas o
legado mais destrutivo do anti-semitismo stalinista é seu
obscurecimento do Holocausto. Timothy Snyder formula
excelentemente esse paradoxo: "Enquanto os comunis-
tas governaram a maior parte da Europa, o Holocausto

145
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

nunca pôde ser visto como o que foi" .100 Em outras pa-
lavras, a mistificação que Stálin fez da morte em massa
dos judeus estabeleceu regimes de memória competitivos
nas Europas Oriental e Central pós-1989. De um lado,
por décadas o Holocausto não fora lembrado e a verdade
acerca do genocídio dos judeus permanecera escondida.
De outro, as dimensões dos crimes do stalinismo e dos
vários regimes comunistas estavam apenas emergindo em
sua verdadeira extensão. Levando um pouco adiante o
ponto de vista de Snyder, o silêncio acerca tanto do Gulag
quanto do Holocausto na Europa Oriental garantiu que
essas experiências históricas radicalmente traumáticas es-
tejam ainda por fazer parte integral da história comum
da Europa. 101
Retornando ao problema mais geral do exterminismo
stalinista, concordo com Leszek Kolakowski, que acre-
ditava que os expurgos tinham uma função integrado-
ra, contribuindo para a destruição dos últimos vestígios
de autonomia subjetiva e criando um clima social onde
ninguém sequer sonharia com a crítica. De acordo com o
grande filósofo polonês,
"o objetivo do sistema totalitário é destruir todas as
formas de vida comunal que não sejam impostas pelo estado
e intimamente controlada por ele, de tal maneira que os
indivíduos sejam isolados uns dos outros e se tornem simples
instrumentos nas mãos do estado. O cidadão pertence ao
estado e não pode ter nenhuma outra lealdade, nem mesmo à
ideologia do estado'' .1º2

As vítimas comunistas pertenciam a uma categoria des-


crita pela teoria legal stalinista como "inimigos objetivos''.
Eram pessoas que outrora em suas vidas poderiam ter ex-
pressado reservas acerca da sagacidade das políticas sovié-
ticas ou, pior ainda, poderiam ter criticado Stálin pessoal-
mente. O stalinismo funcionou com base numa estratégia
CAPÍTULO 2

exaustivamente repressiva que mostrava ambições peda-


gógicas e se vangloriava com o triunfo do espírito ético
e do coletivismo igualitário. Nicolas Werth enuncia, por
essas linhas, o seguinte diagnóstico:
"Ao longo da ditadura de um quarto de século de Stálin,
os fenômenos repressivos variaram, evolveram e tomaram
formas e escopos diferentes. Refletiam transformações do
próprio regime num mundo em mudança. Essa violência
adaptável era caracterizada por vários níveis de intensidade,
mudanças contínuas, alvos variáveis, freqüentemente
seqüências imprevisíveis e excessos que borravam a linha
entre o legal e o extra-legal" . 103

Expurgos loucos realizados pela auto-devoração eram
assim a práxis como a legitimação teorética deste sistema
eXtremista e exterminador. Parafraseando o título de um
romance famoso da era de Stálin, Assim foi temperado o
aço.

147
CAP1TUL03
O SÉCULO DE LÊNIN
BOLCHEVISMO, MARXISMO E A TRADIÇÃO RUSSA

O emprego de métodos inumanos para atmgtr fins


impossíveis é a essência do utopismo revolucionário.
John Gray, Black Mass

Criadas por Lênin e refinadas por Stálin, a ditadura do


partido único e a economia centralizada seriam o legado mais
importante para a história do século XX.
Steven G. Marks, How Russia Shaped the Modern World

O marxismo foi, como disse certa vez Leszek


Kolakowski, a maior fantasia filosófica dos tempos mo-
dernos. Foi um gigantesco mito político maniqueu, um ce-
nário importante da modernidade política que contrastou
as forças de reação, barbarismo e decadência com as de
progresso histórico, razão, e liberação humana. Prometeu
a salvação por meio da destruição de um sistema basea-
do na dominação, exploração e alienação. O proletaria-
do, nesta visão soteriológica, era o redentor universal, ou,
como disse o jovem Marx, a classe messiânica da história. 1
Apelando febrilmente ao que o historiador Norman Cohn
chamou movimentos de massa altamente emocionais, as-
sim o leninismo como o fascismo criaram constelações
sociológicas e psicológicas milenárias. Ambos eram qui-
liasmos militantes que estimularam ardor extraordinário
entre seguidores empenhados incondicionalmente. Con-
centrando-se no messianismo revolucionário da Europa

149
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

medieval e da Reforma e suas reverberações nas experi-


ências totalitárias modernas, Cohn apontou para o fato
de que não houve nenhum chamado "para distinguir de-
masiadamente entre o que até então tinham sido as duas
principais formas de totalitarismo, o comunismo, de um
lado, e o nacional-socialismo alemão, de outro". Conti-
nua ele: "Supostamente parece um caminho longo desde
o atavismo, o tribalismo cruel, o irracionalismo vulgar e o
sadismo explícito do nazista até o panorama humanitário
e universalista, científico e racional do comunista - e ainda
é verdade que ambos esses movimentos compartilharam
certas características tão extraordinárias que sugerem a
emergência de uma forma de política amplamente diversa
de qualquer uma conhecida no passado" .2

A violência e a busca da comunidade perfeita


O nacional-socialismo nunca conseguiu um nível de
coerência teorética e requinte conceituai comparável ao
paradigma marxista e seus rebentos. Seri~ impossível falar
seriamente acerca da filosofia nazista. Mesmo o pensamen-
to de Stálin era mais estruturado intelectualmente do que
as extravagâncias nebulosas de Hitler. No entanto, o cerne
íntimo de profundas obsessões anti-capitalistas, anti-libe-
rais e anti-democráticas poderia ser encontrado em ambas
essas doutrinas, de outro modo inimigas. 3 O leninismo e o
nacional-socialismo (ou, mais genericamente, o fascismo)
foram fundados em programas de mobilização social total
destinados a obter uma transformação radical do corpo
político. O primeiro passo nas revoluções promovidas pelo
leninismo e pelo fascismo (alemão e italiano) foi a tomada
do poder. O modo de tomada de poder foi fundamental-
mente de ex~lusão em relação a todas as outras formações
políticas ou adversários. Para Lênin, uma vez imposta por
meio da insurreição bolchevique, a "ditadura do proleta-

150
CAPÍTULO 3

riado" era irreversível e livre de qualquer lei. Em março


de 1933, Hitler anunciou: "O governo embarcará numa
campanha sistemática para restaurar o moral da nação e
a saúde material. Todo o sistema educacional, teatro, cine-
ma, literatura, imprensa, e radiodifusão - todos eles serão
empregados como meios para este fim" .4 Na verdade, du-
rante o julgamento dos oficiais militares aprisionados por
seu envolvimento com o nacional-socialismo em Leipzig,
em 1930, Hitler declarara que visava a uma "revolução le-
gal", que significava penetrar "nas agências legais e, desta
maneira, [fazer] de nosso Partido o fator determinante".
Entretanto, como o posicionamento dos bolcheviques em
1917, esse método apenas abriu as portas para a ditadura
absoluta do partido nazista. Nas palavras de Hitler: "Uma
vez que possuirmos o poder constituCional, moldaremos o
estado da maneira que acharmos conveniente" .5
Este enfoque recordava de maneira perturbadora o pre-
cedente bolchevique. Lênin acreditava que qualquer hesi-
tação na tomada do poder era um ato criminoso. O his-
toriador político Stephen Cohen fez uma caracterização
excelente do caminho para o governo do partido de Lênin:
"Um partido minoritário até o final (recebeu cerca de
25% dos votos da Assembléia Constituinte em novembro),
os bolcheviques nem inspiraram nem levaram a revolução de
baixo para cima; mas somente eles perceberam a direção dela
e a ela sobreviveram" .6

Assim como os nazistas e fascistas italianos, os bolchevi-


ques sabiam que queriam governar porque cada um acredi-
tava numa missão percebida como histórica, transformado-
ra e redentora. E para atingir esse fim, justificavam-se todos
os meios. Citando Lazar Kaganovich, um dos capangas de
Stálin: "Camaradas, soube-se há muito tempo que, para
nós, bolcheviques, a democracia não é um fetiche" .7 Tanto
fascistas quanto comunistas acreditavam no imperativo da
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

destruição criativa do velho mundo, a fim de criar novas


civilizações baseadas em novos homens, novos sistemas
sociais que, a seu turno, gerariam uma nova ordem in-
ternacional. Parafraseando Roger Griffin, esses dois mo-
vimentos políticos estavam totalmente consumidos pelo
fervor palingenésico regenerador.
A crença do leninismo no efeito purificador de destro-
çar o mundo era fundada nos escritos dos pais fundadores
- Karl Marx e Friedrich Engels. De acordo com Marx, o
que era único na "Revolução não era apenas que nenhum
outro acontecimento se seguiria a ela, mas que nenhum
outro acontecimento precisava seguir-se a ela, porque na
Revolução todo o propósito da História haveria de ser
realizado". 8 O marxismo foi antes de mais nada uma
tentativa prometéica de livrar-se da ordem burguesa abo-
. minada, baseada nas relações de mercado (propriedade
privada), transcender as relações sociais reificadas e orga-
nizar forças revolucionárias para a confrontação última,
o que levaria a um "salto do reino da necessidade para o
reino da liberdade" .9 A forte demarcação que Marx fez de
seu pensamento revolucionário em contraste com outras
versões de socialismo (cristão, feudal-reacionário, peque-
no-burguês, crítico-utópico) está intimamente ligada à sua
crença firme, especialmente depois de 1845, de que esta-
va informado (o postulado de infalibilidade epistêmico ),
e que suá Weltanschauung era essencialmente científica,
ou seja, não utópica. Para Marx, a convicção de que a
história era governada por leis, um ponto de vista hege-
liano que ele promoveu constantemente, significava que
uma vez que se entendessem as leis, a razão (pensamento)
e a revolução (ação) coincidiriam na libertação proletária
global. 10 A compreensão das forças sociais e naturais per-
mitia a realização total do ethos de transformação: "Uma
vez que as entendamos [as forças sociais e naturais], uma
vez que lhes apanhemos a ação, a direção, os efeitos, de-
CAPÍTULO 3

pende apenas de nós mesmos submetê-las cada vez mais


à nossa própria vontade e, por meio delas, alcançarmos
nossos próprios fins" .11 Subseqüentemente, em nome da
democracia (autêntica) proletária, poderiam suspender-se
as liberdades formais, e mesmo suprimir-se. Para atingir
uma versão superior de moralidade, emancipada do cati-
veiro da hipocrisia burguesa, poder-se-ia ah-rogar a mora-
lidade tradicional. 12 O marxismo considerava-se a si mes-
mo como ciência em vez de ética, e, portanto, a revolução
que pregava era "parte de um mecanismo histórico: daí,
expurgado de valores" .13 Como aponta Raymond Aron:
"O marxismo é uma heresia cristã. Como forma moderna
de milenarismo, põe o reino de Deus na Terra, seguindo a
revolução apocalíptica em que o Velho Mundo será engolido
totalmente. As contradições das sociedades capitalistas trarão
inevitavelmente essa catástrofe frutuosa. As vítimas de hoje
serão os vitoriosos de amanhã. A salvação virá através do
proletariado, a testemunha da inumanidade presente. É o
proletariado que, num tempo fixado pela evolução das forças
produtivas e pela coragem dos combatentes, se transformará
numa classe que é universal e tomará o controle do destino da
humanidade" .14

O destino do marxismo foi, na verdade, pretender estar


no controle do destino da humanidade, personificando,
numa maneira simultaneamente trágica e otimista, a so-
lução das milenares agonias, medos e terrores da huma-
nidade. Nunca foi tão ambiciosa uma doutrina política,
nunca um projeto revolucionário foi tão imbuído de um
sentimento de missão profética e predestinação carismati-
camente heróica.

Sonhos marxistas, experimentos leninistas


A despeito de sua húbris radical, o marxismo teria per-
manecido um simples capítulo da história das idéias revo-
lucionárias, não o tivesse convertido Vladimir Lênin numa

153
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

arma política potentíssima de transformação ideológica do


mundo. O século XX foi o século de Lênin. De fato, o leni-
nismo foi uma síntese improvisada entre a doutrina revolu-
cionária marxista e a tradição russa de repúdio niilista do
status quo. No entanto, não se deve esquecer que Lênin foi
um marxista dedicado, que acreditava profundamente ser
ele mesmo a realização revolucionária do sonho dos pais
fundadores. 15 Para Lênin, o marxismo era "uma revelação
que deveria ser recebida com fé incondicional, que não ad-
mite nenhuma dúvida nem crítica radical" .16 Este é o sen-
tido da comparação que Antonio Gramsci fez entre Lênin
e São Paulo: Lênin transformou a Weltanschaaung salva-
cionista marxista numa práxis política global. A revolução
bolchevique era dialética escatológica aplicada, e a Ter-
ceira Internacional simbolizava a universalização da nova
matriz revolucionária. A invenção institucional crucial de
Lênin (o partido bolchevique) e sua intervenção audaciosa
na práxis do movimento socialista mundial entusiasmou o
filósofo húngaro Georg Lukács, um dos discípulos favori-
tos de Max Weber, o qual nunca abandonou sua admira-
l

ção profunda pelo fundador do bolchevismo. Referindo-se


ao apego duradouro de Lukács à visão política de Lênin,
escreve o teórico político esloveno Slavoj Zizek:
"Seu Lênin era aquele que, à propos da cisão na
Democracia Social russa em bolcheviques e mencheviques,
quando as duas facções lutavam por uma formulação precisa
de quem poderia ser um membro do Partido como definido
no programa do partido, escreveu: "Algumas vezes, o fado
de todo o movimento da classe trabalhadora, por muitos
anos ainda, pode ser decidido por uma palavra ou duas no
programa de partido" .17

Precisamos lembrar que o leninismo, como construção


supostamente coerente, monolítica, homogênea e auto-su-
ficiente foi uma criação pós-1924. Foi na verdade o resul-
tado dos esforços de Grigory Zinoviev e de Joseph Stálin

154
CAPÍTULO 3

de deslegitimar Leon Trotsky, divisando algo chamado


"leninismo" como oposto à heresia estigmatizada como
"trotskismo". Ao mesmo tempo, o bolchevismo era uma
realidade intelectual e política, uma direção prático-po-
lítica filosófica e eticamente total e totalitária, dentro do
movimento revolucionário mundial. 18 Foi graças a Lênin
que um novo tipo de política emergiu no século XX, ba-
seada no elitismo, fanatismo, dedicação inabalável à cau-
sa sagrada, e na substituição da razão crítica pela fé nas
"vanguardas" auto-apontadas de zelotes iluminados (os
revolucionários profissionais). O leninismo, inicialmente
um fenômeno político e cultural russo e então um fenôme-
no político da história mundial, foi a fundação do sistema
que chegou a termo com a revolução de 1989 e a extinção
da URSS em dezembro de 1991.19
O que quer que se pense acerca da luta anti-burocráti-
ca de Lênin durante seus últimos anos, ou acerca de sua
iniciação da Nova Política Econômica (NPE), a idéia-cha-
ve de sua ação foi essencialmente oposta ao pluralismo
político. A natureza da " democracia intrapartidária" bol-
chevique era inimiga do debate livre e da competição de
visões e plataformas políticas rivais (como o próprio Lê-
nin insistia, o partido não era um "clube de discussão" ). A
resolução do "banimento de facções" de março de 1921,
diretamente relacionada ao esmagamento do levante dos
marinheiros de Kronstadt, indicava a propensão ditatorial
persistente do bolchevismo. A perseguição de tais adversá-
rios como os revolucionários socialistas de esquerda e os
mencheviques confirma que, para Lênin e seus associados,
a "ditadura do proletariado" significava um fortalecimen-
to contínuo de seu controle absoluto sobre o corpo polí-
tico. A tolerância pela diversidade cultural e a aceitação
temporária de relações de mercado não se destinavam a
perturbar a relação fundamental de poder - a dominação

155
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

monopolista do partido e o sufocamento de qualquer al-


ternativa ideológica ao bolchevismo. 20 A esse respeito, não
havia nenhumas diferenças sérias entre os membros do
Politburo de Lênin - Trotsky, Zinoviev, incluindo Bukha-
rin. Para dizê-lo em uma palavra, se não tivesse havido
Lênin, não teria havido nenhum totalitarismo - ao menos
não na versão stalinista.
O golpe bolchevique de outubro de 1917 (mais tarde
elevado ao status de revolução) foi o acontecimento que
mudou irreversivelmente o curso da civilização Ocidental
e a história mundial. Ao exigir unificar a humanidade sob
a bandeira de um ideal igualitário e coletivista, o bolche-
vismo, na verdade, deu a partida para a insurreição das
massas na política. Aniquilou os mecanismos de governo
limitado, como planejados pela tradição liberal, e fun-
dou um sistema despótico definido por um desprezo sem
precedentes ao indivíduo e ao estado de direito. Foi uma
aventura histórica gigantesca que se destinava a trazer o
céu à terra, para materializar a utopia. 21 De acordo com
Claude Lefort, Lênin renunciou ao princípio do consensus
juris como uma pré-condição para o cultivo que o regi-
me fazia da anarquia. Ao contrário, o leninismo "prome-
te libertar a execução da lei de toda ação e vontade do
homem; e promete justiça na terra porque exige fazer da
própria humanidade a encarnação do direito" .22
Portanto, o pós-comunismo significa uma luta contí-
nua para superar os "remanescentes do leninismo" ou "os
resíduos leninistas", um termo que propus como um de-
senvolvimento do conceito iluminador de Ken Jowitt do
legado leninista como constelação civilizacional que in-
clui emoções profundas, nostalgias, sentimentos, ressenti-
mentos, fobias, desejos coletivistas ardentes e atração ao
paternalismo e mesmo corporativismo. 23 Jowitt está entre
os poucos cientistas políticos que entenderam com preci-
CAPÍTULO 3

são os apelos profundos do leninismo como relacionados


diretamente à emergência' do partido de vanguarda com
um substituto para os quadros de referência tradicionais
carismáticos de tipo religioso, em tempos de crise moral e
cultural profunda:
"O leninismo e o nazismo foram, cada um, de diferentes
modos, tentativas perversas de sustentar e restaurar um ethos
e vida heróicos em oposição a um sistema individualista
burguês liberal [...]. [O] princípio definidor do leninismo é
fazer o que é ilógico, e isso é fazer o carismático impessoal. O
carisma está associado tipicamente a um santo ou cavaleiro,
a alguma atribuição pessoal, e o que Lênin fez foi notável.
Ele fez .exatamente o que disse que faria: criou um partido
de novo tipo. Fez o partido carismático. As pessoas morriam
pelo partido" .24

Então a definição de Jowitt de leninismo liga os com-


ponentes organizacionais, emocionais e ideológicos numa
constelação dinâmica abrangente:
"O leninismo é mais bem visto como uma síndrome
tanto histórica quanto organizacional, baseada num
impersonalismo carismático; uma estratégia baseada num
'erro engenhoso' que leva à coletivização/industrialização; e
um bloco internacional liderado por um regime dominante,
com a mesma definição de suas partes constituintes, agindo
como líder, modelo e apoio" .25

O leninismo como regime cultural e político, ou como


sistema internacional, está indubitavelmente extinto. Por
outro lado, o modelo leninista-stalinista de organização
messiânica de tipo sectário, altamente disciplinada, basea-
da na rejeição do pluralismo e na demonização do Outro,
não perdeu seu apelo - basta relembrar as diatribes de Lê-
nin contra os mencheviques, os revolucionários socialistas,
os culaques, os aristocratas, os "intelectuais burgueses,,, e
assim por diante. No modo de ver de Lênin, o lugar deles,
mesmo quando disfarçados como indivíduos não filiados

157
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ao partido, era na cadeia ou, se tivessem sorte, no exílio. 26


Essa identificação quase-racional, na verdade quase mística,
com o partido (concebido como um forte sitiado por inimi-
gos malignos) representou a característica psicológica prin-
cipal do bolchevismo antes daquilo que Robert C. Tucker
define como sua desradicalização (o que Jowitt chamaria a
ascensão da tentação tomista, na figura do "revisionismo
moderno", como Mao Tse Tung definiu corretissimamente
o titoísmo e o krushevismo). Ser leninista significava aceitar
a pretensão do partido ao conhecimento científico (enten-
dendo as "leis da ~volução histórica") assim como sua pre-
tensão oracular. Duvidar da onisciência e onipotência do
partido era o pecado capital (como finalmente reconheceu
o velho bolchevique Nikolai Rubashov, o herói de Arthur
Koestler em Darkness at Noon). 27 Para Lênin, o membro
do partido era capital humano prescindível na luta revolu-
cionária. O indivíduo era uma simples partícula, um zero
comparado com o infinito da causa.28 Acerca deste ponto,
Lênin seguiu de perto - embora nunca o tivesse reconheci-
do - o fanatismo cruel do terrorista russo Sergei Nechaev,
como formulado em seu Catecismo Revolucionário:
"Parágrafo 1. O revolucionário é um homem perdido, não
tem nenhuns interesses próprios, nenhuma causa própria,
nenhuns sentimentos, nenhuns pertences; não tem sequer
um nome. Tudo nele é absorvido por um interesse exclusivo,
único, um único pensamento, uma única paixão - a revolução.
Parágrafo 2. Nas profundezas mesmas de seu ser, não apenas
em palavras, mas em atos, ele rompeu qualquer ligação com
a ordem civil, com o mundo culto e com as leis, convenções
e condições geralmente aceitas, e com a ética deste mundo.
Ele será um inimigo implacável deste mundo e, se continuar a
viver nele, isto será para destruí-lo mais eficazmente [... ].
Parágrafo 4. Ele despreza a opinião pública: despreza
e odeia a ética social existente em todas as demandas e
expressão dela; para ele, é moral tudo o que permita o triunfo
da revolução, e imoral tudo o que lhe constitui um obstáculo.
CAPÍTULO 3

Parágrafo 5. O revolucionário é o homem perdido; sem


nenhum dó pelo estado e pelo mundo privilegiado e culto,
ele não pode esperar piedade para si. Todo dia ele tem de
estar preparado para a morte. Tem de estar preparado para
suportar a tortura.
Parágrafo 6. Duro consigo mesmo, tem de ser duro com
os outros. Todos os sentimentos ternos de vida familiar, de
amizade, amor, gratidão e mesmo de honra têm de ser sufocados
nele por uma única paixão fria pela causa revolucionária.
Para ele há apenas um prazer, uma consolação, um prêmio, e
uma satisfação: o sucesso da revolução. Dia e noite ele tem de
ter um único pensamento, um único propósito: a destruição
impiedosa. Com este objetivo em vista, incansavelmente e a
sangue frio, ele tem sempre de estar preparado para morrer
e para matar com as próprias mãos quem quer que seja
obstáculo na consecução desse fim.
Parágrafo 7. A natureza do verdadeiro revolucionário
não tem lugar para nenhum romantismo, sentimentalidade,
entusiasmo nem sedução. Nem tem nenhum lugar para ódio
ou vingança privados. Esta paixão revolucionária que nele se
transforma numa paixão diária, de hora a hora, tem de ser
combinada com cálculo frio. Sempre e em toda a parte ele tem
de tornar-se não o que suas próprias inclinações o teriam feito
tornar-se, mas o que exige o interesse geral da revolução". 29

O misticismo do Partido
O humanismo bolchevique foi por definição prático,
dependendo do sucesso da causa. A existência do indi-
víduo mantinha seu peso no mundo à medida que con-
tribuía para a construção da utopia social reverenciada.
Nesse universo definido ideologicamente, o único agente
capaz de realizar e, portanto, encerrar a história, levando
a humanidade à terra prometida da sociedade sem classes,
era o partido. Dois pronunciamentos de Yuri Piatakov,
um dos favoritos de Lênin na geração mais nova da Ve-
lha Guarda Bolchevique, explicaram minuciosamente, nos
termos mais dramáticos, esta identificação cósmica ou
mística com o partido:

159
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

"A fim de se tomar um com o grande Partido ele tem de


fundir-se no partido, abandonar sua própria personalidade, de
tal maneira que não haja nenhuma partícula deixada dentro
dele que não seja uma com o Partido, que não pertença a este" .30

O ex-secretário do Comitê Central (em 1918) acrescen-


tou: "Sim, terei de considerar preto algo que senti e consi-
derei que é branco, já que, fora do partido, fora do acordo
com ele, não há nenhuma vida para mim". 31 Ora, na gíria
marxista, o partido era o meio através do qual o indivíduo
apagava a dualidade entre o eu e o ser social reificado. Os
bolcheviques eram os arautos do começo da verdadeira
história.
O absolutismo ideológico, a veneração da finalidade
última, a suspensão voluntária das faculdades críticas e o
culto à linha do partido como a expressão perfeita da von-
tade geral estavam encrustados no projeto bolchevique
original. A subordinação dos critérios morais convencio-
nais ao fim último de obter uma sociedade sem classes foi
o principal problema do leninismo. Compartilhava com o
marxismo o que Steven Lukes chama "a visão emancipada
de um mundo em que os princípios que protegem os se-
res humanos uns dos outros já não seriam necessários". 32
Uma das melhores descrições da mente comunista pode
ser encontrada no testemunho de Lev Kopelev, o modelo
para a personagem Rubin no livro O Primeiro Círculo, de
Alexandre Soljenítsin:
"Com o resto de minha geração acreditei firmemente que
os fins justificam os meios. Nossa finalidade grandiosa era o
triunfo universal do comunismo, e, por amor a essa finalidade,
tudo o mais era permitido: mentir, roubar, destruir centenas
de milhares, ou mesmo milhões de pessoas, todos aqueles que
estavam embaraçando nosso trabalho ou podiam embaraçá-
lo, todo o mundo que estava no meio do caminho. E hesitar ou
duvidar disto era ceder a 'melindre intelectual' e 'liberalismo
estúpido', os atributos de pessoas que 'não conseguiam ver a
floresta por causa das árvores"' .33

160
CAPÍTULO 3

Logo, o filósofo político Steven Lukes estava correto


em enfatizar a matriz estrutural geradora ideológica e
emocional do comunismo que tornou possíveis seus cri-
mes contra a humanidade: "O defeito em questão que
causou a cegueira moral numa escala heróica foi congê-
nito". 34 Este mesmo ponto é enfatizado pelo romancista
Martin Amis, para quem Lênin "foi um afásico moral,
um autista moral". 35 Lênin, uma vez no poder, "tratou de
pôr a história toda numa ampla bitola de estrada de fer-
ro, onde ela seria puxada pela locomotiva de um desígnio
revolucionário" . 36
A magia evaporou-se tão logo o líder historicamente
ungido deixou de ser o guardião da verdade absoluta. Isto
faz que os ataques devastadores de Kruschev a Stálin no
XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética
(PCUS), em 25 de fevereiro de 1956, sejam de importância
crucial (como reconhecido por Mikhail Gorbachev em sua
conversa com o ex-chefe ideológico da Primavera de Pra-
ga Zdenek Mlynáf). 37 Ao mesmo tempo, foi precisamente
o impersonalismo carismático, como argumenta Jowitt,
que ofereceu o antídoto para o desespero no momento
em que Kruschev expôs os crimes de Stálin. Essa caracte-
rística, na verdade, distinguiu crucialmente o bolchevismo
do nazismo: "O líder é carismático no nazismo; o pro-
grama e (possivelmente) o líder são carismáticos no leni-
nismo". 38 A finalidade última de Lênin era a eliminação
(extinção) da política mediante o triunfo do partido como
a encarnação de uma vontade geral de exclusão e mesmo
de extermínio. 39
No contexto de certeza monástica, o reconhecimento
da falibilidade era o começo do fim para qualquer fun-
damentalismo ideológico. Durante os tempos "heróicos",
no entanto, como o Comunismo de Guerra e a "constru-
ção do socialismo", a unidade entre o partido e o vozhed

r6r
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

(líder) foi, não menos do que terror, a chave para a sobre-


vivência do sistema. O homo sovieticus foi mais do que
uma mistura de propaganda. Em seu discurso de aceitação
do Prêmio Hannah Arendt de 2000, dado conjuntamente
pela cidade de Bremen, pela Fundação Heinriqh Boll e pela
Associação Hannah Arendt, afirmou Elena Bonner:
"Uma das conclusões-chave de Hannah Arendt foi 'A
totalidade do terror é garantida pelo apoio da massa'. É
consonante com um comentário tardio de Sakharov: 'o lema
<<Ü povo e o Partido são um>>, pintado a cada cinco prédios,
não são apenas palavras vazias"' .40

Este é precisamente o ponto: a internacionalização das


formas leninistas de pensamento por milhões de cidadãos
do mundo soviético e sua prontidão em aceitar o coleti-
vismo paternalista como forma de vida preferida a experi-
ências de risco e orientadas para a liberdade. A meu ver, a
maior divergência na cultura política russa de hoje é entre
a herança leninista e as aspirações e práticas democráticas
associadas a Andrei Sakharov e ao movimento dos direi-
tos humanos da Rússia. Citando Elena Bonner de novo:
"No preâmbulo de seu esboço de uma Constituição
Soviética, escreveu Sakharov: 'O objetivo do povo da URSS
e de seu governo é uma vida feliz cheia de sentido, liberdade
espiritual e material, bem-estar e paz'. Mas nas décadas depois
de Sakharov, o povo da Rússia não tinha aumentado sua
alegria, embora ele tenha feito todo o humanamente possível
para pôr o país no caminho que levava a esse fim. E ele mesmo
viveu uma vida boa e feliz" .41

Como doutrina política (ou talvez como fé política), o


bolchevismo foi uma síntese entre jacobinismo radical ou
blanquismo (elitismo, regra de minoria distinguida como
"ditadura do ·proletariado", exaltação da vanguarda he-
róica), "nachaevismo" russo inconfessado (uma mentali-
dade conspiratória radical), e os componentes autoritários
CAPÍTULO 3

voluntaristas do marxismo. 42 O bolchevismo enfatizava


a onipotência da organização revolucionária e alimenta-
va o desprezo pelo que Hannah Arendt outrora chamou
"as pequenas variedades do fato" - tais como os ataques
ferozes de Lênin e Trotsky ao teórico "renegado" social-
-democrata Karl Kautsky, que tinha ousado questionar o
repúdio bolchevique de todas as liberdades "formais" em
nome de .proteger a "ditadura do proletariado", não im-
portando que Lênin tomara de empréstimo de Kautsky
sua teoria da "injeção de consciência".
Lênin, em contraste com Marx, enfatizou o elemento
de organizaç.ã o como fundamental para o sucesso da ação
revolucionária. Para Marx, a consciência de classe era um
resultado orgânico do desenvolvimento político e ideoló-
gico do proletariado. Estou pensando aqui, por exemplo,
na tese de Engels acerca do "proletariado alemão como
o herdeiro da filosofia alemã clássica", ou a afirmação
do jovem Marx quanto ao relacionamento dialético, que
era, portanto, mutuamente vinculante, entre "a crítica das
armas" e " a arma da crítica" durante o processo de su-
peração/abolição, conservação da filosofia - Aufhebung.
Esses intelectuais revolucionários eram aqueles que desen-
volveram a doutrina, mas os proletários não eram per-
cebidos como uma massa amorfa na qual um grupo de
"professores" auto-apontados tinha a obrigação de injetar
consciência de "verdade histórica". Marx não propôs a
tese do partido como uma instituição total e não conside-
rou o ativismo fanático como a eficácia política sine qua
non. Marx não conceptualizou uma seita revolucionária
que obtivesse seu poder "não das multidões, mas de um
pequeno número de conversos entusiastas cujo zelo e in-
tolerância proporcionam a cada um deles aiforça de uma
centena de indiferentes" .43 Ao contrário, Lênin criou uma
organização em que "intelectuais desenraizados e o tra-
balhador ocasional seriam batizados como a vanguarda
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do proletariado" .44 A ênfase de Marx na emancipação


humana como a absorção consciente pa .sociedade pelo
ind~víduo e sua equação de antagoni~o social com o
conflito de classe levaram-no a advogar a eliminação dos
intermediários (leis, instituições, etc.}, que regulavam as
relações entre a sociedade civil e o estado. Portanto, como
argumentou brilhantemente· Kolakowski:
"Se a liberdade se iguala à unidade social, então quanto
mais unidade houver, tanto mais liberdade [... ]. O conceito
de liberdade negativa pressupõe uma sociedade de conflitos.
Se isto é o mesmo que uma sociedade de classes, e se uma
sociedade de classes significa uma sociedade baseada na
propriedade privada, então não há nada repreensível na idéia
de que o ato de violência ~ue abole a propriedade privada ao
mesmo tempo suprime a necessidade de liberdade negativa,
ou de liberdade tout court. E então o Prometeu desperta de
seu sonho de poder" .45

Marx assinou grande importância à unidade social,


mas falhou em dar instruções acerca de sua realização.
Esta discrepância deixou o campo aberto para a com-
preensão criativa de Lênin da necessidade, que levou à
versão bolchevique da salvação do homem por si mes-
mo. O partido tornou-se o exterminador da alienação, e,
portanto, o verdadeiro messias da liberdade humana. A
combinação de marxismo e poder de estado "pôs o corpo
político russo num caminho de auto-purificação'' .46 No
experimento soviético, o princípio marxista de unidade
social foi transformado na "unidade de vontade" de Lê-
nin, que, sob Stálin, se tornou o que Erik van Ree chamou
"a teoria orgânica do partido" . Se, no caso de Lênin, a
unidade era uma solução para o facciosismo, para Stálin
era um instrumento de "Gleichschaltung· das mentes dos
membros". No meio da luta de dezembro de 1923 pela
supremacia, Stálin afirmou que "era errado ver o partido

* Em alemão, no original, uniformização - NT.


CAPÍTULO 3

apenas como "algo como um complexo de toda uma série


de instituições com funcionários menos ou mais gradua-
dos". Em vez disso, era um organismo "que agia por conta
própria [samodeiatel' nyi] ". Ele descreveu-o como "pen-
sando ativamente" e "vivendo uma vida viva". A visão da
liderança revolucionária combinada com a imposição da
prática do arrependimento pelas visões políticas incorre-
tas do passado (na Conferência. do Partido em 1927) abriu
a porta para campanhas assassinas de remover chagas do
organismo do partido de tal maneira que este não ficas-
se doente. 47 A luta para sustentar e aumentar o milagre
bolchevique transformou-se na luta contra a degeneração
do corpo político. Neste contexto, a unidade do partido
tornou-se a unidade político-moral do povo. A sociedade
sob Stálin transformou-se num "organismo empenhado
numa luta de sobrevivência. [Este] desenvolveu vários ins-
trumentos - tais como a tecnologia produtiva, um sistema
de propriedade de classe e linguagem - em harmonia com
a necessidade de aumentar sua própria viabilidade" .48 A
modelação cheia de propósito que Lênin fez de todos os
aspectos da existência humana no contexto de uma luta
de classes de vida ou morte cresceu, sob Stálin, para o que
Erik van Ree chamou "darwinismo marxista".49

O radicalismo ilimitado de Lênin


Como gnose política, a filosofia bolchevique propunha
o oposto da ênfase do jovem Marx no desenvolvimento
revolucionário relativamente espontâneo da consciência
de classe. Para Marx, como mostrou o jovem Lukács, a
classe revolucionária simbolizava o ponto de vista da to-
talidade, portanto, criando as premissas epistêmicas para
tomar posse da verdade histórica. Para Lênin, o partido
era a totalidade - e a lógica dialética servia para tornar
este oximoro palatável para os militantes empenhados. 50
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

Esta foi a origem dos principais conflitos entre Lênin e Lu-


xemburgo e uma das principais distinções entre o marxis-
mo soviético e o ocidental. Rosa Luxemburgo antecipou
o caminho tomado pelos bolcheviques em direção à tota-
lização do poder quando escreveu que o desenvolvimen-
to da revolução deles "move-se naturalmente numa linha
ascendente: dos começos moderados para a radicalização
cada vez maior de fins e, paralelo a isso, de uma coalizão
de classes e partidos para o governo de apenas um partido
radical [minha ênfase]51 • Na mesma crítica à Revolução
Russa, Luxemburgo apresentou um aviso resoluto concer-
nente aos métodos de preservação do poder adotados por
Lênin e seu partido. Ela advertiu que a eliminação da de-
mocracia, com suas instituições que, embora incômodas,
preveniam de fato os abusos de poder, levaria à mortifica-
ção do primeiro estado proletário:
"Na verdade, cada instituição democrática tem seus limites
e insuficiências, coisas que sem dúvida compartilha com todas
as outras instituições humanas. Mas o remédio. que Trotsky e
Lênin encontraram, a eliminação da democracia como tal, é
pior do que a doença que supostamente pretende curar; pois
faz cessar a única fonte vivente da qual pode vir a correção
de todos as insuficiências inatas de instituições sociais. Esta
fonte é a vida política enérgica, sem entraves e ativa das mais
amplas massas de pessoas" .52

As palavras de Luxemburgo foram repetidas mais tarde


por um dos mais íntimos colaboradores de Lênin, Nikolai
Bukharin, que, imediatamente depois da vitória bolchevi-
que na guerra civil, concluiu que a noção de que "todas
as tarefas [... ] podem ser resolvidas por decreto comunis-
ta" era "presunção comunista" .53 Alguns anos depois ele
acrescentou que "não fazemos experimentos, não somos
vivissecionistas, que[ ...] operam num organismo vivo com
uma faca. Estamos conscientes de nossa responsabilidade
histórica" .54 No entanto, este pensamento não impediu

166
CAPÍTULO 3

Bukharin de expurgar indivíduos percebidos como des-


viacionistas dentro do partido. A despeito da moderação,
seu comportamento refletia essencialmente o ethos orga-
nizacional do leninismo: ditadura sobre os inimigos do
partido e heréticos e uma luta inflexível contra eles. Não é
de admirar que em 1927 Bukharin tenha sido denunciado
por um velho camarada como o "carcereiro dos melhores
comunistas". 55
O Manifesto Comunista pressagiou este cisma funda-
mental, ao avançar em duas direções que seriam poste-
riormente desenvolvidas na teoria marxista madura: de
um lado, enfatizava o auto-desenvolvimento da consci-
ência de classe; de outro, glorificava a violência. O abas-
tardamento do marxismo no experimento de Lênin não
pode ser dissociado dos ataques aos direitos burgueses e
à criminalização ·d a propriedade privada nos escritos dos
pais fundadores. Isto era, na verdade, legitimado por uma
alta necessidade histórica, o fim último que justificaria de
algum modo a crueldade dos meios: "no lugar da velha
sociedade burguesa, em que o desenvolvimento livre de
cada um é a condição para o desenvolvimento livre de to-
dos". 56 Ademais, não é preciso ir além das famosas linhas
que abrem a parte 1 do Manifesto para provar este monis-
mo: "A história de toda a sociedade existente até hoje é a
história das lutas de classes [...].Nossa época, a época da
burguesia, possui, entretanto, esta característica distintiva:
simplificou os antagonismos de classe. A sociedade como
um todo está cada vez mais dividindo-se em dois grandes
campos hostis, em duas classes que estão diretamente face
a face - a burguesia e o proletariado".57
Desde o início, o Manifesto anunciou o que o influen-
te marxista russo Georgi Plekhanov chamou uma "visão
monista da história", de acordo com a qual todo conflito
histórico é redutível ao conflito de classe e todo debate

·'
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

político é redutível à questão de que classe representas


ou apóias. 58 Em História e Consciência de Classe Georg
Lukács lê o pensamento de Marx como uma "expressão"
do "ponto de vista do proletariado". Lukács oferece uma
interpretação engenhosa do marxismo como a "verdade"
que se desenrola da luta de classes. E ao reduzir questões
de verdade ou falsidade e certo ou errado a questões de
"ponto de vista de classe", ele simplesmente está seguindo
a orientação do Manifesto. Pois foi o próprio Marx quem
declarou:
"As conclusões teoréticas do comumsmo nao são de
maneira nenhuma baseadas em idéias ou princípios que
foram inventados, ou descobertos, por este ou aquele
pretenso reformador universal [... ].Expressam simplesmente,
em termos gerais, as relações reais que surgem de uma luta
de classes existente, de um movimento histórico que está sob
nosso~ próprios olhos" .59

Não está longe a distância intelectual que separa esta


formulação da idéia bolchevique de que o comunismo está
na posse da intelecção "politicamente correta" do movi-
mento e do sentido da história. Ademais, o próprio Marx
mostrou congruentemente uma má vontade óbvia de to-
lerar esses socialistas que não concordavam com ele ou o
questionavam em sua autoridade. A energia que empre-
gou, denunciando tais "heréticos", indica a presença de
uma personalidade autoritária.
Nas linhas passionalmente incandescentes do Manifes-
to Comunista, pode-se decifrar toda a tragédia que estava
por vir: o forçar do passo da história por Lênin, a gênese
do bolchevismo como uma matriz de terror generalizado,
os horrores stalinistas, e o universo dos campos de con-
centração. Assassinaram-se nações para se realizarem os
desejos utópicos de Lênin. Vitimaram-se classes sociais em
nome de especulações abstratas e revolta moral de Lênin.

168
CAPÍTULO 3

A questão, portanto, é que conexão existe entre o pro-


jeto de extermínio leninista e a fantasia salvadora mar-
xista original. Em retrospecto, pode-se argumentar que o
monismo oracular de Marx, definido por seu tratamento
hiper-determinista, cientificismo e positivismo, se vingou
da dimensão ético-libertária e estabeleceu o fundamento
para a intolerância e a repressão. Para desenvolver uma
dicotomia proposta por Karl Popper, pode-se dizer que o
radicalismo moral do marxismo sobreviveu nas varieda-
des contemporâneas de socialismo democrático. O radi-
calismo político, com sua mistura de historicismo e posi-
tivismo, culminou na conspiração e ditadura leninista.60
Essencialmente, o subjetivismo revolucionário bolchevi-
que foi definido pela concepção de partidos como "oligar-
quias de eruditos e organizadores, assembléias de pessoas
que mudam o mundo através de suas vontades, ao mesmo
tempo que obedecem às leis da história" .61

Mitologias redentoras
Acabaram todas essas coisas? Longe disso - e isto apli-
ca-se não apenas aos países que já foram dominados por
partidos leninistas, mas também a partidos nacional-so-
cialistas como Baath e movimentos neo-totalitários funda-
mentalistas, incluindo o Al Quaeda de Osama bin Laden. 62
A matriz mental leninista (bolchevique) estava enraizada
numa cultura política que suspeitava do diálogo aberto
e dos procedimentos democráticos, hostil aos desenvolvi-
mentos espontâneos que vinham de baixo. O leninismo
não foi apenas uma ideologia, mas também um conjun-
to de preceitos e técnicas destinadas a inspirar o ativismo
global revolucionário e a militância oposta ao liberalismo
burguês e ao socialismo democrático. Assim o leninismo
como o fascismo foram discursos de dominação que con-
seguiram eficácia, funcionando como "sistemas retóricos
CAPÍTULO 3

A questão, portanto, é que conexão existe entre o pro-


jeto. de extermínio leninista e a fantasia salvadora mar-
xista original. Em retro~pecto, pode-se argumentar que o
monismo oracular de· Marx, definido por seu tratamento
hiper-determinista, cientificislho e positivismo, se vingou
da dimensão ético-libertária e estabeleceu o fundamento
para a intolerância e a repressão. Para desenvolver uma
dicotomia pr~posta po.r Kàrl Popper, pode-se dizer que o
radicalismo ,moral do marxismo sobreviveu nas varieda-
des contemporâneas de socialismo democrático. O radi-
calismo político,. com sua mistura ·de historicismo e posi-
tivismo, culminou na conspiração e ditadura leninista.60
Essencialmente, o subjetivismo revolucionário bolchevi-
que foi definido pela concepção de partidos como "oligar-
quias de eruditos e organizadores, assembléias de pessoas
que mudam o mundo através de suas vontades, ao mesmo
tempo que obedecem às Íeis da história" .61

Mitologias redentoras
Acabaram todas essas coisas? Longe disso - e isto apli-
ca-se não apenas aos países que já foram dominados por
partidos leninistas, mas também a partidos nacional-so-
cialistas como Baath e movimentos neo-totalitários funda-
mentalistas, incluindo o AI Quaeda de O sarna bin Laden. 62
A matriz mental leninista (bolchevique) estava enraizada
numa cultura política que suspeitava do diálogo aberto
e dos procedimentos democráticos, hostil aos desenvolvi-
mentos espontâneos que vinham de baixo. O leninismo
não foi apenas uma ideologia, mas também um conjun-
to de preceitos e técnicas destinadas a inspirar o ativismo
global revolucionário e a militância oposta ao liberalismo
burguês e ao socialismo democrático. Assim o leninismo
como o fascismo foram discursos de dominação que con-
seguiram eficácia, funcionando como "sistemas retóricos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

fechados que determinavam o conteúdo assim como os


limites da consciência política" .63 Isto é precisamente a si-
milaridade, mas também a principal distinção entre essas
duas arremetidas ao individualismo liberal: o fascismo foi
uma patologia de irracionalismo romântico, o bolchevis-
mo foi uma patologia do hiper-racionalismo inspirado no
Iluminismo. Não quero ser mal compreendido: como uma
prole das ideologias ressentidas anti-burguesas, freqüente-
mente anti-modernas, do século XIX, o fascismo não pre-
cisava do bolchevismo para emergir e amadurecer (como
demonstrado no ensaio fascinante de Isaiah Berlin acerca
de Joseph de Maistre e as origens do fascismo). 64 O culto
da raça, a mistura de pseudo-cientificismo (darwinismo
social) com o culto neo-pagão do sangue e da terra, e a
rejeição ressentida dos valores liberais como "aritmética
sem alma" antecedeu o leninismo. Por outro lado, é di-
fícil negar que o triunfo do bolchevismo e a intensidade
e escopo do Terror Vermelho, juntamente com os efeitos
traumáticos da Primeira Guerra Mundial e o sentimento
espalhado de que "o mundo de ontem" (para citar Stefan
Zweig) tinha chegado irremediavelmente a um fim, mobi-
lizaram a ofensiva fascista contra as tradições universalis-
tas do Iluminismo.
O fascismo não foi menos uma fantasia de salvação do
que o bolchevismo: ambos prometiam resgatar a humani-
dade do cativeiro do mercantilismo capitalista e assegurar
o advento da comunidade total. O fascismo foi um tipo
de histeria enraizada em nostalgias pseudo-poéticas, em
coletivismo militante e, acima de tudo, na aversão progra-
mática dos valores fundamentais da democracia liberal.
Seu potencial para identificação emocional originou-se no
mito, na invocação obsessiva das supostas origens prís-
tinas, no culto excessivo ao que Sigmund Freud outrora
chamou "o narcisismo das pequenas diferenças". 65 O fas-

170
CAPÍTULO 3

cismo visava à homogeneização através da sublimação do


corpo político ao denominador comum de seu fundamen-
to genético. Sua natureza fundamental está expressa no
princípio de que "para renascer a fênix nacional, tudo e
todos que estejam em seu caminho primeiro têm de ser
feitos cinzas, literalmente, se necessário". 66 Imediatamen-
te depois da Primeira Guerra Mundial, !talo Balbo, um
dos principais ideólogos do fascismo italiano, expressou o
ethos deste novo movimento político ao contrastá-lo com
a velha ordem, que julgava decadente, corrupta, degene-
rada e decomposta. Em vez de ajudar a restaurar a socie-
dade do pré-guerra, Balbo declarou enfaticamente: "Não,
melhor do que negar tudo é destruir tudo, renovar tudo
desde a base".67 O desprezo pela velha ordem burguesa e
o fascínio pela nova, utópica, eram as atitudes comparti-
lhadas por comunistas e fascistas.
Assim o leninismo como o fascismo foram formas cria-
tivas de niilismo, extremamente utilitários e desprezadores
dos direitos universais. O elemento essencial de seu mo-
dus vivendi foi a "santificação da violência". 68 Sonhavam
a sociedade como uma comunidade de "portadores de
crenças", e de cada aspecto de sua vida privada e compor-
tamento esperava-se que fossem conforme essas crenças.
Depois de chegar ao poder e implementar sua visão da so-
ciedade perfeita, os dois movimentos políticos estabelece-
ram ditaduras de pureza em que "as pessoas eram recom-
pensadas ou punidas de acordo com critérios de virtude
definidos politicamente". 69 Dario Lupi, um sub-secretário
do Ministério de Educação na Itália fascista, avisou, ame-
açadoramente, que
"quem se junta a nós, ou se converte em um de nós de corpo
e alma, em mente e carne, ou será inexoravelmente amputado.
Porque sabemos e nos sentimos na posse da verdade [...].
[Nós] sabemos e sentimo-nos parte do único movimento em

171
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

harmonia maravilhosa com o tempo histórico[ ... ]. Pois nosso


é o único movimento que reflete fielmente as camadas mais
profundas das almas e sentimentos de nossos semelhantes''. 7º

Similarmente, Hitler considerou que o movimento que


liderava era uma destruição criativa necessária gerada
pelo imperativo de estabelecer a comunidade escolhida
no caminho correto da história. Em julho de 1934, Hitler
afirmou que
"quando um obstáculo mortal é imposto violentamente
sobre o desenvolvimento natural do povo, um ato de violência
pode servir para libertar o fluxo interrompido artificialmente
da evolução para permitir-lhe de novo a liberdade do
desenvolvimento natural". 71

Assim o leninismo como o fascismo apresentaram-se


como conquistas revolucionárias de uma nova vida. Sua
novidade residia na sacralização ideológica estridente do
poder revolucionário. Precondicionavam a reconstrução
por uma destruição libertadora. Esquecidos de qualquer
dimensão moral independente, ambos enfatizaram "força
e astúcia no modelar da história", denunciando "a hipo-
crisia, a absurdidade da condição humana", ao passo que
pregavam simultaneamente um zelo político que deveria
"construir significado e procurar, através da organização
e ação políticas, trazê-lo ao ser". Cada um deles era, como
mostrou A. E. Rees, formas de uma "concepção maquia-
vélica revolucionária da política [... ]. Mais precisamente,
o nazismo e o bolchevismo poderiam ser definidos como
o maquiavelismo dos partidos que diziam governar em
nome das massas". 72 Parafraseando Eugen Weber, no caso
tanto do leninismo quanto do fascismo, as locomotivas
que os arrastavam pela história eram suas táticas. O le-
ninismo baseava-se, pois, numa "racionalidade de esco-
po" que implicava "a validade de suas demandas". Neste
quadro mental, "tem-se a submissão como baseada numa
CAPÍTULO 3

relação entre o fim último do comunismo e suas tarefas


específicas assinadas às unidades sociais, e a racionalidade
dos indivíduos diz respeito à adequação dos meios empre-
gados [... ] para os fins estabelecidos". 73
Tal concepção transformista, radicalmente utilitária da
política, materializou-se na divinização de um estado mís-
tico que tem o direito de vida e morte sobre seus súditos.
Ou, como escreveu um intelectual católico, Adolf Keller:
"Um gigante sobre-humano, exigindo não apenas obedi-
ência, mas confiança e fé tais que apenas uma personali-
dade tem o direito de esperar" .74 Nessa concepção, o esta-
do estava ·para além das limitações morais, pois ele era o
único produtor de moralidade. Entretanto, como enfatiza
o sociólogo Michael Mann, o fascismo e o comunismo, a
despeito da presença do despotismo do partido ou do lí-
der, "governou mais como um movimento revolucionário
contínuo e fluido do que um estado institucionalizado".
Eram, de acordo com Mann, "regimes de revolução contí-
nua" .75 Esses movimentos políticos eram abastecidos .por
seu projetado dinamismo heróico perpétuo. No caso do
comunismo, a estagnação e por fim o desaparecimento de-
senvolvido como sua "confiança aguda na capacidade da
ação de modelar a história [... ] à luz do que a experiência
tinha revelado".76
O líder, é claro, desempenhava um papel essencial em
tais movimentos. 77 Como diz Leszek Kolakowski: "Ara-
cionalidade do partido, o princípio político reverenciado
por todos os leninistas, levou à imagem infalível confiada
ao secretário geral" .78 Explica Paul Berman:
"Lênin foi o modelo original de tal líder - Lênin, que
escreveu panfletos e tratados filosóficos com a confiança
de um homem que acredita que os segredos do universo
estão na ponta de seus dedos, e que estabeleceu uma nova
religião esquisita com Karl Marx como deus, e que, depois

173
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de morrer, foi embalsamado como um faraó e adorado pelas


massas. Mas il Duce não era menos um super-homem. Stálin
era um colosso. Acerca de Hitler, Heidegger, com os olhos
esbugalhados, disse: 'Mas olha as mãos dele"' .79

Peter Ehlen faz a observação pertinente de que Lênin


"redefiniu o fundamento sobre o qual a renovação comu-
nista seria baseada. Portanto, seria a vontade do líder".
Nesse contexto, o poder tornar-se-ia "poder absoluto e sa-
berá render-se a uma aparência quase divina" .80 Em outras
palavras, o leninismo baseou-se essencialmente na apoteo-
se do líder. Um exemplo engraçado, mas revelador do peso
deste elemento fundante do leninismo, é a intervenção da
camarada Lazurkina no XXII Congresso do Partido em
Moscou. Em outubro de 1961, durante as discussões acer-
ca da expulsão de Stálin do Mausoléu de Lênin, uma velha
bolchevique, a camarada Lazurkina, "que tinha passado 17
anos em prisões e campos, narrou que Lênin lhe aparecera
repetidamente em sonhos. Lênin exigira que seu sucessor
fosse removido de seu mausoléu. E assim aconteceu". 81 O
fantasma de um líder já não podia suportar seu sucessor.
O panteão do bolchevismo tinha apenas um dono-Lênin.
Outra matéria relacionada à inserção da vontade do líder
na prática do leninismo foi a "inabilidade contínua dos
órgãos legislativos do partido condutor - o congresso, CC
[Comitê Central] e Politburo - de desenvolver um senso
forte de integridade institucional e coerência", de acordo
com Graeme Gill. Gill mostra como a base organizacio-
nal do poder de Stálin subseqüente à morte de Lênin, e
mesmo antes, era "a ausência de uma dedicação completa
das figuras políticas condutoras em fortalecer as normas
organizacionais e a identidade desses corpos, a inércia e os
métodos de ação adotados pela liderança do partido". 82
Para Gill, a fraqueza do leninismo, evidente nos anos de
1920 prepara o palco para o governo autocrático de Stálin
sobre o partido e sobre a União Soviética.

174
CAPÍTULO 3

Espontaneidade (stikhiinost') sempre foi a nêmesis dos


leninistas (pensemos nas polêmicas de Lênin acerca da re-
lação entre classe e partido, primeiro com Rosa Luxem-
burgo, depois com os comunistas de esquerda). Seu con-
traponto foi a obsessão com partiinost' (Partidarismo), a
aceitação sem limites da linha do partido (filosofia, socio-
logia e estética tinham de ser subordinadas aos "interesses
proletários" definidos pelo partido, daí a dicotomia entre
a ciência social "burguesa" e "proletária"). Entretanto, no
contexto da consciência de classe subdesenvolvida do pro-
letariado russo, Lênin, por ocasião da revolução de 1905,
revelou, de acordo com Ana Krylova, "a 'verdadeira natu-
reza' da classe trabalhadora[ ...] não mediante a iniciativa
revolucionária consciente dos trabalhadores, como se ti-
nha esperado, mas mediante uma 'necessidade instintiva'
de que os trabalhadores 'sentiam diante de uma ação revo-
lucionária aberta"'. Seu descobrimento funda-se no fato
de que os trabalhadores tinham a habilidade de "sentir a
história e agir de acordo com suas necessidades objetivas,
sem necessariamente entendê-las" .83 Para fechar o círculo,
esta leitura da insurreição de dezembro reforçou a crença
de Lênin de que, por trás do partido, sob uma liderança
adequada, os trabalhadores preencheriam sua missão de
classe a despeito de uma compreensão insuficiente de seu
papel histórico. Isso lhe permitiu justificar tanto o volun-
tarismo da tomada de poder dos bolcheviques quanto a
missão iluminadora em que, uma vez no poder, embarcou
o partido.
Ademais, essa inserção do "instinto de classe" na equa-
ção de stikhiinost' partiinost' explica, em grande parte, a
teoria de Lênin da luta comum (aliança) entre os trabalha-
dores e os camponeses (smychka). Sua pressuposição fun-
damental foi a de que os bokheviques podiam despertar
os instintos de classe dos camponeses, conquistando-os,

175
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

assim, para o lado da revolução. De acordo com Lênin,


"quanto mais esclarecido se torne o camponês, tanto mais
consistente e resolutamente ele representará uma revolu-
ção democrática total" .84 Isto é o que Ken Jowitt chamou
"o erro engenhoso do leninismo" - transplantando a guer-
ra de classes para o campo:
"O mapa conceptual-ideológico com que os leninistas
trabalham leva-os a ver diferenças econômicas como prova
de polarização social e a existência de 'aliados de classe'
nas aldeias, e permite-lhes fazer politicamente o que os
nacionalistas podem fazer apenas analiticamente - ou seja,
distinguir e opor bases sociais competitivas e concepções do
estado-nação. Trabalhando com tal paradigma, os leninistas
atacam as bases institucionais, não apenas a organização de
elite da sociedade camponesa". 85

E se o modelo de Bukharin do crescimento gradual da


propriedade privada na agricultura socialista não aconte-
ce (e não aconteceu durante a Nova Política Econômica),
então a visão do leninismo de interesses e de uma dedica-
ção "transformista" espontânea de classe abriu a porta à
coletivização. Isto representava um ataque total ao funda-
mento das vidas privadas e institucionais dos camponeses,
a contraparte rural à revolução socialista urbana. Em sua
busca deste objetivo, os bolcheviques não tinham nenhuns
limites, nenhuns remorsos de consciência, nenhuns escrú-
pulos. O resultado foi o genocídio.
Muito do dogmatismo do leninismo proveio de tra-
dições autoritárias russas e da falta de uma cultura do
debate público. Lembrais-vos das reflexões de Antonio
Gramsci acerca da sociedade civil "gelatinosa" russa e da
onipotência do estado burocrático? Não estava o próprio
Lênin, no final de sua vida, aterrado com o ressurgimento
das tradições, consagradas pelo tempo, de insolência, vio-
lência, brutalidade e hipocrisia que ele tinha vergastado
e contra as quais a revolução supostamente era dirigida?
CAPÍTULO 3

Como observou um autor: "Lênin era um herdeiro direto


da tradição do maquiavelismo revolucionário na história
russa e da tradição jacobina no movimento revolucioná-
rio europeu". 86 Por outro lado, como já discutimos, Lê-
nin acreditava que a revolução era essencial e inevitável, e
que seria, necessariamente, violenta; considerava qualquer
outro tratamento como conciliatório e destinado ao fra-
casso. 87 Por outro lado, seu jacobinismo era "uma metá-
fora para a energia revolucionária, a incorruptibilidade e
a vontade de levar adiante tão longe quanto possível os
interesses das massas trabalhadoras". Fundava-se em sua
dedicação aos políticos plebeus, "e os plebeus do século
XX eram, é claro, a classe de trabalhadores assalariados.
Daí socialistas proletários coerentes tinham de ser jacobi-
nos". 88 Ou, para empregar a fórmula de Lênin, os bolche-
viques eram jacobinos trabalhando pelo proletariado. 89
Lênin estava consciente de que sua provação mais difí-
cil era a transição da ação revolucionária para o governo
e a preservação do poder do estado. O sucesso da Revo-
lução de Outubro parecia confirmar que ele fora bem-su-
cedido em fundir "a força destrutiva elemental das mas-
sas" e "a força destrutiva consciente da organização dos
revolucionários". Mas como se poderia consolidar esse
poder recém-conquistado? O esforço inicial em direção à
democracia desde baixo e à auto-determinação das mas-
sas foi substituído, em 1917, pela ênfase na máquina de
estado reconstruída, a qual, de acordo com Lênin, era in-
dispensável para defender a revolução e buscar seus fins
principais. Na forma, disse Lênin, isto era uma ditadura,
mas na substância, porque representava os interesses e
as aspirações da grande maioria da população, era a de-
mocracia verdadeira e substantiva. O principal problema
com o conceito de Lênin de ditadura do proletariado era
seu desprezo pelo estado de direito. Para ele, a ditadura

177
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

revolucionária do proletariado "é poder obtido e mantido


pela violência do proletariado contra a burguesia, poder
que não é restringido por nenhumas leis" .90 Este foi o pon-
to central da crítica de Rosa Luxemburgo à Revolução
Russa. Ela argumentava que
"[Lênin] está completamente errado nos meios que emprega.
Decreto, força ditatorial do inspetor de fábrica, penalidades
draconianas, governo pelo terror - todas essas coisas não são
senão paliativos. O único caminho para um renascimento
é a própria escola da vida pública, a mais ilimitada, a mais
ampla democracia e opinião pública. É o governo do terror
que desmoraliza,,.

Com grande clarividência, Luxemburgo advertiu que o


caminho tomado pelos bolcheviques levaria à "brutaliza-
ção da vida pública" .91
A restauração das prerrogativas do estado era para Lê-
nin um "mal necessário", e ele tentou justificar a noção
de uma ditadura do proletariado definindo-a como a di-
tadura da maioria da população (incluindo camponeses
pobres), e, portanto, não exatamente uma ditadura. No
entanto, Lênin estava convencido de que essas medidas
excepcionais, incluindo a perseguição aos dissidentes e o
banimento de todos os partidos políticos, salvo os bol-
cheviques, eram necessárias para a sobrevivência da re-
volução na Rússia. Todavia, com o passar do tempo, ele
esperava que a revolução triunfasse no Ocidente e fosse
possível certo relaxamento político e econômico. Lênin
viu isso como um estágio· temporário; nunca aceitou a
idéia de que a Revolução Russa seria a única revolução
proletária em décadas por vir. Mas, afinal de contas, Lê-
nin impôs dois elementos fundamentais na concepção bol-
chevique de política: o direito como um epifenôrrieno da
moral revolucionária e a heteronomia da ação individual.
Neste sentido, Lênin abriu as portas para a realização do
CAPÍTULO 3

mal radical, pois este, se se seguir Hannah Arendt, sig-


nifica "transformar os seres humanos em seres humanos
supérfluos [...].Isto acontece tão logo toda a imprevisibili-
dade - que, nos seres humanos, é o equivalente da espon-
taneidade - seja eliminada" .92 Aqui está a ambivalência
essencial na interpretação do leninismo: foi ele uma forma
do Sonderweg (caminho especial) russo no caminho da
implementação da modernidade, ou foi ele um Sonderweg
marxista na realização da revolução socialista?
O que quer que se pense da desintegração final do le-
ninismo, foi ele um experimento de muito sucesso na re-
modelação da comunidade política de acordo com certa
interpretação do socialismo marxista. 93 Como se pode
compreender o fato de, ao contrário de outras sociedades
do leste europeu, a Rússia ser a única que parece incapaz
de restaurar tradições e partidos pré-comunistas? Onde
estão os revolucionários socialistas, os cadetes ou os men-
cheviques? A resposta é que Lênin produziu "o fim da po-
lítica" através do triunfo último da vontade política. 94 Na
verdade, isso significou que a seita dos auto-intitulados
pedagogos revolucionários conseguiu coagir uma ampla
parte da população a aceitar-lhes as obsessões como o
imperativo inexorável da história. Empregando o exem-
plo da implementação da vigilância (considerada uma das
práticas de "institucionalização da modernidade"), Peter
Holquist mostra que sua prática não foi "uma prática es-
pecificamente marxista ou bolchevique, nem mesmo uma
prática totalitária - foi uma prática moderna". Em sua
opinião, o que deu ao regime soviético sua singularida-
de foi a "intersecção de uma ideologia particular com a
implementação simultânea de uma compreensão política
moderna particular - dito sucintamente, uma compreen-
são que vê populações tanto como meios quanto como o
fim do mesmo projeto emancipador" . Com esta concepção

179
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

especificamente marxista de política, sociedade e história


no pano de fundo, o leninismo desenvolveu "um modelo
antes fechado do que aberto de progresso histórico'' .95
O comunismo e o fascismo foram sustentados pelo sen-
tido histórico-político da urgência histórica e sua vontade
de agir de uma maneira radical. As vanguardas que trou-
xeram e mantiveram esses movimentos políticos no poder
foram mobilizadas e justificadas pela mudança ético-po-
lítica pela qual consideravam a si mesmas como as úni-
cas preparadas para liderar por causa de sua consciência
pós-liberal, assim como por seu espírito, vontade, disci-
plina, auto-sacrifício e disposição para agir. 96 Ao impor a
ditadura do Partido Comunista como o único instrumen-
to de ação para fazer história, os bolcheviques exauriram
com sucesso a esfera política, eliminando todas as visões
alternativas do corpo político. Lênin, e mais tarde Stálin,
transformaram o sistema político numa "arena central e
sacralizada para a auto-salvação e o auto-sacrifício dos
esforços revolucionários para implementar os desígnios
utópicos que tinham de ser realizados no presente e na
terra" .97 Considerando que a União Soviética sobreviveu
por mais de setenta anos, a operação de atribuir sentido
ao passado pré-comunista enfrenta logicamente um hia-
to histórico. As várias trajetórias do pensamento político
russo devem ser suplantadas ou numa falta completa de
continuidade doméstica ou na questão espinhosa da rein-
terpretação sintética. Numa análise final, é difícil recupe-
rar a tradição no século XXI, quando a única versão do
país da modernidade madura foi o leninismo.
Esta afirmação, entretanto, leva-nos a outra ramifica-
ção do dilema dos Sonderwege. O tema principal da con-
trovérsia entre Richard Pipes e Martin Malia é importante
não apenas para a nossa interpretação da história moder-
na russa, mas também para a discussão da natureza e fu-

180
CAPÍTULO 3

turo da política socialista de esquerda no século XX: foi


a Rússia que destruiu (comprometeu) o socialismo, como
Pipes e, antes, Max Weber afirmaram, ou, ao contrário, foi
seu socialismo revolucionário que, por causa de sua húbris
política, na verdade metafísica, impôs imensos sofrimen-
tos à Rússa? 98 Objetando à celebração do jovem Georg
Lukács da tomada do poder por Lênin na Rússia, Weber
insistia na impossibilidade de construir o socialismo com
que Karl Marx sonhara na ausência de desenvolvimentos
de um mercado burguês genuinamente capitalista:
"É com boa razão", escreveu ele, " que o Manifesto
Comunista enfatizou o caráter economicamente revolucionário
dos empreendedores capitalistas burgueses. Nem sindicatos
nem muito menos oficiais do estado socialista podem exercer
esse papel por nós em seu lugae' .99

Antes mesmo de muitos críticos do sovietismo, Weber


concluiu que o experimento leninista desacreditaria o so-
cialismo por todo o século xx.100

Retorno a Lênin?
Então, há uma razão para considerar a práxis política
de Lênin uma fonte de inspiração para aqueles que procu-
ram uma nova transcendência política? É um plano para
um radicalismo ressuscitado, como sugerido por Slavoj
Zizek, que propõe o renascimento do passo revolucioná-
rio leninista de 1917 no reino da utopia? O retorno à hos-
tilidade de Lênin à submissão oportunista ou conformista
diante da lógica do status quo é, para Zizek, a voie royale
para a restauração de uma práxis radical:
"Este é o Lênin do qual ainda temos algo que aprender. A
grandeza de Lênin foi que, nesta situação de catástrofe, ele
não tinha medo de ter sucesso - em contraste com o pathos
negativo discernível em Rosa Luxemburgo e Adorno, para
quem o ato autêntico último é a admissão do fracasso, que

181
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEAN U

traz a verdade da situação à luz. Em 1917, em vez de esperar


até que o tempo estivesse propício, Lênin organizou um
golpe preventivo; em 1920, como líder do partido da classe
trabalhadora sem nenhuma classe trabalhadora (a maior
parte dela dizimada na guerra civil), ele continuou a organizar
um estado, aceitando totalmente o paradoxo do partido que
quer organizar - mesmo recriar - sua própria base, sua classe
trabalhadora" . 101

Comparai esta visão exaltada de Lênin com a acusação


feita por um antigo ideólogo comunista, Alexander Yako-
vlev, contra o papel essencial de Lênin no estabelecimen-
to de um regime ditatorial em que a classe trabalhadora
haveria de sofrer tanto quanto outros estratos sociais os
efeitos da engenharia social utópica. 102 Pode o leninismo
ser separado da instituição do partido de vanguarda e ser
concebido como uma forma de resistência intelectual e
moral ao fiasco conformista da Esquerda internacional
no momento de colapso da civilização (Primeira Guerra
Mundial)? O debate acerca do leninismo encontra-se na
possibilidade de uma prática emancipatória radical e na
necessidade de reconstruir áreas de autonomia na opinião
para a lógica da racionalidade instrumental. Permanece a
questão candente: tais esforços são predestinados a termi-
nar numa nova empreitada coerciva, ou o leninismo foi
uma combinação peculiar, sui-generis de marxismo e uma
estrutura econômica e política subdesenvolvida? Na ver-
dade, como insistia Trotsky, a derrota da "revolução mun-
dial" - afinal de contas, o principal postulado estratégico
sobre o qual Lênin construíra toda a sua aventura revolu-
cionária - fez da ascensão do stalinismo uma necessidade
sociológica e política. Aqui podemos lembrar a análise de
Isaac Deutscher:
"Sob Lênin, o bolchevismo tinha-se acostumado a apelar
à razão, ao interesse próprio e ao idealismo iluminado da
'consciência de classe' dos trabalhadores industriais. Falava
a linguagem da razão mesmo quando apelava aos mujiques.

182
CAPÍTULO 3

Mas, uma vez que o bolchevismo tinha cessado de acreditar


na revolução no Ocidente, uma vez que se tinha tornado
consciente de que poderia retroceder naquele ambiente e
entrincheirar-se, ele começou a descer ao nível da magia
primitiva, e a atrair as pessoas na língua dessa magia" . 103

Neste ponto, entra em jogo o último dilema. Se se acei-


tar, ainda que parcialmente, a validade da tese do Sonde-
rweg russo, o próximo problema é quanto esta distorção
russa era de Stálin. O que é necessário discutir não é a
afirmação de Deutscher de que o stalinismo foi a "língua
da magia", mas também a teoria de Robert C. Tucker da
reversão. Esta última consiste na afirmação de que sob Stá-
lin pode-se identificar "o renascimento de certas caracte-
rísticas que pertenciam ao passado, especialmente o passa-
do mais distante, e tinham sido abandonadas ou abolidas
(como a servidão) na Rússia do século XIX, mas reapare-
cidas no período de Stálin". Tucker leva essa análise ainda
mais adiante quando rotula o stalinismo de bolchevismo
nacional russo, uma mistura de marxismo leninismo e na-
cionalismo russo.104 Sua tese é consoante com as visões
mais recentes advogadas por autores como Terry Martin
e David Brandenberger, que enfatizam uma mudança neo-
-tradicionalista no processo de construir o socialismo em
um único país. Durante o stalinismo maduro, "o patriotis-
mo soviético" tornou-se uma apologia da autenticidade,
orgulho e lealdade nacionais. Ao mesmo tempo, a União
Soviética, "um estado sem ambição de tornar-se um esta-
do-nação - na verdade, com a ambição exatamente opos-
ta", tomou-se um lugar de limpeza étnica em larga esca-
la.105 Ademais, a sociedade era uma hierarquia na base do
'' soslovnost stalinista". De acordo com Sheila Fitzpatrick,
"soslovnost apresenta uma moldura dentro da qual se torna
imediatamente compreensível que as 'classes' da sociedade
stalinista deveriam ser definidas, como sosloviia, em termos
de sua relação com o estado, em vez de [se definirem], como
as classes marxistas, em termos de suas relações entre si" .106
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Toda essa série de desenvolvimentos originou-se no de-


senvolvimento de Stálin de uma nova forma de mobiliza-
ção, sem classes, "popular". Como aponta David Pries-
tland: "O narod unificado, algo já não divido pela classe,
encarnou o socialismo, e haveria de obter feitos heróicos
na luta contra inimigos em grande parte externos" .107
Subseqüentemente, a URSS mesma tornou-se "a vanguar-
da do movimento comunista internacional e o centro di-
nâmico da política mundial" .108 Este fenômeno foi sinto-
mático para o experimento soviético, onde "o sentido de
coletividade que cria o socialismo foi mais importante do
que o emprego das categorias de classe e da assunção do
privilégio proletário" .109 No contexto da construção do
socialismo num único país, o corpo social era, para Stálin,
a comunidade escolhida que trazia para a realidade do
estado a utopia social de Lênin. 110
O que diz esta "mutação" da ortodoxia marxista, no
entanto, é que o fim último das políticas de Stálin con-
tinuou a ser o comunismo. Mesmo seu culto à persona-
lidade funcionava como um "mecanismo de unificação",
"uma personificação da construção do estado socialis-
ta" .111 Graeme Gill afirma simplesmente que o "culto de
Stálin cresceu sobre o edifício da ortodoxia leninista". Em
seu estudo do artigo de K. Popov "O partido e o papel
do líder", um dos escritos que sustentam teoreticamente
o culto, Gill apontou para "os três principais fundamen-
tos para o reconhecimento do vozh": o líder "armado da
teoria revolucionária marxista-leninista, fortalecido por
muitos anos de experiência na luta pelo leninismo, om-
bro a ombro com Lênin"; a habilidade em suportar "essas
dificuldades que recaem sobre os círculos estreitos de re-
volucionários altruístas" como maneira de talento organi-
zacional excepcional; e "a vontade de um líder individual
[que] poderia personificar a vontade do proletariado" .112
CAPÍTULO 3

Na verdade, Lênin foi a encarnação da teoria, da luta e


do partido. Este foi o seu modelo de transformação re-
volucionária radical exitosa. Em 1930, Stálin afirmou ser
a personificação desta herança de Lênin. Sustentou esta
asserção de supremacia sobre seus rivais mediante o poder
organizacional, criando, assim, um ambiente fundamen-
talmente inimigo de qualquer forma de oposição. Como
Lênin, mas num grau exagerado, pelos fins de 1930, Stálin
conseguiu tornar-se sinônimo do próprio partido.
Stálin também emulou a criatividade de Lênin em seu
tratamento do pensamento político dos pais fundadores.
Em 1941, Stálin alertou os autores do Breve Curso de
Economia Política comissionado: "Se procurardes tudo
em Marx, perdereis a pista [...]. Na URSS tendes um la-
boratório [... ] e pensais que Marx sabia mais do que vós
acerca do socialismo". Até 1950, seu comportamento para
com o marxismo assemelhava-se à famosa observação de
Lênin dos Cadernos filosóficos: "Meio século depois ne-
nhum dos marxistas entendia Marx''. Stálin escreveu no
Pravda: "No curso de seu desenvolvimento, o marxismo
não pode senão enriquecer-se por nova experiência, por
novo conhecimento; em conseqüência, suas fórmulas in-
dividuais e conclusões têm de mudar com a passagem
do tempo, têm de ser substituídas por novas fórmulas e
conclusões correspondentes às novas tarefas históricas. O
marxismo não reconhece conclusões imutáveis e fórmulas
obrigatórias para todas as épocas e períodos" .113 Por fim,
o novo arranjo que Stálin deu ao marxismo (e) ao leni-
nismo poderia ser lido numa chave mais geral. Deveria
ser posta no ethos interpretativo original do "substitucio-
nismo" bolchevique. Georg Lukács justificava a teoria de
Lênin acerca da revolução baseada na idéia de "consci-
ência de classe atribuída", ou seja, "as reações racionais
adequadas 'imputadas' a uma posição típica particular
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

no processo de produção" .114 Por que não aceitaríamos


a mesma atribuição para a construção do socialismo de
estado? Assim para Lênin como para Stálin, o estado que
parecia recusar-se teimosamente a definhar permaneceu o
teste último para "a compreensão e reconhecimento real
do marxismo" .115
Voltando à ambivalência do leninismo, penso que o que
precisamos enfatizar, para além dos debates acerca de seu
cerne marxista, russo ou reificado (por Stálin), é que
"sua finalidade é transcender qualquer política particular
[... ] e realizar um projeto filosófico por cima das cabeças (ou
pelas costas) dos participantes. Sua justificação está em sua
pretensão de transcender a auto-consciência (alienada) deles
em nome da verdadeira verdade real. É a política como anti-
política" .116

Deste ponto de vista, a despeito das distinções entre a


persuasão do partido e a coerção (na formulação de Tu-
cker) ou a linguagem da razão versus a da magia, é inegá-
vel que Lênin foi quem criou a possibilidade para a culmi-
nação da "hipótese de Marx de que a classe trabalhadora
tem um conhecimento privilegiado do propósito final da
história na asserção de que o Camarada Stálin está sempre
certo" .117 Lênin apresentou e implementou uma doutrina
carismática de regeneração humana universal, uma Nova
Fé (como Czeslav Milosz chamou o bolchevismo) baseada
na "faculdade humana arquetípica de imbuir o lar e a co-
munidade, e portanto o novo lar e a nova comunidade, de
significado supra-humano ritual" .118 Numa análise final, o
leninismo foi o filho de três mães: o Iluminismo, com seu
foco na razão e no progresso; a teoria social e o projeto
de transformação histórica do mundo, de Marx; e a tra-
dição revolucionária russa, com seu niilismo utilitário e
uma visão socialista quase religiosa da transformação da
humanidade.

186
CAPÍTULO 3

Com este pedigree intelectual em mente, tem-se de ser


muito cauteloso ao se escrever o obituário definitivo do
leninismo. Sim, como modelo de socialismo russo, está
exaurido, mas há algo no leninismo - se quiserdes, seu
pathos anti-democrático, coletivista, associado à inven-
ção do partido como um corpo místico que transcende os
medos, angústias, desespero, solidão individuais e assim
por diante - que permanece conosco. Todas as persona-
gens políticas na Rússia pós-soviética - todos os partidos,
movimentos, e associações - definem-se, e têm de fazê-lo,
em relação aos legados de Lênin. A esse respeito, como
um princípio organizacional, mas não como uma visão
de mundo, o leninismo está vivo, se não bem. Ideologi-
camente está extinto, é claro, mas não desapareceu seu
repúdio à deliberação democrática e desprezo pelos "va-
lores burgueses sentimentais". Isto é porque o culto à or-
ganização e o desprezo pelos direitos individuais são parte
integrante de uma direção dentro da "tradição russa ". A
memória russa inclui uma pluralidade de tendências, e de-
ve-se evitar qualquer tipo de taxonomia maniquéia. Não
há dúvida de que, como notou o filósofo existencialista
cristão Nikolai Berdyaev, há algo profundamente russo no
amor pela revolução suprema, universalmente catártica,
redentora, o que explica por que Lênin e seus seguido-
res (incluindo os filósofos altamente requintados Georg
Lukács e Ernst Bloch) abraçaram certa direção cataclís-
mica, messiânica, absolutista dentro da tradição mancis-
ta.119 A revolução bolchevique foi, na verdade, a expres-
são da obsessão dos intelectuais russos por "uma versão
de uma sede pelo sagrado com uma repulsa concomitante
contra o profano, uma luta de valores que pode ser vista
num paradigma anterior, a narrativa de Cristo lançando o
dinheiro dos cambistas para fora do templo" . 120 Em sua
práxis revolucionária, Lênin, como formulado de maneira
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

famosa por Robert C. Tucker, "fez casar a velha imagem


de duas Rússias guerreiras com o marxismo" .121 O leninis-
mo "não foi apenas uma resposta revolucion.ária às iniqüi-
dades do estado tsarista e à injustiça social endêmica do
liberalismo capitalista, mas também uma reposta à crise
da modernidade". 122
Ao mesmo tempo, deve-se colocar o leninismo em opo-
sição a outras versões do marxismo, que eram ao menos
tão legítimas, se não mais legítimas do que a doutrina bol-
chevique. Não é de maneira nenhuma auto-evidente que
se pode obter a lógica genocida dos gulags dos postulados
universalistas de Marx, ao passo que é muito claro que
muito do sistema stalinista existia em embrião na Rús-
sia de Lênin. Juntamente com Robert C. Tucker, devemos
reconhecer a natureza heterogênea da própria tradição
bolchevique e evitar a tentação de "determinismo retros-
pectivo". Assim, o Lênin de Stálin foi apenas uma das pos-
sibilidades implicadas no projeto de leninista.
Agora, ao lidar com o impacto das idéias e práticas rus-
sas no Ocidente, há sempre um problema: a que tradição
russa nos referimos? 123 A dezembrista ou a autocrático-tsa-
rista? Cernyshevsky ou Herzen? Chaadaev ou Gógol? Tur-
guêniev ou Dostoiévski? Os humanistas que se opuseram
aos pogroms e ao libelo de sangue ou os Cem Negros? O
escritor liberal Vladimir Korolenko ou o reacionário tsa-
rista Konstantin Pobedonostsev? O cenário apocalíptico
bolchevique ou o socialismo evolucionário menchevique?
A rejeição terrorista no estilo de Nechaaev do status quo,
a auto-flagelação e ultraje perpétuos da intelligentsia, ou
a visão dissidente de uma pólis tolerante? Mesmo dentro
da cultura dissidente, sempre houve uma tensão entre os
liberais e os nacionalistas, entre os partidários de Andrei
Sakharov e os de lgor Shafarevitch, entre as inclinações
eslavófilas de Soljenítsin e o universalismo democrático de

188
CAPÍTULO 3

Sergey Kovalev. 124 Todas essas questões permanecem tão


perturbadoras agora quanto foram cem anos atrás. Uma
vez mais, a Rússia é confrontada com as questões exter-
nas "o que se deve fazer?" e "quem deve ser culpado?".
Reconhecendo isso ou não, todos os participantes do de-
bate são assombrados pela presença inescapável de Lênin.
Lênin foi a personalidade política russa mais influente do
século XX, e, para os leste-europeus, a influência de Lê-
nin levou à completa transformação de seus mundos. Se-
ria fácil dizer simplesmente que o leninismo sucumbiu aos
acontecimentos e 1989-91, mas a verdade é que o bolche-
vismo residual continua a ser um componente importante
da cultura de transição híbrida da Rússia pós-soviética (e
da Europa Centro-Oriental).
Para retornar a nosso dilema inicial acerca da interpre-
tação adequada do experimento soviético, tem-se de riscar
uma linha final e perguntar: o que foi único em Lênin, a
sua invocação extraordinária? Qual foi a substância de
sua ação transformadora? Creio que aqui Jowitt, e não
Zizek, deu a resposta exata. O partido de vanguarda caris-
mático, feito de revolucionários profissionais, foi inventa-
do por Lênin mais de cem anos atrás, em 1902, quando es-
creveu seu texto mais influente, O que fazer?. Lars Lih não
concorda com a "interpretação de manual" do leninismo
(o papel pedagógico predestinado da vanguarda revolu-
cionária, i.e., o Partido Comunista) e insiste que muitos,
senão a maior parte dos social-democratas no começo do
século XX, estavam convencidos da necessidade de trazer
"de fora" a consciência de classe.125 De acordo com Lih,
a investida da crítica provinda de outros socialistas era
destinada não a O que se deve fazer, mas, ao contrário, à
sua "Carta a um camarada", escrita em setembro de 1902,
e especialmente Um passo para a frente, dois para trás,
publicado na primavera de 1904. Mas este "tratamento
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de injeção" (trazer de fora a consciência, despertando um


proletariado adormecido) não foi a investida da principal
revisão de Lênin do marxismo clássico: não foi ação edu-
cacional per se, mas, ao contrário, era a natureza do agente
pedagógico que importava na narrativa. Este "partido de
um novo tipo" simbolizava o que Antonio Gramsci mais
tarde chamaria o "Novo Príncipe": uma nova figura da
política que absorve e incorpora a vida independente da
sociedade até o ponto de osmose definitiva ou asfixiação.

Bolchevismo como messianismo político


Lênin criou uma mística do partido como o repositó-
rio último da sabedoria estratégica, uma "comunidade de
santos" dedicada a produzir o milênio cataclísmico: foi
o agente histórico, pois compreendia os revolucionários
profissionais, aqueles que, ao reunirem suas faculdades de
pensar e agir, reconquistaram "a graça do ser original har-
monioso" .126 Uma afirmação diz muito acerca da entidade
totêmica que ele queria criar: "acreditamos no partido, ve-
mos nele a razão, a honra e a consciência de nossa época
[... ], a única garantia para o movimento de liberação da
classe trabalhadora" .127 Para os bolcheviques,
"como Cristo, o partido era, a um e mesmo tempo, uma
instituição real de uma idéia encarnada. A formação do Partido
foi o Primeiro Advento; não apreciado totalmente por uma
classe trabalhadora imatura, anunciou um Segundo Advento e a
apoteose da consciência dos trabalhadores, ponto em que todos
os trabalhadores se juntariam ao Partido, tornando-o, assim,
supérfluo. O significado escatológico do Partido explicava o
zelo com que os marxistas lhe guardavam a pureza" .128

Lênin desenvolveu uma visão exclusivista da unidade


do partido, fundada numa adesão inabalável à linha dou-
trinal estabelecida e não numa concordância consensual
acerca dos princípios ideológicos principais. Para ele, este
era "a unidade dos marxistas, não a unidade com os ini-
CAPÍTULO 3

migos e deformadores do marxismo". 129 Como mostrei, a


má vontade em compactuar com a interpretação da histó-
ria é uma das características fundamentais da sacralização
da política.
O leninismo foi uma forma de messianismo moderno
intolerante com realidades que escapam a seu panorama
ideológico. Foi uma receita de produção para o "cenário
do drama a da redenção milenarista" do Manifesto Comu-
nista.130 Os revolucionários profissionais que fizeram "o
partido de um novo tipo" eram, de acordo com Yury Pia-
takov, "homens de milagres" trazendo à vida "aquilo que é
considerado impossível, não realizável e inadmissível [...].
[S]omos pessoas de temperamento especial, sem nenhuns
equivalentes na história, precisamente porque tornamos
possível o impossível" .131 Portanto, o partido era a encar-
nação da razão histórica e os militantes esperavam execu-
tar suas ordens sem hesitação ou reserva. A disciplina, o
segredo e a hierarquia rígida eram essenciais a tal partido,
especialmente durante atividades clandestinas {como aque-
les na Rússia). O principal papel do partido era despertar
a auto-consciência proletária e instilar a doutrina (fé) re-
volucionária no proletariado dormente. Esta era a missão
salvífica do partido, e por causa dela o partido era a encar-
nação da liberdade. Em vez de confiar no desenvolvimen-
to espontâneo da consciência entre a classe trabalhadora
industrial, o leninismo via o partido como um agente ca-
talisador que trazia conhecimento, vontade e organização
revolucionários às massas exploradas. 132 O poeta futurista
Vladimir Maiakovsky estava certo quando disse:
Quando dizemos Lênin
Queremos dizer o Partido
E quando dizemos o Partido
Queremos dizer Lênin. 133
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Primeiro o leninismo, depois o stalinismo, codificaram


o empenho total a um cenário apocalíptico dedicado a tra-
zer não apenas um novo tipo de sociedade, mas também
um novo tipo de ser humano. 134 Com essa ambição de
iniciar uma revolução antropológica, o marxismo pode
ser considerado como uma forma de radicalismo utópico
- utópico porque é basicamente orientado para o futuro e.
despreza as características perenes da condição humana;
radical enquanto visa a transformar o corpo político e es-
tabelecer uma forma de organização totalmente diferente
de todas as prévias. Ademais, em sua aplicação bolche-
vique, este radicalismo utópico tornou-se "um conjunto
de valores e crenças, uma cultura, uma linguagem, novas
formas de fala, costumes mais modernos e novas manei-
ras de comportar-se em público e em privado". E o nome
sob o qual tudo isso se reuniu foi stalinismo - uma civi-
lização auto-identificada separada e superior.135 Portanto,
o marxismo-leninismo como ideologia confiava em dois
mitos mutuamente condicionantes: um de sustentação (o
primeiro estado dos trabalhadores com seu corolário na
Grande Revolução de Outubro) e um escatológico (a re-
alização do comunismo). 136 De acordo com esses mitos, a
coletividade de Marx auto-determinada, seres quase divi-
nos que se submetem a "uma transformação perpétua que
não conhece limites e se esforça continuamente para avan-
çar", alcançou seu kairos, obtendo o destino último pre-
figurado pela história. Este conto triunfante da renovação
da humanidade foi fornecido apenas pela renúncia e auto-
-sacrifício à vontade do líder (ainda incondicional). 137 Foi
a resposta "científica" ao paradoxo da teodicéia intrínseca
ao marxismo: a questão escatológica era identificada, mas
sua maioridade precisava de uma liderança - a interven-
ção kautskiana de fora, o partido de Lênin de um novo
tipo e, por que não, afinal, a revolução de Stálin, de cima.
CAPÍTULO 3

O marxismo-leninismo foi a fórmula empregada para re-


conciliar a autoridade racional cada vez mais aumentada
do mundo com a aspiração por liberdade individual.
O partido leninista está morto (é muito irônico que
os epígonos do estilo de Gennady Z yuganov do Partido
Comunista da Federação Russa combinem ortodoxia es-
lavófila, xenofobia, imperialismo e nostalgia bolchevique
numa mistura coletivista barroca, nacionalista e igualitá-
ria).138 Mas o culto do partido como uma instituição sa-
grada, a visão sectária de uma comunidade de indivíduos
virtuosos, ascéticos e justos, dedicados desinteressadamen-
te a melhorar a vida da humanidade e erigir aqui e agora
o "Palácio de Cristal" de Nikolai Chernyshevsky, não está
extinto. 139 Isto explica a natureza das transições pós-co-
munistas onde iniciativas de baixo ainda são marginais e
o centro do poder permanece, em muitos casos, conspira-
tivo, secreto e não-democrático como era nos tempos pré-
-leninistas e leninistas. Isso está fadado a ser assim? Mi-
nha resposta é provisoriamente negativa; afinal de contas,
o monólito está quebrado, falhou o sonho do comunismo
como o reino de Deus secular. No entanto, permanece o
desafio de reconciliar-se com os legados de Lênin e reco-
nhecer que o sovietismo não foi imposto por alienígenas
extra-terrestres a uma intelligentsia inocente, mas, antes,
encontrou suas causas, origens e fundamentos mais pro-
pícios nos segmentos radicais da cultural política russa. 14º
Dito de maneira simples, a Terceira Internacional e o gran-
de cisma dentro do movimento marxista mundial foram as
conseqüências do gesto desafiador de Lênin, sua tomada
do poder no outono de 1917. Sua determinação em forçar
a revolução socialista sobre o império tsarista, e, implici-
tamente, sobre o mundo, disparou o começo da época de
políticas totalitárias. E sua perseverança seria emulada por
outros. Rosa Luxemburgo de novo antecipou o significado

193
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do empurrão bolchevique para o poder do estado: "A in-


surreição de outubro não foi apenas a salvação verdadeira
da Revolução Russa: foi também a salvação da honra do
socialismo internacional" .141 Na verdade, até 1989, a Re-
volução de Outubro permaneceu o pilar simbólico central
do movimento comunista mundial.
As duas cartas que Lênin enviou ao Comitê Central
Bolchevique em 15 de setembro de 1917 ("Os Bolchevi-
ques têm de assumir o poder" e "Marxismo e Insurrei-
ção") sumariam a patologia voluntarista do político que
haveria de empestar o resto do século:
"A história nunca nos perdoará se não assumirmos
agora o poder [... ]. Teremos de vencer absolutamente e
inquestionavelmente [... ].Nossa vitória é assegurada porque
as pessoas estão fechadas no desespero e estamos mostrando
a todo o povo uma saída [... ]. A maioria das pessoas estão
do nosso lado[ ... ]. Seria cândido esperar por uma maioria
'formal'; nenhuma revolução jamais espera por isso" .142

Hitler compartilhava dessa auto-prerrogativa, pois ele


também estava convencido de que as políticas mundanas
deveriam ser sacrificadas no altar da revolução total:
"Estamos ávidos por poder, e o tomaremos onde quer
que possamos apanhá-lo [... ]. Onde quer que vejamos uma
possibilidade de avançar, iremos! [...] Quem quer que nos
permita subir em seus casacos não poderá nunca mais livrar-
se de nós" . 143

Parafraseando Claude Lefort, assim o leninismo como


o fascismo identificaram-se com a revolução como um
momento irreversível de rompimento com o passado e de
criação de um mundo totalmente novo. Neste sentido são
mutações cósmicas de estrutura simbólica.
A tomada bolchevique do poder em outubro de 1917
inaugurou um período de guerra ideológica global que
pode ter chegado a um fim apenas com o colapso da URSS

194
CAPÍTULO 3

em 1991 (A "era dos extremos", como Eric Hobsbawn


chama esta época, ou, para empregar o termo de George
Lichtheirn, mais tarde adotado por Ernst Nolte, "a guer-
ra civil européia"). Por causa de Lênin, nasceu um novo
tipo de política no século XX, uma política fundada no
fanatismo, no elitismo, na devoção inabalável a uma cau-
sa sagrada, e numa submissão total da razão crítica por
meio da fé numa "vanguarda" auto-apontada de ilumina-
dos rnilitantes. 144 A proclamação exaltada de Clara Zetkin
no Terceiro Congresso do Partido da KPD (o Partido Co-
munista Alemão) em 1923 refletia o ethos de uma nova
religião política em nascimento: "Tirai vossos sapatos! O
solo em que estais é solo sagrado. É um solo santificado
através da luta revolucionária [e] os sacrifícios revolu-
cionários do proletariado russo" .145 Com Lênin, o ativis-
ta tornou-se um revolucionário profissional (a despeito
das raízes intelectuais ou proletárias - Heinz Neurnann
ou Ernst Thalmann no KPD; Gheorghiu-Dej, Ana Pauker,
David Fabian, ou Lucretiu Pãtrã~cau no Partido Comunis-
ta Romeno). Daí o fanático revolucionário ter procurado
a salvação na elevação dos movimentos de rnassa. 146 Ele
era um soldado agindo numa identidade virtuosa, de pou-
co adquirida, validada pela justiça da missão mundial. 147
Num livro importante, Claude Lefort, o notável filóso-
fo político francês, 148 propõe uma tese deliberadamente
controversa. Envolvendo-se numa polêmica com François
Furet e Martin Malia, Lefort afirma que o bolchevismo
(ou, em geral, o comunismo do século XX) não foi sim-
plesmente urna miragem ideológica.149 A ideologia impor-
tava enormemente, como demonstrado por Soljenítsin,
acerca de quem Lefort escreveu amplamente. Mas a pai-
xão ideológica sozinha, ou a vontade de impor um plano
utópico não pode explicar a longevidade e intensidade do
fenômeno comunista. No espírito da sociologia francesa

195
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

(Emile Durkheim e Marcel Mauss), Lefort asseverava que


seria frutífero considerar o comunismo como um "fato
social total". O sistema totalitário não pode ser visto ape-
nas como uma super-estrutura emocional- intelectual, mas
também como uma reunião institucional inspirada por es-
sas paixões. Em outras palavras, não é o marxismo ori-
ginal formado na tradição revolucionária ocidental que
explica a tragédia soviética, mas, ao contrário, a mutação
introduzida por Lênin.
Há, indubitavelmente, uma tentação autoritária no co-
ração do projeto marxista, mas a idéia do partido extre-
mamente militarizado, sectário e ultra-centralizado, com-
posto de uma minoria de "escolhidos" bem informados
que possuem a gnose quando pregam retórica igualitária
para as massas, está diretamente ligada à intervenção de
Lênin na evolução da democracia social européia e russa.
A novidade revolucionária de Lênin consiste no culto do
dogma e na elevação do partido como o único intérprete
legítimo da verdade revelada (uma característica dos mo-
vimentos totalitários revolucionários de direita):
"Mesmo quando não era nem um partido monolítico nem
um partido único, ele combinava potencialmente essas duas
característica porque representava o Partido como Um, não
um partido entre outros (o mais forte, o mais audaz entre
eles), mas o partido cujo objetivo era agir sob o impulso de
uma única vontade e não deixar nada fora de sua órbita, em
outras palavras, fundir-se com o estado e a sociedade" .15º

Ademais, Lefort enfatizou como característica defini-


dora do totalitarismo de esquerda o papel prescritivo da
Palavra supostamente revelada: "O Texto [Écrit] deveria
responder a todas as perguntas que emergiam no curso
das coisas. Apresentando-se imediatamente como a ori-
gem e o fim do conhecimento, o Texto exigia certo tipo
de leitor: o membro do Partido Comunista" .151 De fato,
CAPÍTULO 3

Lênin levou ao extremo a idéia de uma relação privile-


giada entre "teoria revolucionária" e "prática". Esta últi-
ma constitui (substancia) a si mesma na figura do partido
presumivelmente infalível, guardião de uma omnisciên-
cia ("infalibilidade epistêmica", para usar um termo de
Giuseppe di Palma) que define e exorciza qualquer dú-
vida como forma de traição. O partido foi investido de
características demiúrgicas, praticamente substituindo a
classe revolucionária - uma elite investida pela história
com a missão de salvação da humanidade por meio da
revolução. Robert C. Tucker diagnosticou corretamente a
invenção de Lênin:
"Revoluções não vêm simplesmente, asseverava ele, elas
têm de ser feitas, e o fazer delas exige uma organização de
revolucionários adequadamente constituída e funcionando.
Marx proclamou a vinda inevitável e iminente da revolução
socialista proletária mundial. Lênin viu que a vinda não era
nem inevitável nem necessariamente iminente. Para ele-e isto
foi uma idéia básica enfatizando a carta fundamental de seu
bolchevismo, embora nenhures ele a tenha formulado nessas
palavras - não havia nenhuma revolução fora do partido.
Nulla salus extra ecclesiam" .152

Em oposição a esses autores que ainda estão prontos a


conceder ao marxismo e mesmo ao leninismo certa legiti-
midade em seus redamos de pedigrees liberal-democráti-
co, é essencial reconhecer (juntamente com Lefort) 153 que
o bolchevismo foi inerentemente inimigo das liberdades
políticas. Não é um desvio acidental do projeto democrá-
tico, mas sua antítese lógica, direta e inequívoca. Então
Lefort cita Alexis de Tocqueville: "Outorgar o epíteto de
democrático a um governo que nega a liberdade política
a seus cidadãos é uma absurdidade flagrante". A aniquila-
ção da democracia dentro da prática leninista é determi-
nada pela natureza do partido como um substituto secular
para a unificação da mística totalizante no corpo político

197
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do soberano absoluto (o rei medieval). Em outras pala-


vras, o modelo leninista rompe com a tradição Iluminista
e repõe a homogeneização integral do espaço social como
um ideal político e pragmático. De acordo com Lefort, o
princípio organizacional fundamental do comunismo foi
"o Povo como Um" - a regra de ouro da unidade da nova
sociedade:
"Nega-se que a divisão seja constitutiva da sociedade. No
assim chamado mundo socialista, não pode haver nenhuma
outra divisão do que a entre o povo e seus inimigos: uma
divisão entre dentro e fora, nenhuma divisão interna. Depois
da revolução, o socialismo não deve apenas preparar o
caminho para a emergência de uma sociedade sem classes;
tem já de dar provas daquela sociedade que tem dentro de si
o princípio da homogeneidade e da auto-transparência" .154

Sob tais circunstância, é difícil ver um caminho para


democratizar regimes leninistas, precisamente porque a
intenção original da doutrina era organizar a dominação
total. O comunismo foi de fato uma versão desviada da
modernidade, embora muito real, uma tentativa de rea-
lizar um novo espaço de mundo (espace-monde) onde a
diferença entre Eu e Tu se dissipou no partido: "A única
concreção do social" (para citar Lefort).
Aqui está a essência da questão leninista (ou comu-
nista): a instituição do partido único, monolítico, que
emerge como uma "fortaleza sitiada" depois de 1903 (o
grande cisma entre bolcheviques e mencheviques) ganhou
dimensões planetárias depois de 1917. O marxismo, con-
vertido e ajustado por Lênin, cessou de ser uma doutrina
revolucionária destinada a obter ou conceber (begreifen)
a realidade e tornou-se um corpo ideológico que exige
dos militantes uma disciplina de ação que os torna "mem-
bros de um corpo coletivo". Então o bolchevismo acres-
ce~tou às mitologias do século XIX algç novo: a inclusão
CAPÍTULO 3

do poder num tipo de representação que define o partido


como uma entidade mágica. É então importante manter
em mente o significado das estruturas simbólicas e políti-
cas do leninismo, os suportes que permitiram seu sucesso
como um estado ideológico (Weltanschauungstaat). Não
importa como a vejamos, a celebração de Lênin do status
predestinado do partido, juntamente com sua insistência
obsessiva em formas conspiratórias de organização ("cé-
lulas" revolucionárias) e o culto da arregimentação faná-
tica, iniciaram uma nova forma de radicalismo político
irrevogavelmente oposta à tradição liberal individualista,
ou, a esse respeito, ao socialismo (liberal) democrático
anti-autoritário. A Weltanschauung do leninismo foi tão
intolerante e exclusivista como a do fascismo: exigia "o
reconhecimento completo assim como a adaptação com-
pleta da vida pública a suas idéias" .155 No século XX,
o leninismo e o fascismo provocaram um "alargamento,
intensificação e dinamização sem precedentes do poder
político", 156 com o propósito de transformar radicalmen-
te o mundo. ·
Com isso em mente, concluiria que o "retorno a Lênin"
proposto por Slavoj Zizek significa simplesmente um re-
torno a uma política de irresponsabilidade, a ressurreição
de um fantasma político cujos legados estão relacionados
à limitação, e não à expansão do experimento democráti-
co. A.final de contas, foi Lênin quem suprimiu a democra-
cia direta na forma de concelhos, dissolveu o parlamento
russo embrionário e transformou o terror num instru-
mento privilegiado de preservação do poder. Zizek parece
adotar, e verdadeiramente gozar, o papel da personagem
de Thomas Mann, o jesuíta Leo Naphta: um oráculo da
ressurreição do que se poderia chamar le désir de révolu-
tion. Em sua,defesa do leninismo, Zizek advoga na verda-
de a reabilitação de experiências quiliásticas, soteriologias

199
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

seculares e messianismo visionário, tudo para reconquis-


tar a "atmosfera paulina autenticamente apocalíptica". Si-
multaneamente, no entanto, ele (e outros que imitam sua
alegação) não parece importar-se com os túmulos em mas-
sa que as pessoas continuam a descobrir onde quer que o
ideal leninista, numa forma ou outra, foi implementado.
Quando Hitler destruiu o sistema constitucional de Wei-
mar e aboliu todas as "liberdades burguesas", ele imitou o
precedente bolchevique da emergência permanente como
uma justificação para legitimar a destruição da legalidade
e eliminar (incluindo a aniquilação física) todos os que
considerava como obstáculos "objetivos" à construção
de uma comunidade orgânica perfeita. A despeito de sua
pretensa racionalidade, os bolcheviques, "sem constran-
gimento pelas preocupações de legalidade ou quaisquer
freios ao poder executivo, estavam particularmente pro-
pensos a recorrer à força bruta" .157
Na União Soviética, na Itália fascista e na Alemanha
nazista, a abolição do estado pré-revolucionário criou
"a pré-condição institucional para a radicalização cumu-
lativa. Organizações flexíveis, extra-legais e extra-buro-
cráticas institucionalizaram o terror contra os inimigos
fictícios; a ficção de uma civilização futura e um novo
sentido moral qµe a legitimou" .158 A nova ordem da uto-
pia no poder abriu as portas para urna espécie de "da-
rwinismo institucional" definido pelo "ativismo político
que ocorreu por si mesmo, ou ao menos sem uma dire-
ção imediata" do poder central (o líder ou o partido ).159
Este pr0cesso pode explicar assim a escalada do terror
como a corrupção organizacional e, por fim, a derrocada
desses movimentos políticos totalitários. A diferença fun-
damental com relação ao nacional-socialismo (mas não
tanto com o fascismo de Mussolini, considerando que ele

200
CAPÍTULO 3

sobreviveu por pelo menos duas décadas) foi que Lênin


e Stálin "conseguiram não apenas uma revolução social,
mas as condições de uma ordem política estável" .160 Ber-
trand Russel em The Practice and Theory of Bolshevism,
escrito depois de seu retorno da União Soviética em 1920,
diagnosticou a realidade assassina que jazia no coração
da invenção política de Lênin, o espectro que profetas
contemporâneos da irresponsabilidade como Zizek esco-
lheram desprezar: "Senti que tudo o que eu valorizava
na vida humana estava sendo destruído no interesse de
uma filosofia prolixa e estreita, e que no processo se es-
tava infligindo uma miséria inaudita em muitos milhões
de pessoas" .161 Uma vez vitorioso em 1917, Lênin abriu
a caixa de Pandora. Pelo final do século XX, tudo o que
encontramos foi tirania e derramamento de sangue onde
quer que sua exploração histórica do mundo foi emulada,
desde Xangai até Rostock.

201
CAPÍTUL04
A DIALÉTICA DO DESENCANTAMENTO
MARXISMO E DECADÊNCIA IDEOLÓGICA
NOS REGIMES LENINISTAS

Em muitos aspectos sociais pode ser defeituoso o sistema


ocidental, mas é, afinal de contas, um sistema democrático
em total funcionamento, não uma ditadura. Concordaria
certamente que as democracias ocidentais também estão agora
sem um sistema de valores universalmente aceito, mas embora
a perda de tal sistema numa democracia viva seja equilibrada
pela interação de uma grande variedade de instituições
democráticas, a perda da ideologia numa sociedade totalitária
significa o colapso total da moralidade dessa sociedade,
porque a única justificação da regra totalitária é a ideologia
em que se baseia.
Zdenek Mlynár (in Communist Reformation, ed. George
Urban)

Os regimes comunistas foram ideocracias partocráticas


(como examinado por autores como Leonard Schapiro,
Alain Besançon, Martin Malia, Richard Pipes, Orlando Fi-
ges e Stephen Kotkin). Sua única reivindicação de legitimi-
dade foi puramente ideológica, ou seja, obtida do sistema
de crenças organizado, partilhado pelas elites e inculcado
nas massas que o partido beneficiou com acesso especial à
verdade histórica. Se estiver correta esta interpretação, en-
tão a desradicalização, o declínio da energia auto-gerada,
primeiramente no campo do monopólio ideológico, leva
a uma vulnerabilidade crescente. O desaparecimento do
líder supremo (Stálin, Mao, Enver Hoxha ou Tito) sempre

203
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

anunciou a anarquia ideológica e perda da auto-confian-


ça entre os governantes. Kenneth Jowitt apontou correta-
mente que "há uma tendência constante no leninismo para
líderes executivos fortes" .1 Algumas vezes, no entanto, os
partidos comunistas invocam também a liderança de um
profeta semelhante a um messias, um guia carismático. 2
Os casos de Stálin e Mao são os mais óbvios, mas Nico-
lae Ceau~escu, Enver Hoxha, Ho Chi Minh, Kim 11-sung e
outros também vêm à mente. Desenvolvendo o argumento
de Jowitt, podemos observar a seguinte tendência: numa
tentativa de confirmar e sustentar permanentemente o
"impersonalismo carismático" do partido sob o comunis-
mo (particularmente em suas metamorfoses stalinistas), a
magia, o milagre e o misticismo se fundiram em regimes
totalitários que aparentemente eram cientificamente jus-
tificados. Na verdade, eram ideologias quiliásticas, dou-
trinas redentoras envolvidas numa máscara racionalista,
religiões políticas baseadas em seu sentido de pecado
original, queda da humanidade, tormento histórico e sal-
vação final. Tentativas de restaurar os "valores traídos"
do projeto original (Nikita Krushev, Mikhail Gorbachev)
levaram a uma desordem ideológica, a uma mudança de
mentalidade entre os partidários anteriores, à deserção
das "fortalezas" da parte dos intelectuais críticos, à crítica
aos velhos dogmas, ao despertar, a um rompimento com o
passado, e, afinal, à apostasia. Se compararmos os experi-
mentos leninistas com as utopias revolucionárias fascistas,
é notável a ausência de uma tentação de revisão dentro
do fascismo. Com pouquíssimas exceções, como a dos ir-
mãos Gregor e Otto Strasser (nazistas de primeira hora
que romperam com o governo de Hitler pouco depois de
este tomar o poder), não houve nenhum nazista desencan-
tado. A conspiração contra Hitler em 1944 foi fomentada
por aristocratas conservadores e luminares militares que

204
CAPÍTULO 4

queriam evitar uma derrota acachapante diante dos Alia-


dos e uma ocupação muito temida do Exército Vermelho. 3
Este capítulo examina as aventuras do marxismo críti-
co nos regimes de estilo soviético e seu impacto corrosivo
no centro de Moscou durante os anos de 1970 e parti-
cularmente nos anos de 1980. Ademais, conceptualizo o
fenômeno Gorbachev como uma culminação do ethos re-
visionista num bloco socialista, que muda implicitamente
o foco de minha contribuição para os paradoxos e falácias
jnerentes da Perestroika. Esta última é percebida como
inerente à incompletude da promessa de mudança da par-
te do revisionismo marxista leste-europeu. No entanto, de
maneira nenhuma nego o papel deste período fascinante
de história intelectual e política em apresentar uma lição
fundamental acerca do papel das idéias na desintegração
de regimes autoritários de persuasão leninista. Tal desen-
volvimento auto-crítico teria sido impensável sob o regi-
me nazista, como já mostrado nos capítulos anteriores.
Meu ponto de vista é que o impacto do marxismo re-
visionista e dos intelectuais críticos dificilmente pode ser
superestimado, e que este impacto é uma das principais
distinções entre comunismo e fascismo. A aventura do re-
visionismo levou esses intelectuais para além do paradig-
ma outrora venerado, o marxismo crítico transformou-se
em pós-marxismo e, mesmo, como no caso de Kolakowski,
em anti-marxismo liberal. Em seu livro apaixonante acer-
ca da intelligentsia soviética do pós-guerra, o historiador
Vladislav Zubok conclui que a narrativa deste grupo, que
é crucial para compreender o destino do leninismo no sé-
culo XX, foi acerca do "desaparecimento doloroso e lento
de seu idealismo e otimismo romântico-revolucionário,
sua fé no progresso e na iluminação do povo". Ele enfa-
tiza que "os filhos de Jivago passaram suas vidas numa

205
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

'viagem da costa da Utopia' para o mar aberto turbulento


do auto-descobrimento individual" .4 ·

Entre a intelligentsia soviética e do leste-europeu, o


marxismo se mostrou insatisfatório em sua ambição mais
poderosa de responder de urna maneira positivamente en-
volvente ao desafio da modernidade democrática, e rees-
truturar a própria imaginação democrática:
"Portanto, com um gesto resoluto de desprezo, Marx
varreu todas as particularidades: os interesses dos camponeses,
das classes médias, das nações e do colonialismo. Este
universalismo absoluto fez de Marx particularmente insensível
às questões políticas em geral, e à política democrática em
particular. A política democrática é um dos componentes
básicos da modernidade, e, quando Marx falhou em lidar
com este problema, sua teoria pioneira de modernidade foi
drasticamente reduzida. Pode-se especular quanto ao por
que um homem de gênio, que descobriu e analisou tantas
características básicas da modernidade, não era no mais mínimo
grau superior a qualquer de seus contemporâneos socialistas
sempre que embarcava na discussão de problemas políticos.
Quando se tratava de política, seu gênio invariavelmente o
decepcionava. O estilo bombástico de seus escritos políticos, a
vagueza de suas idéias políticas, o viés de seus julgamentos e a
mitologização de seus heróis favoritos lançava Marx de volta
a um período e às suas aparências: a época da Revolução
Francesa e do Bonapartismo, precisamente aquele período
cujos costumes ideológicos Marx procurou desacreditar tão
vigorosamente". 5

Sustento que apenas a reinvenção da política operada


pelo movimento dissidente poderia oferecer a possibi-
lidade de obter uma verdadeira democracia e completa
liberdade na Europa Oriental e na União Soviética. A
análise proposta representa uma revisão e um desenvol-
vimento de minhas teses acerca do papel do desencanto
ideológico no declínio final (desradicalização) dos regi-
mes leninistas como formuladas nos anos de 19 8O e co-
meços de 1990. 6

206
CAPÍTULO 4

Muitas gerações amadureceram politicamente na Europa


Oriental e na União Soviética, assimilando uma promessa
radical de redenção universal, igualdade verdadeira e eman-
cipação. A civilização construída e exportada pelos bolche-
viques tinha uma ambição totalizadora que compreendia
todas as esferas da vida. No começo dos anos de 1980, o
escri~or dissidente exilado Andrei Sinyavsky sustentou que
esta modernidade intolerante alternativa era uma
"estrutura [... ] durável, estável [... ] [que] aumentou o
interesse e a atenção do mundo, como, talvez, o fenômeno
mais incomum e inspirador de receio [groznoe] do século XX.
É inspirador de receio, porque faz exigências para o futuro de
toda a humanidade e [...] se considera como um ideal e como a
conclusão lógica do desenvolvimento da história do mundo" .7

Essa idealização do leninismo foi primeiro e acima de


tudo montada na fé. A emancipação de tal convicção radi-
calmente transformadora se tornou uma odisséia sinôni-
ma com a história do comunismo. Como disse um filósofo
soviético: "Resisti longa e ferozmente, até que tive de en-
tregar-me ante... a própria vida [minha ênfase]" .8
O marxismo em sua metamorfose leninista foi imposto
como a filosofia por excelência, a única visão de mundo
científica, o complemento espiritual da evolução tecno-
-industrial da sociedade. Guiou ciumentamente, inspirou
e motivou o desenvolvimento político-intelectual das so-
ciedades do leste europeu. Regulou-lhes o principal corpo
político, filosófico, ético e estético de hipóteses, teses, va-
lores, normas e opiniões. Ademais, sob as circunstâncias
específicas do período stalinista, o marxismo converteu-
-se .n um materialismo dialético (Diamat), um simulacro
do jargão dialético combinado com exigências pseudo-
-científicas. Este último foi gradualmente instituído numa
ortodoxia monopolista imaginada de acordo com as exi-
gências de dogmas religiosos a priori auto-suficientes, não

207
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

contraditórios e infalíveis. Concebido como tal, trouxe um


reforço contínuo de vida espiritual nos países do leste euro-
peu, assim como uma contra-reação normal, absolutamente
lógica de recusa e insatisfação com as idéias prevalecentes.
A Weltanschauung pragmático-funcionalista stalinista
teve sucesso em enfatizar como totalmente certas e ver-
dadeiramente axiomáticas algumas teses dos primeiros
escritos de Karl Marx, A Ideologia Alemã (como o de-
terminismo econômico e a suposição de que as idéias do-
minantes dentro de uma organização social são as idéias
do grupo hegemônico). Tomou também várias posições
materialistas cândidas defendidas e promovidas por Lê-
nin em Materialismo e empiriocriticismo e, acima de tudo,
a representação vulgar de Lênin dos partidos filosóficos.
Sob Stálin, a dialética sofreu uma metamorfose estranha,
um processo de refuncionalização, cujo resultado foi sua
transformação numa mera arma ideológica, num instru-
mento mitológico apoiando cada passo político do regi-
me, cada mudança de tátiça. Robert C. Tucker, em sua
tentativa de entender a urgência de Stálin em dominar as
supostas leis objetivas do desenvolvimento sócio-econô-
mico, apontou para sua adoção de
"uma atitude legislativa para com a realidade [... ].
[Aquilo] a que ele se referiu como 'leis científicas objetivas'
eram uma externalização de seus ditados políticos internos;
eram a projeção na história soviética de fórmulas para o
desenvolvimento sócio-econômico geradas em sua própria
mente. Suas próprias idéias apareciam a ele como necessidades
naturais que governavam o desenvolvimento da sociedade
[ênfase no original]" .9

O impulso utópico
A projeção que Stálin fez de suas próprias idéias como
direito natural foi, no entanto, o resultado dos desafios es-
truturais da utopia no poder (adoção, realização de idéias

208
CAPÍTULO 4

e adaptação ao mundo). Para dizer como Klaus-Georg


Riegel, sob Stálin a autoridade soviética passou a ser a
"dominação hierocrática da graça dispensada pela igreja".
Na ausência física de Lênin, o líder numinoso encarnando
o poder absoluto do partido, "a comunidade imaginada
de discípulos leninistas" 10 teve de reinventar-se fundando
seu carisma nas escrituras dos pais fundadores. A tradição
inventada do marxismo-leninismo foi então enfiada goela
abaixo. nos membros do partido como um meio de puri-
ficação ou, antes, para estabilizar a identidade normativa
inquestionável do partido. Entretanto, a obsessão de Stá-
lin com o fortalecimento do partido não estava longe do
dito de Lênin de que "um partido se torna mais forte ex-
purgando-se á si mesmo" .11 De fato, para evitar a prolixi-
dade do dogma e a fraqueza entre os quadros, Stálin deter-
minou que "quanto mais drástico o expurgo, tanto mais
provável é a aparição de um partido forte e influente" .12
O clímax de.ste modo de operação, sua conseqüência
mais feroz e ultrajante, envolveu as "confissões dialéticas"
durante os processos-espetáculo stalinistas, essas auto-fla-
gelações abjetas que desejavam dar legitimidade moral à
ordem política totalitária: se todos os oponentes (reais ou
inventados) não eram nada mais do que patifes, agentes
odiosos do Ocidente, traidores desprezíveis e sabotadores
infames, então a liderança stalinista, beneficiando-se de
uma pureza política perfeita, tinha direito de invocar o áli-
bi de uma racionalidade histórica "objetiva" .13 Essas "po-
éticas do expurgo" regularam o espaço ideológico dentro
do corpo social e político da organização política de tipo
soviético, redefinindo os "eleitos" dentro da comunidade
e reenfatizando-lhes o papel messiânico. Igualmente, a his-
tória sagrada do movimento foi reescrita heroicamente por
sangue e exclusão. Concebido por seus pais fundadores
como uma filosofia anti-estatista, o marxismo culminou

209
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

na apoteose soviética do partido e da máquina do estado


(partolatria e estatolatria). A legitimidade da elite bolche-
vique provinha primeiramente de seu relacionamento com
a doutrina marxista. Por mais arcanas que soassem aos
observadores externos, as questiúnculas dos anos de 1920
tocaram nos pontos mais sensíveis do que Czeslaw Milosz
chamou a Nova Fé, uma ideologia "baseada no princípio
de que o bem e o mal são definíveis apenas à luz do serviço
ou prejuízo aos interesses da Revolução" .14 A revolução
foi hiperbolizada como um acontecimento catártico, o ad-
vento de uma nova era de justiça social. A essa mistura,
acrescentaram-se as pretensões do marxismo à infalibili-
dade científica. O resultado foi uma visão gnóstica que
explicou a história e a sociedade em fórmulas quase geo-
métricas, cujos segredos profundos eram acessíveis apenas
a um grupo seleto de guardiães ideológicos. Todos esses
fatores revelaram o processo de intelectuais sendo sedu-
zidos por suposto determinismo inflexível numa época de
extremos políticos. Em outras palavras, para citar de um
livro altamente influente dos anos de 1930, O ABC do
Comunismo, "o que Marx profetizou está sendo realizado
sob os nosso olhos" .15
As promessas sociais e o espírito regenerador do bol-
chevismo foram invocados como argumentos contra os
que deploravam a violência pelo poder ditatorial. Muitos
intelectuais, incluindo alguns nomes famosos como Ma-
xim Gorky, André Gide, Arthur Koestler, Manes Sperber,
Romain Rolland, André Malraux e Ignazio Silone, ficaram
fascinados pelo que parecia ser uma aventura histórica
heróica. A revolução bolchevique era, para empregar as
palavras criadas pelo político socialista Jean Jaures para a
revolução francesa, "um canhão monstruoso, que tinha de
ser manobrado em seu transporte com confiança, preste-
za e decisão" .16 Ademais, a União Soviética foi claramen-

210
CAPÍTULO 4

te, para eles, um modelo de idéias e instituições, a fonte


de um novo ethos socialista, de um humanismo novo, ao
tempo quando a democracia representativa liberal era tida
como tendo falhado em atender aos desafios postos pelas
sociedades modernas. Alguns deles ficaram desencantados
com o cinismo dos comissários comunistas e deixaram
as capelas leninistas; outros, como Pablo Neruda e Louis
Aragon, recusaram-se a abjurar de sua fé e permaneceram
comprometidos com os princípios comunistas banaliza-
dos. Ademais, com a sovietização da Europa Oriental, o
leninismo tornou-se uma alternativa para o renascimento
nacional. Por exemplo, o doutrinário comunista Václav
Lopecky argumentou em janeiro de 1948 que "a ideologia
da nova Checoslováquia será a ideologia da nova Repú-
blica Democrática Popular e a ideologia de transição no
caminho do capitalismo ao socialismo" .17 Muitos desses
exemplos podem ser encontrados nos jornais desses anos
em cada um dos países na região. 18 A "elite moral" comu-
nista exigia um mandato exclusivo de salvação e verdade
histórica na realização de sua missão mundial. 19 Ou, nas
palavras de Jean-Paul Sartre em 1961:
"Nada é mais claro; quaisquer que sejam seus crimes, a
URSS tem sobre as democracias burguesas este privilégio
formidável[ ...]. [A União Soviética foi] incomparável a outras
nações; é possível julgá-la apenas se se aceitar sua causa e em
nome dessa causa" .20

Stalinismo como mito político


O Breve Curso de História do Partido Comunista da
União Soviética, publicado em 1938, representou o para-
digma do aviltamento intelectual bolchevique:
"Não apenas se estabeleceu todo um padrão de mitologia
bolchevique ligado ao culto de Lênin e Stálin, mas prescreveu-
se um ritual e liturgia minuciosos. O Breve Curso não foi

2II
O D IABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

apertas uma obra de história falsificada, mas uma instituição


social poderosa - um dos mais importantes instrumentos de
controle da mente, um dispositivo para a destruição assim do
pensamento crítico como das lembranças da sociedade de seu
próprio passado" .21
Transformado num evangelho para o movimento co-
munista internacional, essa paródia de marxismo foi enal-
tecida como o pináculo da sabedoria humana. A ideologia
stalinista trouxe à fruição o empobrecimento da prática te-
orética marxista e funcionou, na verdade, como uma con-
tra-doutrina eficaz para efeminar o ímpeto emancipatório
original da dialética negativa e substituí-lo por uma socio-
logia positivista-oportunista situada deliberadamente para
além das fronteiras morais tradicionais. Mediante o Breve
Curso, o leninismo tornou-se uma "verdadeira religião do
livro" (nas palavras de Riegel). Essa "revolução stalinista
de fé" ofereceu um guiamento unitário e unidade de vonta-
de entre os quadros envolvidos na construção do socialis-
mo num só país, no projeto de modernização soviética. Foi
a reflexão literária do "monopólio do emprego legítimo
da coerção hierocrática" (como a apresenta Max Weber)
exercida por Stálin nos processos-espetáculo. Parafrasean-
do Souvarine, o paradigma do Breve Curso transformou-se
oficialmente numa religion d' état. 22 O ser humano plane-
jado pelo stalinismo deveria repudiar as distinções clássi-
cas entre o bem e o mal, desacreditadas desdenhosamente
como obsoletas mediante a exposição a outro código mo-
ral, em muitos pontos sugestivos do Übermensch· nazista.
Sua ideologia estava enraizada no ódio e no ressentimento,
e desenvolveu-se numa lógica de manipulação, dominação
e sobrevivência. A principal tarefa da propaganda era pu-
rificar a mente; era como um ritual de exorcismo através
do qual o regime tentava eliminar todos os vestígios da
cultura ocidental e criar o instrumento humano de repro-
.. Em alemão, no original: super-homem - NT.

212
CAPÍTULO 4

dução social perfeita. Seu conteúdo consistia em alguns te-


mas reiterados mecanicamente; seu método era a agressão
simbólica, a violência ideológica. Em 1929, Stálin procla-
mara o "ano da grande ruptura" (god velikogo pereloma),
que, de acordo com Bernice Glatzer Rosenthal, implicava
"o salto marxista da 'necessidade' para a 'liberdade'[...],
uma ruptura completa com o maldito velho mundo [...].
Sob a liderança de Stálin, as massas estavam construindo
um paraíso terrestre" .23 O que estava realmente acontecen-
do ao tempo era uma aniquilação da vontade livre, uma
intoxicação total, uma degradação moral, e com isso uma
identificação absoluta com o sistema. Foi a versão soviética
de uma Gleichschaltung· individual.
O modus operandi do stalinismo foi o excesso em ma -
térias como burocratização, a política de terror, a ausência
de democracia e a censura.
"Não, por exemplo, políticas camponeses simplesmente
coercitivas, mas uma guerra civil virtual contra o campesinato;
não simplesmente repressão política, nem mesmo terror no
estilo de guerra civil, mas um holocausto pelo terror que
vitimou dezenas de milhões de pessoas por vinte e cinco anos;
não simplesmente um renascimento termidorano de tradição
nacionalista, mas um chauvinismo quase como fascista; não
simplesmente um culto ao líder, mas a deificação de um
déspota". 24

Depois da ocupação soviética da Europa Oriental, a


mesma forma de leninismo - eles nunca ousaram chamá-lo
stalinismo - foi decretada a única interpretação do mar-
xismo. A morte de Stálin foi um "pré-requisito necessário
de mudança pós-stalinista e, na verdade, o primeiro ato
essencial de 'desestalinização"'. 25 Depois do ataque fulmi-
nante de Nikita Kruschev ao stalinismo no XX Congres-
so do Partido Comunista da União Soviética em fevereiro
* Em alemão, no original: totalitarismo - NT.

213
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de 1956, tornaram-se visíveis certas mudanças dentro da


estrutura rígida do dogma soviético. Além de inovações
institucionais, a desestalinização significava desdogmati-
zação, o fim da veneração sem limites de textos sacros es-
critos por Stálin ou a ele atribuídos. Como observou um
autor, com a desestalinização,
"as relações entre o partido-estado e a sociedade sofreram
mudanças significativas, com uma nova ênfase na mediação
através de controles suaves, incitamentos e estratégias de
incorporação. Mas a estrutura monolítica da regra do
partido-estado e da administração econômica permaneceu
fundamentalmente inalterada". 26

O monólito quebrado
A descontração política pós-1953, freqüentemente re-
ferida como o "Degelo", prenunciava uma era de dúvi-
das e críticas. Idos eram os tempos de certezas absolutas
ditadas por um líder supremo supostamente infalível. O
imaginário totalitário que funcionara por décadas atra-
vés do tremendum et fascinosum (a alternância de medo
e esperança, terror e salvação )27 encontrou seu encanto
radicalmente questionado. A despeito de suas limitações,
o Discurso Secreto de Kruschev, um dos mais importan-
tes documentos políticos do século XX, revelou, até cer-
to ponto, os crimes contra o partido. Mas seu significado
está no fato de "ter extinguido os limites da descrença na
Rússia Soviética do pós-guerra" .28 Muito mais importan-
te, a primeira onda de desestalinização pôs um fim ao ter-
ror como um instrumento de governo:
"As reformas da justiça criminal, especialmente as anistias,
e a desmistificação do culto a Stálin no Discurso Secreto
firmam-se como as façanhas mais duradouras do período,
pois garantiram que a re-stalinização - do Gulag, e do culto a
Stálin - não seriam nunca mais possíveis" .29

214
CAPÍTULO 4

Já em março de 1953, K.P. Gorshenin, o ministro de


justiça, argumentava no Pravda que o decreto de anistia,
que libertava um total de 1.201.738 pessoas, era prova da
"humanidade soviética". Advogava a "legalidade socialis-
ta" como o caminho correto para permitir a "transição do
país do socialismo para o comunismo". 30
Entretanto, a desestalinização apresentou reformas que
"geraram mais perguntas do que respostas". 31 No reino
da cultura e da vida pública, a desestalinização gerou uma
panóplia de iniciativas que visavam a afastar-se da dou-
trina petrificada para as origens do marxismo como uma
filosofia, para o assim chamado jovem Marx como o ar-
quétipo de um ímpeto socialista não adulterado, puro. Na
União Soviética, mas também na Europa Oriental, "a de-
sestalinização não significava o fim do ideal comunista. Ao
contrário, significava um rejuvenescimento do idealismo e
da identidade intelectual do período pré-stalinista". A Re-
volução não está morta; a Revolução está doente, e temos
de ajudá-la" .32 Em conseqüência, a emancipação política
(desbolchevização) dos intelectuais soviéticos e leste-eu-
ropeus coincidiu com a onda de liberação desencadeada
pelas revelações históricas33 de Nikita Kruschev e foi por
ela catalisada. Embora as campanhas que se seguiram ao
Discurso Secreto do líder soviético "começassem a eman-
cipar a consciência popular do culto a Stálin, inadverti-
damente arriscaram a 'desovietização' da opinião pública,
porque largos setores da população soviética reagiram de
maneira violenta e imprevisível, e 'anti-soviética' à deses-
talinização" .34 Todas as construções políticas e teoréticas
stalinistas tinham sido denunciadas como uma mistifica-
ção horrível: as ilusões já não podiam cobrir a esquálida
realidade. Os dogmas tinham mostrado sua total inanida-
de. O anseio por uma reforma moral do comunismo foi.
a motivação básica para o renascimento neo-marxista na

215
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

União Soviética e na Europa Oriental. Na verdade, "foi


um marxismo que levou de volta a uma tradição euro-
péia de reformismo social-democrático". 35 A rebelião dos
intelectuais contra os controles totalitários ameaçou a
resistência dos regimes de tipo soviético. A legitimidade
contaminada de terror do sovietismo foi questionada por
críticos que não poderiam ser acusados de pertencerem às
classes sociais vencidas. Com sua advocacia sem rodeios
do humanismo e da democracia, contribuíram para erodir
o consenso aparentemente monolítico.
De certa forma esse movimento fora antecipado por te-
óricos iugoslavos (Mosa Pjade, Milovan Djilas, o grupo
Práxis) que se sentiram compelidos, pela lógica mesma do
conflito político com a elite soviética stalinista, a redes-
cobrir os impulsos iniciais da antropologia marxista, da
sociologia e da filosofia. 36 Os mais ativos, entretanto, na
luta contra o obscurantismo stalinista eram os intelectuais
húngaros e poloneses, os expoentes de um panorama que
inflamou as massas ao longo dos meses febris depois do
XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética.
Este fato tem de ser relacionado às tradições da Esquerda
naqueles países, mas também à existência de uma confu-
são dentro da nomenklatura comunista aumentada pelo
crescente radicalismo anti-burguês da classe trabalhadora.
Temos de levar em consideração, a este respeito, a evolu-
ção da consciência de classe assim da classe trabalhadora
como dos intelectuais e a existência de certa comunicaÇão
psico-emocional, mesmo osmose, entre esses grupos so-
ciais. Enfatizo esses fatos a fim de sugerir uma explanação
- para além da mera força da política - para a passividade
política relativa da classe trabalhadora em outros países
comunistas (como a Romênia e a Bulgária) e pela neutrali-
dade espantosa dos intelectuais checos e eslovacos duran-
te as revoltas húngara e polonesa em 1956.

216
CAPÍTULO 4

A saga do revisionismo
Mais de uma década depois da morte de Stálin, a in-
telligentsia leste-européia e soviética estava experimentan-
do um período de reconstrução ética, um convite a reabi-
litarem toda a evolução histórica do marxismo ocidental
e a um tratamento crítico da "dialética institucional". Ge-
org Lukács, um "herético enigmático dentro desta Igreja"
(para citar Ferenc Fehér), convidado a participar dos deba-
tes do Círculo Petõfi em Budapeste, foi considerado como
um representante de outro marxismo do que o Diamat
ossificado, pregado pelos doutrinários stalinistas; o inte-
lectual marxista Geza Losonczy foi a alma das discussões
concernentes à liberdade de imprensa; Leszek Kolakowski
estava iniciando sua longa luta pela humanização da so-
ciedade "socialista de estado" polonesa, apelando para o
potencial de uma suposta Nova Esquerda Socialista. Em
seu manifesto de 1957, "Aspectos permanentes vs. Aspec-
tos transitórios do marxismo", Kolakowski fez a distinção
fundamental entre marxismo institucional e marxismo in-
telectual. Enquanto o primeiro era simples dogma religioso
manipulado por aqueles no poder, o segundo era caracte-
rizado pelo "racionalismo radical no pensamento; resis-
tência inabalável a qualquer invasão do mito na ciência;
uma visão inteiramente secular do mundo; crítica levada
a seus últimos limites; desconfiança de todas as doutrinas
e sistemas fechados [... ];uma prontidão para revisar teses,
teorias e métodos aceitos". 37 A liberdade tinha-se tornado
de novo o maior bem para os seres humanos libertados da
dependência asfixiante da definição de verdade pelo par-
tido. Na União Soviética, os shestidesiatniki, "as pessoas
dos anos sessenta", formavam uma comunidade que "ti-
nha 'a habilidade de pensar e refletir acerca da vida e de
suas complexidades, procurando entender a realidade 'por
trás de cada palavra"'. 38 Um "espírito de revisionismo"

217
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

surgiu no bloco soviético que marcaria fundamentalmente


a dinâmica política e cultural da região no final dos anos
1950 e nos anos 1960. Nesse contexto, o revisionismo,
termo cunhado pelas ortodoxias neo-stalinistas para es-
tigmatizar correntes críticas de pensamento e o principal
adversário encontrado pelos burocratas governantes des-
de as lutas de facção dos meados dos anos 1920, tornou-se
o principal inimigo do constructo ideológico neo-stalinis-
ta. 39 Deve-se notar, entretanto, que o revisionismo não foi
um movimento social; ao contrário, foi uma "corrente ide-
ológica difusa que se articulou em partes iguais nos fóruns
oficiais e não-oficiais, e que era de um caráter vário em
diferentes países". 40
Em geral, o tema favorito nos discursos dos filósofos,
sociólogos e homens de letras leste-europeus era o retorno
a um Marx idealizado: a tentativa de detectar aqueles ele-
mentos no projeto original de Marx que pudessem justifi-
car as mudanças políticas liberadoras dentro do sistema.
Ademais, esse empreendimento foi concebido como um
redescobrimento e reinterpretação das primeiras obras de
Marx, de todo o legado filosófico marxista detestado pelos
ideólogos stalinistas. O conceito de alienação tornou-se a
base das controvérsias filosóficas mais apaixonadas, nu-
triu a causa pela liberalização e ofereceu a base teorética
para a crítica política. Na verdade, a "ditadura do prole-
tariado" era sentida como exatamente o oposto do "futu-
ro brilhante" prometido pelos fundadores do marxismo.
Era vista como uma caricatura do projeto de emancipação
anunciado pelo Manifesto Comunista.
O efeito imediato do desassossego intelectual geral foi
a configuração de uma resposta fundamentalmente radical
à crise estrutural óbvia das sociedades leste-européias de
tipo soviético. Uma das mais interessantes expressões des-
te fenômeno foi a Carta aberta da Organização de Partido

218
CAPÍTULO 4

Básica do PZPR (Partido dos Trabalhadores Unidos Po-


loneses) e aos Membros da Célula da União da Juventude
Socialista da Universidade de Varsóvia, escrito em 1964
por dois intelectuais de esquerda anti-burocráticos, Jacek
Kuron, professor assistente de pedagogia, e Karol Modze-
lewski, membro do Departamento de História da Univer-
sidade de Varsóvia, filho de Zygmunt Modzelelewski, um
veterano comunista e o primeiro ministro das relações ex-
teriores da Polônia comunista. O documento, um exemplo
notável de crítica do partido da parte da Esquerda anti-to-
talitária, pedia que se encorajassem os verdadeiros princí-
pios do marxismo-leninismo contra a fictícia democracia
de partido, que se defendessem os direitos dos trabalha-
dores contra a tomada de decisão vinda de cima. 41 No
mesmo ano, o professor checo de direito Zdenek Mlynáf
esboçou O Estado e o Indivíduo (uma antecipação de seu
Em direção a uma organização política democrática da
sociedade, de 1968), em que tentou conciliar democracia
e socialismo. Neste documento, o autor (um ex-compa-
nheiro de quarto de Mikhail Gorbachev durante os anos
de estudante deles na Universidade de Estado de Moscou,
nos começos dos anos de 1950, que se tornou o principal
ideólogo da Primavera de Praga, em 1968) reafirmou o
papel das organizações sociais no processo de democrati-
zação. Ademais, enfatizou os corpos auto-administrados
de trabalhadores nas fábricas, a fim de "superar o siste-
ma de planejamento por decreto e estabelecer a empresa
socialista como um agente autônomo que seria capaz de,
nessa qualidade, entrar no mercado". Ademais, o princi-
pal papel do partido poderia ser mantido, de acordo com
Mlynáf, somente se fosse feito de uma "vanguarda cons-
ciente" a serviço dos "interesses gerais e fins socialistas
de toda a sociedade" e que não tomasse como certa sua
liderança, mas liderasse por "persuasão incansável" .42

219
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Foi uma busca estimulante do "reino da liberdade"


profetizado por Marx, uma explosão do que Hegel cha-
mou unglückliches Bewusstsein (consciência infeliz), uma
revolta das correntes libertárias subterrâneas que tinham
sobrevivido à experiência mortificante do stalinismo. As
manifestações teoréticas dessas correntes subterrâneas
ofereceram um novo horizonte semântico, a fusão de uma
nova infra-estrutura emocional e intelectual que era tradu-
zida numa ressurgência de tópicos filosóficos reprimidos,
acima de tudo, o humanismo como uma preocupação me-
tafísica privilegiada. O esmagamento da Revolução Hún-
gara e a tentativa de domar a intelligentsia polonesa, o en-
durecimento da linha política nos países do leste-europeu
entre 1957 e 1961, e a dura campanha anti-revisionista
depois da publicação do programa adotado pela Liga Co-
munista da Iugoslávia não puderam obstruir as aberturas
filosóficas criativas nem estorvar o ímpeto anti-dogmático
que resultou na perspectiva humanista-ética execrada pe-
los stalinistas impenitentes e neo-dogmáticos. O revisionis-
mo foi suprimido por causa de seus compromissos com
. valores fatalmente pervertidos mediante a manipulação
oficial. Foi uma estratégia falaciosa baseada em esperanças
vãs de um frustrado desejo ardente pela regeneração mo-
ral da elite governante. Exigia tolamente diálogo com esses
que valorizavam apenas a força bruta. Detlef Pollack e Jan
Wielgohs definiram-lhe com precisão o caráter ideológico
como "imanente ao sistema''. Na mesma linha, Adam Mi-
chnik descreveu adequadamente o dilema inescapável do
revisionismo neo-marxista na Europa Oriental e Central:
"O conceito revisionista estava baseado numa perspectiva
intrapartidária. Nunca foi formulado num programa político.
Supunha que o sistema de poder podia ser humanizado e
democratizado e que a doutrina marxista oficial era capaz
de assimilar as artes contemporâneas e as ciências sociais.
Os revisionistas queriam agir dentro do quadro do partido
comunista e da doutrina marxista. Queriam transformar

220
CAPÍTULO 4

'de dentro' a doutrina e o partido na direção da reforma


democrática e do senso comum" .43

O aparato ideológico dominante nos partidos comunis-


tas do leste europeu tentou manter o controle sobre todos
esses desenvolvimentos espirituais potencialmente perigo-
sos e, afinal, paralisá-los. Desde o começo, a desestalizina-
ção levantou o dilema crucial da "prerrogativa de dirigir
e controlar a mudança cultural e social [...] Mesmo em
seus momentos mais populistas e radicais, no entanto, o
partido continuou a acreditar em sua autoridade imacula-
da sobre o povo" .44 Escritorezinhos ideológicos atacaram
malevolamente a própria idéia de reformas desde baixo
que estariam para além da luta aprovada pelo partido
contra a burocratização e pelo crescimento da produtivi-
dade. A exigência "revisionista" de uma análise profunda
e inclemente da situação, designada eufemisticamente pe-
los partidos comunistas como o "culto da personalidade",
provocou reações ambivalentes. Em outubro de 1961, no
XXII Congresso do Partido Comunista, Kruschev desen-
cadeou uma segunda arremetida à memória do tirano de-
funto. O corpo embalsamado de Stálin foi removido do
mausoléu de Lênin, o sanctum sanctorum do bolchevis-
mo. Este novo degelo, na verdade, uma liberalização de
pouca duração e inconclusiva, parou por falta de reformas
econômicas e políticas profundas:
"À medida que o partido crescia mais confiante na
publicação de suas narrativas iconoclastas acerca do passado
stalinista, ele também, de maneira paradoxal (embora talvez
necessariamente,), reduzia seu empenho na desestanilização da
esfera pública soviética" .45

Os líderes de partido tornaram-se rapidamente cons-


cientes das implicações subversivas do "retorno à fonte"
marxista e descobriram o apelo negativo-libertário de tais
conceitos como alienação, humanismo, democracia auto-
-gerida, direitos humanos e liberdade do sujeito. Também

221
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ficaram cada vez mais cansados das "novas formas poten-


ciais de interação entre estado e sociedade, e entre cida-
dãos individuais" .46
Subseqüentemente, o revisionismo tomou-se uma pro-
jeção obsessiva dos ideólogos stalinistas, a encarnação de
sua angústia secreta. Parafraseando Leszek Kolakowski,
o bufão não pôde evitar a confrontação com a reação in-
tolerante dos sacerdotes coléricos; tinha de radicalizar sua
"atitude de vigilância negativa diante de qualquer absolu-
to" .47 O nervosismo da liderança do Kremlin quanto ao
comportamento cada vez mais ousado dos jovens intelec-
tuais soviéticos pela nova onda de desestalinização é muito
bem exemplificado pela reprimenda furiosa feita por Nikita
Krushchev ao poeta Andrei Vozesensky. Em março de 1963,
no anfiteatro da Casa dos Sindicatos, durante um encontro
com a elite cultural soviética, Krushchev, depois de ouvir o
elogio de Voznesensky a Vladimir Mayakovsky, a despeito
de este não ter sido um membro do partido, explodiu:
"Por que estás tão orgulhoso de não seres um membro
do Partido? Varrer-te-emos completamente! Representas
nosso povo ou calunias nosso povo? [... ] Não posso ouvir
calmamente os que lambem os pés de nossos inimigos. Não
posso ouvir-lhes os agentes. Olha para ele. Ele gostaria de
criar um partido de não-comunistas. Bem, és um membro
do partido, mas não és do mesmo partido que eu. Acabou o
degelo. Isto não é sequer uma leve geada matutina. Para ti e
teus iguais será a geada ártica [aplauso longo]. Não somos
membros do Clube Petõfi. Somos os que ajudaram a esmagar
os húngaros [aplauso] [...].Eles pensam que Stálin está morto
e qualquer coisa é permitida. Não, sois escravos! Escravos!
Vosso comportamento o demonstra,, .48

Um novo gelo
Ao final do governo de Krushchev, no outono de 1964,
era muito claro, tanto na URSS como na Europa Oriental,
que a reforma sistêmica de dentro por uma intelligentsia

222
CAPITULO 4

livre-pensadora agindo dentro das fronteiras do permissí-


vel tinha cessado de ser uma opção viável. Ao mesmo tem-
po, a prioridade epistemológica do revisionismo no bloco
soviético consistia em focalizar a metodologia histórica
marxista no próprio marxismo. Em outras palavras, a his-
toricidade do marxismo, o momento da auto-consciência
marxista foi essencial para reinventar o verdadeiro valor
da negatividade como um novo espaço para a afirmação
da particularidade contra a universalidade espúria, glori-
ficada pelo sistema. A direção hegeliano-marxista parecia
a mais apropriada para assumir uma legitimidade metafí-
sica, aquela fonte espiritual que expressava e simbolizava
as mesmas ambições, obsessões, ansiedades e esperanças.
Durante as polêmicas cortantes dos anos 1930, Karl Kors-
ch postulou claramente o significado e o conteúdo sedi-
cioso da dialética marxista, e os marxistas críticos do leste
europeu não hesitaram em adotar-lhe a posição, mesmo
indo para além das posições cristalizadas em Marxismus
und Philosophie: o pensador marxista tinha a obrigação
de enfatizar a dimensão filosófica do marxismo, a energia
negativa da dialética, "em contraste com o desprezo ma-
nifestado previamente, em diferentes formas, mas com o
mesmo resultado, pelas várias correntes de marxismo em
direção aos elementos filosóficos revolucionários da dou-
trina criada por Marx e Engels". 49
Os campeões da teologia neo-dogmática foram, é cla-
ro, os filósofos oficiais da União Soviética e da Alemanha
Oriental, que se especializaram em caçar o mais leve sinal
de heterodoxia; na RDA, desde o principal teórico-chefe
do partido, Kurt Hager, até pessoas como Manfred Buhr
ou Wilhem-Raymund Bayer, os ideólogos alemães orien-
tais não perderam nenhuma oportunidade de combater
e erradicar a heresia revisionista.50 Deste ponto de vista,
acredito que seria inexato considerar, com Kolakowsky,

223
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

que a mentalidade exclusivamente dogmática tradicional


foi substituída completamente por um tratamento cínico,
estritamente pragmático, específico de um novo tipo de bu-
rocrata comunista. Certamente, a geração mais intolerante
de clérigos ideológicos sumiu depois de 1960, mas não se
deve suspeitar das coortes de apparatchicks de tendências
liberais ou humanistas. Moral e psicologicamente, perten-
ciam a uma geração diferente dos "sacerdotes" outrora
evocados por Kolakowsky. Eles não se tinham envolvido
pessoalmente nos crimes stalinistas e não tinham nenhuma
razão para procurar racionalizações históricas, mas, politi-
camente, tinham de ter compartilhado os mesmos valores
de seus predecessores. Eram "objetivamente" prisioneiros
da mesma lógica falaciosa. 51 Os apparatchiks ideológicos
indiferentes, amorfos, com seu distanciamento axiológi-
co simulado, eram na verdade um elemento eficiente do
funcionar suave da super-estrutura burocrático-autoritá-
ria: não tinham nada em comum com a filosofia marxis-
ta nem com a ética socialista; desprezavam soberbamente
os problemas embaraçantes da responsabilidade histórica.
Parafraseando Engels, a principal tarefa deles era corrigir
a lógica dos fatos conflitantes, amoldar e interpretar a his-
tória contra toda a esperança, marchando imutavelmente
em direção ao comunismo. Tinham apenas uma convicção,
um credo absoluto; prestavam homenagem a um só Deus;
não honravam senão o valor político: a sua própria sobre-
vivência burocrática, o seu acesso ao poder, o seu direito
de dominar, de ditar e de aterrorizar. Abandonaram toda
pretensão da comunicação fidedigna crível da fé, minando,
assim, os mitos de sustentação e escatológicos do marxis-
mo-leninismo. No entanto, por exemplo entre os líderes
soviéticos agrupados em torno de Leonid Brejnev,
"a influência duradoura do marxismo-leninismo como a
fonte de legitimidade e linguagem da política, juntamente com
um aspecto stalinista inveterado, produziu uma desconfiança

224
CAPÍTULO 4

profunda do Ocidente e uma suscetibilidade duradoura aos


apelos 'revolucionários' e políticas expansionistas". 52

A nomenklatura neo-stalinista preservou uma lealda-


de profunda a uma versão radicalmente simplificada do
escrito sagrado marxista-leninista: "[Brejnev] pensou que
era impossível fazer algo 'não-marxista' - todo o parti-
do, todo o mundo, estava assistindo a ele. Leonid Ilyich
estava muito fraco em [assuntos] de teoria e sentiu isso
vivamente" .53
A esse respeito, o falecido dissidente soviético e filó-
sofo Alexander Zinovyev estava certo em delinear uma
continuidade perfeita desde a primeira geração stalinista
- aquelas pessoas que perpetraram os crimes ou apoiaram
todo o sistema terrorista - até o contemporâneo clérigo
cultural (ideológico) distante, frio, pseudo-requintado,
que faz uso da retórica marxista para cobrir um vácuo
intelectual e moral. Entretanto, é difícil concordar com a
tentativa simplista de Zinovyev de identificar o marxismo
com o stalinismo, e sua total falta de interesse pela tradi-
ção "herética" do marxismo. Zinovyev baniu como irrele-
vantes todos os desenvolvimentos "revisionistas", toda a
herança hegeliano-marxista e as correntes negativo-dialé-
. ,.., . , . .
t1cas contemporaneas, assim como a cnt1ca para-marxis-
ta à burocracia totalitária. Ele recusou a possibilidade de
marxismo "genuinamente crítico", rejeitou como hipócri-
ta e logicamente inconsistente qualquer posição que ten-
tasse separar a doutrina original da prática adulterada:
"Stálin foi o mais genuíno e mais devotado marxista [...].
Stálin estava perfeitamente ajustado ao processo históri-
co que o engendrou". 54 A atitude negativa de Zinovyev
para com o marxismo ocidental, seu tratamento céptico
da dialética negativa e geralmente de qualquer hipósta-
se do radicalismo filosófico deveriam ser relacionados à

225
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

doença metafísica geral dos intelectuais soviéticos e leste-


-europeus, expressa em sua insatisfação com as "ilusões
democráticas" e com as estratégias socialistas promovidas
pela "oposição humanista radical" nas sociedades indus-
triais avançadas. De qualquer maneira, ele mostrou certa
miopia, desprezando a dimensão libertária da razão críti-
ca e subestimando o divórcio absoluto entre esse aspecto
e a ortodoxia burocrático-institucional. Rejeitar de plano
a validade e relevância dos argumentos marxistas autori-
tários significava suprimir um segmento valioso da crítica
necessária dos regimes neo-stalinistas e apagar toda uma
tradição de pensamento utópico-emancipatório.
A publicação das contribuições filosóficas do jovem
Marx teve um impacto tremendo nas sociedades leste-eu-
ropéias, porque era percebida como um manifesto ver-
dadeiro da liberdade da subjetividade, a emancipação da
práxis revolucionária e uma abordagem abrangente dos
problemas sociais, econômicos, políticos e culturais dos
regimes soviéticos. O jovem Marx foi um aliado tremen-
do das forças liberais contra o conservadorismo político
das burocracias dominantes do leste europeu; uma leitu-
ra sensível desses escritos revelou argumentos irrefutáveis
contra a ordem opressiva prevalecente. Para usar uma for-
mulação de Dick Howard: "Marx anunciou de fato que o
espectro da democracia está assombrando a Europa". Ao
redescobrir Marx, os revisionistas leste-europeus desco-
briram as implicações democráticas da teoria dele. 55
A tradição marxista heterodoxa inteira foi, com o tem-
po, chamada a participar na luta contra estruturas eco-
nômicas e sociais escleróticas: de Rosa Luxemburgo a
Trotsky, do jovem Lukács e Karl Korsch a Wilhelm Reich
e Erich Fromm, de Gramsci a Sartre e à Escola de Frank-
furt, invocou-se e desenvolveu-se todo um tesouro inte-
lectual nesta ofensiva contra as burocracias autoritárias.

226
CAPÍTULO 4

Era como o renascimento inesperado de uma tradição


esquecida, uma osmose evanescente com a utopia impos-
sível, uma tentativa trágica de recriar uma mentalidade
totalmente oposta à lógica filistina auto-suficiente da elite
comunista monopolista. Ao partilhar dessa tradição mar-
xista e revolucionária, os intelectuais revisionistas não re-
nunciaram naquele momento ao socialismo. O impulso do
jovem Marx foi, assim, unificado com o legado rebelde do
idealismo alemão clássico; a consciência infeliz estava li-
bertando-se da coerção burocrática. Era lógico, portanto,
que a reação inversa do aparato ideológico consistisse em
apoiar investigações sociológicas e filosóficas atentamente
controladas, aquelas áreas de investigação que evitaram a
colisão com o monopólio do poder do Partido Comunista.
Paradoxalmente, os garantidores vigilantes da doutrina
oficial tornaram-se defensores das pesquisas epistemoló-
gicas, praxiológicas e lógicas, encorajando abertamente os
tratamentos wertfrei considerados até então abomináveis.
Evitando qualquer esquema simplificado, podemos dis-
tinguir três níveis fundamentais de estratificação ideoló-
gico-espirituais dentro das sociedades "burocrático-coleti-
vistas" da Europa Oriental entre os anos de 1960 e 1970.
Primeiro de tudo, havia o aparato ideológico do partido
oficial, cuja principal preocupação era preservar a pure-
za e a integridade da doutrina apologética dominante e
garantir-lhe a hegemonia. Havia, é claro, diferenças entre
os regimes leste-europeus: na Hungria os burocratas do
partido falavam da hegemonia do marxismo, ao passo que
na Romênia ou na RDA o marxismo, ou, mais precisa-
mente, a interpretação que o partido fazia do marxismo,
deveria gozar de um monopólio cultural-filosófico total.
O segundo nível compreende os intelectuais em quem o
aparato do partido acreditava, os quais compartilhavam
os valores dominantes e os mitos do regime. O partido

227
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

recrutava muitos futuros apparatchiks de dentro de suas


fileiras, especialmente no campo cultural, trazendo, assim,
uma nova estrutura social da elite política. O terceiro ní-
vel era representado por aqueles cujas vozes subversivas e
anti-sistêmicas se tornaram gradualmente mais articula-
das partindo das fileiras da maioria intelectual silente. Este
estrato era do subgrupo de dissidentes desafiadores e foi
feito tanto dos anti-comunistas totais quanto dos que co-
meçaram o caminho da revisão, mas através do desencan-
to encontrado na porta aberta da apostasia. A interação
entre esses três campos, especialmente na última década
do bloco soviético, representa uma das chaves mais im-
portantes em explicar o fim repentino e chocante dos regi-
mes comunistas. Suas posições respectivas estabeleceram
trajetórias para a liberação e democratização da região.
Voltando à avaliação geral do marxismo crítico, tem-
-se de enfatizar que este fenômeno significou mais do que
apenas a ressurreição da tendência humanista-emancipa-
tória da filosofia da práxis. Provocou um novo sentimento
de responsabilidade intelectual, rejuvenescendo a dimen-
são crítica da ação espiritual. A esse respeito, oferecendo
uma matriz diferente do que o seu correlativo no mun-
do ocidental, o paradigma crítico marxista desenvolvido
pelos pensadores radicais do leste-europeu ofereceu as
principais categorias histórico-políticas e epistemológicas
e conceitos necessários para uma crítica abrangente das
instituições e métodos autoritário-burocráticos, e ofereceu
também os pré-requisitos para um projeto de mudança
essencial. Esta foi a razão do ataque irado a Rudolf Bahro
na RDA, da cólera inesperada ao regime Kádár concer-
nente às conclusões teoréticas desenvolvidas por Konrád e
Szleríy, a denúncia dos esforços da Primavera de Praga de
humanizar o socialismo, ou a perseguição "moderada" da
Escola de Budapeste. Nas palavras do historiador Vladis-

228
CAPÍTULO 4

lav Zubok, "O regime, como antes, não queria encorajar


um espírito cívico autônomo ou compartilhar seu contro-
le sobre a esfera cultural com os intelectuais, escritores e
artistas". 56
Os aparatos ideológicos de estado nos regimes de tipo
soviético não tinham medo maior do que a cristalização
da resistência interior, a estruturação de uma consciência
social crítica, a radicalização da intelligentsia. Esta última
era percebida como a evolução mais perigosa, uma ame-
aça à estabilidade das instituições e valores dominantes.
A crítica marxista leste-européia tentou contrabalançar
o "triunfalismo dialético" inepto oficial, o funcionalismo
conservador-dogmático promovido pelos partidos comu-
nistas governantes. Seu projeto era oferecer as armas es-
pirituais para a crítica do sistema a fim de engendrar uma
ordem sócio-política mais humana, menos asfixiante e até
democrática. Afinal, teve êxito, como mostrado correta-
mente por Ferenc Fehér, na transformação "das potencia-
lidades semânticas de seu vocabulário na linguagem de
uma verdadeira política de dissidência". 57
A realização teorética mais significativa do marxismo
crítico no bloco soviético foi a melhoria do potencial hu-
manista e anti-totalitário da dialética, a iluminação do
substrato negativo-emancipatório negligenciado e oculta-
do pela doutrina triunfalista-apologética, e pela revelação
das tendências radicais latentes dentro do continuum bu-
rocrático. As pesquisas filosóficas e sociológicas empreen-
didas por Kolakowski, Karel Kosik ou pela Escola de Bu-
dapeste contribuíram para o reflorescimento da qualitas
oculta da dialética, o renascimento da negatividade num
universo social que parecia saturado de uma positividade
angustiante. Por muitas razões, imediatamente históricas,
econômicas, sociológicas e culturais, o marxismo crítico
iugoslavo não entra na área abrangida por este estudo. No

229
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

entanto, as investigações filosóficas e sociológicas postas


em prática pelo grupo Práxis (Mihailo Markovic, Sveto-
zar Stojanovic, Gajo Petrovic, Predrag Vranicki e outros)
favoreceram a consolidação teorética da crítica aos regi-
mes burocrático-autoritários de tipo soviético. O principal
objetivo deles foi estabelecer um humanismo sociológico
e metafísico como uma contra-pedagogia, que teria con-
seqüências assim terapêuticas como profiláticas. Outra
função importantíssima do grupo Práxis foi a concentra-
ção do pensamento revisionista da Europa Oriental nas
páginas da sua revista. Esta última tornou-se a plataforma
mais importante de oposição anti-burocrática na região.
Ao mesmo tempo, Práxis conseguiu desenvolver colabora-
ções com pensadores anti-comunistas como Ernst Bloch,
Lucien Goldmann, Erich Fromm e André Gorz. 58 Deve-se
mencionar, no entanto, que o relacionamento entre cer-
tos marxistas críticos leste-europeus e a Nova Esquerda
Ocidental era bem contraditório. Esta última era suspei-
ta de tentações despótico-terroristas, e acusada, mais de
uma vez, de sectarismo messiânico. A crítica implacável
de Kolakowski ao milenarismo utópico em seu Main Cur-
rents of Marxism expressava mais do que uma insatisfa-
ção com a impotência desesperada da dialética negativa:
era um convite aos marxistas críticos a irem além de suas
ligações emocionais, para assumir a ambivalência básica
de sua doutrina, para examinarem honestamente a falsa
consciência marxista e transcenderem o paradigma meta-
físico do radicalismo hegeliano-marxista.

Humanismo e revolta
Da França à Checoslováquia, da Alemanha à Polônia,
da Espanha à Itália, dos Estados Unidos à União Soviética,
a segunda metade dos anos 1960 foi caracterizada pelos
desafios de redefinir políticas oposicionistas, com graus
CAPÍTULO 4

variados de participação e representação nos esforços


de afirmar o despertar da sociedade como uma resposta
a uma notável crise do estado. A diferença fundamental
entre esses movimentos foi sua atitude perante a utopia,
com conseqüências cruciais para a reconceptualização do
político em todos esses países. Alguns eram anti-ideoló-
gicos, outros eram contra estruturas estabelecidas de au-
toridade, mas todos eram variantes de um ativismo que
adyogava as novas diferenciações societais desenvolvidas
imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial. As cir-
cunstância~ de bipolarismo impuseram, no entanto, uma
diferença significativa na argumentação: no Ocidente, a
lógica de 1968 era de emancipar politicamente espaços
previamente isentos de escrutínio público; no Leste, trata-
va-se de humanizar o leninismo, quebrando-lhe o controle
monopolista ideologicamente guiado sobre a sociedade. 59
Ou, para invocar Milan Kundera, o maio parisiense foi
"uma explosão de lirismo revolucionário", ao passo que
a Primavera de Praga foi "uma explosão de cepticismo
pós-revolucionário" .60
No bloco soviético, o esmagamento da Primavera de
Praga, os acontecimentos de março na Polônia e o tumul-
to na Iugoslávia provocaram a "morte do revisionismo"
(como o diz Adam Michnik). No Ocidente, a inabilidade
de articular uma visão coerente de uma ordem alternativa
e a incapacidade de sustentar a ação revolucionária gera-
ram um afastamento do que Arthur Marwick chamou "A
grande falácia marxista" .61 Tony Judt nota com precisão
que, a despeito de seus reclamos de novidade e de mudan-
ça radical, os anos 1960 eram ainda muito dominados por
uma única meta-narrativa "oferecendo sentido a tudo en-
quanto deixava aberto um lugar para a iniciativa humana:
o projeto político do próprio marxismo". 62 O movimento
de 1968 foi uma bênção mascarada porque, através de

231
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

suas falhas, revitalizou o liberalismo. Agnes Haller suma-


riou com perspicácia o impacto essencial desses aconteci-
mentos momentosos: fortaleceram o centro. 63 Pela primei-
ra vez no século XX, a hegemonia do pensamento radical
entre os intelectuais europeus estava em retirada.
O ano de 1968, no bloco soviético, assinalou a retira-
da do revisionismo e o início do movimento dissidente,
um "adeus a Marx" em larga escala e generalizado. Com
a retrospectiva histórica, podemos também identificá-lo
como o limiar da decomposição gradual dos regimes co-
munistas. O sistema tinha perdido sua tendência inicial
totalizante; estagnação e imobilidade eram suas principais
características. A mecanização rotineira cada vez maior da
ideologia deixou abertas as fissuras no edifício do siste-
ma para explorações mais fáceis pela oposição (e.g. "novo
evolucionismo" ou o movimento da Carta de 1977). A Pri-
mavera de Praga de janeiro a agosto, a revolta da marcha
estudantil polonesa, os protestos de abril dos estudantes
em Belgrado (e a revolta estudantil posterior da Primavera
Croata de 1970-1971, uma contestação total deste país
em bases nacionais), e a reação dos intelectuais soviéticos
ao julgamento Sinyavski-Daniel, tudo isso representava
um desafio fundamental aos fundamentos stalinistas do
bloco soviético. 64 O fracasso desses movimentos deixou
um desencantamento duradouro com o socialismo de es-
tado e com a perda de qualquer esperança de reformar
esses regimes. Em outras palavras, "realçou a esterilidade
política e moral [...] da tentativa de casar o projeto sovié-
tico com a liberdade sem um retorno à propriedade priva-
da e ao capitalismo" .65 Ademais, como observou um dos
futuros conselheiros de Gorbachev, um efeito da reafir-
mação que a União Soviética fez da hegemonia foi que os
partidos comunistas ocidentais "sem o confessarem, pas-
saram a entender a irrelevância do movimento comunis-
CAPÍTULO 4

ta, ou para a maioria dos países onde estava formalmente


presente, ou, ainda mais importante, para a própria União
Soviética". 66 A reafirmação do status quo e a estagnação
sistêmica no bloco soviético assinalaram um "desencanta-
mento irreversível com o mundo (comunista)". A despeito
de o Muro de Berlim ter desmoronado em 1989, "a alma
do comunismo morrera vinte anos antes: em Praga, em
agosto de 1968" .67
O Ocidente, por outro lado, experimentou uma vaga
de "anti-capitalismo romântico", um renascimento do ra-
dicalismo alimentado pelo reencantamento com a utopia.
No contexto do choque produzido pela ofensiva Tet no
Vietnã e da crise de identidade dos antigos poderes co-
loniais, 1968 "começou [para a Nova Esquerda] com o
perfume da vitória no ar" (nas palavras de Jeffrey Herf),
pois, como relembrava Paul Auster, "o mundo parecia en-
caminhar-se para um colapso apocalíptico" .68 A segunda
metade dos anos 1960 marcou assim um retorno a Marx
como uma rejeição das práticas existentes de democracia
(com as exceções notáveis da Espanha e de Portugal, onde,
entre 1966 e 1968, a inquietação civil se orientava contra
as ditaduras de direita de Salazar e Franco). A influência
da Nova Esquerda, a Revolução Cultural Chinesa, os gue-
rilleros latino-americanos e os movimentos de descoloni-
zação combinaram-se, numa mistura amorfa, ao choque
de gerações, a uma crise institucional (a invasão da Sor-
bonne, a paralisação de quase dois anos das universidades
italianas), e a uma onda de recessão (assinalada pelas gre-
ves de operários e projetos de auto-gestão) . Essa mistura
produziu o que alguns autores chamaram mais tarde les
annés 1968. Os sessentaeoitistas alegavam ter desenvolvi-
do uma crítica das bases ideológicas do Ocidente no con-
texto da Guerra Fria (também contra antigas auto-repre-
sentações da Esquerda) e uma "ação direta" espontânea

233
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

contra a "opressão oculta" da ordem liberal-capitalista.


As "anti-políticas" de 1968 eram, até certo ponto, uma
expressão confusa da tentativa de conciliar a teoria com
a práxis (Theoriewut). A radicalização extrema de certos
setores dentro do movimento estudantil e o cultivo da
violência como um instrumento catártico levaram a um
divórcio entre os pensadores pós-marxistas esquerdistas
como Adorno, Horkheimer e Habermas e aqueles suspei-
tos de inclinações "fascistas vermelhas". Na França, Ray-
mond Aron apresentou uma crítica contundente à nova
tentativa de paradigmas revolucionários redentores.
Por fim, 1968 realizou, assim no Ocidente como no
Leste, uma reação ideológica que foi a premissa do "pro-
jeto de uma sociedade civil global". Ou, como o formu-
lou Tony Judt, "estava chegando ao fim um ciclo de 180
anos de políticas ideológicas na Europa". 69 O movimento
de 1968 foi na verdade um dos acontecimentos históricos
mundiais de nossa época, la breche, o divisor que estabe-
leceu um curso de acontecimentos que parece ainda ter de
°
percorrer seu curso.7 Charles Maier sumaria claramente
a transformação: "1968 encerrou uma época tão certa-
mente como abriu outra". 71 Parafraseando Paul Berman,
os panoramas imaginários desdobrados pelo mundo pela
juventude rebelde do Ocidente deram lugar gradualmente
às novas realidades de sociedades democráticas reforma-
das.72 No Leste, tentativas fúteis, de décadas, de encontrar
caminhos para reformar internamente o comunismo fo-
ram substituídas por uma ênfase na dignidade humana e
na inviolabilidade dos direitos humanos.73 À medida que
declinaram os regimes comunistas sob o peso de sua pró-
pria ineficácia e as elites perderam seu sentido de predesti-
nação histórica, tornou-se possível para a sociedade civil,
tanto tempo silenciada, reorganizar-se e lançar uma bata-
lha pela reconstituição da esfera pública. As sublevações

234
CAPÍTULO 4

do final dos anos 1960 e seu rescaldo tiveram um efeito


formador na intelligentsia soviética, e particularmente na
nova coorte de peritos, os assim chamados mezhoduna-
rodniki, "os analistas políticos, jornalistas, eruditos e ou-
tros preocupados fundamentalmente com as relações ex-
teriores".74 De acordo com Fyodor Burlatsky,
"analisando as reformas [do leste europeu] [... ]concluímos
que muitas delas poderiam ser [... ] adotadas em nossos
país. Estudamos a integração rápida da Europa Ocidental,
profundamente invejosos do Mercado Comum e de seu
contraste com o funcionamento burocrático lerdo do CEMA
[Conselho de Assistência Econômica MútuaJ. Pensamos em
adquirir [... ] tecnologia moderna e ingressar nas maiores
realizações do mundo da cultura. Em outras palavras,
sonhamos em reformar a Rússia". 75

Ou seja, se para alguns intelectuais revisionistas na Eu-


ropa Oriental e na União Soviética a conclusão dos acon-
tecimentos de 1968 os levou a uma oposição liberal, para
outros, especialmente no centro de Moscou, era diferente a
lição. Os que mais tarde deixariam o fundamento das refor-
mas da Perestroika vieram a acreditar que "eram possíveis
reformas, mas apenas se dirigidas por um líder iluminado
que muitos 'esperavam como pelo advento do Messias"'.
Robert English comentou de maneira exata esta posição:
"A candura deles - se os líderes tivessem vontade, então
as reformas 'funcionariam sem nenhuma dificuldade' - seria
uma grave desvantagem para um futuro líder que estivesse à
procura de um 'socialismo com face humana"'. 76

O Tsar revisionista
Sob essas circunstâncias, foram muito óbvias as antino-
mias do projeto marxista leste-europeu na última década da
União Soviética, quando as tribulações do "fenômeno Gor-
bachev" eram exemplos perfeitos do fracasso da reforma

235
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ideológica. A questão fundamental aqui, idêntica em sua


natureza à que impulsionou o pensamento revisionista,
foi: poderia o sistema soviético reformar-se em algo re-
almente diverso sem deixar de ser o sistema soviético? 77
Por um lado, no final dos anos 1980, Gorbachev e seus
seguidores tinham uma idéia clara do que estavam ten-
tando reformar: "um sistema que sufocava os indivídu-
os, um regime totalitário, um monopólio do estado so-
bre tudo", não imposto simplesmente pela Guerra Fria,
porque "havia também dentro dele um grupo dominante
que procurava a amargura, procurava obter a utopia, an-
siava pelo comunismo de guerra e pensava que poderia
governar com repressões contínuas". 78 Entretanto, a revi-
talização do status da URSS no palco mundial e a relegiti-
mização do socialismo (assim doméstica como internacio-
nalmente) eram dependentes, na visão de Gorbachev, de
uma transformação sistêmica exitosa do estado soviético.
Em outras palavras, o líder soviético rejeitava "a opção de
safar-se", característica de seus predecessores. 79 Por fim,
sua crença fiel na possibilidade de desmantelar simultane-
amente o "socialismo stalinista" (uma fórmula emprega-
da pela Literaturnaya gazeta semanal, em maio de 1988)
e refundar a organização política soviética está na base
dos paradoxos que causaram o colapso do centro de Mos-
cou. Retrospectivamente, esse tratamento, que se mostrou
fatalmente contraditório, deixa-nos com uma imagem
histórica de Gorbachev mais bem descrita pelo cientista
político Stephen Hanson em 1989: "Um autêntico revolu-
cionário romântico, acreditando de maneira absoluta no
poder criativo das massas, incapaz de permitir em prin-
cípio qualquer institucionalização concreta das políticas
revolucionárias que pudesse sufocar essa criatividade, e,
portanto, destinado a ser derrotado por outros que não
tinham tais escrúpulos" .80
CAPÍTULO 4

Pode-se, portanto, dizer com segurança, como Archie


Brown fez ao longo de sua obra, que Gorbachev foi de fato
um revisionista marxista, que, embora adulando a figura
icônica de Lênin, se afastou do bolchevismo como uma
cultura política baseada no fanatismo, sectarismo e volun-
tarismo, em direção a uma versão auto-estilizada de revi-
sionismo marxista. Na tradição russa de reformas vindas
de cima, a tentativa de Gorbachev de restaurar o ímpeto
moral do comunismo baseou-se, entretanto, num cálculo
errado: a eliminação gradual do controle do partido sobre
a sociedade abriu as portas para alternativas autônomas.
O crítico literário russo Igor Dedkov explicou claramente
em seu diário os novos horizontes trazidos pela ascensão
de Gorbachev ao Kremlin: "Subiu ao poder um homem
de nossa geração. Está prestes a começar um novo ciclo
de ilusões russas" .81 As políticas de Glasnost libertaram o
pluralismo, com sua própria dinâmica que transgrediria o
foco do projeto de reforma de Gorbachev.
Quando se tenta compreender o quadro complexo da
Perestroika, seu contexto e conseqüências, não se pode
desprezar o papel que as idéias exercem no curso dos
acontecimentos. Em si mesma, a pré-história do revisio-
nismo leste-europeu foi, juntamente com o "momento le-
ninista original" mítico (os sovietes de 1917 ou o período
da NEP), uma pedra de tropeço para os anos soviéticos
1980. Ademais, os sucessos do movimento de dissidência
na região (muito ajudados pelo empenho de Gorbachev
na "não-intervenção") elevaram o sentido de transforma-
ção revolucionária entre os atores envolvidos no processo
de mudança. Mencionei anteriormente neste capítulo os
três níveis de constituição intelectual num sistema de tipo
soviético (apparatchiks ideológicos, tecnocratas/intelec-
tuais do partido e dissidentes). Nos anos de 1980, esses
três grupos influenciaram-se uns aos outros a ponto de

237
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

provocar uma alteração generalizada do horizonte discur-


sivo, do conjunto conceitua! empregado e das expectativas
assim do nível do fazer política como do espaço público.
Poder-se-ia argumentar que até a última década de leninis-
mo havia um consenso geral dentro dos meios intelectuais
soviéticos quanto ao imperativo de repensar as soluções
possíveis para os problemas da URSS. Aqui está a curiosi-
dade da situação: a organização política soviética estava,
na verdade, em declínio (especialmente como líder do mo-
vimento comunista mundial), mas estava longe de ser um
tumulto. De acordo com Stephen Kotkin,
"havia o separatismo nacionalista, mas não ameaçava nem
remotamente a ordem soviética. A KGB esmagava o pequeno
movimento dissidente. A numerosa intelligentsia sempre
esteve insatisfeita, mas gozava de grandes subsídios estatais
[que eram] manipulados para promover a lealdade geral" .82

O biógrafo de Gorbachev, o cientista político Archie


Brown, formulou este argumento de uma maneira ainda
mais direta: "Na União Soviética a reforma produziu a crise
mais do que a crise forçou a reforma. O destino do sistema
soviético e do estado soviético não pendiam de um fio de
cabelo em 1985. Até 1989 o destino de ambos pendeu" .83
A mistura de um status internacional desbotado e com-
prometido (o desafio dos Estados Unidos, os embaraços
pós-Helsinki, as aventuras do Terceiro Mundo, o atoleiro
afegão, ou mesmo o euro-comunismo), a óbvia falta de legi-
timidade dos regimes comunistas leste-europeus (e sua no-
tória inabilidade de fazer frente aos movimentos dissidentes
sem violência generalizada) e a crença quase unânime entre
amplos setores da elite do partido na necessidade de pro-
por reformas (no rescaldo da "estagnação" brejnevita e da
derrocada de Konstantin Chernenko) produziram um am-
biente onde as idéias de Gorbachev e de seus companheiros
puderam transformar-se num programa político. Em outras
CAPÍTULO 4

palavras, era tempo para o revisionismo chegar ao poder


bem no centro do império. Aqui está a diferença entre os
anos 1980 na URSS e os de 1956 e 1968 na Europa Cen-
tral. Na Europa de 1968, o marxismo cultural oficializado
em política foi uma resposta à deslegitimação crônica dos
respectivos regimes e um tumulto dentro deles; no primei-
ro caso funcionou mais como uma medida de prevenção e
como uma necessidade percebida de renascimento sistêmi-
co.84 Na União Soviética, o "novo pensamento", como o
epítome da mentalidade dos governantes, "não apenas assi-
nalava uma reconsideração da eficácia política ou recálculo
de fins e meios, mas refletia, em vez disso, uma revisão total
e de longo prazo das crenças, valores e identidade". 85
O grupo de intelectuais de partido que se reunia ao re-
dor do secretário geral do PCUS informou e influenciou o
seu pensamento político e suas decisões principais. Esses
conselheiros e associados não apenas compartilhavam a
tendência reformista de Gorbachev, mas também contri-
buíram para sua radicalização. 86 Eram os "filhos do XX
Congresso do Partido", indivíduos que se beneficiaram da
abertura de possibilidades, assim doméstica como interna-
cionalmente, facilitadas pela desestalinização:
"Inadvertidamente, as políticas de Kruschev de coexistência
pacífica [e mais tarde a détente de Brejnev] e a competição
cultural, assim como sua retórica, ajudaram a ressuscitar um
fenômeno importante, familiar à intelligentsia russa: a idéia
do mundo exterior, acima de tudo o Ocidente, como elemento
de comparação para o progresso ou atraso da Rússia [...].O
descobrimento de outros mundos estava ainda ligado, nas
mentes de muitos intelectuais, ao futuro do experimento
comunista soviético, seu progresso ou fracasso". 87

A despeito da campanha de Glasnost, algumas coisas nun-


ca mudaram na estrutura dos rituais da propaganda soviéti-
ca. O secretário geral era ainda a voz dominante autorizada
a expressar a verdade revelada. Os limites da discussão e o

239
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

escopo e objetivos da abertura eram prescritos pela no-


menklatura ideológica. Mesmo figuras importantes como
Alexander Yakovlev foram confrontadas com o avilta-
mento pelos comunistas ferrenhos, pelos oficiais superio-
res da KGB e pelos xenófobos da Grande Rússia de serem
o "espírito mau" de Gorbachev e arqui-traidores do socia-
lismo. Outros representantes do grupo de reformadores
que entraram na mira daqueles ameaçados pelo "fenô-
meno Gorbachev" foram o filósofo Ivan Frolov (por um
tempo secretário do Comitê Central do PCUS ); o cientista
político Georgiy Shakhnazarov (presidente da Academia
de Ciências Políticas); o conselheiro de política exterior de
Gorbachev, Anatoly Chernyav; Otto Latsis, redator chefe
adjunto do jornal teorético do PCUS Kommunist; Georgii
Smirnov, o diretor do Instituto de Marxismo-Leninismo
do PCUS; Ivan Voronov, o chefe do Departamento Cul-
tural do Comitê Central e muitos outros. 88 Alguns deles
tinham trabalhado em Praga nos anos 1970 como editores
do mensário World Marxist Review e foram atraídos por
idéias de que dentro da atmosfera geral de zastoi eram he-
terodoxas, se não completamente heréticas. 89 O que per-
manece crucial quanto à "elite política acadêmica jovem"
que cercava Gorbachev era que o vínculo que a mantinha
unida era uma experiência comum de aculturação na re-
forma. Robert English identificou dois níveis no processo
de aprendizado de uma nova identidade:
" Aprendizado comparativo-interativo, pelo qual ligações
estrangeiras facilitam uma mudança na 'auto-categorização'
essencial da nação entre aliados e adversários; e aprendizado
social, em que um número crescente de intelectuais de
diversas profissões são levados a uma comunidade doméstica
informal". 90

Pessoas como Yakolev, Alexei Arbatov (chefe de depar-


tamento do Instituto de Economia Mundial e Relações
Internacionais da Academia de Ciências da URSS), Abel
CAPÍTULO 4

Aganbegyan, Evgeny Velikhov, Chernyav, Shaknazarov e


outros tornaram-se os proponentes de um "novo pensa-
mento" na política internacional, que rejeitou a tradição
soviética de cerco capitalista ou revolução permanente em
favor da integração com "a corrente comum da civilização
mundial". Provocaram o que os conservadores chamaram
a "conspiração dos acadêmicos", que engendraram a revi-
ravolta que levou ao fim a Guerra Fria. 91 Estavam também
entre os primeiros a atacar a realidade da Brejnevschina
- paralisia política acompanhada de desordem moral, de-
sespero intelectual e uma erosão contínua da ideologia
dominante. Robert C. Tucker descreveu corretamente a
União Soviética pré-Gorbachev como uma sociedade pro-
fundamente perturbada:
"Em massa as pessoas deixaram de acreditar na importância
transcendental de uma condição coletiva futura chamada
'comunismo'. Deixaram de acreditar na possibilidade de a
sociedade chegar àquela condição e da conveniência de tentar
atingi-la através do papel condutor do partido comunista,
ou em si mesmas como 'construtores do comunismo', que é
como o partido oficial define os cidadãos soviéticos. Numa
sociedade com uma cultura oficial fundada apenas nessas
crenças isto implica uma crise profunda" .92

Todo o ethos da classe política soviética sofria então um


processo de dissolução lenta e aparentemente irreversível.
Não é de surpreender a regeneração da cultura política
soviética emergida como uma preocupação amplamen-
te compartilhada entre os esteios da elite. O manuscrito
inédito de 1989 de Gorbatchev, em que ele delineou as
principais direções de uma renovação pluralista total do
sistema soviético, pode ser considerado uma resposta aos
que expressaram cepticismo acerca de sua determinação
de ir além das fronteiras de um leninismo renovado (in-
cluindo muitos dissidentes soviéticos assim como acadê-
micos e políticos ocidentais). Ao promover a idéia de um
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sistema baseado no estado de direito, Gorbachev de fato


deu início a um processo político irreversível com efeitos
históricos de escala mundial. Em fevereiro de 1990, Gor-
bachev convenceu o Comitê Central a aceitar o princípio
de um sistema multipartidário e abandonar o privilégio
constitucional do Partido Comunista:
" O partido, numa sociedade que se renova, pode existir e
exercer seu papel como vanguarda apenas como uma força
democraticamente reconhecida. Isto significa que seu status
não deve ser imposto pelo endosso constitucional" .93

Pode-se ver que Gorbachev estava, na verdade, reafir-


mando um pronunciamento de seu amigo Zdenek Mlynáf
acerca das duas condições de validade para a preservação
do papel de liderança do partido. 94 De acordo com muitos
autores, mesmo este tratamento foi apenas a ponta do ice-
berg, no sentido de que, desde 1987 até 1991, Gorbachev
e sua comitiva levaram em consideração a idéia de dividir
o PCUS em busca de uma legitimidade maior e um apoio
mais amplo para a versão Perestroika da URSS. 95
Em 1988, argumenta Brown, ocorreu uma grande mu-
dança no despertar intelectual de Gorbachev. Até essa
época, ele já havia condenado publicamente os "crimes
inesquecíveis e imperdoáveis" de Stálin. Para todos os efei-
tos práticos, ele se converteu a uma versão de revisionis-
mo marxista diretamente inspirada pelo socialismo evo-
lucionário de Eduard Bernstein. Nas palavras de Anatoly
Chernyav, Gorbachev estava passando por um processo
de "desideologização generalizada" .96 O XXI Congresso
do Partido em 1986 já havia substituído a lei de ferro da
luta de classes por "uma nova doutrina que enfatizava a
prioridade dos 'valores humanos universais', incluindo os
direitos humanos e a auto-determinação" .97 Ao denunciar
o reino de terror de Stálin, Gorbachev estava, na verdade,
dizendo adeus ao sistema partocrático mobilizado ideolo-
CAPÍTULO 4

gicamente por Lênin. Ao contrário daqueles que conside-


ram a pressão civil como a causa principal da Perestroika,
Brown enfatiza que "com exceção da Polônia, é duvidoso
que o crescimento da sociedade civil deva ser visto como
uma fonte de mudança política fundamental no mundo
comunista e não como conseqüência dele" .98 Foi a "am-
bivalência institucional" 99 que causou a maior parte das
transformações. Em outras palavras, instituições desenha-
das para alimentar e legitimar o sistema (departamentos
ideológicos, a academia do partido, diários teoréticos e
think tanks) vieram a minar o papel que deveriam exercer.
Este ponto explica, na verdade, as trajetórias intelectuais
inesperadas dentro da nomenklatura, incluindo algumas
apostasias espetaculares que eram respostas à crise cul-
tural e moral insolúvel do sistema. O gorbachevismo ten-
tou oferecer antídotos às patologias agressivas de cinis-
mo, corrupção e nepotismo. Os últimos anos da União
Soviética foram caracterizados fundamentalmente por
um processo de iconoclasmo nacional, com as principais
fundações mitológicas do sistema existente desfazendo-se
uma após outra.
Por fim, no entanto, a inabilidade de Gorbachev de su-
perar a velha dramaturgia ideológica atingiu o grau de
mudança dentro do sistema soviético. Enquanto Yakolev
chegava à conclusão de que o stalinismo era inseparável
da tradição bolchevique, que precisava ser inteiramente
alijada, Gorbachev não podia transgredir certo horizonte
mental determinado por esse apego ao sistema existente.
Voltou atrás por razões táticas, mas também por causa
de suas profundas convicções íntimas. Para Yakovlev, Lê-
nin era culpado de crimes contra a humanidade, ponto
de vista que Gorbachev evitaria consistentemente. Um
marxista-leninista experiente, mas um ser humano funda-
mentalmente honesto, Yakolev veio a entender a União

243
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Soviética, o produto histórico do leninismo, em sua essên-


cia como um estado definido pela imposição. Gorbachev
não pôde superar sua percepção dela como um reino da
possibilidade. 100
Mas o rompimento de Gorbachev com o leninismo,
menos estridente do que o de Yakovlev, foi real. Afinal de
contas, pode-se ver Gorbachev como uma combinação de
Imre Hagy e Alexander Dubcek: incapaz de abandonar
completamente o modelo leninista surrado, procurando
desesperadamente o "socialismo com face humana", di-
lacerado entre a nostalgia de velhos ideais e a consciência
trágica do vazio deles. Mais do que um neo-menchevique,
um social democrata de estilo ocidental, à la Willy Brandt
(a quem admirava), Gorbachev permanece o último e mais
influente dos líderes leninistas leste-europeus que tentaram
humanizar um sistema inerentemente inumano. Yaklo-
vlev, por sua vez, foi o caso prototípico de um apparatchik
que apostatou nos estágios terminais do bolchevismo. Seu
livro de diálogos com Lilly Marcou tentou apontar para
um "potencial democrático" do leninismo. Àquele tempo,
argumentava ele,
"Mediante o retorno aos valores universais e ao processo
de integração européia, a idéia socialista está enraizando-se
na Europa. A saída deste beco-sem-saída que foi a Guerra Fria
será mediante a Perestroika na URSS e mediante a evolução
em outras nações leste-européias [... ]. Por enquanto, as
pessoas estão recusando o socialismo: a idéia tropeçou nas
condições reais dos países do Leste-Europeu; foi destruída
pela contra-revolução stalinista. Agora que o modelo stalinista
foi eliminado, veremos a emergência de um socialismo pós-
termidor. Este novo socialismo, que já não conhecerá opressão
burocrática, será feito em nome da humanidade" .101

É claro, depois de 1992, o rompimento foi completo,


permitindo que ele se tornasse o presidente da Comissão
para a Reabilitação das Vítimas do Stalinismo. Seu livro,

244
CAPÍTULO 4

A Century of Violence in Soviet Russia, dá testemunho de


sua jornada do dogma à democracia.
A necessidade de um divórcio dramático com o passado
foi, no entanto, reconhecida pelos partidários mais radi-
cais da Perestroika. A Declaração da Conferência de Mos-
cou dos Clubes Socialistas, lançada em agosto de 1987,
formulou as seguintes exigências: status legal para orga-
nizações e associações independentes; o direito de propor
leis e assegurar o cumprimento das decisões do partido
para a democratização do sistema eleitoral; o direito de
as organizações sociais nomearem seus próprios represen-
tantes em todos os níveis de deputados do povo soviético,
sem restrições e com livre acesso de candidatos à mídia
de massa; uma distinção legal entre crítica das falhas do
sistema existente e atividade anti-estatal; e, de acordo com
o primeiro ponto do programa do Partido Trabalhista so-
cial-democrata russo, os direitos do cidadão de processar
na justiça oficiais responsáveis por atos ilegais, indepen-
dente de queixas feitas nos níveis administrativos. 102
À medida que avançavam as políticas de Perestroika,
a mobilização política vinda de baixo na União Soviéti-
ca concentrava-se na eliminação dos contrapresos que
evitavam a realização da verdadeira democracia. Esses
contrapesos, de acordo com Stephen Cohen, minavam o
que ele chama "as instituições de uma democracia repre-
sentativa [já existente na comunidade política soviética]
- uma constituição que incluía provisões para liberdades
civis, uma legislatura, eleições., um judiciário, uma fede-
ração" .103 A sua remoção teria supostamente desvelado
o tão longamente esperado "socialismo soviético refor-
mado". O rápido colapso da URSS, combinado à reo-
rientação de amplas seções da população da federação,
contradiz a tese de Cohen. Como nota Archie Brown, a
Perestroika não conseguiu suplantar o limbo sistêmico. A

245
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

transição de um sistema para outro nunca foi completada,


reforçando assim a percepção cada vez mais difundida da
irreformabilidade. 104 Assim Karen Dawisha como Stephen
Hanson indicam que aquilo a que Gorbachev visava como
reforma se tornou, no contexto da última década do cen-
tro de Moscou, "uma auto-destruição (contra)-revolucio-
nária do partido-estado". Parafraseando Karen Dawisha,
a Perestroika, através de suas políticas, reconheceu publi-
camente o elefante no "apartamento comunista" - houve
um erro crítico e fatal no cerne do projeto comunista de
construir uma nova civilização.1º5
As elites governantes nos países comunistas falharam
por causa de sua inabilidade de funcionar dentro do plu-
ralismo político. A função principal da burocracia comu-
nista foi a de exercer a ditadura sobre a mente e o corpo.
O ethos burocrático comunista envolvia um forte esprit
de corps, uma solidariedade desenvolvida pela experiência
existencial comum, paternalismo continuado e um mono-
pólio do poder ciosamente guardado. Pode-se argumentar
que Gorbachev estava muito consciente da revolução des-
de cima, que ele iniciara. A política de Glasnost era, para
ele, principalmente um instrumento de limpar as fileiras
do estado e da burocracia partidária. A aceitação do grau
imposto de reforma econômica e democratização conti-
nuou a atormentar a elite governante soviética.
Gorbachev parecia perplexo com a reação popular e
extrapolação de suas políticas, pois concentrara-se em eli-
minar seus rivais (de Ligachev a Yeltsin). Facilitou então o
que Stephen Hanson chama um "rompimento da unidade
da elite" que deixou a porta aberta para "comportamen-
tos nocivos e oportunistas de curta duração pelos agentes
de nível baixo da burocracia do estado ao longo de toda
a URSS" .106 Na verdade, Gorbachev disparou uma revo-
lução desde cima, mas escapou-lhe o efeito revolucionário
CAPÍTULO 4

que ela teria na população. Sua devoção máxima a um


estado soviético sob a regra do PCUS, outra metamorfose
do velho capricho revisionista de reforma ideológica des-
de dentro com ferramentas supostamente pré-existentes,
é outra explanação para sua queda. Este devotamento é
chave para suas vacilações no começo do ano de 1991,
quando se aproximou brevemente da linha dura do parti-
do (sacrificando, entre outros, Yaklovlev), e para sua posi-
ção dúbia quanto ao emprego de força na Letônia, Lituâ-
nia e Azerbaijão. Também explica a resolução de 1991 do
PCUS, que advogava "a exportação de fontes de energia
para a Europa Oriental como o instrumento mais impor-
tante" para "restabelecer nossa 'presença' [soviética] na
região" a fim de "neutralizar ou ao menos diminuir as
tendências anti-soviéticas nos países do leste-europeu" .107
Mesmo o famoso abandono do papel de liderança cons-
titucionalmente garantido do PCUR na sociedade (artigo
6°) veio três dias depois de uma demonstração enérgica de
100 mil pessoas em Moscou contra o Partido Comunista.
Lendo o diálogo entre Gorbachev e Mlynáf em "O que
fazer com o Partido?", torna-se óbvio que o líder soviéti-
co estava completamente confuso quanto ao modo como
introduziria o pluralismo político ao mesmo tempo que
apoiava o socialismo de estado. Deu corretamente o pri-
meiro passo ao desenterrar o lema do Grande Outubro:
"Todo o poder aos sovietes! ", a fim de secularizar o poder
e a tomada de decisões na URSS. Desta maneira, tentou
pôr os oficiais de partido sob o controle da sociedade. O
lema original da revolução de 1917 significava "liberdade
dos ditames do partido não apenas para os órgãos gover-
namentais eleitos, mas também para os órgãos executivos
estabelecidos por esses corpos legislativos. Significava uma
separação de poderes governamentais baseada na lei". As
estruturas paralelas criadas não poderiam desenvolver-se

247
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

completamente em órgãos de democracia representativa


enquanto se preservasse o artigo 6º da Constituição do
PCUS, que mantinha o monopólio de poder do Partido
Comunista. A descrição que Gorbachev fez dos aconte-
cimentos mostra como as negociações prolongadas den-
tro do Comitê Central não produziram mudanças, mas
apenas sob pressão das eleições republicanas de 1990. Ele
reconhece que somente em julho de 1991 é que o órgão
de condução do partido conseguiu produzir "um progra-
ma de socialismo democrático no sentido moderno da pa-
lavra". Para Gorbachev o pluralismo político significava
antes um "desenvolvimento do partido em um organismo
social, ou seja, reagrupar e remodelar os milhões de comu-
nistas que não eram parte da nomenklatura" .108 Manteve
uma confiança notória na vocação intramundana que ca-
racterizou os virtuosi dos primeiros anos do bolchevismo.
Persiste ainda uma pergunta, pergunta que inicialmente
levantei em 1990: Teve a revolução de Gorbachev o po-
tencial de ser uma revolução anti-leninista? Seus planos
parecem ter mantido as características de um movimento
de regime definido por um espírito socialista abrangente.
Ele tentou formular um novo contrato social baseado na
confiança e respeito mútuos entre líderes e cidadãos. O
partido como um intelectual coletivo no sentido grams-
ciano, sua relegitimação mediante competência intelectual
e autoridade moral, nunca obtiveram sucesso, todavia, em
tornar-se uma alternativa viável para o pluralismo político
e nacional ou fragmentação do crepúsculo leninista.
De acordo com Archie Brown, podem-se identificar três
causas principais para o fracasso do experimento Gorba-
chev: primeira, ele não defendeu reformas econômicas em
direção a uma economia de mercado; segunda, ele reagiu
tarde e freqüentemente de maneira contrária a seus pró-
prios interesses diante da ascensão dos movimentos nacio-
CAPÍTULO 4

nalistas e separatistas centrífugos; terceira, ele subestimou


a capacidade de remobilização da nomenklatura e poster-
gou uma aliança com as forças genuinamente democráti-
cas. Foi Boris Yeltsin quem soube capitalizar politicamen-
te a ascensão tempestuosa da sociedade civil na Rússia.
Apesar disso, foi graças a Gorbachev e aos gorbachevistas
que a URSS saiu, de um estado baseado no desprezo para
com o indivíduo e para com o estado de direito, para um
estado em que os direitos humanos e civis eram levados
a sério. Independentemente do que se pense da filosofia
política pós-leninista de Gorbachev, é certo que ele sedes-
vinculou das características despóticas censuráveis do ve-
lho regime. O problema de Gorbachev foi que ele e seus
seguidores advogaram o que Jacques Levesque chamou
"uma ideologia de transição" permeada de "uma ambição
prometéica de mudar a ordem existente no mundo, base-
ada em novos valores universais". Ela ofereceu a base de
justificação para a política exterior soviética e criou a legi-
timidade que manteve em cheque e, por fim, venceu as for-
ças conservadores dentro do PCUS. 109 Também estimulou
uma ilusão dupla: a capacidade de controlar as mudanças
no contexto de uma sociedade devastada pelas conseqüên-
cias da religião político marxista-leninista e uma crença
na vontade da sociedade de uma transformação socialista,
a despeito da competição doutrinal e do pluralismo po-
lítico. Em outras palavras, à época o gorbachevismo não
se deu conta de que nenhuma fênix poderia renascer das
cinzas do "primeiro estado proletário".
A dissolução da sociedade civil e a preservação de um
espaço social atomizado, características sine qua non do
totalitarismo de tipo soviético, engendraram uma indife-
rença moral e corrupção intelectual generalizadas. Nas pa-
lavras de Archie Brown: "houve, quase certamente, mais
fiéis verdadeiros num futuro radiante durante os piores

249
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

anos de terror em massa do que quarenta anos mais tar-


de" .110 A linguagem oficial era uma segunda natureza, um
escudo protetor contra acessos de espontaneidade. As pes-
soas simulavam lealdade ao sistema, gerando um floreado
de comportamento ritualístico em vez de um sentimento
de afeto. Como disse Václav Havei:
"Entretanto, por causa desta ditadura do ritual, o poder
torna-se anônimo. Os indivíduos são quase dissolvidos no
ritual. Deixam-se varrer por ele e freqüentemente parece que
o ritual sozinho leva as pessoas da obscuridade para a luz do
poder[ ... ]. A operação automática de uma estrutura de poder
assim desumanizada e feita anônima é uma característica do
automatismo fundamental deste sistema" .11 1

O que resta
Os cidadãos dos países socialistas eram mestres prati-
cantes da linguagem e pensamento duplos. A vida da men-
te estava repartida, e o resultado deste processo atroz foi
que nem mesmo o secretário geral soviético estava intei-
ramente convencido daquilo que o partido proclamava. A
ideologia funcionava mais como uma instituição residual
do que como uma fonte de identificação mística com os
poderes consagrados. Depois do XX Congresso do PCUS
e da Revolução Húngara, lemas oficiais soavam como uma
sucessão de sentenças sem sentido. O único efeito da ad-
moestação foi um tédio que tudo penetrava. Ironicamente,
o imperialismo ideológico levou a simulacros de fé que
eram simples camuflagem para um vácuo ideológico. No
momento em que esta impostura foi exposta, ruiu todo o
castelo. Nas palavras de Havei:
"A ideologia, como instrumento de comunicação interna
que assegura a estrutura do poder da coesão interna, é, no
sistema pós-totalitário, algo que transcende aspectos físicos
de poder, algo que o domina num grau considerável e,
portanto, tende também a assegurar-lhe a continuidade. É
CAPÍTULO 4

um dos pilares da estabilidade externa do sistema. Este pilar,


no entanto, é construído numa fundação muito instável. É
construído sobre a mentira" .112

Funciona somente enquanto as pessoas estão dispostas


a viver na mentira. Em toda a sociedade os cidadãos pre-
cisam de um conjunto de valores cuja observância assegu-
ra tranqüilidade e realizações mundanas. Regimes de tipo
soviético desprezaram isso e forçaram os indivíduos adi-
vidir sua alma entre pessoas públicas e privadas. Pessoa e
cidadão eram entidades diferentes nessas sociedades. O re-
sultado traduz-se em apatia, desgosto com a política, con-
sumo de drogas, interesse em cultos exóticos, ou mesmo
fascinação com o nazismo, como no caso de certos grupos
juvenis soviéticos. Pode-se, portanto, considerar a extin-
ção do ardor místico como a principal vulnerabilidade dos
sistemas políticos comunistas. Esses sistemas experimen-
taram uma crise ideológica perpétua, pois suas promessas
já haviam, fazia tempo, perdido qualquer credibilidade.
As ordens de Gorbachev receberam apoio morno daqueles
que ele queria mobilizar. Não foi nenhuma surpresa que
tenham sido os liberais e os ocidentalistas radicais que ex-
pulsassem Gorbachev do poder.
O líder do PCUS tornou-se vítima de suas políticas por-
que subestimou o afastamento entre a vontade de mudan-
ça revolucionária no bloco soviético e a preservação do
grande quadro organizacional na área. Desprezou o que
eu chamaria, empregando a terminologia de Mark Kramer,
"os efeitos de demonstração" da emancipação. Gorbachev
minou a ideologia marxista-leninista. Internalizou a vulne-
rabilidade do regime soviético. Diminuiu sua pressão no
desassossego petrificante assim dentro do bloco como da
federação. Interpretou mal as visões das sociedades civis
leste-européias de transformação do regime e então foi
surpreendido pelo contágio da democratização - essencial-
mente uma alternativa à sua visão. Seguindo a afirmação
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

de Michnik, "o vírus da Perestroika" foi, na verdade, o


último ingrediente necessário para abrir as comportas do
dissenso. Mas também o vírus da reinvenção leste-euro-
péia da política subverteu irreparavelmente o "fenômeno
Gorbachev", levando a um desafio permanente que, no
final, empurrou a mudança sistêmica para o colapso do
sistema. O "efeito de demonstração" transnacional, en-
tre-bloco e trans-fronteira dos movimentos sociais, plata-
formas políticas, e políticas de estado aceleraram a cris-
talização e articulação da consciência revolucionária não
violenta, primeiro entre a intelligentsia e então na popu-
lação em geral. Em contraste com as crises anteriores no
campo socialista, durante os acontecimentos dos anos de
1989 a 1991, as pessoas sabiam tanto o que estava sendo
manifestado quanto compreendiam as idéias difundidas.
Mark Kramer aponta para o fato de que esta situação ali-
mentou paralelos, analogias e consciência entre aqueles
mobilizados no processo revolucionário. A "dureza" do
campo socialista, que era anteriormente reforçada por um
regime soviético intervencionista (sob a doutrina Brejnev),
agora mostrou ser a catalisadora da velocidade da luz da
mudança e o fluxo de idéias a respeito desta:
"Tendo começado como um fenômeno amplamente
unidirecional em 1986-1988, a propagação tomou-se
bidirecional em 1989, mas então mudou de novo para um
padrão unidirecional nos anos de 1990-1991. Ao contrário dos
anos de 1986-1988, no entanto, a direção da propagação em
1990-1991 era principalmente da Europa Oriental para a União
Soviética [... ]. O paradoxo das mudanças que ocorreram sob
Gorbachev é que, desde 1989 em diante, esta mesma estrutura
facilitou ao invés de impedir a propagação do desassossego
político e das influências democratizantes da Europa Oriental
para a URSS - os mesmos tipos de influências que, afinal de
contas, minaram o regime e o estado soviéticos" .113

Os intelectuais revisionistas que fizeram isso para sub-


verter a fachada ideológica dos regimes comunistas aban-
CAPÍTULO 4

clonaram por fim suas ilusões acerca da reformabilidade


do sistema desde dentro do partido governante. Dada a
densidade do ambiente soviético-leste europeu, sua apos-
tasia criou as premissas para ver a democracia para além
de qualquer arranjo que uma revolução de cima poderia
trazer. Voltaram-se, em vez disso, para o redescobrimento
das virtudes do diálogo e das vantagens do discurso civil.
De acordo com Zubok, a formação do movimento de di-
reitos humanos na União Soviética foi uma conquista cau-
sada por uma mudança da consciência "da idealização da
'idade de ouro do bolchevismo' e louvor de 'normas leni-
nistas' até a adoção de 'princípios morais universais'" .114
Membros da oposição democrática recém-nascida advo-
gavam a necessidade de criar uma política alternativa. O
escritor húngaro George Konrád falou da emergência de
anti-políticas como um desafio para a versão apócrifa da
política encarnada pelo sistema:
"A ideologia da oposição democrática compartilha com a
religião a fé em que a dignidade da personalidade individual
(assim na própria pessoa como na outra) é um valor
fundamental que não exige nenhuma outra demonstração.
A autonomia e solidariedade dos seres humanos são os dois
valores básicos e complementares com que o movimento
democrático relaciona outros valores'' .115

As experiências mais amargas na Polônia, Hungria e


Checoslováquia convenceram a crítica de que o cerne da
matéria era ir além da lógica do sistema. Foi inegável a
contribuição crucial do revisionismo em pôr um fim à au-
to-satisfação marxista-leninista, mas a fraqueza principal
dele foi a submissão às regras ditadas pela oficialidade. Os
novos oponentes radicais ao totalitarismo viram o revisio-
nismo como uma defesa hesitante de mudança, embora
fosse herético aos zelotes ideológicos do regime. Esses es-
critos eram esotéricos, especialmente se contrastados com

2 53
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANE.ANU

a literatura dissidente, e tinham pouco apelo ao grande


público em geral. Entretanto, a falácia mais importante
do revisionismo foi que ele gerou uma crítica que estava
ainda codificada na linguagem do poder e na lógica das
ditaduras de tipo soviético. Não havia nenhuma dúvida,
entretanto, de que as idéias revisionistas dos anos 1960
catalisaram a emergência da contracultura do dissenso. O
desencanto com o marxismo foi uma oportunidade para
repensar o legado radical e reafirmar os ideais jacobinos
de comunidade total.
Na luta entre o estado e a sociedade civil, foi tarefa
desta inventar um novo princípio de poder que respeitaria
os direitos e aspirações do indivíduo. Esse contra-princí-
pio estava enraizado na vida independente da sociedade,
no que Václav Havel chamou adequadamente "o poder
dos impotentes". Uma nova época chegou à maturidade.
Era o começo da desmistificação total da infraestrutura
dúplice do poder comunista. Primeiro Soljenítsin, depois
os dissidentes da Europa Oriental e Central anunciaram
sua decisão de restaurar o valor normativo da verdade.
Recusar as mentiras oficiais e reafirmar a verdade em seu
próprio direito passou a ser uma estratégia de mais su-
cesso do que a crítica de dentro. A dissensão na Europa
Central e Oriental subverteu o leninismo, usando duas
trajetórias: "a criação auto-consciente de um sítio de resis-
tência", também chamado "polis paralela", "segunda so-
ciedade", "anti-política" e assim por diante, e "as estraté-
gias gêmeas do novo evolucionismo e não-violência" (tais
como a "auto-limitação" de Jacek Kuroó. ou "reformismo
radical" de J ános Kis) .116 Pela primeira vez no século XX,
os dissidentes rejeitaram o status revolucionário de emer-
gência (privilégio) como uma justificação para a violência
(de estado) na transformação social. No processo, tam-
bém forçaram os intelectuais do Ocidente a enfrentar suas

254
CAPÍTULO 4

próprias ilusões enraizadas na fascinação totalitária pela


utopia armada. Ademais, o movimento dissidente destruiu
irreversivelmente o véu da ignorância auto-construído,
auto-cegante e completamente obsoleto concernente ao
custo humano da revolução. No caso da França, a terra do
engajamento aparentemente sem fim no privilégio revolu-
cionário, "com pormenores esmagadores e dilacerantes, o
Arquipélago Gulag de Soljenítsin foi a acusação que, nas
palavras de Georges Niva, 'nos quebrou"' .117
O fim último do comunismo, superando a política num
corpo social completamente unificado - o celebrado "sal-
to no reino da liberdade" - foi desafiado por um impera-
tivo moral de responsabilidade política. Conceitos como
planejamento central, o papel condutor do partido, o
princípio da luta de classe no palco mundial e a pirâmide
de sovietes foram legitimados em termos históricos, "um
processo que foi maior que aquilo que eles, como formas
temporais de organização, representavam" . 118
Em certo sentido, Gorbachev esperava que o partido
reobtivesse sua alma na luta pela modernização da cultura
política soviética, mas descobriu que os tempos tornaram
fúteis tais tentativas. Apenas quando era tarde demais, em
julho de 1991, no momento da desordem ideológica devas-
tadora dentro do PCUS, é que ele determinou "um rompi-
mento decisivo com os dogmas ideológicos e estereótipos
fora de moda". Fracassou em procurar soluções fora do
partido. Recusou-se a adotar a estratégia da mesa-redon-
da - o símbolo das revoluções pacíficas da Europa Central
de 1989. Ele planejou a transição para a democracia por
meio do socialismo (embora incorretamente articulado),
mas, numa sociedade pluralista, sua visão não era a única a
competir na praça pública. Agora é óbvio que a força prin-
cipal dos regimes comunistas foi sua habilidade de manter
um clima de medo e desesperança; sua principal fraqueza

255
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

foi falhar em açaimar a mente humana. Não subestimo os


problemas econômicos intrínsecos desses regimes, mas a
principal vulnerabilidade deles foi a falha em gerar con-
fiança. A Glasnost era uma tentativa de resolver o insolú-
vel, um esforço desesperado de criar um ambiente menos
sufocante sem mudar o princípio de dominação do parti-
do. As revoltas de 1989 e 1991 mostraram que o tecido
talvez estivesse mais macio, mas a camisa de força ficara
inalterada, gerando o estado último - a completa censura
popular sistemática.
O filósofo húngaro dissidente G.M. Tamás expressou
um sentimento muito difundido entre os independentes do
leste-europeu quando se recusou a considerar o gorbache-
vismo como enviado do céu:
"Não concordo [...] com a complacência da maior parte
dos observadores ocidentais, especialmente agora com o
advento de Gorbachev, que nos confinariam dentro dos
limites de um sistema comunista suavemente reformado onde
o poder ainda se mantém com o Partido, mas onde algumas
outras pessoas podem também gritar um pouco. Se as pessoas
não têm de sofrer por suas visões, e, no entanto, não têm
nenhuma influência real sobre o que acontece, quanto mais
tempo continuar esta situação tanto maior será a diferença
entre palavras e atos. Não podemos desenvolver nesta base
uma vida normal no futuro,, .119

Ou, como diz o pensador e dissidente Miklós Haraszti


no posfácio da edição americana de seu livro acerca de
artistas sob o socialismo:
"Por décadas a Hungria foi um manual de neo-colônia pós-
stalinista pacificada. Este fato não se perdeu no sr. Gorbachev
quando tentou enrolar mais veludo nas barras de sua prisão,
a fim de criar uma ordem menos primitiva e mais manobrável
no coração de seu império" .12º

Os efeitos nefastos deste relaxamento ideológico não


foram sentidos apenas na União Soviética, mas também
CAPÍTULO 4

na Europa Central e Oriental. Ele permitiu uma redistri-


buição da constelação de poder como uma conseqüência
da auto-organização social. A experiência do Comitê de
Defesa dos Trabalhadores (KOR) na Polônia demonstrou
que um pequeno núcleo de intelectuais dedicados poderia
mudar fundamentalmente a equação política pós-totalitá-
ria.121 KOR contribuiu para o clima de cooperação entre
o cerne radical da intelligentsia e os ativistas militantes
da classe trabalhadora. Não sendo nem um partido po-
lítico nem um sindicato tradicional, o Solidarnosc prefi-
gurou uma síntese de linguagem não-utópica para uma
pólis racional e uma comunidade emancipada. O ritmo
da reforma na União Soviética manteve uma importância
vital para o destino das nações leste-européias. A intensifi-
cação de atividades dissidentes em 1987-1989 na Polônia,
Hungria, Checoslováquia e RDA antecipou o desafio total
e ousado aos regimes comunistas nesses países. A decla-
ração de outubro de 1986, assinada pelos dissidentes da
Polônia, Hungria, Checoslováquia e RDA, inaugurou um
novo capítulo na história das lutas anti-totalitárias. Mos-
trou que as ações internacionais poderiam e deveriam ser
empreendidas para enfatizar os valores e os fins da oposi-
ção. Foi o chamamento histórico dos intelectuais críticos
para conter a estratégia de cooperação e afirmar o prima-
do desses valores que o sistema sufoca.
No momento em que movimentos sociais independen-
tes genuínos se fundiram, os intelectuais apresentaram
um programa articulado de mudança política, a alterna-
tiva que os revisionistas não conseguiram criar. Em seu
livro original Dictatorship over Needs, Heller, Fehér e
Márkus oferecem uma explanação ponderada da morte
do marxismo-leninismo:
"Uma ordem social é legítima se ao menos parte da
população a reconhece como exemplar e obrigatória e a outra
parte não confronta a ordem social existente com a imagem

257
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de uma alternativa igualmente exemplar. Assim, o número


relativo dos que legitimam um sistema pode ser irrelevante se
as massas não-legitimantes estão apenas insatisfeitas" .122

A seu turno, Archie Brown, em vez de advogar um pon-


to de vista vantajoso, de cima, argumenta que o colapso
do comunismo pode ser explicado por uma combinação
de "novas idéias, poder institucional (tendo os altos co-
mandos do sistema político caído nas mãos de reforma-
dores radicais) e escolhas políticas (quando outras opções
poderiam ter sido escolhidas)". 123
Então, por que desmoronaram os regimes comunistas?
A resposta é multi-causal e exige articular as muitas ori-
gens e implicações dos terríveis acontecimentos mundiais
de 1989-91. Se, no entanto, eu começasse uma lista de
causas, diria que os regimes comunistas desapareceram
porque perderam sua auto-confiança ideológica, suas cre-
denciais hierocráticas. Sua hegemonia ritualizada foi desa-
fiada com sucesso pela reinvenção da política provocada
pela dissidência. A lógica do consentimento, da emancipa-
ção dentro de limites "ideocráticos", foi substituída pela
gramática da revolta, da auto-afirmação e da liberdade. O
projeto comunista da modernidade, orientado para "uma
acumulação integrada de riqueza, poder e conhecimento"
e confiante no "fantasma incrustado de um encurtamen-
to para uma afluência através da mobilização social to-
tal", 124 foi rejeitado por motivos morais. A cristalização de
uma teoria crítica concentrando-se na subjetividade e na
negatividade reafirmou a posição central do ser humano
na economia simbólica da política da Europa Central e
Oriental. Ironicamente, o aviso soviético "Ou destruímos
o revisionismo ou ele nos destruirá!" parece agora assom-
brosamente profético. Graças aos intelectuais críticos que
confiaram na tradição e fundamentos estabelecidos pelo
marxismo revisionista, as revoltas transformaram-se, afi-
nal, em revoluções.
CAPÍTULOS
IDEOLOGIA, UTOPIA E VERDADE
LIÇÕES DA EUROPA ORIENTAL

Qualquer Utopia social que pretenda oferecer um plano


técnico para tornar perfeita a sociedade parece-me agora
transbordante dos perigos mais terríveis. Não estou dizendo
que seja ignóbil, cândida ou fútil a idéia de fraternidade
humana; e não acho que seria desejável descartá-la como
pertencente a uma época de inocência. Mas chegar ao ponto
de imaginar que possamos desenhar algum plano para
toda a sociedade, pelo qual se obtenha harmonia, justiça e
riqueza pela engenharia humana, parece-me um convite
ao despotismo. Manteria, portanto, a Utopia como um
estimulante imaginativo [...] e a confinaria a isso. O ponto
onde o despotismo difere do totalitarismo é a destruição da
sociedade civil. Mas a sociedade civil não pode ser destruída a
não ser que a propriedade privada, incluindo a posse privada
de todos os meios de produção, seja abolida.
Leszek Kolakowski (in George Urban ed., Stalinism )

Mais do que em qualquer outro período da história hu-


mana, os indivíduos no século XX foram tentados pelas
promessas do messianismo revolucionário enraizadas em
fantasias teleológicas grandiosas, imaginadas por profetas
que, na maior parte das vezes, escreveram seus manifestos
durante o século anterior. 1 Ou, para empregar a formula-
ção do filósofo e dissidente checo Jan Patocka, o século
passado experimentou a ascensão de "super-civilizações
radicais" que procuraram formas análogas às de uma
"igreja universal". De acordo com ele, foram "adaptadas

259
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

à vida totalizante por meio do racionalismo; lidamos com


um anseio de um novo centro, 'do qual é possível contro-
lar gradualmente todos os níveis, até a periferia"' .2 De am-
bos os extremos, da esquerda e da direita, a busca de uma
remodelação absoluta da condição humana inspirou em-
preendimentos frenéticos de transcender o que parecia ser
a carcaça filistina de instituições e valores liberais. 3 Mui-
tos bolcheviques, incluindo Alexander Bogdanov, Anatoly
Lunacharsky e, muito provavelmente, até mesmo Lênin
acharam estimulante ou ao menos intrigante a procla-
mação de Nietzsche relativa ao advento do Übermensch
(super-homem). Este tipo de influência "tocou uma corda
profunda na psique russa, a qual continuou a reverberar
muito tempo depois de sua [de Nietzsche] recepção ini-
cial [...]. Idéias e imagens obtidas de seus escritos foram
fundidas, de várias maneiras, com elementos compatíveis
da herança cultural, intelectual e religiosa russa, e com o
marxismo". 4
No comunismo e no fascismo, a ideologia estava ali
para justificar a violência, sacralizá-la, e descartar todas
as visões contrárias como decadentes, estéreis, perigosas e
fundamentalmente falsas. Na lógica ideológica binária (o
kto-kogo, princípio "quem a quem" de Lênin) não havia
espaço para uma via intermediária: o inimigo - sempre
definido por critérios de classe (ou de raça) - perdeu toda
a humanidade, sendo reduzido à condição desprezível de
parasita. Os stalinistas e os nazistas confessavam orgulho-
samente seu partidarismo e aboliam a autonomia humana
mediante a lealdade ao partido/líder/dogma. O principal
propósito do empreendimento ideológico revolucionário
era organizar a colonização (heteronímia) mental dos in-
divíduos, transformando-os em construtores entusiastas
da utopia totalitária. Em suma, o totalitarismo como um
projeto visando à dominação completa do homem, da so-

260
CAPÍTULO 5

ciedade, da economia e da natureza, está inextricavelmen-


te ligado à ideologia. 5 As ideologias do comunismo e do
fascismo tinham em comum uma crença na plasticidade
da natureza humana e na possibilidade de transformá-la
de acordo com um plano utópico: "Portanto, aquilo a que
visam as ideologias totalitárias não é à transformação do
mundo externo ou à transmutação revolucionária da so-
ciedade, mas à transformação da própria natureza huma-
na''. 6 A ideologia foi contra todas as dinâmicas de regime,
"fundamentando e projetando a ação, sem a qual o gover-
no, a ação violenta e a socialização eram impossíveis" .7
Assim o leninismo como o fascismo inspiraram lealdades
inabaláveis, uma fascinação pela figura da sociedade per-
feita e a imersão romântica em movimentos coletivos que
prometiam o advento do milênio.8

O magnetismo duradouro da utopia


A despeito do declínio do leninismo, o reservatório
utópico da humanidade não foi completamente exaurido:
ideologias renovadas voltaram à superfície, entre elas o
populismo, o chauvinismo e o fundamentalismo de dife-
rentes tonalidades. O fantasma do futuro evocado pelo
jovem Karl Marx no Manifesto Comunista foi substituí-
do por espectros do passado, rejuvenescidos e convocados
para o presente por atores políticos desorientados, inca-
pazes de lidar com as dificuldades do projeto democrá-
tico e dos desafios da (pós)modernidade. A "Europa de
manteiga", sem alma, chicoteada e caluniada por vários
neo-românticos, eles sempre opõem o mito da democracia
comunal original das sociedades agrárias. Em suma, o fim
do comunismo, as revoluções de 1989 e os legados leninis-
tas perturbadores criaram um mundo de perigos em que
se desintegraram completamente as linhas tradicionais
de demarcação, e novas formas de radicalismo fervilham

261
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sob a carapaça da pseudo-estabilidade. Com o colapso do


leninismo, atravessou-se um limiar crucial, mas não está
totalmente extinta a prontidão para o envolvimento em
falácias ideológicas. É esta a razão da conclusão irônica de
Kolakowski para o novo epílogo de sua trilogia magistral:
"Ninguém pode estar certo se nossa civilização será capaz
de lidar com os perigos ecológicos, demográficos e espirituais
que causou, ou se cairá vítima da catástrofe. Portanto, não
podemos dizer se os atuais movimentos 'anti-capitalistas',
'anti-globalistas' e movimentos e idéias obscurantistas
relacionadas sumirão discretamente e um dia serão vistos
como tão risíveis como os legendários luditas no começo
do século XIX, ou se manterão sua força e fortificarão suas
trincheiras". 9

O marxismo foi um movimento político proteiforme,


mas o que o distinguia como movimento eram suas ambi-
ções políticas grandiosas e ideologicamente motivadas. 10
De acordo com Jan Patocka, a sistematização do homem
e da história, culminando em Marx, tomou evidente "que,
num exercício completo do espírito da metafísica que sig-
nifica o homem, como ser social e histórico, colocando-se
na posição outrora reservada aos deuses e a Deus, o mito,
o dogma e a teologia foram reabsorvidos na história e flu-
íram numa filosofia que descartou seu nome tradicional
de um simples amor à sabedoria a fim de tornar-se um
sistema científico" .11 Uma vez que essa pretensão científi-
ca cessou de inspirar uma dedicação autêntica, começou
a dissipar-se a fascinação do marxismo como uma pro-
messa de salvação terrena. O eclipse do marxismo como
uma estratégia para transformação social terminou numa
era de radicalismo e justificou algumas reflexões quanto
ao destino do pensamento utópico neste século. Podemos
concordar com o magistral obituário de Ferenc Fehér do
"marxismo como política", mas precisamos ainda discu-
tir o componente utópico do marxismo, que o marxismo
CAPÍTULO 5

nunca reconheceu. 12 Ao contrário, Marx e seus seguidores


estavam convencidos de que tinham acesso às leis ocultas
do desenvolvimento histórico e que sua aposta histórica
deveria levar a um reino de liberdade imanente.
Com a húbris característica do século XIX, Marx decla-
rou que sua teoria social era a fórmula científica definiti-
va, tão exata e precisa como os algoritmos da matemática
ou as demonstrações da lógica formal. Não reconhecer-
-lhe a validade era para Marx, assim como para seus su-
cessores, prova de cegueira histórica, viés ideológico, ou
"falsa consciência", que eram características dos que se
opunham às soluções marxistas para as questões sociais.
Prisioneiros da mentalidade burguesa, vítimas alienadas
de mistificações ideológicas e teóricos não-marxistas - to-
dos fornecedores de falsa consciência - eram escarnecidos
e descartados como partidários do status quo. No pólo
oposto, o ponto de vista proletário, celebrado por Marx e
cristalizado na forma de materialismo histórico, era con-
siderado o conhecimento último e a receita da felicidade
universal. Graças à consciência de classe proletária, afir-
mava a doutrina, ocorreria uma revolução que terminaria
com todas as formas de opressão. A humanidade empre-
enderia o salto histórico mundial do reino da necessidade
(escassez, injustiça, tormentos) para o reino da liberdade
(alegria, abundância e eqüidade). Isso encerraria a pré-his-
tória da humanidade e começaria sua história real. Toda a
realidade humana era então subordinada às leis da dialé-
tica, e a história era projetada numa entidade soberana,
cujo ditado estava para além do questionamento humano.
Aqui se encontra um erro metodológico no marxis-
mo: sua apresentação da história como uma sucessão
gesetzmassig (governada por leis) de formações históri-
cas, e o corolário desta apresentação: o dogma da luta
de classes como o motor do processo histórico. Nesta
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

teoria, os indivíduos não são nada mais do que reféns de


forças cujo funcionamento mal podem entender. Esta com-
binação de filosofia e mito, tão bem explorada de modo
persuasivo por Robert C. Tucker 13, impediu o filósofo ra-
dical alemão e seus discípulos, ao longo de décadas, de
apanharem a dimensão subjetiva da história e da política.
A principal dificuldade do projeto marxista é sua falta de
sensibilidade para a maneira de ser da humanidade. Essa
obsessão com classes sociais - a que o sociólogo francês
Lucien Goldmann outrora se referiu como o ponto de vis-
ta do sujeito histórico transindividual (uma formulação
lukácsiana, certamente)1 4 - o fracasso de levar em conside-
ração a diversidade infinita da natureza humana, a avidez
de reduzir a história a um conflito entre categorias sociais
polares, este é, de fato, o substrato de uma ideologia que,
intimamente ligada aos movimentos sectários e fanáticos,
gerou muitas ilusões e muito sofrimento ao longo do sé-
culo XX. Com este culto da totalidade, essa teoria social,
que pretende ser o arquétipo explanatório final, estabe-
leceu o estágio para sua degeneração em dogma e para
a perseguição dos heréticos que haveriam de pontuar o
marxismo quando se transfigurou em leninismo.
Um exemplo deste dogma da classe proletária é a tese
do Manifesto Comunista do internacionalismo inerente
da classe proletária, aquela asserção famosa de acordo
com a qual os proletários não têm nenhuma pátria. Nesta
tese, deduzida metafisicamente da proclamação do pro-
letariado como a encarnação social da razão hegeliana,
Marx confere à classe proletária um mandato universa-
lista sem nenhuma validade empírica (como demonstrado
na explosão de nacionalismo durante a Primeira Guerra
Mundial, para consternação da Esquerda de Zimmerwald
e outros internacionalistas marxistas). Marx imaginou um
proletariado ideal, pronto a renunciar a t.odos os laços so-
CAPÍTULO 5

ciais, comunitários e culturais. O que realmente aconteceu


foi precisamente o oposto da profecia de Marx: o prole-
tariado fracassou em iniciar a transgressão apocalíptica,
a fenda cataclismicamente quiliástica tão anunciada no
Manifesto.
O Manifesto Comunista foi talvez o texto mais incendi-
rário e apaixonado já escrito por um filósofo. Neste panfle-
to contundente, vitriólico e incandescente, Marx (em coau-
toria com seu amigo leal Friedrich Engels) imediatamente
levou ao pelourinho e glorificou toda uma classe social - a
burguesia - e toda uma ordem social - o capitalismo - e
profetizou-lhes a necessidade objetiva, inexorável de sua
derrubada por uma forma mais elevada de sociedade. Es-
crito no meado do século XIX, o Manifesto tornou-se no
século XX a carta régia do credo oracular bolchevique. O
marxismo, não obstante suas aspirações científicas, desde
o começo representou um substituto secular para a religião
tradicional, oferecendo um vocabulário totalizante em que
"o enigma da história" estava resolvido, e sonhando com
um salto do reino da opressão, escassez e necessidade para
um reino de liberdade. Seu quiliasmo ajuda a explicar seu
magnetismo, a capacidade de provocar comportamen-
to heróico-romântico, gerar fervor coletivo, mobilizar os
oprimidos, incitar a hostilidade política e assim inspirar as-
sim esperança social como desilusões místicas. Precisamen-
te por causa de seus mecanismos retóricos deliberadamen-
te simplificados, o Manifesto tornou-se o livre de chevet
para gerações de revolucionários profissionais. Foi a con-
trapartida política à Décima Primeira Tese de Marx acerca
de Feuerbach, em que ele assinou ao filósofo uma tarefa
transformadora urgente, ao proclamar que a questão não
era como interpretar o mundo, mas como mudá-lo.
O Manifesto faz mais do que articular uma narrativa
histórica grandiosa da ascensão progressiva e queda das
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

classes. Designa o proletariado como o agente coletivo fi-


nal, destinado a levar a história da luta de classes a um
termo. Ao mesmo tempo, reduz todas as questões de mo-
ralidade a questões de poder de classe. A história do ca-
pitalismo é uma história de como a burguesia expropriou
a propriedade feudal, tornou seu o estado moderno "bur-
guês", e empunhou o poder político para realçar o proces-
so de acumulação de capital, chamando involuntariamen-
te à existência seus próprios "coveiros" - o proletariado
industrial. À medida que o proletariado evolve, chega a
uma consciência crescente de sua "missão" como a única
"classe realmente revolucionária" a abolir - na verdade,
a "destruir" - não apenas a propriedade privada, mas a
própria opressão humana.
O Manifesto apresentou o fortalecimento proletário e a
emancipação humana não como relacionados contingen-
temente, mas como sendo essencialmente a mesma coisa.
E descreveu este fortalecimento em termos notavelmente
maniqueístas, desenvolvidos como "horas decisivas" de
conflito, "incursões despóticas" na propriedade, e "varrer"
de condições históricas fora de moda. Em sua oposição
frenética ao status quo burguês e a suas superestruturas
ideológicas, incluindo formas de falsa consciência, Marx e
Engels subestimaram o poder persistente de alianças tradi-
cionais, incluindo o potencial do nacionalismo:
"A classe operária não tem nenhuma pátria. Não podemos
tirar dela o que ela não tem. Já que o proletariado tem,
primeiro de tudo, de adquirir supremacia política, tem de
ascender à classe liderante da nação, tem de constituir-se a si
mesmo a nação, é, até então, em si mesmo nacional, embora
não no sentido burguês da palavra. São cada vez menores
as diferenças nacionais e antagonismos entre povos [... ]. A
supremacia do proletariado as fará desaparecer ainda mais
rapidamente" . 15

266
CAPÍTULO 5

Poder-se-ia dizer que, ao conceber esta trajetória histó-


rica, Marx pretendeu simplesmente descrever e não pres-
crever. E, no entanto, o panfleto foi entrelaçado de ultraje
moral e denúncia, balizado por uma visão da liberação
última ("o desenvolvimento livre de cada um [... ], o de-
senvolvimento livre de todos"). Mais ainda, cobriu de es-
cárnio quaisquer reservas da parte de outros comunistas e
socialistas - para não falarmos "os burgueses" - quanto à
moralidade ou à justiça da luta de classes. De acordo com
o Manifesto,
"os comunistas desdenham dissimular suas visões e fins.
Declaram abertamente que seus fins podem ser atingidos pela
derrubada forçada de todas as condições sociais existentes.
Que as classes governantes tremam diante da revolução
comunista. Os proletários não têm nada que perder, senão
seus grilhões. Têm um mundo que ganhar: OPERÁRIOS DE
TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!". 16

Identificar esses textos no Manifesto não é implicar que


isto seja tudo que está ali, mas são textos centrais, e ar-
ticulam o que Marx afirmava ser mais característico do
"comunismo" como uma formação política distinta dos
socialistas e utópicos que ele denegria - que abrangia e
apreendia, sem sentimentalidade, resoluta e presciente-
mente o "movimento real" da história, um movimento até
agora marcado pela exploração, expropriação e violência,
ao mesmo tempo que está no liminar de uma nova dispo-
sição. "Ao pintar as fases mais gerais do desenvolvimento
do proletariado", escreveram Marx e Engels,
"traçamos a guerra civil mais ou menos velada, que assolava
a sociedade existente, até o ponto onde rebenta a guerra numa
revolução aberta, e onde a derrubada violenta da burguesia
lança o fundamento para o governo do proletariado" .17

Marx não articulou uma teoria "leninista" do "partido


de vanguarda". Na verdade, insistiu que "os comunistas
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

.não formam um partido separado oposto aos outros par-


tidos operários". Mas enfatizou que somente os comunis-
tas possuem uma compreensão própria e historicamente
privilegiada dos interesses totais dos proletários como
uma classe:
"Não têm nenhuns interesses separados e à parte dos
do proletariado como um todo. Não estabelecem nenhuns
princípios sectários próprios pelos quais formem ou moldem
o movimento proletário. Os comunistas distinguem-se de
outros partidos proletários por isto apenas: 1) Nas lutas
nacionais dos proletários de diferentes países, apontam
e trazem para o front interesses do proletariado inteiro,
independentemente de qualquer nacionalidade. 2) Nos vários
estágios de desenvolvimento pelos quais a luta de classe
proletária contra a burguesia tem de passar, eles representam
sempre e em toda a parte os interesses do movimento como
um todo [... ]. As conclusões teoréticas dos comunistas não
são de maneira nenhuma baseadas em idéias ou princípios
que foram inventados ou descobertos por estes ou aqueles
pretensos reformadores. Expressam simplesmente, em termos
gerais, relações verdadeiras que brotam de uma luta de classes
existente, de um movimento histórico que acontece sob nossos
próprios olhos" .18

Para Marx, o comunismo unia superioridade ideológica,


militância política e uma apreciação inabalável e resoluta
das tarefas históricas. A esse respeito mal era perceptível a
distância que separa Marx de Lênin. É fácil, então, ver como
Lênin, mais tarde, pôde afirmar que o Manifesto continha
a idéia da ditadura do proletariado embora Marx e Engels
ainda não a tivessem nomeado. Para Lênin, o tema central
do livro era claramente "o proletariado organizado como a
classe governante". Porque o partido político era o poder
organizado de uma classe ou outra, e porque o estado "é
uma organização de violência para a supressão de alguma
classe", para Lênin fazia muito sentido que o proletariado
tivesse de tomar o poder do estado e usá-lo "para esma-

268
CAPÍTULO 5

gar a resistência dos exploradores". Tal política, insistia ele,


era absolutamente inconciliável com o reformismo de estilo
menchevique. E havia mais. Pois a "verdade" desta pers-
pectiva é apenas manifestada pelo comunismo radicalizado
intransigente. Em sua crítica profética do neo-jacobinismo
de Lênin, filosofia organizacional potencialmente ditatorial,
escreveu Rosa Luxemburgo em 1904:
"Tendência ultra-centralista [...]o Comitê central é o único
núcleo ativo no partido e todas as organizações remanescentes
são apenas ferramentas para a implementação [...]submissão
cega absoluta dos órgãos individuais do partido à sua
autoridade central [...] uma autoridade central que, sozinha,
pensa, age e decide por todos. A falta de vontade e pensamento
na massa de carne com muitos braços e pernas movendo-se
mecanicamente segundo a batuta [... ] obediência como de
zumbis (kadavergehorsam) [... ] poder absoluto e autoridade
de um tipo negativo [... ] espírito estéril de vigia noturno [... ]
centralismo estritamente despótico [... ] a camisa de força
de um centralismo burocrático que reduz os trabalhadores
militantes a um instrumento dócil de um comitê [... ] um
Comitê Central omnisciente e ubíquo" .19

E então se deu o fundamento para uma ditadura tutelar


violenta. Stálin estenderia as premissas postas pelo funda-
dor do bolchevismo, exaltando a racionalidade partidária
('partiinost') como um antídoto para "a neutralidade cien-
tífica burguesa" e outras ilusões quejandas:
"A onipotência da Mentira não se deveu à malvadez de
Stálin, mas foi a única maneira de legitimar um regime baseado
em princípios leninistas. O lema constantemente encontrado
durante a ditadura de Stálin, 'Stálin é o Lênin de nossos dias',
era, portanto, inteiramente adequado" .20

Fazendo a recensão de O Livro Negro do Comunismo,


Anne Applebaum notou judiciosamente que
"é possível agora, de uma maneira que não teria sido alguns
anos atrás, infligir uma pesada derrota de uma vez por todas
nos mitos de um 'período inicial' mais promissor da história
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

comunista, ou de regimes 'melhores' que se desviaram da


regra geral[... ]. Sem exceção, a crença leninista num estado de
partido único foi e é característica de todo regime comunista,
da Rússia à China até Cuba e Moçambique. Sem exceção, o
emprego da violência pelos bolcheviques foi repetido em toda
revolução comunista" .21

O sujeito revolucionário se recusava a exercer seu su-


posto papel predestinado. O proletariado, em sua visão
soteriológica, era o redentor universal ou, como disse o
jovem Marx, a classe messias da história. O conceito de
luta de classes como desenvolvido no Manifesto foi funda-
mental para toda a cosmologia revolucionária marxista.
E como mostram Raymond Aron, Alain Besançon, Ro-
bert Conquest, Leszek Kolakowski e Andrzej Walicki, em
sua ênfase ou luta, o projeto marxista santificava a vio-
lência histórica (um ponto de vista afirmado de maneira
não apologética por uma gama de textos marxistas, de A
moral deles e a nossa de Leon Trotsky até Humanismo e
Terror de Maurice Merleau-Ponty). Na perspectiva mar-
xista, a violência do oprimido contra os opressores era
justificada como um meio de destruir a máquina de estado
burguesa e permitir o triunfo irreversível do proletariado.
Marx chegou a essa conclusão pela derrota da Comuna
de Paris em 1871, que ele atribuía à falta de determinação
da parte dos partidários da Comuna em estabelecer sua
própria ditadura do proletariado. Mais tarde, o leninismo
usou e abusou desta filosofia de Aufhebung histórico revo-
lucionário, celebrando o papel do partido de vanguarda e
escarnecendo as preocupações acerca da falta de um pro-
letariado maduro na Rússia industrialmente subdesenvol-
vida. Para Lênin, o regime bolchevique tinha de recorrer a
quaisquer meios, incluindo o terror em massa, para "for-
mar um governo que ninguém será capaz de suplantar". 22
Em seu discurso de 1972, ao receber o Prêmio Nobel de

270
CAPÍTULO 5

Literatura, Alexander Soljenítsin enfatizou a espiral as-


cendente da degeneração envolvida no projeto comunista:
"Em seu nascimento a violência age abertamente e mes-
mo com orgulho, [mas mais tarde] não pode continuar
a existir sem uma névoa de mentiras, que as vestem em
falsidade". 23
Há duas trajetórias dispostas no Manifesto Comunista,
prefigurando desenvolvimentos futuros na teoria marxista
madura. De um lado há a ênfase no auto-desenvolvimen-
to da consciência de classe que se presta a uma política
mais ou menos social democrática de auto-organização
proletária e fortalecimento político - o que o socialista
americano Michael Harington chamou "a essência demo-
crática". De outro lado, foi privilegiada uma vanguarda
ideologicamente correta dedicada a uma revolução total
por quaisquer meios necessários {pois, nas palavras do
famoso aforismo de Leon Trotsky, não podes fazer uma
omelete sem quebrar alguns ovos). No entanto, mesmo a
versão mais "humanista" do marxismo foi profundamen-
te maniqueísta, centrando-se na exploração capitalista
como a injustiça fundamental e na contra-hegemonia pro-
letária como o agente de sua transcendência. Esta dialé-
tica de luta de classe - o que C. Wright Mills chamava
ironicamente de "metafísica do trabalho" - é o princípio
central de todas as versões de marxismo. E sua preemi-
nência explica por que a forma mais elitista e violenta
de marxismo que veio a dominar a política do século
XX - o bolchevismo - pode ser vista como uma herdeira
legítima do projeto emancipatório marxista, mesmo não
sendo a única herdeira legítima. 24 Podemos talvez ima-
ginar outros mundos em que uma realização diferente
das idéias marxistas pudesse ser possível. Mas no mundo
real da atualidade histórica, houve apenas um esforço de
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISM ANEANU

sucesso para "destruir a burguesia" e instituir o "domínio


do proletariado". E devastou a parte oriental da Europa.
Uma série de intelectuais políticos que escreveram nos
anos 1940 e 1950 primeiro identificaram uma "tentação
totalitária" dentro do marxismo. Autores como Boris
Souvarine, Czeslaw Milosz, Karl R. Popper, Isaiah Berlin,
Hannah Arendt e Albert Camus dificilmente convergiram
numa única perspectiva política. Mas compartilharam a
consciência de que o comunismo foi "um Deus que fra-
cassou" miseravelmente, e que em aspectos importantes
este fracasso podia ser traçado em deficiências no pensa-
mento de seu fundador humanista, Karl Marx. Pode-se es-
crever a história intelectual do século XX como uma série
de desencantos políticos com uma doutrina que prometia
a emancipação universal e levou, em vez disso, ao terror,
à injustiça, à desigualdade e a abusos abissais de direitos
humanos. 25 Segundo tal leitura, a principal fraqueza do
socialismo marxista foi a ausência de uma ética revolucio-
nária, a subordinação completa dos meios ao fim nebulo-
so adorado. Os rompimentos traumáticos com o comunis-
mo da parte de alguns dos mais importantes intelectuais
europeus do século XX não implicaram necessariamente
um adeus ao marxismo. Foram, no entanto, experiências
emocionais severíssimas. Nas palavras de Ignazio Silone:
"Alguém se cura do comunismo da mesma maneira que se
cura de uma neurose" .26
Quando amadureci politicamente na Romênia do
"Grande Timoneiro", Nicolae Ceau~escu, esses autores
- e outros mais contemporâneos, como François Furet,
Leszek Kolakowski, e o grupo Práxis, a Escola neo-mar-
xista de Budapeste, (Ferenc Fehér, Agnes Heller, Gyõrgy
Márkus, Mihaly Vajda) - ajudaram-me a compreender a
genealogia do leninismo que manteve meu país (e toda a

272
CAPÍTULO 5

região) na escravidão. Embora alguns críticos de esquer-


da possam argumentar que essa crítica anti-totalitária
do marxismo é simplesmente um artefato do liberalismo
da Guerra Fria, eu lhes lembraria que o liberalismo da
Guerra Fria com que me identifiquei centrava-se não na
política externa dos Estados Unidos, mas nos desafios de
tentar viver livremente como um sujeito de uma ditadu-
ra inspirada ideologicamente. Este é o ponto principal
do argumento feito por Agnes Heller e Ferenc Fehér nos
anos 1980 quando insistiram na necessidade de descobrir
uma linguagem comum entre intelectuais críticos do Leste
e do Ocidente. Em outras palavras, a despeito dos reais
empregos e manipulações do termo totalitarismo durante
a Guerra Fria, para os neo-marxistas leste-europeus este
era um conceito adequado social, política e moralmente. 27
Para se obter uma compreensão melhor de como tais au-
tores percebiam as realidades da política da utopia, instru-
mentalizadas pelos regimes comunistas, deve-se lembrar a
caracterização ainda convincente de Václav Havel do que
ele chamou a ordem pós-totalitária:
"O sistema pós-totalitário toca as pessoas a todo o passo,
mas o faz usando suas luvas ideológicas. É por isso que a
vida no sistema é tão completamente permeada de hipocrisia
e mentiras: o governo por burocracia é chamado governo
popular; a classe trabalhadora é escravizada em nome da
classe trabalhadora; a degradação completa do indivíduo
apresenta-se como sua liberação última; privar as pessoas
de informação chama-se pô-la à disposição delas; o emprego
do poder de manipular chama-se controle público do poder,
e o abuso arbitrário do poder chama-se observar o código
legal; a repressão da cultura chama-se seu desenvolvimento;
a expansão da influência imperial apresenta-se como apoio
para os oprimidos; a falta de expressão livre torna-se a forma
mais alta de liberdade; eleições farsescas tornam-se a forma
mais alta de democracia; banir o pensamento independente
torna-se o mais científico dos pontos de vista mundiais; a
ocupação militar torna-se assistência fraterna" .28

273
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

O naufrágio da utopia
As revoluções de 1989-1991 deram um golpe mortal na
pretensão ideológica segundo a qual a vida humana pode
ser estruturada de acordo com desígnios científicos pro-
postos por um corpo de doutrinários revolucionários. Es-
ses movimentos se contrapuseram à apoteose da domina-
ção burocrática com a centralidade dos direitos humanos.
"Ver como um estado" (para empregar a fórmula de James
C. Scott) passou a ser uma estratégia com conseqüências
catastróficas. 29 Alguns aclamaram essas revoluções preci-
samente porque eram não-jacobinas, não-teleológicas e
não-ideológicas. Eram anti-utópicas exatamente porque
se recusavam a buscar qualquer plano pré-ordenado. Ao
enfatizar o caráter não-utópico do Carta 77, Havel descre-
veu eficazmente a fundação sobre a qual a resistência que
abasteceu a sublevação de 1989 está construída:
"Uma parte essencial da atitude 'dissidente' é que vem da
realidade do humano aqui e agora. Dá mais importância à
ação concreta freqüentemente repetida e consistente - mesmo
que possa ser inadequada e mesmo que possa diminuir apenas
de maneira insignificante o sofrimento de um único cidadão
insignificante - do que a alguma solução fundamental abstrata
num futuro incerto".30

A resposta à penetração de uma ideologia espuriamente


revolucionária era preencher a brecha entre a existência
pública e a privada pelo restabelecimento de "relações hu-
manas autênticas, que preservariam a comunicação direta
e genuína da vida privada, sendo ao mesmo tempo politi-
camente influente como um contra-peso ao estado buro-
crático opressivo" .31
Com exceção de alguns conceitos vagamente definidos
como sociedade civil, retorno à Europa e soberania popu-
lar, essas revoluções ocorreram na ausência de ideologia
e em oposição a ela. Precisamente porque a ideologia se

274
CAPÍTULO 5

tornara a justificação de mentiras apoiadas pelo estado,


coerção, terror e violência, os dissidentes, de Soljenítzin a
Havel, insistiram na necessidade de superar as quimeras
ideológicas esquizofrênicas e de redescobrir o poder gal-
vanizador de conceitos como dignidade, identidade, civili-
zação, verdade, transparência, confiança e tolerância. Por
exemplo, o filósofo checo Jan Patocka, ele mesmo uma
vítima do comunismo por causa de seu papel central na
criação da Carta 77, considerava que os dissidentes russos
Andrei Sakharov e Alexander Soljenítsin compartilhavam
"um sentido da verdade de sua própria humanidade que
superou qualquer vantagem material ou lema dogmático
que se lhes pudesse oferecer [minha ênfase]" .32 Em res-
posta à pretensão totalitária de um movimento totalitário,
os dissidentes reafirmaram o que Patocka conceptualizou
como "cuidado com a alma'' - aquilo "que torna possí-
vel o que quer que seja propriamente humano em nós:
moralidade, pensamento, cultura, história. É a coisa mais
sagrada em nós, algo através do qual nos tornamos co-
nectados com o que é eterno, mas ainda sem ter de partir
deste mundo" .33 Ou, "a tentativa de encarnar o que é eter-
no dentro do tempo, e dentro do próprio ser, e ao mesmo
tempo, um esforço de estar firme na tempestade do tempo,
estar firme em todos os perigos que o acompanham".34 O
comunismo defrontou-se, portanto, com indivíduos que
rejeitaram tanto viver uma mentira quanto um fingimento
messiânico. Um autor chegou mesmo a observar que isto
poderia ser também uma explicação do rescaldo de 1989:
"A idéia de Václav Havei de viver na verdade, assim como
o novo evolucionismo de Adam Michnik, a anti-política
de George Konrád e outras concepções dissidentes, são,
na verdade, estratégias de resistência de longo prazo - não
instruções para sociedades civis depois do restabelecimento
de democracias liberais". 35

275
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

No rescaldo da extinção da ordem leninista, a paisagem


moral do pós-comunismo foi deteriorada por confusão,
ódios venenosos, desejos insatisfeitos e conflitos infinitos.
Este é território desorientador, muitas vezes aterrorizador,
em que as mitologias políticas fazem um retorno. Nas pa-
lavras de Václav Havei:
"A queda do comunismo destruiu esta mortalha de
monotonia, e o mundo foi pego de surpresa por uma erupção
de muitas diferenças não antecipadas, escondidas por trás dela,
cada uma das quais - depois de tanto tempo nas sombras -
sentiu uma necessidade natural de chamar atenção para si
mesma, enfatizar sua unicidade, e suas diferença das outras" .36

A extinção ideológica de formações leninistas deixou


para trás um vácuo que foi preenchido por idealizações
sincréticas obtidas da herança pré-comunista e comunis-
ta da região (nacionalismo, liberalismo, socialismo de-
mocrático, conservadorismo, populismo, neo-leninismo,
e mesmo um fascismo mais ou menos recondicionado).
A ideologia etnocêntrica, tão mendaz como a comunista,
tornou-se um novo credo salvacionista, uma fonte quase
mística de identificação: "Quando o conflito de nacionali-
dade oblitera tudo o mais e os altos sacerdotes da intelli-
gentsia apóiam a obsessão de sua nação com platitudes ro-
mânticas, temos o que se pode chamar histeria política". 37
Ademais, Patocka argumentou que durante o século XX,
e especialmente sob o comunismo, os indivíduos tinham
de ser "ultrajados" para alcançar uma "consciência de sua
própria natureza histórica, suas próprias possibilidades de
liberdade através da assunção de uma atitude auto-refle-
xiva e da rejeição da ideologia". 38 Os próprios dissidentes
eram "uma comunidade de ultrajados", mas dificilmen-
te eram a maioria da população. A persistência de ruínas
ideológicas dentro das sociedades pós-leninistas e os ecos
das tentações totalitárias do século passado tornaram a
CAPÍTULO 5

Europa Oriental vulnerável aos espectros ressuscitados de


salvacionismos alternativos ou sucedâneos (por exemplo,
clericalismo, conservadorismo etnocêntrico e populismo).
Havei avisou que a ideologia era "uma maneira capciosa
de relacionar-se com o mundo. Oferece aos seres huma-
nos a ilusão de identidade, de dignidade e de moralidade,
ao mesmo tempo que lhes torna mais fácil se separarem
delas" .39
No cerne mesmo do marxismo encontra-se um mito
milenarista acerca da justiça, fraternidade e igualdade, um
sonho social acerca de um mundo perfeito onde o velho
conflito entre o homem e a sociedade, entre a essência e a
existência, seria transcendido. Mais do que outra coisa, o
marxismo representou um convite grandioso aos seres hu-
manos para se envolverem numa busca apaixonada pela
Cidade de Deus e para construí-la aqui e agora. O leninis-
mo fiou-se em seu aspecto utópico, uma vez que propôs
o que Eric Weitz descreve como uma "visão abrangente"
do desenvolvimento histórico: "Ao limpar os entulhos do
passado, acreditavam que abririam o caminho para a cria-
ção da nova sociedade que permitiria o florescimento últi-
mo do espírito humano" .40 Essa aventura humana fracas-
sou, mas não chegaram ao fim as necessidades profundas
que o marxismo tentou satisfazer. De acordo com Leszek
Kolakowski, "o marxismo foi a maior fantasia do sécu-
lo XX". A unidade professada entre teoria e práxis que o
marxismo encontrou foi seu cul-de-sac· histórico: seu fra-
casso prático foi a confirmação de suas falácias teoréticas.
Em outras palavras, uma filosofia que proclamava a práxis
como o critério de verdade, e afirmava que a realidade con-
creta é o teste de validade, foi desmentida de modo dra-
mático pela impossibilidade prática de sua implementação
como originariamente desenhada e pelos custos humanos

* Em francês, no original: beco sem saída - NT.

277
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ligados a suas revisões e experimentos leninistas e pós-


-leninistas. Conforme conclui Leszek Kolakowski em sua
trilogia inigualada, "A autodivinização da humanidade,
a que o marxismo deu expressão filosófica, terminou da
mesma maneira que todas as tentativas semelhantes, indi-
viduais ou coletivas: revelou-se como o aspecto farsesco
da servidão humana [ênfase minha]". 41
Na visão de Andrzej Walicki, o conceito duplamente fa-
cetado de liberdade de Marx foi o fundamento conceptual
para o stalinismo. De um lado, havia a liberdade como
"controle consciente, racional sobre as forças econômicas
e sociais"; de outro lado, a noção de que a liberdade in-
dividual deve ser substituída pela "liberdade da espécie"
- a libertação da natureza comunitária da humanidade.42
Subseqüentemente, o elemento utópico fundamental desta
organização política totalizante foi o impulso em direção
à realização de tal sociedade livre. O leninismo defendia
um telos de "ditadura democrática" (supostamente a úni-
ca democracia real) e o comunismo, com o partido como
a entidade mágica que injetava a consciência necessária e
oferecia o tipo de liderança para a conclusão desta jorna-
da.43 Argumenta Neil Robinson:
"Este telos era transcendental porque, embora o
comunismo pudesse ser descrito, era separado da experiência
e imutável. Realizou uma função ontológica porque agiu
para dar sentido à experiência geral para todo o mundo:
todos os fenômenos reais podiam ser julgados nesse contexto
e lhes eram atribuídos valor, forma e essência à luz dele.
Agia, portanto, como uma espécie de 'super' ou 'principal'
convenção discursiva: determinou o que poderia ser afirmado
como sendo bom (o que conduzia à construção comunista)
e o que tinha de ser rejeitado como ruim (o que era danoso
ao processo de construção comunista). Ao realizar essa
função ontológica, o telos, portanto, oferecia ao partido
uma idéia de sentido do mundo material. Tal idéia era
incontestável e evitou a fragmentação do discurso [...] não
CAPÍTULO 5

podia haver nenhum comentário acerca da maneira pela


qual o sistema era estruturado, pois tal comentário seria uma
negação da verdade do telos, uma negação da idéia de serem
apropriadas e legítimas as ações tomadas para assegurar o
desenvolvimento" .44

Tal estrutura conceptual do discurso ideológico, com-


binada com o que Rachel Walker denomina "as conven-
ções invariáveis que o governam" (ou seja, o dogmatismo
como oposto à defesa da pureza do marxismo-leninis-
mo )45 , ofereceu uma narrativa contínua, mas variável de
emancipação, uma fonte de reencantamento incessante
com o socialismo de estado como utopia em ação. Não
causa surpresa, pois, que a revolução de 1989 tenha pro-
vocado na esquerda ocidental o que Jan-Werner Müller
identificou no caso alemão como "a perda da utopia".46
Escrevendo pouco antes de sua morte em 1983, Raymond
Aron conclui seu empreendimento de toda uma vida de
analisar o marxismo, chamando a atenção para seu colos-
sal fracasso teológico e prático:
"A profecia, contraditada tanto pela evolução do
capitalismo quanto pela experiência dos assim chamados
regimes socialistas, permanece tão vazia como era no começo:
como se tornaria o proletariado a classe governante? Por que
se tornaria o proletariado a classe governante? Por que de
repente produziria a propriedade coletiva uma eficiência sem
precedentes? Que varinha mágica acomodaria o autoritarismo
e o planejamento central à liberdade e à democracia? O
que deveria substituir a economia de mercado senão o
planejamento burocrático? A mistificação começou com o
próprio Marx quando chamou científica sua profecia " .47

Esta é, na verdade, a maneira como o marxismo a parece


imediatamente depois do século XX convulsivo: um mile-
narismo sem horizonte e freqüentemente abstruso, tendo
pouco que ver com a realidade e com os desafios da civi-
lização industrial, e incapaz de oferecer, como remédios

279
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

para o sofrimento humano, algo além de lemas vazios e


dogmas ossificados. Como o "ópio dos intelectuais", está
quase extinto. Este crepúsculo é, ao menos em suas impli-
cações, um fin de partie grandioso: vemos a agonia final de
uma tentativa impotente de superar os limites da natureza
humana, imaginando um rompimento total na cadeia des-
sas ocorrências freqüentemente estranhas e inexplicáveis
que, à falta de um termo melhor, foram chamadas de "his-
tória". A decadência do radicalismo utópico não significa,
no entanto, a extinção de um anseio duradouro de enge-
nharia social. Não desapareceu a húbris histórica; angús-
tias e doenças estão aqui e podem levar a novas loucuras:
"A ideologia comunista parece encontrar-se num estado
de rigor mortis, e os regimes que ainda o empregam são
tão repulsivos que parece ser impossível a ressurreição dela.
Mas não nos precipitemos em tal profecia (ou anti-profecia).
As condições sociais que alimentaram e fizeram uso desta
ideologia podem ainda reviver; talvez - quem sabe? - o
vírus esteja latente, esperando pela próxima oportunidade.
Pertencem ao estoque duradouro de nossa civilização os
sonhos acerca da sociedade perfeita" .48

A questão da culpabilidade do marxismo não retroce-


deu em importância após a queda do Muro de Berlim.
Na verdade, é uma questão essencial da auto-compreen-
são histórica moderna, especialmente na Europa Oriental
e na antiga União Soviética, porque no momento presente
- mais de vinte anos depois das revoluções de 1989- os le-
gados leninistas resistem, e há forças assim no Leste como
no Ocidente que afirmam que as catástrofes comunistas
foram essencialmente exógenas às promessas generosas do
humanismo marxista. Isto é verdade, por exemplo, acerca
do proeminente filósofo marxista romeno Ion Iano~i, para
quem o texto do Manifesto e suas conseqüências histó-
ricas não deveriam ser amalgamadas por razões partidá-
rias" .49 Ao comparar Marx com Nietzsche, Iano~ escreveu
acerca dos "culpados sem culpabilidade". No mesmo tom,

280
CAPÍTULO 5

o ex-dissidente húngaro (e brevemente straussiano) G.M.


Tamás há pouco (depois de 2000) criticou sem rodeios os
valores liberais (não apenas o liberalismo) e defendeu a
necessidade de ressuscitar o radicalismo político proletá-
rio. O ex-dissidente romeno Andrei Ple~u respondeu acre-
mente a esta visão idealizada dos legados marxistas na
região, insistindo que, para os cidadãos do antigo bloco
soviético, isto não são especulações abstratas, mas fatos
trágicos da vida. 50 Recentemente, envolvi-me numa polê-
mica acerca do engajamento de G. M. Tamás à exaltação
irresponsável do filósofo Alain Badiou da revolução como
o évenement último, um momento cataclísmico em que
uma versão anárquica rudimentar da liberdade suposta-
mente triunfa sobre a mediocridade (ou, nos termos neo-
-leninistas em Zizec, o cretinismo) do liberalismo. 51 Outro
caso interessante é o antigo discípulo de Lukács, lstván
Meszáros, um estudante do conceito hegeliano-marxista
de alienação, cujas convicções anti-capitalistas duradou-
ras foram entusiasticamente aclamadas como um paradig-
ma de pensamiento critico pelo "socialista bolivariano"
da Venezuela Hugo Chávez. 52 Em todos os antigos países
comunistas, a extrema esquerda e a extrema direita ten-
dem a compartilhar animosidades, idiossincrasias, neuro-
ses e fobias. O que une essas duas tendências é que elas
são ambas "extremas": levam a mal o "cinzento" da de-
mocracia liberal e abominam a "mediocridade filistina"
da existência burguesa. 53 A hostilidade neo-romântica aos
desafios de uma economia globalizada gera novas mito-
logias salvacionistas, incluindo vôos utópicos em sonhos
agrários e o culto da comunidade volkisch .. pura, arcaica e
imaculada. Discípulos de Marx e Lênin cerram fileiras na
companhia de admiradores frenéticos de Carl Schmitt e
Julius Evola, o filósofo místico fascista italiano. 54

* Em alemão, no original: nacionalista, étnico - NT.

281
O DIABO NA H ISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Um dos principais efeitos da desradicalização marxista


na Europa Central e Oriental foi a necessidade de redefi-
nir as relações entre a intelligentsia ocidental e a tradição
liberal, incluindo os legados do humanismo ocidental. A
era pós-marxista, ou seja, a era pós-ideológica, permitiu
a reconsideração das responsabilidades políticas e morais
dos intelectuais, incluindo uma recusa de envolver-se em
fantasias por longo tempo acalentadas de repudiar o sta-
tus quo liberal democrático. 55 O destino do marxismo na
Europa Oriental realça o papel do despertar, da aposta-
sia e da metanóia: foram precisamente marxistas desen-
cantados que contribuíram decisivamente para a erosão
dos sistemas ideocrático-partocráticos. Como enfatizei
no capítulo anterior, o revisionismo marxista representou
uma força corrosiva fundamental na dissolução da húbris
ideológica leninista. Ao contrastar a pretensão oficial com
as realidades abissais e oferecer o conceito de alienação
como uma chave interpretativa para a compreensão do
autoritarismo burocrático, os revisionistas ofereceram
discursos alternativos de emancipação. O próprio fato de
terem pertencido à "família" comunista fez sua crítica vi-
vamente explosiva e exasperantemente importuna para as
nomenklaturas. O destino do revisionismo56 leste-europeu
ilustra uma tradição nobre de dignidade moral, a exigên-
cia do conceito de alienação do Moloch totalitário, e uma
fenomenologia de honra e resistência que exerceu um pa-
pel crucial na constituição de movimentos dissidentes e na
extinção de sistemas socialistas de estado. Os tratamentos
deles convergiram com o pós-marxismo57 anti-autoritário
ocidental, fato ilustrado por tentativas de redescobrir a
imaginação social e novos horizontes para a prática eman-
cipatória para além das ideologias ossificadas e rígidas do
passado. O pós-marxismo, portanto, significou a renúncia
das visões apocalípticas da catarse revolucionária, a acei-
tação dos novos desafios na era de comunicações globais,
CAPÍTULO 5

redes de internet, e novos movimentos sociais, e preocupa-


ção disseminada quanto a crescentes desigualdades. O pós-
-marxismo reconheceu a persistência da agenda socialista
tradicional, mas reconheceu o declínio de formas redento-
ras de radicalismo político. O pós-marxismo confrontou a
necessidade de reconhecer o fato incontroverso de que o
"marxismo como doutrina não pode ser separado da his-
tória dos movimentos e sistemas políticos a que levou".58

O destino de uma religião política


Mais do que outras teologias políticas, o marxismo foi
capaz de desencorajar por muitas décadas a emergência
do questionamento crítico, e alimentar uma ligação ar-
dente e mesmo fanática da parte de intelectuais ocidentais
normalmente céticos. A desintegração da gnose stalinista
como um sistema auto-suficiente de normas autoritárias e
preceitos quase místicos impeliu intelectuais revisionistas
à construção do que Kolakowski chamou "um marxismo
agnóstico", na verdade uma tentativa quixotesca de salvar
o cerne humanista da doutrina antes que toda a utopia
marxista se desintegrasse. O marxismo crítico foi, portan-
to, uma tentativa de regenerar a dimensão moral da práxis
política. O revisionismo ponderou a relação entre meios e
fins e chegou à conclusão de que nenhum fim poderia jus-
tificar a manipulação e degradação do indivíduo. 59 O rela-
tivismo ético foi exposto como uma desilusão prejudicial,
e foram postulados novamente valores morais como valo-
res transcendentes, independentes de circunstâncias con-
tingentes e de interesses egoístas. Menos idealistas do que
seus adversários heterodoxos, os supervisores ideológicos
eram mais prudentes. Dedicados a uma realpolitik • cíni-
ca, não viram nenhuma razão para deixar o gênio sair da

Em alemão, no original: política realista - NT.


O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

garrafa. Reificado na figura do poder ideológico, o mar-


xismo estava destinado a sobreviver como um cerimonial
simbólico desencarnado. Tentar revivê-lo e secularizá-lo,
como fizeram os pensadores revisionistas, levou afinal ao
narcisismo intelectual. O ponto era não reaprisionar uma
ofensiva libertária original, mas formular as condições
para a invenção de um espaço social liberado. Milovan
Djilas identificou profeticamente no começo dos anos de
1980 a degeneração burocrática do marxismo como uma
das principais causas da derrocada final:
"Com a extinção dessa fé utópica, o comunismo perdeu sua
alma, sua raison d' être. Mantido amplamente por um aparato
relativamente bem pago de oficiais e de ambições imperialistas
da oligarquia soviética, metamorfoseou-se numa cobiça
banal de poder, perdendo, assim, sua força revolucionária,
e, em larga escala, também sua força vulcânica. Ao fazer
isso, o comunismo foi reduzido a sua essência monopolista,
esfomeada de poder e, portanto, condenou-se a si mesmo à
destruição".60

Alguns filósofos ocidentais - principalmente Corne-


lius Castoriadis e Claude Lefort - ao contrário de mui-
tos pensadores do leste-europeu, predispostos às ilusões
reformistas tradicionais, compreenderam que, a fim de
obter credibilidade, o discurso de oposição tinha de ser
des-marxizado. 61 O trunfo dialético (ideológico) tinha de
ser desmistificado e tomado como o que era na verdade:
justificações rebuscadas para a humilhação do ser hu-
mano. Do revisionismo dos finais dos anos 1950 e 1960
até o tratamento dos dissidentes céticos do marxismo ou
mesmo anti-marxismo explícito, houve toda uma odisséia
de esperanças arruinadas e ilusões fracassadas. Em vez de
envolver-se no que Hegel chamou uma "litania de lamen-
tações", os pensadores dissidentes tentaram esclarecer as
causas deste fim abortivo do romance entre o marxismo e
os intelectuais. Uma causa foi a consciência crescente da
CAPÍTULO 5

ambivalência inerente da mensagem marxista, um descon-


tentamento com o utopismo pragmático. O mentor dos
dissidentes associados com a Carta 77 na Checoslováquia,
o filósofo Jan Patocka, simplesmente rejeitou a afirmação
marxista de uma prerrogativa revolucionária sobre a his-
tória: "Os seres humanos não inventam arbitrariamente a
moralidade para servir às suas necessidades, desejos, incli-
nações e aspirações. Bem ao contrário, é a moralidade que
define o que o ser humano significa". 62
Na esteira de 1956, mas especialmente depois de 1968,
a fase pós-totalitária do socialismo de estado provocou um
sistema de poder baseado na conformidade, cooptação, ci-
nismo e, inclusive, arregimentação fundada em privilégios.
Refletindo sobre a natureza ritualística oca da reprodução
ideológica do socialismo de estado, Václav Havei oferece
uma excelente descrição dos mecanismos de internaliza-
ção que substituíram os métodos terroristas:
"Parte da essência do sistema pós-totalitário é que ele
leva todo o mundo para a esfera do poder, não de maneira
que as pessoas se possam realizar como seres humanos, mas
de tal maneira que renunciam sua identidade humana em
favor da identidade do sistema, ou seja, para se tornarem
agentes do automatismo geral do sistema e servidores de
seus objetivos auto-determinados, para poderem participar
na responsabilidade comum por isso, para poderem ser
empurradas e enredadas por ele, como Fausto em Mefistófeles
[... ]. O que entendemos como sistema [pós-totalitário] não é
uma ordem social imposta por um grupo sobre outro, mas, ao
contrário, algo que permeia a sociedade inteira e é um fator
em seu planejamento" .63

A cooptação mental foi um objetivo sistêmico crucial;


sua realização significou a perpetuação de desempenhos
simbólicos ideológicos sem fim. O principal propósito
desta política foi cauterizar qualquer sentido de transcen-
dência histórica, evitar qualquer núcleo independente de
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

pensamento e ação. O conceito mesmo de verdade tinha


sido distorcido (e negado) fazia muito tempo por Lênin
com sua visão maniqueísta de partidarismo filosófico:
para os leninistas, a verdade é o que serve aos interesses
do proletariado, sendo estes definidos por uma elite au-
to-apontada feita de zelotes revolucionários. No entanto,
depois de 1956, começou a ruir o cerne dogmático. O to-
talitarismo pleno não alcançou nunca a perfeição, mas foi
sua principal ambição durante os estágios revolucionários
assim do nazismo como do stalinismo. No caso soviético,
o Discurso Secreto levou à desilusão e à destotalitariza-
ção.64 A adulação ideológica tudo penetrava, mas os fiéis
verdadeiros tinham desaparecido fazia tempo. Na verda-
de, com muito poucas exceções, ninguém acreditava na
retórica bombástica do socialismo existente. Ainda assim,
embora todo o mundo soubesse que era a encarnação de
uma grande mentira, o sistema continuou a operar, pate-
ticamente sufocante (ou sufocantemente patético). O mo-
vimento Solidariedade foi uma grande vitória, mas o real
começo do fim veio, como mostrei, quando Gorbachev de-
cidiu em 1987-1988 libertar-se da ideologia em favor da
franqueza e da verdade.
A camuflagem ideológica da servidão foi o principal
suporte da ordem pós-totalitária. Neste sentido, pode-se
argumentar pelo ethos totalitário contínuo desses regimes,
a despeito de seus caprichos reformistas:
"Quando falamos de regimes totalitários, temos em mente
não sistemas que chegaram à perfeição, mas, ao contrário,
os que são levados por um esforço infindável de atingi-la,
de engolir todos os canais de comunicação humana e de
erradicar todas as formas de vida social espontâneas [ênfase
no original]" .65

O perfil dos regimes na antiga Europa Oriental foi


determinado pelas especificidades do conteúdo ideológi-

286
CAPÍTULO 5

co (poder-se-ia dizer mesmo da húbris) que preenchia o


abismo entre a auto-representação e sua prática. 66 Portan-
to, seguindo Lefort, a natureza deles foi determinada por
sua "auto-compreensão como um projeto 'distinto"',67 no
contexto de uma degeneração neo-tradicionalista do siste-
ma socialista, onde "o ethos de combate do partido era ri-
tualizado", seus agentes transformados em "protagonistas
do Partido", e a questão da igualdade política era coeren-
temente esquivada e afastada. 68 Em termos arendteanos, o
comunismo como regime era permanentemente assaltado
por um conflito resiliente entre o poder e a realidade.
Falando de maneira geral, o leninismo tentou abranger
e filtrar com sua matriz ideológica tudo o que tivesse po-
tencial de discurso público, para mediar qualquer narra-
tiva auto-definidora. Criou um "novo tipo de hegemonia
cultural" que visava a realizar "uma 'revolução antropoló-
gica' pelo emprego de políticas essencialmente ritualísticas
e transformadoras". 69 A extinção do comunismo gerou o
espaço para "sacralizações semióticas alternativas" (Roger
Griffin), que determinaram uma proliferação do que cha-
mei previamente fantasias de salvação: substitutos ideoló-
gicos cuja função principal era unificar o discurso público
e oferecer aos cidadãos uma fonte facilmente reconhecível
de identidade como parte de uma comunidade vagamente
definida etnicamente (ou politicamente). Essas mitologias
minimizaram os direitos individuais e enfatizaram, em vez
disso, a necessidade de manter um ethos supra-individual
orgânico, que, a seu turno, determinasse as fronteiras en-
tre o bem e o mal, o verdadeiro e o falso. Na verdade, não
eram ideologias, mas compartilhavam com a ideologia a
aparência de uma narrativa coerente.
A evolução da democracia na Europa Oriental pós-le-
ninista mostrou que amplos estratos sociais foram hostis
à ideologia comunista, mas não às garantias do estado
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

socialista de segurança e estabilidade. Registros existen-


tes de herança histórica e cultural trazidos dos escombros
leninistas apresentaram um reservatório para a justifica-
ção das intenções dos novos/velhos atores políticos. No
passado, para os cidadãos do mundo comunista, o mito
da sociedade sem classes pôde servir a tal propósito. No
presente pós-comunista, a nostalgia comunista idealizou
a "mobilização heróica", vista tanto como a expressão de
uma unidade perdida e comunidade desaparecida, quanto
como descontentamento com o pluralismo democrático e
com a economia de mercado.70 Num período caracteriza-
do pela fraqueza do capital social, perda de solidariedade
entre membros da comunidade política, desorientação,
declínio ou inércia da sociedade civil e erosão da autorida-
de tradicional, os freios e contrapesos à inflação de mitos
foram seriamente enfraquecidos. A história das primeiras
duas décadas de pós-comunismo é uma narrativa da busca
de cidadania coesa diante da angustiante fragmentação,
típica do legado leninista (no sentido de Jowitt). 71
No contexto da rotinização (e algumas vezes, desradi-
calização) dos regimes comunistas e da exaustão da alter-
nativa revisionista marxista, desenvolveu-se um novo tipo
de pensamento político na Europa Oriental e Central. Foi
tanto uma reação à lógica coletivista, pseudo-igualitária
dos regimes comunistas quanto uma inspiração, assim para
a reforma moral como para a mudança social nesta região
desde os anos 1970 em diante. Os escritos dos dissidentes,
os posicionamentos de intelectuais críticos, apresentaram
uma combinação oposicionista complexa que enfatizava
a moral, a tolerância, a civilidade, e a auto-análise. Este
corpo de pensamento reafumou a centralidade do indiví-
duo. Parafraseando Jan Patocka, o locus de mudança foi
a alma do indivíduo - "a pessoa espiritual,,. A dissidência
representava o retorno ao que o sociólogo Alvin Gouldner

288
CAPÍTULO 5

chamou a "cultura do discurso crítico", enquanto também


introduzia o critério de verdade normativa como o único
válido numa práxis destinada a resistir a novas formas de
opressão. Por exemplo, para os signatários da Carta 77,
a "esperança para a política era que os cidadãos podiam
aprender a agir como pessoas livres e responsáveis, e que
o governo reconheceria esta orientação, respeitando a di-
mensão moral da vida política". 72
À medida que os regimes declinaram sob o fardo de sua
ineficácia econômica e entorpecimento moral, à medida
que as elites perderam seu senso de predestinação histó-
rica e mostraram sinais de desordem incurável, tornou-se
possível para a sociedade civil, longamente silenciosa, re-
organizar-se e lançar uma batalha para a reconstituição
da esfera pública. Ademais, os intelectuais críticos não
apenas rejeitaram a arregimentação, mas também assina-
laram seu desencanto com a teoria marxista e proclama-
ram a natureza revolucionária do dizer a verdade. Leszek
Kolakowski deu expressão completa à compreensão re-
cém-adquirida da conexão íntima entre a visão de mundo
marxista e a prática do comunismo no século XX:
"Seria absurdo afumar que o marxismo foi, por assim
dizer, a causa eficiente do comunismo dos dias de hoje; por
outro lado, o comunismo não é uma simples "degeneração"
do marxismo, mas uma interpretação possível dele, e mesmo
uma interpretação bem fundada, embora primitiva e parcial
em alguns aspectos [... ].A auto-divinização, a que Marx deu
expressão filosófica, terminara da mesma maneira que tais
tentativas: revelou-se como o aspecto farsesco da servidão
humana". 73

Em 1968, quando estava em seus últimos dias o experi-


mento checoslovaco do "socialismo com uma face huma-
na", o dissidente russo e eminente cientista Andrei Sakharov
publicou em samizdat seu memorando "Reflexões acerca
do Progresso, coexistência e liberdade intelectual". Neste
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

documento, o autor abandonou e condenou o manique-


ísmo ideológico que funcionou como um princípio car-
deal assim para o marxismo como para o leninismo: "A
divisão da humanidade ameaça-a com desastre", começa
ele, e "diante destes perigos, qualquer ação que aumente
a divisão da humanidade, qualquer pregação da incom-
patibilidade de ideologias mundiais e nações é loucura e
crime" .74

Reinventando a política
A criação da sociedade civil na Europa Oriental e Cen-
tral, ou o que chamo de a reinvenção da política numa
maneira não-maquiavélica, foi fundada centralmente
numa rebelião contra o papel mortificador da ideologia:
"Porque o regime é cativo de suas próprias mentiras, tem
de falsificar tudo. Falsifica o passado. Falsifica o presente e
falsifica o futuro. Falsifica as estatísticas. Finge não possuir um
aparato policial onipotente e sem princípios. Finge respeitar
os direitos humanos. Finge não temer nada. Finge não fingir
nada" .75

A anestesia moral da população foi o aliado mais im-


portante do poder comunista pós-totalitário, e apressa-
mo-nos a acrescentar, é o aliado de qualquer estrutura
burocrática. O sistema trabalhou enquanto a mentira pre-
valecente foi aceita e tolerada pelo indivíduo, enquanto o
cidadão médio - o verdureiro que punha na janela da loja
a tabuleta: "operários de todo o mundo, uni-vos!" - conti-
nuou a endossar a tolice ideológica, mesmo quando estava
a par de que toda essa verborragia não era nada senão
uma coleção de mentiras. Quando pediu a seus compa-
nheiros escritores soviéticos que parassem de mentir, ou
seja, que abandonassem a ideologia, seu ponto era que a
vida moral começa no momento em que nos recusamos a
mentir. O mundo pode estar cheio de injustiça, mas não
CAPÍTULO 5

lhe acrescentemos mais. O problema, portanto, não era


simplesmente identificar a fonte de opressão no governo,
mas também dar-se conta de como cada indivíduo estava
preso à estrutura de poder e de como estava em seu poder
emancipar-se. Depois de lerem o Arquipélago Gulag, de
Soljenitsin, os intelectuais russos ouviram "uma trombe-
ta convocando para a corte terrível da história" .76 A dor
de milhões recontada no livro chacoalhou o cinismo e a
hipocrisia perpetuados pela ordem pós-totalitária na Eu-
ropa Oriental ou pela loucura ideológica no Ocidente. 77
Ao mesmo tempo, os líderes soviéticos se deram conta da
cesura potencialmente irreversível gerada pelo Arquipéla-
go Gulag. Em 1974, num encontro do Politburo, ninguém
outro senão Leonid Brejnev afirmou sem rodeios que "te-
mos todo fundamento para prender Soljenítsin, pois aten-
tou contra o que temos de mais sagrado, contra Lênin,
contra nosso sistema soviético, contra o poder soviético,
contra tudo o que nos é caro". 78 Na verdade, as revelações
significavam condenação; como afirmou uma carta ao Po-
litburo soviético: "O Arquipélago Gulag é a acusação com
que começa vossa condenação pela raça humana". 79 Sol-
jenítsin, juntamente com os que lhe seguiram o exemplo,
minou, como afirmou um político de segunda categoria
em 1988, "os fundamentos em que se assenta nossa vida
presente".80
De acordo com Havei, a habilidade do sistema de
transformar suas vítimas em cúmplices fez o pós-totali-
tarismo diferente das ditaduras clássicas. A idéia mesma
de mudança desapareceu, e os indivíduos enfrentaram o
imperativo de lidar com o que parecia e eles a única forma
de vida possível. A emancipação, o nascimento de uma
alternativa para a mentira que tudo penetrava, surgiu não
como um benefício exógeno outorgado por outros, mas
no momento em que alguns indivíduos decidiram pôr um
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

fim a formas grotescas de auto-negação. A decisão deles de


quebrar o círculo encantado de cumplicidade com o poder
e de expressar sua própria verdade foi a premissa para
a sociedade civil ressuscitar. Portanto, Havei (juntamente
com George Konrád, János Kis, Jacek Kurón, Adam Mi-
chnik, Martin Palous, Miklós Haraszti, e outros) apresen-
tou um discurso alternativo acerca da individualidade que
criou o potencial para uma reconstrução da comunidade
e uma redefinição da subjetividade. Iria transformar-se no
estado embrionário de uma vontade de assumir a respon-
sabilidade pelas próprias ações, correr riscos e questionar
instituições com base numa responsabilidade necessária.
Ecoando o ensinamento de seu mentor Jan Patocka, Havei
afirmou que
"um ato é justo não por levar provavelmente a resultados
favoráveis (utilitarismo), nem por ser o dever universal
do agente agir assim sob as circunstâncias (deontologia),
mas porque é a coisa essencialmente humana que fazer, um
objetivo genuíno de vida". 81

Os dissidentes centro-europeus apresentaram uma con-


ceptualização de identidade oposta tanto à inclusão mani-
puladora do "socialismo realmente existente" quanto ao
"tropo quiliástico do Homem Novo" no cerne do leni-
nismo. 82 Ademais, no pós-comunismo, o legado de seus
escritos ofereceu um freio às fantasias "pseudo-quiliásti-
cas" de salvação, baseadas na exclusão e marginalização
da categoria mesma de alteridade; apresentou uma rede
de segurança contra tais vaidades coletivas destrutivas e
estigmatizantes. Foi uma crítica daquelas "vacas que, ha-
via séculos, se proclamavam sagradas", rejeitando assim,
"quaisquer princípios divinos" que lhes reforçassem a
sacralidade. 83
Havei enfatizou um aspecto fundamental desta noção
de individualidade:
CAPÍTULO 5

"[A noção de responsabilidade humana] começou a


aparecer como o ponto fundamental do qual toda identidade
cresce e pelo qual se mantém ou cai; é o fundamento, a raiz,
o centro de gravidade, o princípio construcional ou eixo de
identidade, algo como a 'idéia' que lhe determina o grau e tipo.
É a argamassa que a liga, e quando desaparece a argamassa,
também a identidade começa a desmoronar-se e desfazer-se". 84

Propôs uma "revolução existencial" que visava a "ex-


por a colonização totalitária da identidade pós-tradicio-
nal no nível de sua própria formação". Foi baseada numa
interpretação vertical de identidade, que foi moldada eti-
camente, "constituída na responsabilidade para com o
outro". Esta ética vertical, inspirada pelo filósofo francês
Emanuel Levinas, foi, de acordo com Martin Matustik,
"suspeita para com as ambições totalitárias de liberdade
ecológica; para com a projeção histórica do ego na iden-
tidade revolucionária; para com a nostalgia conservadora
do ego da nação, partido, totem ou igreja". 85 A revolta dos
impotentes não tinha urna dimensão política explícita. A
política da anti-política consistia numa tentativa discreta,
modesta, quase mozartiana de restaurar a dignidade do
indivíduo. Confrontava de dentro a totalidade, preparan-
do o fundamento para a revolução real:
"Dado o sistema complexo de manipulação em que
o sistema pós-totalitário é fundado, e do qual é também
dependente, cada ato ou expressão humana livre, cada
tentativa de viver dentro da verdade, tem de necessariamente
surgir como uma ameaça ao s.istema e, então, como algo que
é político por excelência" .86

Esta insurreição ética aconteceu "na esfera real da po-


lítica potencial no sistema pós-totalitário" fora do círculo
de poder corrompido e corruptor. A pedra de toque de
uma contra-sociedade era a decisão individual de procla-
mar sua independência íntima. A dedicação àqueles "va-
lores eternos" escarnecidos e subvertidos pelas ditaduras
ideocráticas comunistas {ou fascistas) transformou-se, de

293
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

fato, na principal estratégia para reafirmar a liberdade


como uma possibilidade humana e social.
Por fim, o problema crucial com os projetos do Homem
Novo e da liberdade marxista e das fantasias pós-comu-
nistas de salvação "não era o fato de se centrarem na fé,
mas em se centrarem na fé que fingia ser conhecimento" 87 •
À luz da análise da " revolução existencial" de Havei, o
marxismo (leninismo) e as mitologias políticas pós-1989
compartilham a qualidade de "cegueira moral" (Steven
Lukes). Prometeram libertar a humanidade de condições
específicas de moralidade: da escassez; do egoísmo ou par-
cialidade de indivíduos e grupos conflitantes; dos valores
não-convergentes e incompatíveis; e da anarquia e opaci-
dade de um mundo não sujeito ao controle humano cole-
tivo. Ao buscar a realização de suas promessas, eles des-
cartaram os princípios já existentes que protegem os seres
humanos uns dos outros. s& Qualquer fonte de fracasso era
externalizada, existindo responsabilidade apenas no nível
interno do grupo, à medida que a comunidade originária
(e.g. o proletariado ou a nação) buscava sua missão histó-
rica em contraposição às outras categorias (e.g. burguesia,
campesinato, judeus, nação-inimiga).
Václav Havei e outros dissidentes leste-europeus pro-
puseram uma alternativa no projeto dele de "política mo-
ral", que
"ensinaria assim a nós como aos outros que a política não
tem de ser a arte do possível, especialmente se isto significa a
arte da especulação, do cálculo, das intrigas, dos argumentos
secretos, e das manobras pragmáticas, mas pode ser também a
arte do impossível, ou seja, a arte de nos fazermos e ao mundo
melhores". 89

A extinção do leninismo tornou possível mudar todos


os paradigmas políticos. No entanto, o legado do século
XX para o século XXI é a marca do ethos totalitário ocul-

294
CAPÍTULO 5

to sob a superfície de nossas interações diárias. Estou-me


referindo aos sintomas do leninismo originário ou do fas-
cismo originário. São dois lados da mesma moeda: a tenta-
ção de palingênese e a do agente escolhido da história (i.e.,
a busca de um novo proletariado ou o retorno à comunida-
de étnica perfeita). 90 A natureza específica desses espectros
deveria reforçar nossa concordância com a centralidade da
busca de Havei: como sair do castelo? A resposta dele é
tão simples de dar como é difícil de pôr em prática: pela
reconquista da existência humana. Seguindo Patocka, Ha-
vel considerava que viver na verdade tinha a premissa no
cuidado da alma, que, a seu turno, dava a esta um sentido
claro de ordem, auto-consistência e beleza interna.91
A transição do socialismo de estado aconteceu num
pano de fundo de uma depreciação universal das dicoto-
mias políticas convencionais, incluindo uma crise espalha-
da de auto-confiança da parte do liberalismo ocidental. A
meu ver, o principal sucessor ideológico de leninismo e o
principal rival do liberalismo foi o nacionalismo etnocên-
trico. Pode-se argumentar que, levando em consideração a
maior parte da tradição do século XX, de conceptualiza-
ção do poder na Europa Oriental, o ideal de instituir uma
sociedade com base em normas de procedimento e contra
um cenário neutro de direitos e deveres mínimos teve pouca
oportunidade de materializar-se. Ao contrário, uma noção
"compacta" de cidadania baseada em ideais que exigem
fidelidade à comunidade por causa de uma "comunhão
pré-política pressuposta de seus membros" parecia mais
provável de tomar corpo. 92 Na luta entre gemeinshaft e
gesellshchaf(, aquela teve uma considerável vantagem na
saída. Depois de duas décadas de pós-comunismo, no que
concerne às visões dominantes de filiação e identidade na
Europa Oriental, estão misturados os resultados.

,. Em alemão, no original, respectivamente: associação e sociedade - NT.

295
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Nenhum mito político no século XX se mostrou mais


resiliente, proteiforme e duradouro do que o nacionalis-
mo. Uma constelação abrangente e potencialmente agres-
siva de símbolos, emoções e idéias, o nacionalismo tam-
bém oferece uma linguagem redentora de libertação para
grupos por longo tempo subjugados e humilhados. Seria,
portanto, simplesmente ilusório reduzir o nacionalismo
a uma interpretação pré-fabricada. O regente Leonard
Bernstein costumava dizer que qualquer afirmação que se
faça acerca da música de Gustav Mahler, o oposto tam-
bém é igualmente verdadeiro. Este também é o caso com
o nacionalismo. Ele é quase sempre descrito como arcai-
co, anti-moderno, tradicionalista, em suma, reacionário.
Outras interpretações o vêem como uma força condutora
de liberação modernizante, uma ideologia de emancipa-
ção coletiva e uma fonte de dignidade humana e orgulho.
Em geral, pode-se dizer que o nacionalismo "oferece uma
espécie de drama de salvação coletiva obtido de modelos
e tradições religiosas, mas tendo em vista uma nova forma
política e social ativista através de tradições, mobilização
e instituições" .93 O que quer que se pense disso, sua pre-
sença ubíqua no final do último século, e começo deste
nosso, está para além de qualquer dúvida. O problema,
portanto, é encontrar caminhos para reconciliá-lo com
a agenda democrática. Uma vez que a nação se torna o
símbolo principal de narrativas identitárias, estruturas de
poder e regimes de conhecimento são determinados por
quem define e como são definidas as comunidades perce-
bidas como representantes do fundamento dessa comu-
nidade particular de pessoas. Em outras palavras, como
se pode domar essa propensão violenta que um filósofo
político georgiano chama adequadamente "a carne intole-
rante da etnicidade" ?94
O retorno da política etnocêntrica, especialmente du-
rante os anos 1990, a busca agonizante de raízes e as ob-
CAPÍTULO 5

sessões com a identidade foram tendências importantes da


virada do século XXI na Europa Oriental. Colidiam fre-
qüentemente com os valores cívicos, de inclusão, advoga-
dos pelos antigos dissidentes como Havei ou Michnik. A
primeira onda de pós-comunismo de paixões primordiais
e os apelos dos novos discursos excludentes nos lembram
que nem as premissas nem os resultados da modernidade
foram universalmente aceitos. Como demonstrado tragi-
camente na antiga Iugoslávia, o renascimento desta forma
específica de política pode mostrar-se prejudicial para o
desenvolvimento cívico-liberal nas sociedades pós-comu-
nistas. Na maior parte da Europa Oriental e Central, o
etno-nacionalismo alterou fundamentalmente o espectro
ideológico de esquerda-direita.
Normalmente foram intelectuais que manufaturaram
discursos que justificavam identificações e projeções na-
cionalistas, e então as massas mobilizadas deram a esses
discursos a validação de realidades práticas. Isto é, para
empregar por um instante a terminologia de Pierre Bour-
dieu, um processo da naturalização de um habitus cen-
trado na nação, significando "um sistema de disposições
transponíveis duráveis, estruturas organizadas predispos-
tas a funcionar como estruturas organizadoras, ou seja,
como princípios que geram e organizam práticas e repre-
sentações". Desta maneira, o nacionalismo, entendido
tanto como estruturas de poder quanto como um regime
de conhecimento, é transformado numa realidade auto-
-reprodutora e auto-referencial. O nacionalismo torna-
-se "a maneira óbvia de fazer as coisas e nelas pensar" .95
A comunidade ordenada desta maneira não será apenas
"conhecida e imaginada; será profundamente sentida e
representada por gestos" .96 Ao passo que nos anos 1960
o nacionalismo aparecia, ao menos no Ocidente, como
um mito extinto, o final do comunismo e a nova era de

297
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

conflito étnico internacional que se seguiu à Guerra Fria


fizeram do nacionalismo o principal competidor do libera-
lismo e da sociedade civil. Sua força mais importante vem
precisamente de sua habilidade de compensar a perda de
certezas e oferecer explicações imediatas para o fracasso,
a confusão e o desconcerto. O nacionalismo satisfaz as
ansiedades coletivas dolorosas, alivia a angústia e reduz o
indivíduo ao mínimo denominador comum: o simples fato
de pertencer a uma etnia. Em seu cerne encontra-se um
mito regenerativo (ou, para empregar o termo de Roger
Griffin, um mito palingênico). Como mostraram muitos
pesquisadores, tal mito é "um arquétipo de mythopeia hu-
mana que pode expressar-se assim em formas seculares
como religiosas sem ser 'obtido' de nenhuma fonte outra-
dição particular". Sua função mais importante é oferecer
aos grupos que o empregam na prática cultural e política
novas fontes de sentido e função social. O principal perigo
inerente à sua ativação é que pode gerar uma "nação con-
cebida organicamente que deve ser curada da decadência
e completamente renovada" .97

Espectros do nacionalismo
O escritor romeno exilado Norman Manea, que sobre-
viveu ao Holocausto como adolescente para, mais tarde,
ser perseguido por ser judeu e ter idéias não conformistas
sob o regime de Ceau~escu, fez uma descrição poderosa
desta tentação etnocêntrica como o rival principal da vi-
são cívica da comunidade associada à modernidade e ao
liberalismo:
"O nacionalismo crescente por todo o mundo, os perigosos
conflitos entre minorias na Europa Oriental e a crescente
xenofobia na Europa Ocidental enfatizam de novo umas das
principais contradições de nosso tempo, entre a modernidade
cosmopolita, centrífuga, e a necessidade centrípeta (ou ao
CAPÍTULO 5

menos a nostalgia) de pertença [... ]. O mundo moderno


enfrenta sua solidão e suas responsabilidades sem o artifício
de uma dependência protetora ou de uma coerência fictícia
utópica. Movimentos fundamentalistas e separatistas de
todos os tipos, o retorno de uma mentalidade tribal em
tantas comunidades humanas, são expressões da necessidade
de restabelecer uma coesão bem ordenada que protegeria o
enclave contra o assalto do desconhecido, da diversidade, da
heterogeneidade e da alienação".98

O nacionalismo étnico apela muito freqüentemente


a instintos primários de unidade e identificação com o
próprio grupo: estrangeiros vistos freqüentemente como
desestabilizadores malignos, rompedores desonestos de
tradições e agentes de dissolução. O nacionalismo, de
fato, santifica a tradição, outrora descrita por Gilbert K.
Chesterton como "o direito de voto garantido às pessoas
mortas". Especialmente em tempos de frustação social, os
estrangeiros tendem a ser demonizados e transformados
em bodes expiatórios. Um nacionalista ucraniano, por
exemplo, veria os russos (ou judeus) como conspirando
para sempre para minar a independência e prosperidade
da Ucrânia. Um romeno consideraria membros da minoria
húngara como pertencentes a um corpo unitário perpetua-
mente envolvido em atividades subversivas e irredentistas.
Um militante nacionalista croata não confiaria nunca em
sérvios, ao passo que fundamentalistas étnicos sérvios in-
vocariam a aliança da Croácia com a Alemanha Nazista
como um argumento contra a confiança e a coexistência
étnica. Os nacionalismos estônios, letônios ou lituanos es-
tão impregnados da memória das ocupações soviéticas (e,
anteriormente, russas) dos estados bálticos. Discursos na-
cionais não apenas preservam um sentido de identidade ét-
nica, mas também "reinventam continuamente a tradição"
(Hobsbawm), regeneram a mitologia histórica, infundem
um conteúdo infra-racional transcendental no sentido de

299
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

identidade nacional. Durante o colapso imperial, o nacio-


nalismo se torna um bálsamo ideológico empregado para
acalmar os sentimentos de abatimento e cólera.
Com suas identidades estilhaçadas e lealdades hesitan-
tes, o mundo pós-comunista permitiu que fantasias xeno-
fóbicas paranóicas florescessem e tomassem a imaginação
de milhões de indivíduos descontentes. A homogeneiza-
ção nacional tornou-se o grito de guerra de elites políti-
cas, para quem a unidade e a coesão eram os valores mais
importantes. A lógica excludente leninista ("nós" versus
"eles") foi substituída pela visão nacionalista, que santifi-
ca os grupos étnicos de dentro e demoniza os "estrangei-
ros". Os que criticam essa tendência são imediatamente
estigmatizados como "quintas-colunas" formadas de "ini-
migos internos". Para o falecido presidente croata, Franjo
Tudjman, por exemplo, eram apenas os intelectuais de-
fensores do "espírito e auto-determinação nacionais" que -
mereciam o nome de intelligentsia. Todos os outros, de-
fendia ele, eram apenas fariseus. 99 A invenção contínua de
inimigos e ódios agrava o clima de insegurança e faz mui-
tos indivíduos honestos desesperar-se quanto ao futuro de
nossas sociedades.
Neste contexto, não é nenhuma surpresa que o pós-co-
munismo foi, e ainda é, definido por uma tensão duradou-
ra entre a consciência nacionalista e a ênfase em "iden-
tidades pós-convencionais" (Habermas), continuando o
projeto de universalização de direitos desencadeado no
século XVIII. 100 Ainda há uma escassez de "cola social",
porque as formações políticas existentes falharam em ali-
mentar o consenso necessário para a sustentação de um
patriotismo constitucional (Verfassungspatriotismus ). 101
O nacionalismo étnico contemporâneo é menos uma res-
surreição das políticas pré-comunistas de intolerância do
que uma metamorfose do esforço leninista de construir o

300
CAPÍTULO 5

corpo político perfeitamente unificado. Certamente o pas-


sado é com freqüência empregado para justificar as fanta-
sias ressentidas de demagogos nacionalistas. Esse "retorno
da história" é, no entanto, mais uma reconstrução ideo-
lógica que visa a responder aos rancores de hoje em dia
do que um destino aparentemente primordial de nações
destinadas a lutar continuamente umas com as outras e
temer umas às outras. 102 A síntese estranha de ambição
nacional e monismo ideológico explica a intensidade das
paixões nacionalistas no mundo pós-comunista: a exclu-
sividade étnica é uma continuação da húbris leninista, de
sua adversidade a qualquer coisa com laivos de diferença,
unicidade ou alteridade. O anti-liberalismo, o coletivismo
e o anti-intelectualismo estanque misturam-se nos novos
discursos de auto-enaltecimento nacional.
No entanto, a europeização da Europa Oriental, sem
ser o fim ilusório da política, pode ser vista como o pri-
meiro rompimento claro com o círculo medonho de ideo-
logia e utopia nesta região. Na verdade, uma democracia
substantiva, que tome a verdade e a emancipação como
seus valores principais, pode também ser definida como
pós-democracia:
"Por pós-democracia quero dizer nada mais, e nada além,
do que uma democracia a que de novo se deu conteúdo
humano, o que é dizer que não é apenas formal, não apenas
institucional, não apenas um mecanismo elegante de permitir
que, embora as mesmas pessoas governem, pareça que os
cidadãos estão, eles mesmos, escolhendo-as de novo". 103

A ditadura pedagógica do marxismo mostrou ser uma


solução falsa para os dilemas do Iluminismo e da mo-
dernidade, com conseqüências catastróficas. O pensador
estruturalista marxista francês Louis Althusser escreveu
outrora que o marxismo não era uma forma de huma-
nismo, porque, a seu ver, o materialismo dialético tinha

301
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

suplantado conceptualizações abstrato-antropocêntricas.


Estava situado para além do limite do altruísmo empírico,
pois buscava as leis fundamentais e as constantes de desen-
volvimento. Podemos detectar aqui uma conexão secreta
entre os silogismos requintados da escola de Althusser e os
imperativos conservadores do dogmatismo neo-stalinista:
o humanismo foi apenas uma película, uma superfície trai-
çoeira que escondia as prioridades ideológicas reais. Por-
tanto, o humanismo deveria ser sempre concreto, servir os
interesses da revolução. A resposta de Havel a tais fanta-
sias de práxis revolucionária e a lição essencial das revolu-
ções de 1989 é a auto-emancipação através da cidadania.
Daí o subtítulo do "poder dos impotentes" ser "cidadãos
contra o estado".
Dissidentes e intelectuais críticos criaram com sucesso
um horizonte de expectativa que não existira na Europa
Oriental desde a Primavera de Praga. Não é de surpreen-
der que João Paulo II tenha exercido um papel crucial na
articulação desta nova gramática de oposição ao comu-
nismo, definindo a solidariedade e a liberdade humanas
como valores inegociáveis. Significativamente (e eletri-
zantemente) umas das mais influentes encíclicas do papa
foi intitulada "O Esplendor da Verdade". O historiador
Stephen Kotkin apresentou uma citação notável para esse
estado de coisas: a mensagem do papa era "o direito in-
violável, na ordem das coisas de Deus e do homem, para
os seres humanos viverem em liberdade e dignidade" .104 A
sociedade civil era o território de autonomia humana re-
cuperada que escapou e se opunha à garra da partocracia
comunista (a "sociedade incivil", como a apresenta Ko-
tkin). O discurso de verdade e direitos tinha, na verdade,
poder revolucionário. Atingiu o coração do próprio sis-
tema político, pois, como disse certa vez Kolakowski, "a
mentira é a alma imortal do comunismo". Ao desafiá-la,

302
CAPÍTULO 5

embora evitando simultaneamente dicotomias ideológicas


convencionais, os ativistas da sociedade civil explodiram
os mitos longamente mantidos de fatalidade, futilidade,
impotência, resignação, abandono e conformidade.
Toda a filosofia da dissidência foi afirmada numa estra-
tégia de "penetração" longa do sistema existente, levando
à recuperação gradual e à restauração da esfera pública
(a vida independente de sociedade) como uma alternativa
para a presença omni-abrangente do partido-estado ide-
ológico. O primado dos partidos-estados comunistas foi
rejeitado, pois, de acordo com o pensamento dissidente,
havia "algo incondicional que é maior do que eles, algo
que até mesmo os está ligando, sagrado, inviolável" .105
Isto era o indivíduo com seus direitos, dignidade e liber-
dade. Em conseqüência, a reconstrução exitosa da vida
de uma nação, partindo da tragédia e destruição causa-
das por um regime criminoso depende da capacidade de
uma sociedade construir fundamentos de confiança entre
indivíduos libertados. Assim o absolutismo utópico como
o relativismo pós-moderno foram rejeitados mediante as
dúvidas individuais por meio do conhecimento e da ação
moral. Ora, para evocar o lamento do dissidente russo
Vladimir Bukovsky pela tentação totalitária do comunis-
mo: "Ah, nosso amado Ilitch, quantas pessoas atraiu ele
para a escuridão, quantas pessoas fornecidas com justi-
ficação para seus crimes! Mas para mim ele trouxe luz".
Na verdade, para Bukovsky, depois de ler O Arquipélago
Gulag, aprendendo e experimentando, em primeira mão,
a criminalidade do regime soviético, as obras de Lênin
transformaram-se numa "história vivente dos crimes dos
bolcheviques" .106
O comunismo foi, na verdade, um cenário fantástico de
auto-enaltecimento, um exercício de magia desmedida e au-
to-ilusão, uma tentativa de escapar dos constrangimentos
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

da alegada pequenez burguesa e uma oferta para milhões


viverem por delegação em "outro país". Se se mantiverem
alguns dos critérios éticos na interpretação das principais
experiências traumáticas do século passado, é difícil não
concordar com Anne Applebaum:
"Agora, no final do século XX, finalmente faz sentido
reavaliar a evolução do comunismo como um fenômeno
único. Embora não tenhamos talvez alcançado o final do final
da história do comunismo, a história já tem um começo claro
e um meio claro: é possível agora traçar as linhas diretas de
influência, ideológica e financeira, desde Lênin a Stálin, a Mao,
a Ho Chih Minh, a Pol Pot, de Castro ao MPLA em Angola.
É também possível traçar as ligações entre seus sistemas de
repressão notavelmente similares [.. .]. O comunismo agora
aparece com mau aspecto por si mesmo".1º7

Sem dúvida, por longas décadas, as idéias de Karl


Marx foram distorcidas qpase para além do reconheci-
mento. Mas é impossível separar completamente a práxis
bolchevique dessas idéias. Há uma tentação de apresentar
a experiência soviética como uma aberração na história
da esquerda socialista revolucionária, e isentar o esquema
básico marxista de qualquer culpa por esse experimento.
Os assim tentados (desde o político socialista francês Ja-
cques Attali até o influente historiador americano Geoff
Eley) invocam freqüentemente o papel dos movimentos
democráticos sociais modernos e partidos em promover as
causas tanto da democracia política quanto da justiça so-
cial. No entanto, as realizações inegavelmente profundas
da democracia social no Ocidente têm mais que ver com
os legados de Ferdinand Lassalle e Eduard Bernstein, Léon
Bium e Willy Brandt, Olaf Palme e Michael Harrington
- todos democratas dedicados - do que com o quiliasmo
revolucionário e crítica dialética da lei e da moralidade
que estão profundamente enraizadas dentro do marxismo
e podem ser encontradas no Manifesto Comunista.
CAPÍTULO 5

O marxismo fracassou no século XX porque subesti-


mou os dilemas da existência humana, as necessidades de
muitos por fontes de sentido profundamente espirituais
ou culturais e, portanto, a profunda importância do di-
reito humano à privacidade. Visava a criar a sociedade
perfeita cuja materialização nos experimentos comunistas,
desde Moscou a Phnom Pehn, chegaram mais perto da
colônia penal de Kafka do que das visões paradisíacas de
utópicos tradicionais. 108 O mito de uma única revolução
proletária mundial desde então foi dissipado. Não foi este
mito, porém, que fez do comunismo uma ideologia tão
vivamente sedutora. Mais importante foi a promessa de
transformação universal, a promessa de que este miserável
Vale de Lágrimas será substituído por um mundo arcádico
em que todos os indivíduos serão felizes e livres.
Desde a Décima Primeira Tese de Feuerbach até a últi-
ma linha do Manifesto, Marx lançou um chamado persis-
tente para mobilizar a compreensão e aproveitar as forças
da modernidade, tudo em nome de uma transformação
radical do mundo, uma reconciliação do homem com a
natureza e com a história. Tal visão totalizante possui,
sem dúvida, um grande apelo intelectual e moral. Mas se
aprendemos algo do século passado, é que o domínio da
moralidade e da política é um domínio de finitude, dife-
rença e limite. Os enigmas da história não têm soluções
finais dignas de serem buscadas. Como os alemães depois
de Hitler, como os italianos depois de Mussolini, como os
chilenos depois de Pinochet, os leste-europeus se empe-
nharam em esforços de lidar com um passado traumático.
Isto envolve necessariamente análises dos planos ideológi-
cos que galvanizaram paixões políticas assassinas, catali-
saram o ressentimento de massa, e organizaram energias
sociais niilistas em farmas desastrosas de engenharia so-
cial.109 Quando se vive por quase um século na companhia
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANP.ANU

do diabo, já não se pode encontrar refúgio na reverência


angélica. A reconciliação e a cura de uma nação mancha-
da pelo lodaçal sangrento do mal dependem do reconhe-
cimento e da não-negociabilidade da dignidade humana
como uma verdade moral primordial da nova sociedade.
CAPÍTUL06
DOENÇA E RESSENTIMENTO
AMEAÇAS À DEMOCRACIA NAS
SOCIEDADES PÓS-COMUNISTAS

As sociedades produzem estereótipos (que são os cumes do


artifício}, e então os consomem como lugares comuns (que
são os cumes da natureza). É assim que a má-fé pode passar
por boa consciência.
Eugen Weber, My France

...ódios compartilhados produzem parceiros. de cama


estranhos.
Albert Hirschmann, The Rethoric of Reaction

Virando e virando no giro alargado


O falcão já não ouve o falcoeiro;
As coisas se quebram; o centro já não se mantém;
Somente anarquia se desprende no mundo,
A onda tênue de sangue se perde, e por toda a parte
A cerimônia de inocência é enterrada;
Os melhores não têm convicção, ao passo que os piores
Estão cheios de intensidade passional.
W. B. Yeats, The Second Coming

As mais de duas décadas que passaram desde o colap-


so dos regimes comunistas na Europa Central e Oriental
mostraram que se poderia imaginar mais de um futuro
possível para a região. Mesmo quando muitos se apres-
saram em predizer o pior, a verossimilhança de cenários,
com todo o respeito a Jan Urban ou G. M. Tamás, era algo
duvidoso. 1 Bellum omnium contra omnes·, um estado de
Em latim, no original: guerra de todos contra todos - NT.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

anarquia selvagem e prolongada e a perda dos direitos ci-


vis recém-adquiridos em favor de simulações stalino-fas-
cistas de coesão e vontade coletiva não estão iminentes na
maioria dos estados pós-leninistas. O chauvinismo expan-
sionista no estilo de Milosevic não foi emulado fora das
fronteiras da antiga Iugoslávia, embora ataques de ódio e
intolerância tenham acompanhado a derrubada da União
Soviética, especialmente no Cáucaso. Os direitos humanos
foram esmagados na Bielo-Rússia sob o regime plebiscitá-
rio comandado por Alexander Lukashenko, mas isto con-
tinua a ser, na verdade, um caso excepcional entre os esta-
dos europeus pós-comunistas. O pluralismo parece ter-se
estabelecido solidamente, e procedimentos democráticos
são agora amplamente reconhecidos, aceitos e praticados.
O panorama geral depois da extinção do comunismo é,
no entanto, um panorama de desencanto, de culturas po-
líticas desalentadas, a ascensão de novos coletivismos, a
marginalização de antigos heróis e o retorno de antigos
comunistas. O termo de Adam Michnik para essa tendên-
cia foi "a restauração de veludo" .2 Propus a "contra-revo-
lução de veludo" para indicar a direção deste fenômeno,
especialmente suas tendências fortemente anti-intelectuais
e intolerantes. 3 O giro conservador-populista na política
húngara sob o Primeiro Ministro Viktor Orbán depois de
2009 levou a controvérsias amargas quanto a notáveis li-
mitações da liberdade de imprensa e abordagens etnocên-
tricas da identidade nacional natural.
Sociedades centro-européias e leste-européias evolve-
ram de regimes leninistas autoritários, extremamente cen-
tralizados e burocráticos, para formas democráticas de
organização política e econômica.4 Concentrar-se exclusi-
vamente em suas dificuldades durante o período de tran-
sição' é perder o drama do experimento social e político
naquela região. Mais de vinte anos depois de 1989, o que
CAPÍTULO 6

permanece em jogo é a validade do paradigma democrá-


tico liberal em sociedades tradicionalmente autoritárias
("O que podem eles recordar?" perguntou corretamente
outrora o historiador Tony Judt). Em outras palavras, é im-
portante identificar os blocos de construção em que socie-
dades abertas podem estabelecer-se a fim de funcionarem
adequadamente. Temos de avaliar a trajetória das grandes
transformações libertadas pelos acontecimentos extraor-
dinários de 1989: são essas sociedades recém despertas
favoráveis ao pluralismo, ou o domínio pertence a forças
intolerantes anti-modernas? Em 2002, afirmou Judt que,
no contexto do acesso à União Européia, com propósitos
de reconstrução moral européia, "o ponto de referência
crucial para a Europa serão agora os anos imediatamente
precedentes aos acontecimentos de 19 89". 5 Quando cele-
bramos o vigésimo aniversário das revoluções desse ano,
temos a possibilidade de contemplar as ilusões, expecta-
tivas e planilhas de balanço das primeiras duas décadas
pós-comunistas e de especular acerca dos anos por vir.

Annus mirabilis 1989


Não importa como as julguemos, as revoluções de 1989
foram verdadeiramente acontecimentos históricos, no sen-
tido hegeliano: estabeleceram uma cesura histórica (con-
vencional apenas até certo ponto) entre o mundo antes e
depois de 1989. 6 Os sistemas leninistas eram doentes ter-
minais, e a doença atingiu-lhes primeiro e antes de tudo
a capacidade de auto-regeneração. Depois de décadas de
brincar com a idéia de reformas intra-sistêmicas, tornara-
-se claro que o comunismo não tinha recursos para o rea-
juste e que a solução estava, não dentro, mas fora, mesmo
contra, a ordem existente. 7 A extinção (implosão) da União
Soviética, consumada ante os olhos incrédulos do mundo
em dezembro de 1991, esteve direta e intimamente ligada à
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

dissolução anterior do "império exterior" provocada pe-


las revoluções de 1989. É óbvio agora que o ciclo histó-
rico inaugurado pela Primeira Guerra Mundial, a tomada
bolchevique do poder na Rússia, em outubro de 1917, e a
longa guerra ideológica européia (ou melhor, guerra civil
global) que se seguiu, tinha chegado ao fim. 8
O caminho para 1989-91 foi preparado pelas obras
menos visíveis, freqüentemente marginais, mas, a longo
prazo, criticamente significativas do que agora chamamos
sociedade civil (incluindo o Solidariedade na Polônia, a
Carta 77 na Checoslováquia, grupos de paz não oficiais,
ambientalistas e de direitos humanos na RDA, a Oposi-
ção Democrática na Hungria). 9 Ao examinar o naufrágio
do leninismo, deveríamos evitar qualquer tratamento uni-
dimensional monista. Não há nenhum fato singular que
explique o colapso: a economia assim como a política, a
cultura assim como tensões sociais insolúveis convergiram
em tornar esses regimes irremediavelmente obsoletos. Mas
estes não eram autocracias: obtinham sua pretensão à le-
gitimidade do "escrito sagrado" marxista-leninista, e, uma
vez que essa aura ideológica deixou de funcionar, todo
o edifício começou a balançar. 10 Eram, para empregar o
termo adequado do sociólogo Daniel Chirot, "tiranos da
certeza" e foi precisamente a perda gradual do empenho
ideológico entre as elites governantes, outrora um ardor
verdadeiramente messiânico, que acelerou a desintegração
interna dos regimes leninistas. 11 Até 1989, tinham entrado
em colapso três mitos centrais do leninismo: sua infalibili-
dade, sua invencibilidade e sua irreversibilidade.
Nessas circunstâncias, qualquer análise do ano de 1989
deveria ser moldada por duas hipóteses teoréticas cruciais.
A primeira, que constitui o cerne do argumento de Ste-
phen Kotkin no livro muito discutido The Uncivil Society,
é que por volta dos anos 1980 as elites políticas dos esta-

310
CAPÍTULO 6

dos comunistas estavam em desordem, experimentando a


perda da auto-confiança, o cinismo desaforado, e deca-
dência ideológica. A Europa Oriental era regida por socie-
dades incivis (castas burocráticas comunistas) assaltadas
de insegurança, ansiedade, abatimento e desmoralização.
Tinham perdido sua auto-confiança e estavam procuran-
do fontes alternativas de legitimação. Entretanto, gostaria
de apontar para uma segunda dimensão que permitiu o
momento crítico de 1989. O comunismo na região pas-
sou pela exaustão do impulso utópico. Para empregar a
formulação de Ken Jowitt, o impersonalismo carismático
dos partidos leninistas caiu em descrédito. A despeito das
proibições sem fim de Mikhail Gorbachev de zelo ideoló-
gico "revisionista", o socialismo tardio falhou em reinven-
tar a missão heróica de seu agente central de progresso na
história: o Partido Comunista.
Retornando a Kotkin, afirmaria que, na verdade, "o
colapso do comunismo foi um colapso das estruturas do-
minantes" . 12 No entanto, quando se fala das estruturas
dominantes, deve-se também entender o mito essencial
de um partido carismático que mobiliza um movimen-
to revolucionário a transformar radicalmente a socieda-
de para a realização do socialismo. Por volta de 1989,
ao longo da Europa Oriental e Central encontra-se um
quadro complexo de fé decadente na utopia (embora de
maneira nenhuma extinta - e.g. Nicolae Ceau~escu mor-
reu cantando a Internacional) combinado com a rotiniza-
ção engendrada por elites pragmáticas (pensai em líderes
como Károly na Hungria, Mieczyslaw Rakowski na Po-
lônia, Petar Mladenov na Bulgária, ou Hans Modrow na
RDA). Todos os regimes comunistas pareciam passar por
um processo de corrosão indefinida. Mas uma vez que
emergiu um novo tipo de liderança no centro de Moscou,
liderança que se desencantou cada vez mais com a lógi-

311
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ca radicalmente transformadora do passado soviético, o


colapso sistêmico acelerou num passo formidável. Tony
Judt apontou convincentemente para o fato de que "a
contribuição característica de Lênin para a história euro-
péia tinha sido seqüestrar a herança política centrífuga do
radicalismo europeu e canalizá-la para o poder através de
um sistema inovador de controle monopolizado: reunido
sem hesitação e mantido à força em um lugar. 13 Quando
decaiu a influência desta herança na aritmética do poder
dentro do bloco soviético, a erosão deu lugar ao esfarela-
mento das estruturas aparentemente inabaláveis.
Precisamente porque terminaram um ciclo histórico e
anunciaram um novo, a importância dessas revoluções
não pode ser superestimada: representam o triunfo da dig-
nidade cívica e da moralidade política sobre o monismo
ideológico, o cinismo burocrático e a ditadura policiada.14
Fundadas num conceito individualista de liberdade, pro-
gramaticamente céptica de todos os modelos ideológicos
de engenharia social, essas revoluções eram, ao menos em
seu primeiro estágio, liberais e não-utópicas. 15 Ao contrá-
rio das revoluções tradicionais, não se originaram numa
visão milenarista da sociedade perfeita, e rejeitaram opa-
pel de qualquer vanguarda auto-apontada na direção das
atividades das massas. Falavam uma nova língua: "os 'di-
reitos falam' como uma maneira de pensar na política" .16
Ademais, nenhum dos partidos políticos dirigia seu impul-
so espontâneo e, em seus estágios iniciais, insistiam até na
necessidade de criar novas formas políticas, diferentes das
diferenciações partidárias tradicionais, definidas ideologi-
camente. Ao mesmo tempo, como disse um observador
dos acontecimentos entre 1989 e 1991: "os dissidentes
não pegaram em suas clavas contra os antigos revolucio-
nários ou suas organizações como o Partido Comunista
da União Soviética - exigiram um fim para o estado de
revolução" .17

312
CAPÍTULO 6

Esperanças e desilusões
O fato de o rescaldo dessas revoluções ter sido ator-
mentado por rivalidades étnicas, conflitos políticos repug-
nantes, corrupção econômica e política excessivas, e pela
ascensão de partidos e movimentos intolerantes, incluindo
tendências coletivistas fortemente autoritárias, não lhes
diminui a mensagem generosa e o impacto colossal. E, de-
ve-se notar, foi precisamente nos países onde as revolu-
ções não ocorreram (Iugoslávia) ou foram descarriladas
(Romênia) que a saída do socialismo de estado foi parti-
cularmente problemática. As revoluções de 1989 criaram
de fato uma situação fundamentalmente nova e perigosa
em que a ausência de normas e comportamento racional
previsível da parte dos atores criou o potencial de caos
global. Esta observação foi feita não para lamentar o final
dos arranjos pré-1989, mas simplesmente para apontar
para o fato de que este ano limiar e o fim do leninismo
puseram a todos nós numa situação radicalmente nova.
Compreender as revoluções de 1989 ajuda-nos a apreen-
der o sentido dos debates em andamento acerca do libera-
lismo, do socialismo, do nacionalismo, da sociedade civil
e da noção mesma da liberdade humana no final de um
século atrocíssimo. 18
Estes fatos deveriam ser lembrados especialmente quan-
do escritores questionam o sucesso dessas revoluções, re-
ferindo-se exclusivamente a seus legados ambíguos. A "re-
tórica reacionária " examinada brilhantemente por Albert
Hirschman emprega argumentos de futilidade, perigo e
perversidade para deslegitimar a mudança per se ou tor-
ná-la impossível ou indesejável. 19 Essa linha de raciocínio,
freqüentemente encontrada em tratamentos mais requin-
tados, argumenta segundo a seguinte lógica: o ambiente
pós-revolucionário libertou características ignóbeis por
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

muito tempo adormecidas de culturas políticas nacionais,


incluindo chauvinismo, racismo, fascismo residual, funda-
mentalismo etno-clerical e militarismo, e é, portanto, mais
perigoso do que o status quo ante; ora, nada realmente
mudou e os detentores do poder (burocratas do partido
estado) permaneceram os mesmos, simplesmente colando
em si mesmos novas máscaras; ora, não importa o que
mulheres e homens das revoluções de 1989 esperassem,
os resultados de seus esforços foram extremamente de-
cepcionantes, permitindo que patifes políticos, vigaristas e
demagogos empregassem as novas oportunidades de esta-
belecer seu domínio. Se há uma moral principal do grande
drama revolucionário que se desenrolou na Europa Orien-
tal em 1989 é que a história não é nunca uma avenida de
mão única, e que o futuro está sempre transbordante com
mais de uma alternativa. Em outras palavras, não há ne-
nhum determinismo inexpugnável governando a história
da humanidade. De fato, como argumenta Jeffrey Isaac, as
revoluções de 1989 não só não tiveram mais de uma cau-
sa, mas também mais de um sentido, e propuseram uma
agenda desafiadora, não apenas para as sociedades pós-
-comunistas como também para as democracias ociden-
tais. 20 Ademais, devemos focar em sua herança pluralista
e impacto duradouro, assim na Europa Oriental como no
mundo. Isaac advertiu que "nós" que celebramos as "re-
voluções de veludo" de 1989 deveríamos fazê-lo com cir-
cunspecção e com um sentido de auto-limitação por causa
das complexidades por trás da "normalidade" das socie-
dades pós-comunistas. 21
O significado desses acontecimentos, o papel dos dis-
sidentes (intelectuais críticos não arregimentados) na res-
surreição de sociedades civis por longo tempo paralisadas,
a crise geral desses regimes e o declínio da hegemonia do
Partido Comunista geraram uma enorme literatura inter-
CAPÍTULO 6

pretativa. A tentação inicial foi aclamar o papel dos dis-


sidentes na derrubada dos regimes de estilo soviético e na
ascensão de iniciativas cívicas desde baixo. 22 O dissidente
como um herói passou a ser um mito político na Europa
Central e Oriental, mas o mito levou essas sociedades a
um nível mais elevado de auto-consciência moral. A meu
ver, é menos relevante quão grande ou numeroso foi um
grupo ou movimento dissidente. Lembro-me de uma in-
tervenção de um ex-dissidente e ativista de direitos hu-
manos, o finado Mihai Botez, numa mesa redonda orga-
nizada pela Freedom House em 1988, em que ele insistia
que o déficit de visibilidade não significa necessariamente
a ausência de sociedade civil, mesmo num país como a
Romênia sob Ceau~escu. Havia muitas redes informais de
comunicação entre intelectuais romenos. O movimento de
protesto anti-comunista dos trabalhadores de Bra§ov, em
novembro de 1987, foi também uma expressão de desas-
sossego social profundamente assentado. Numa recensão
perspicaz da historiografia das revoluções de 1989, Bar-
bara Falk insistiu que "não há nenhuma linha nítida entre
resistência e dissidência - é mais um continuum ou um es-
pectro inteiro". A natureza, o impacto e o papel deste con-
tinuum de resistência na extinção dos regimes comunistas
aguardam pesquisas e análises mais profundas. Considero
a caracterização que ela fez desse espectro um ponto de
partida notável:
"No pólo de 'resistência' estão atividades como o
absenteísmo, o alcoolismo ou o abuso de drogas, e a preferência
por viagens pessoais e atividades esportivas em vez de eventos
patrocinados por sindicatos e empresas estatais nos lugares
de trabalho. Mais próximas do meio estariam as discussões
privadas ou em família de historiografia alternativa, a escuta
de transmissões de rádio proibidas, escrever um ensaio
'para a gaveta', contar piadas em público ou ler samizdat.
Mais próximas do meio, do outro lado, em direção ao pólo
do dissidente, estariam as atividades feitas em apoio ou na
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

'zona cinzenta' - assinar uma petição, talvez participar de


uma peregrinação, ou discutir com amigos uma transmissão
particular ou espalhar notícias aí obtidas. Finalmente, no final
'dissidente' do continuum está a produção e distribuição de
samizdat, os protestos públicos, o envolvimento ativo em
grupos independentes fora do controle do partido-estado -
tudo isso arriscando a perseguição por parte do regime e/
ou a cadeia. Pode-se ainda diferenciar a resistência moral
individual e a oposição organizada - particularmente no
final dos anos 1980 ou em estados como a Polônia onde a
oposição era extremamente bem organizada, expansiva e
multidimensional" .23

Não podemos tampouco deixar de notar que o que im-


portava eram as percepções do papel dos dissidentes en-
tre as elites (i.e., a assim chamada intelligentsia) e dentro
de setores da população, na área cinzenta (espectadores).
Não foi nenhuma coincidência que, tão logo o regime de
Ceau~escu caiu na Romênia, o novo grupo governante,
os líderes da Frente de Salvação Nacional, assegurou-se
de transmitir a mensagem à população de que seu con-
selho dirigente tinha incorporado os poucos intelectuais
dissidentes no país, conhecidos do povo através das trans-
missões da Rádio Europa Livre. Os dissidentes puderam
legitimar a disposição pós-1989; a presença e as idéias
deles deram sentido aos acontecimentos. Era significativo
não apenas que o comunismo tinha entrado em colapso
ou que a elite implodira, mas também como a narrativa se
desenrolava e que idéias e princípios preenchiam o vazio
depois de sua extinção. Por exemplo, na União Soviéti-
ca, Ludmila Alexeyeva, um membro fundador do Grupo
Helsinki-Moscou, declarou no auge da Perestroika que
"não nos sentimos ofendidos por Gorbachev e seus asso-
ciados por não nos citarem como fontes. Estamos felizes
que nossas idéias adquiriram uma nova vida". Depois do
coup d'état fracassado de agosto de 1991, um de seus
mais ardentes apoiadores, o escritor nacionalista Alexan-
CAPÍTULO 6

der Prokhanov, afirmou amargamente que "a concepção


de Elena Bonner venceu". 24
As revoluções de 1989 foram, primeiro e antes de tudo,
revoluções da mente, e intelectuais críticos exerceram o
papel de "sujeitos revolucionários". Abundavam relatos
eufóricos da onda revolucionária, freqüentemente compa-
rados com a Primavera das Nações de 1848, e Timothy
Garton Ash apresentou alguns dos mais eloqüentes artigos
acerca disso em suas contribuições apaixonantes para o
New York Review of Books, mais tarde reunidas no livro
The Magic Lantern. 25 É, naturalmente, uma questão aberta
se o termo revoluções é o mais apropriado para descre-
ver essas mudanças. O que está para além de disputa é
o impacto mundial das transfarmações inauguradas pelos
acontecimentos de 1989 e a inauguração de uma nova vi-
são da política. No século XX muitos intelectuais se envol-
veram numa busca frenética da utopia e freqüentemente
participaram de uma legitimação de despotismos guiados
ideologicamente: "Assim, foi completamente apropriado
que este descontentamento dos intelectuais da Europa com
a grandiosa narrativa de progresso tenha levado à avalan-
che subseqüente" .26 De acordo com Garton Ash:
"O ano de 1989 não mudou a realidade. No entanto
houve algo novo; houve uma nova grande idéia, e essa foi a
própria revolução - a idéia da revolução não-revolucionária,
a revolução evolucionária. O mote de 1989 poderia vir do
grande crítico de Lênin, Eduard Bernstein: 'O objetivo não é
nada, o movimento é tudo'[.. .]. Então esta foi uma revolução
que não era acerca do quê, mas acerca do como. Este
mote particular de desobediência civil pacífica, sustentada,
maravilhosamente inventiva e massiva canalizou-se numa elite
oposicionista que estava ela mesma preparada para negociar
e fazer compromissos com os poderes existentes, os poderes
que existiam (em suma, a mesa redonda ) - isso foi a novidade
histórica de 1989. Enquanto a guilhotina é um símbolo de
1789, a é o símbolo de 1989" .27

31 7
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Tem-se de lembrar que os intelectuais críticos da Euro-


pa Oriental, os agentes da sociedade civil nos anos 1970
e 1980, não queriam tomar o poder. A essência de suas
ações e escritos, e implicitamente de sua influência nos sú-
ditos do governo comunista, era seu compromisso com a
restauração da verdade, da civilidade e moralidade na es-
fera pública, a reabilitação de virtudes cívicas e o final do
método totalitário de controle, intimidação e coerção. Ste-
phen Kotkin apontou adequadamente que o aspecto mais
vulnerável dos sistemas comunistas era a mentira endêmi-
ca. Nesse contexto, afirmo que o discurso dos dissidentes
de um corpo social ativo, auto-consciente e poderoso, che-
gou a ser um desafio formidável à Grande Mentira do par-
tido. A reabilitação de noções como liberdade, dignidade,
cidadania, soberania do povo e pluralismo apresentou um
desafio simbólico radical e prático-político ao mundo to-
talitário. Ademais, pela primeira vez na história do comu-
nismo na região, apareceu um grupo de pensadores que,
pela ação e pela palavra, tentou "preencher o espaço anô-
mico entre o indivíduo e o estado" .28 Em outras palavras,
podia-se entrever um futuro diferente para sociedades sob
o comunismo, uma vez que os intelectuais e setores da po-
pulação já não estavam silentes. A sociedade civil de fato
importava no contexto de 1989. Anne Applebaum enfati-
zou, numa recensão de Uncivil Society de Stephen Kotkin,
que formas alternativas de organização
"ajudaram a formar multidões e então ajudaram as
multidões a criar mudança {impelindo Václav Havei à
presidência da República Checa, por exemplo). Talvez mais
importante, atingiram os burocratas de nível médio, as
pessoas que tinham seguido ordens o tempo todo, mas, com
a retirada da ameaça de invasão soviética, já não queriam
fazê-lo. Pessoas como o policial que abriu espontaneamente
a barreira no Muro de Berlim, somente para dar um exemplo
famoso, foram movidas para lados oposto pela, sim, sociedade
civil que tinha crescido ao redor delas". 29

3r8
CAPÍTULO 6

Mesmo não sendo a sociedade civil tão coerente, nume-


rosa, influente e visível como a sociedade incivil, fornecia
uma mobilização ideal num ambiente dominado pela co-
erção, cinismo e paralisia. Diria mais que a importância
da sociedade civil não estava particularmente em seu peso
político, mas no fato de ter se tornado quase uma profecia
auto-realizável.
A tendência dominante, no entanto, era ver as revolu-
ções de 1989 como parte da onda democrática universal:
uma confirmação do triunfo último dos valores democrá-
ticos liberais sobre as tentativas coletivista-jacobinas de
controlar as mentes humanas. É então claro que o dissenso
era uma expressão não a penas de resistência à ideologia
dominante de poder, um repúdio do poder da ideologia,
mas também uma afirmação de uma comunidade política
baseada no diálogo e na abertura de mentes:
"O samizdat, e a criação de culturas alternativas de
resistência e dissenso que se tornaram possíveis com isso,
podem ser entendidos como o resultado de processos históricos
de longo alcance e parte essencial do projeto trans-europeu
de modernidade. Afinal de contas, a livre expressão tornou
possível a criação e alimentação da idéia mesma do 'público'
e da 'opinião pública', como nos lembra Jürgen Habermas em
sua obra-prima precoce The Structural Transformation of the
Pub/ic Sphere" .30

Anteriormente, interpretações similares dos levantes de


1989 inspiraram as reflexões acerca do futuro da revo-
lução liberal pelo filósofo político Bruce Ackerman, para
quem as mudanças dramáticas na Europa Oriental e Cen-
tral foram parte de um renascimento global do liberalis-
mo. Em outras palavras, o sucesso ou fracasso delas con-
dicionaria o futuro do liberalismo também no Ocidente,
porque vivemos num mundo de interconexão e interde-
pendência 31 política, econômica e cultural-simbólica.
ODIABO NA HISTÓRIA 1VLADIMIR TISMANEANU

Depois de décadas de agressão estatal contra a esfera pú-


blica, essas revoluções reinstituíram a distinção entre o que
pertence ao governo e o que é território do indivíduo. Ao
enfatizar a importância dos direitos políticos e cívicos, cria-
ram espaço para o exercício dos valores democráticos libe-
rais. Em alguns países esses valores se transformaram em
fundamento constitucional sobre os quais as instituições de
uma sociedade aberta podem ser construídas com seguran-
ça. Em outras palavras, a referência ao pluralismo perma-
neceu algo perfunctório. Mas mesmo nos casos de menos
sucesso de transição democrática (os Bálcãs ocidentais), a
velha ordem, baseada na suspeita, no medo e na impotência
em massa está irretocavelmente defunta. Em outras pala-
vras, embora não seja claro o resultado último dessas tran-
sições, as revoluções conseguiram ter sucesso em sua tare-
fa mais importante: fazer debandar os regimes leninistas e
permitir aos cidadãos desses países dedicar-se inteiramente
em moldar seus próprios destinos. No final, "o retorno à
Europa" anunciado em 1989 representava a "normalida-
de e o estilo de vida moderno". Secundando Judt, deu-se o
passo vital - o comunismo tornou-se passado.32
Como mencionei antes, a questão crucial que tratar é:
foram os acontecimentos de 1989 verdadeiras revoluções?
Se for positiva a resposta, então como tratamos de sua no-
vidade em contraste com outros acontecimentos similares
(a Revolução Francesa de 1789 ou a Revolução Húngara
em 1956)? Se for negativa a resposta (como alguns hoje
em dia gostam de argumentar), então é legítimo perguntar
a nós mesmos: o que foram eles? Simples miragens, resul-
tados de intrigas obscuras de burocracias ameaçadas que
hipnotizaram o mundo, mas não mudaram fundamental-
mente as regras do jogo? Estas últimas palavras, as regras
do jogo, são cruciais para interpretar o que aconteceu em
1989; focalizando-as, podemos alcançar uma avaliação
dessas revoluções e de sua herança. A meu ver, o levante

320
CAPÍTULO 6

na Europa Oriental, e primeiramente nos países principais


da Europa Central, representou uma série de revoluções
políticas que levaram à transformação decisiva e irrevo-
gável da ordem existente. Em vez de sistemas autocráti-
cos de partido único, as revoluções criaram organizações
políticas pluralistas em curso de desenvolvimento. Permi-
tiram aos cidadãos de tiranias dirigidas ideologicamente
(sociedade fechadas) reconquistar seus direitos humanos
principais e cívicos e envolver-se na construção de socie-
dades abertas. 33 O historiador Konrad Jarausch argumen-
ta que a ênfase no poder do povo, típica dessas revoluções,
substanciou-lhes a novidade: seu caminho pacífico para a
mudança de regime a despeito de todas as dificuldades. 34
Ademais, em vez de economias planejadas centralmente,
depois de 1989 todas essas sociedades embarcaram na
criação de economias de mercado. Nesses esforços de fa-
zer face a este triplo desafio (criar um pluralismo político,
uma economia de mercado e uma esfera pública, i.e., uma
sociedade civil), algumas tiveram um desempenho melhor
e mais rápido do que outras. Mas não se pode negar que
em todos os países que costumavam ser citados como blo-
co soviético, a outrora ordem monolítica foi substituída
pela diversidade política e cultural. 35 Embora ainda não
saibamos se todas essas sociedades se tornaram verdadei-
ramente democracias liberais, é, no entanto, importante
enfatizar que, em todas elas, foram desmantelados os sis-
temas leninistas baseados na uniformidade ideológica, co-
erção política, ditadura sobre as necessidades humanas e a
supressão dos direitos civis.36

Política e moralidade
De certa maneira, as revoluções de 1989 foram uma vin-
gança irônica da famosa definição leninista de uma situação
revolucionária: os que estão no topo não conseguem gover-
nar da velha maneira, e os que estão na base não querem mais

321
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

aceitar essa velha maneira. Foram mais do que simples


revoltas porque atacaram as próprias fundações dos siste-
mas existentes e propuseram uma reorganização completa
da sociedade. Talvez valha a pena recordar que os parti-
dos comunistas não estavam no poder como resultado de
procedimentos racionais legais. Nenhumas eleições livres
os levaram às posições de mando; ao contrário, obtive-
ram sua legitimidade espúria da exigência ideológica (e
teleológica) de que representavam a "vanguarda" da clas-
se trabalhadora, e, em conseqüência, eram os portadores
de uma missão emancipadora universal. 37 Uma vez que a
ideologia deixou de ser uma força inspiradora e membros
influentes dos partidos governantes, a prole e beneficiários
do sistema de nomenklatura, perderam seu devotamento
emocional à ordem radical marxista, os castelos leninistas
estavam destinados a ruir. Aqui entra o que é muitas vezes
chamado o efeito Gorbachev. 38 Foi, na verdade, o clima
internacional gerado pelas ondas de choque da Glasnost
e Perestroika iniciadas por Mikhail Gorbachev depois de
sua eleição como secretário geral do Partido Comunista,
em março de 1985, que permitiu uma quantidade incrível
de dissentimento aberto e mobilização política na Europa
Oriental e Central. Foi a denúncia que Gorbachev fez da
perspectiva ideológica na política internacional (des-ideo-
logização) e o abandono da perspectiva da "luta de classe"
que mudou as regras das relações sovieto-leste-européias.
Muito poucos analistas insistiram nos componentes
menos visíveis, mas, no entanto, intolerantes, persistentes
e neo-autoritários da sublevação anti-comunista no Leste.
Para citar a previsão sombria de Ralf Dahrendorf:
"O maior risco é provavelmente de outro tipo
completamente diverso. Hesito em empregar a palavra,
mas é difícil bani-la do pensamento: o fascismo. Com isso
quero dizer a combinação de uma ideologia nostálgica de

322
CAPÍTULO 6

comunidade que estabelece fronteiras rigorosas entre os que


pertencem e os que não pertencem, com um novo monopólio
político de um homem ou um 'movimento', e uma forte
ênfase na organização e mobilização em vez da liberdade de
escolha". 39

Arrastados pela confusão revolucionária estimulante, a


maior parte dos observadores preferiu atenuar a natureza
heterogênea dos movimentos anti-comunistas: na verdade,
nem todos os que rejeitavam o leninismo o fizeram porque
estavam sonhando com uma sociedade aberta e com valo-
res liberais. Entre os revolucionários estavam muitos enra-
gés, maldispostos para com a lógica do compromisso e das
negociações. Houve também fundamentalistas populistas,
dogmatistas religiosos, nostálgicos dos regimes pré-comu-
nistas, incluindo os que admiravam ditadores pró-nazistas
como o Marechal romeno Ion Antonescu e o Almirante
húngaro Miklós Horthy. Somente depois da desintegração
da Iugoslávia e do divórcio de veludo que levou a uma
ruptura da Checoslováquia em dois países (a República
Checa e a Eslováquia) é que pesquisadores e políticos se
deram conta de que a promessa liberal dessas revoluções
não deveria ser dada como certa, e que o rescaldo do co-
munismo não é necessariamente uma democracia liberal.
No começo dos anos de 1990 tornou-se cada vez mais
claro que a era pós-comunista estava repleta de todos os
tipos de ameaças, incluindo conflitos étnicos sangrentos,
desassossego social e a ascensão desmoralizante de velhos
e novos tipos de populismos e tribalismos.40
Na verdade, os apelos do paradigma da sociedade civil,
como defendidos e articulados dentro das subculturas dis-
sidentes da ordem pós-totalitária, eram em grande medida
idealizados durante o primeiro estágio pós-totalitário. Mui-
tos intelectuais compartilhavam esses valores, mas houve
muitos que os acharam muito abstratos e universalistas
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

(entre estes últimos, Václav Klaus, o rival, inimigo e su-


cessor de Havei como presidente da República Checa). A
maioria das populações na Europa Oriental e Central não
se tinham envolvido nas atividades anti-sistêmicas e não se
tinham apropriado dos valores da resistência moral. Anos
atrás, o filósofo húngaro e ex-dissidente G.M. Tamás in-
sistia na relativa marginalidade dos dissidentes como uma
explicação para sua falta de influência depois de 1989. 41
O caso do Solidariedade foi, é claro, diferente, mas mesmo
ali o código normativo da oposição cívica fracassou em
gerar um conceito positivo da "política da verdade". Na
realidade, a dissensão na maior parte das sociedades da
Europa Oriental e Central era uma experiência isolada, ar-
riscada e não necessariamente popular. Os que pertenciam
à "área cinzenta" entre o governo e a oposição tendiam a
considerar os dissidentes como desafiadores morais, fora
da lei neuróticos, personagens quixotescas com pouca ou
nenhuma compreensão do jogo real. Os apelos da visão da
sociedade civil, com seu repúdio às estruturas hierárquicas
e cepticismo quanto à autoridade institucional mostraram
seus limites na ordell1: pós-comunista imperfeita, fratura-
da moralmente e fluida ideologicamente. Ademais, como
notou Tony Judt,
"uma das razões para o declínio dos intelectuais foi que
a tão notada ênfase deles na ética do anti-comunismo, a
necessidade de construir uma sociedade civil atenta para
preencher o espaço anômico entre o indivíduo e o estado,
tinha sido assaltada pelo negócio prático de construir uma
economia de mercado". 42

O mundo depois do leninismo está manchado por so-


nhos quebrados, ilusões estilhaçadas e expectativas fre-
qüentemente não realizadas. Isso explica a derrota dos
ex-comunistas na Polônia em setembro de 2005: perce-
bidos como operadores cínicos, os antigos apparatchiks
CAPÍTULO 6

perderam dos partidos de centro-direita que advogavam


uma "revolução moral". Em suma, não terminou a bata-
lha pela alma do homem depois do comunismo. Em al-
guns países, prevaleceram o desconcerto e o desânimo. Em
outros, os indivíduos parecem gozar das novas condições,
incluindo a oportunidade de viver sem sonhos utópicos.
Para citar Alexander Yakovlev, o ex-ideólogo bolchevique
que se tornou apóstata:
"As utopias sociais não são inofensivas. Deformam a vida
prática, forçam o indivíduo, a sociedade, as agências de estado
e os movimentos sociais para imporem seus tratamentos
e conceitos, incluindo o emprego de métodos extremos de
força. As utopias sociais privam uma pessoa da habilidade de
perceber a realidade das características verdadeiras. Reduzem
acentuadamente, e chegam a destruir completamente, algumas
vezes, a habilidade de resistir eficazmente às dificuldades reais,
absurdidade e defeitos da vida privada e pública" .43

Em contraste com a utopia social do leninismo, em 1989


a sociedade civil era uma metáfora poderosa da revolta, e
o renascimento da mente independente que ganhou pree-
minência como partidos-estados tornou-se cada vez mais
decrépito e suas elites, desencantadas. A sociedade civil
era o símbolo para a possibilidade de uma alternativa
à queda de regimes afligidos por doenças incuráveis do
clientelismo, corrupção e cinismo. A doença, no entanto,
pode ser um processo atrozmente longo, e em meados de
1980 Timothy Garton Ash, um intérprete sagaz da políti-
ca centro-européia, empregava a metáfora profética oto-
manização. Mais tarde, o professor Leszek Kolakowsky
insistiu em que, embora todo o mundo (mesmo os líderes)
tivesse sabido que os regimes comunistas não podiam du-
rar para sempre, quase ninguém anteviu quando o colapso
ocorreria. Sem nenhum fim à vista, o que permaneceu foi
que, por volta dos anos 1980,. a Europa Oriental tinha
forjado um mito político que oferecia assim a crítica como
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

a oposição ao comunismo, assim como uma visão estra-


tégica para o que viria depois do comunismo. Concordo
com Stephen Kotkin, que afirmou que "1989 não aconte-
ceu por causa de uma tendência de liberdade ampla ou do
estabelecimento da tendência de auto-enriquecimento" .44
O que Kotkin parece desconsiderar, entretanto, é o efei-
to debilitante e corrosivo dos argumentos dos dissidentes
pela autenticidade ("viver dentro da verdade") e por um
retorno à normalidade depois de um sistema que perdera
seu ímpeto escatológico. Idéias simples, mas penetrantes,
corroíam continuamente a fundação do monólito do par-
tido-estado. Pode não ter sido uma tendência ampla para
a liberdade a marcha triunfal da sociedade civil que foi
apresentada na literatura anterior, mas o papel de idéias
na extinção do comunismo não deve ser subestimado. Sen-
do uma religião secular levada ao poder e preservada por
idéias, o comunismo pereceu como resultado de idéias.
Uma vez que o marxismo e o leninismo foram desacredi-
tados, assim doméstica como internacionalmente, como
Grandes Narrativas, as realidades do comunismo perma-
neceram simplesmente o que eram: perda, dispersão, fra-
casso e crime. 45 Apenas se acrescentarmos esta correção
à interpretação de Kotkin é que podemos compreender
a paixão, o idealismo e as grandes expectativas de 1989
juntamente com as frustrações, doença e desapontamen-
tos que se seguiram.
A recordação da opressão sob os regimes comunistas
normalmente estimula um sentido de unicidade. O sofri-
mento é sempre explorado para justificar uma competição
estranha pelo que eu chamo "o status de nação mais viti-
mada". Não menos importante, porque o comunismo foi
visto por muitos como uma imposição estrangeira - uma
ditadura de "estrangeiros"-, o nacionalismo radical con-
temporâneo é também intensamente anti-comunista. A
CAPÍTULO 6

memória do trauma e da culpa sob o leninismo, juntamen-


te com o dever de lembrança quanto ao passado fascista
de alguns desses países, pode oferecer os pontos de refe-
rência histórico e moral necessários para sustentar um pa-
triotismo constitucional que pode desafiar o reducionismo
comunitário. Em vez disso, estamos testemunhando uma
etnicização da memória e uma externalização da culpa.
Os males dos regimes comunistas são atribuídos aos que
são percebidos como estrangeiros: os judeus, as minorias
nacionais ou outros traidores e inimigos de uma nação or-
ganicamente definida. Ora, encontramos a "distorção de
memória do comunismo" que cria "dois vocabulários mo-
rais, dois tipos de raciocínios, dois passados diferentes":
o das coisas feitas a "nós" e o das coisas feitas por "nós"
aos "outros". Isto é o que Tony Judt chamou "amnésia
voluntária" .46
Os ex-comunistas fizeram de fato alguns retornos es-
petaculares. Isso foi possível porque depois de 1989 não
havia nenhuns tribunais e nenhuns recursos para vingança
endossada pelo estado. Isso mostra que a recusa de or-
ganizar a justiça política coletiva foi, afinal de contas, o
tratamento correto. Deixai-me dizer que as controvérsias
relativas ao tratamento dos antigos ativistas e colaborado-
res do partido e da polícia secreta estavam entre as mais
apaixonadas e potencialmente prejudiciais nas novas de-
mocracias. Alguns argumentaram, juntamente com o pri-
meiro primeiro-ministro polonês pós-comunista e anti-co-
munista, Tadeusz Mazowiecki, que se precisa traçar "uma
linha grossa" com o passado e envolver-se totalmente
num esforço consensual de construir uma sociedade aber-
ta. Outros, por razões que foram desde anti-comunismo
incondicional até manipulação cínica de uma questão ex-
plosiva, argumentaram que, sem alguma forma de "puri-
ficação", as novas democracias seriam fundamentalmente
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANF.ANU

pervertidas. A verdade, a meu ver, reside algures no meio:


o passado não pode e não deve ser negado, coberto com
um cobertor de oblívio vergonhoso. Confrontar o passa-
do traumático, primeiramente através da lembrança e do
conhecimento, leva a obter a justiça moral.47 Crimes re-
ais aconteceram de fato nesses países, e os responsáveis
devem ser identificados e levados à justiça. Mas procedi-
mentos legais e qualquer outra forma de retribuição legal
pelos crimes do passado deveriam sempre acontecer em
base individual, e a preservação da presunção de inocência
é um direito fundamental para qualquer ser humano, in-
cluindo antigos apparatchiks comunistas. A este respeito,
com todas as suas falhas, a lei de lustração na República
Checa ofereceu um modelo legal que evitou a justiça da
massa. Na Romênia, onde nenhuma lei assim foi decre-
tada e onde o acesso a fichas pessoais da polícia secreta
foi sistematicamente negado aos cidadãos (ao passo que
essas mesmas fichas foram usadas e abusadas pelos que
estavam no poder), o clima político continuou a ser afligi-
do por suspeição, intrigas sombrias e visões conspiradoras
obscuras. 48
Mesmo depois do alargamento para leste da OTAN e
da entrada da maioria dos países leste-europeus na União
Européia (com a exceção notável dos Balcãs Ocidentais),
há uma tensão dramática entre os partidos e grupos plura-
listas-democráticos e os partidos e grupos etnocráticos ou
radicais nessas sociedades. Freqüentemente, durante o pós-
-comunismo, parecia que havia uma aspiração por novas
figuras para o futuro, uma expectativa da materialização
do que Walter Benjamin chamava o ''tempo messiânico".
A busca de novas escatologias foi mais visível no Leste
europeu, onde todos os contrastes sociais são exacerbados
pelo colapso de velhas identidades. Mas o retorno do mito
foi parte do mal-estar universal com a racionalidade fria,
CAPÍTULO 6

calculada, zweck-massig [prática] da gaiola de ferro: pro-


fetas e demagogos (freqüentemente as mesmas pessoas)
tinham de fato audiências no Leste assim como no Oci-
dente. Este último, no entanto, é mais bem protegido: as
instituições funcionam impessoalmente, os procedimentos
são profundamente encrustados em culturas cívicas. No
mundo pós-comunista estão ainda em construção ou não
satisfazem inteiramente as exigências de uma democracia
liberal completamente funcional. É claro, as coisas são ex-
tremamente complexas: há um sentimento de exaustão, de
muita retórica, um sentimento de que os políticos estão aí
simplesmente para enganar. De outro lado, é precisamente
essa exaustão de visões de mundo tradicionais, essa sín-
drome pós-moderna de repúdio a construções teleológicas
grandiosas em favor de mini-discursos o que leva ao tédio
e ao desejo ardente de visões alternativas que não rejei-
tariam o arrojo e a inventividade. Sim, este é um mundo
secularizado, mas os substitutos profanos das mitologias
tradicionais ainda têm um futuro.
Depois do período extinto de "legitimação do topo"
(através de rituais ideológicos de participação simulada,
mobilização e arregimentação), na maior parte desses pa-
íses a legitimação legal-procedimental nascente foi con-
frontada (ou combatida) por algo que, empregando a aná-
lise perspicaz de Hobsbawn dos novos discursos de ódio,
poderia ser chamado legitimação do passado.49 Quanto
mais incipiente e nebuloso este passado, mais agressivos,
febris e intolerantes foram os proponentes das mitologias
neo-românticas. A ascensão do nacionalismo como uma
compensação para o fracasso percebido e para a margi-
nalidade externamente imposta, como fuga das complexi-
dades da modernidade nas políticas de salvação coletiva,
estava ligada a este legado leninista ambíguo de moder-
nidade distorcida e ditou necessidades humanas e até as

329
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

formas culturais étnico-orientadas na região. Em outras


palavras, o desconcerto com os desafios democráticos e
com a prevalência do modelo pluralista constitucional
estava ligado não apenas à transição do leninismo, mas
ao problema maior de legitimação e à existência de vi-
sões concorrentes do bem comum, assim como a fusão
de movimentos e partidos ao redor de símbolos diferentes
e freqüentemente rivais de identidade coletiva. Para dizê-
-lo com simplicidade, a primeira onda pós-comunista de
paixões primordiais e o apelo aos discursos de exclusão
lembram-nos que nem as premissas nem as conseqüências
da modernidade foram universalmente aceitas. Este ponto
foi corretamente levantado por S. N. Eisenstadt na análise
inovadora das revoluções de 1989:
"Estes problemas, entretanto, não surgem simplesmente
pela ruptura de impérios 'tradicionais', a transição de algo
'pré-moderno' para uma sociedade democrática totalmente
moderna, ou de uma modernidade distorcida para um estágio
relativamente tranqüilo que pode bem assinalar algum
tipo de 'fim da história'. A turbulência evidente na Europa
Oriental de hoje dá testemunho de alguns dos problemas e
tensões inerentes na modernidade em si mesma, atestando a
fragilidade potencial de todo o projeto da modernidade" .50

Paradoxos pós-comunistas
Considero que nos primeiros dez anos de pós-comunis-
mo lidamos com uma forma resiliente, persistente de bar-
barismo que estava situada no coração mesmo da moder-
nidade. O nacionalismo radical foi a exacerbação absoluta
da diferença, sua reificação, a rejeição do clamor de uma
humanidade comum e a proclamação da distinção etno-
-nacional como o fato primordial da existência humana.
Como escreveu muito anos atrás Franz Grillparzer: "da
humanidade, através da nacionalidade, para a barbarida-
de" - uma máxima querida aos corações dos intelectuais

330
CAPÍTULO 6

como Hannah Arendt, Walter Benjamin e Adam Michnik,


que reabilitaram a noção de pária e enfatizaram a nobreza
da exclusão em contraste com a humilhação da inclusão
forçada. Ainda é válida a tese hoje clássica de Jack Sny-
der: a vontade das elites políticas de serem responsáveis
atinge o nível de instrumentalização nacionalista durante
a transição para a democracia. Para evitar a renúncia à
sua autoridade, essas elites seqüestram o discurso político,
enquanto dificultam e levam vantagem da capacidade re-
duzida dos cidadãos para a participação política. 51
A principal ameaça em alguns (se não na maioria) dos
países da Europa Central e Oriental é a de uma queda no
"autoritarismo competitivo", onde
"instituições formalmente democráticas são amplamente
vistas como os meios principais de obter e exercer a autoridade
política. Os detentores do poder violam tão freqüentemente
essas regras e a tal ponto, no entanto, que o regime não
consegue obter os padrões mínimos convencionais para a
democracia".

Como apontaram Levitsky e Way, até a segunda déca-


da do pós-comunismo, a Croácia, a Ucrânia e a Sérvia
eram exemplos de manual para este modelo, e a Rússia e
a Bielo-Rússia ainda parecem cair nessa categoria. Podia-
-se argumentar que melhores termos para essa degenera-
ção democrática são democracia delegada e democracia
anti-liberal.52 Escolhi o primeiro para enfatizar o perigo
fundamental de uma fissura bem assentada, persistente e
alargando-se, entre as sociedades política e civil no anti-
go bloco soviético. Não é de surpreender que, na maioria
desses países, os intelectuais críticos (muitos deles antigos
dissidentes sob o regime comunista) insistam na necessi-
dade de clareza moral. A classe política, no entanto, per-
manece narcisisticamente auto-centrada e impérvia a tais
injunções de viver verdadeiramente. Afinal de contas, foi

33I
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Karl Marx quem disse que qualquer nova sociedade carre-


ga por um longo tempo suas marcas de nascimento, neste
caso os hábitos, costumes, visões e mentalidades (forma
mentis) associados com a fé leninista.
Ademais, como argumentou Karen Dawisha, electo-
cracias não deveriam ser consideradas automaticamente
como comunidades democráticas liberais. 53 Então, na re-
alidade, o constitucionalismo continua manchado por seu
próprio formalismo muito universalista (sua frieza e seu
enfado, tantas vezes condenado) e pela falha subseqüente
em se ajustar às pressões que resultam dos esforços cole-
tivos que visam a reverter, subverter e obliterar o projeto
de modernidade (pelo que compreendo, provisoriamente,
a construção essencial da política numa maneira anti-ab-
solutista, individualista e contratual). 54 Mas o retorno do
reprimido, real e freqüentemente perturbador não exaure
o quadro. Na verdade, a despeito de todos os revezes, os
debates que se seguem na Europa (e na Europa Oriental
em particular) permanecem fundamentais para tentar uma
reinvenção da política. Julia Kristeva está certa, então:
"O problema do século XX foi e permanece a reabilitação
do político. Uma tarefa impossível? Uma tarefa inútil? Hitler
e Stálin perverteram o projeto num totalitarismo mortal.
O colapso do comunismo na Europa Oriental, que põe em
dúvida, para além do socialismo, a base mesma dos governos
democráticos que provieram da Revolução Francesa, exige
que se repense essa base de tal maneira que o século XXI não
seja o domínio reacionário do fundamentalismo, das ilusões
religiosas e das guerras étnicas" .55

Essa experiência reunida é muito bem descrita pelo que


Hanson e Ekiert identificaram como o paradoxo chave do
pós-comunismo: "O 'legado leninista' importava ao mes-
mo tempo menos e mais do que os eruditos esperavam no
começo". Em outras palavras, o impacto da experiência

332
CAPÍTULO 6

comunista comum foi mediado por "escolhas específicas


feitas por atores estrategicamente colocados nos vários
momentos críticos dos processos de mudança em desen-
volvimento" .56 Ademais, desafios similares feitos pelo
passado produziram políticas e quadros institucionais
variantes. No entanto, a extinção ideológica de forma-
ções leninistas deixou para trás um vácuo por preencher
pelos constructos sincréticos que provinham da herança
pré-comunista e comunista (desde o nacionalismo, assim
em suas encarnações cívicas como étnicas, até o libera-
lismo, socialismo democrático, conservadorismo, popu-
lismo, neo-leninismo ou mesmo fascismo mais ou menos
recauchutado). Vemos uma fluidez dos empreendimentos
políticos, alianças e filiações - o colapso de uma cultura
política (que Leszek Kolakowiski e Martin Malia identi-
ficaram corretamente como sovietismo) e o nascimento e
consolidação dolorosos de uma nova. A identidade moral
dos indivíduos foi estilhaçada pela dissolução de todos
os valores e ícones previamente estimados - ou ao menos
aceitos. No período imediatamente posterior a 1989, os
indivíduos pareciam ansiosos por abandonar seu sentido
de autonomia recém-adquirido em nome de formas dife-
rentes de grupos e movimentos de proteção, pseudo-salva-
cionistas. Isto foi enfatizado por Ha vel:
"Numa situação em que um sistema entrou em colapso e
ainda não existe um novo, muitas pessoas se sentem vazias
e frustradas. Esta condição é solo fértil para o radicalismo
de todos os tipos, para a caça de bodes expiatórios e para a
necessidade de esconder-se atrás do anonimato de um grupo,
seja social, seja eticamente baseado" .57

A responsabilidade pelas ações pessoais, a assunção


de riscos e o questionamento de instituições com base em
exigências legítimas de melhoria estão ainda em desenvol-
vimento.58 Todos os postos, status, tradições, herarquias

333
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

e símbolos entraram em colapso, e os novos ainda estão


cambaleantes e muito problemáticos. A inveja, o rancor e
o ressentimento tomaram o lugar dos valores de solida-
riedade, civilidade e compaixão que outrora guiaram os
revolucionários leste-europeus. Como notou o sociólogo
polonês Jacek Kurczewski,
"a pobreza é acompanhada de inveja, um sentimento
que se torna dominante em tempos de mudança econômica.
O sentimento expressa-se não tanto numa nostalgia pelo
comunismo, mas numa defesa dos mecanismos socialistas de
segurança social sob condições de uma economia capitalista
e numa suspeição de quem quer que tenha obtido sucesso
nessas novas condições" .59

Em vez de gozar de promessas de emancipação e de


mudança revolucionária, muitos indivíduos estão agora
compartilhando uma psicologia de impotência, derrota e
abandono.
Há problemas imensos na continuidade assim da me-
mória social como pessoal. Sem um cômputo completo
legal, político e histórico em relação à experiência comu-
nista totalitária, o consenso cívico e a confiança política
dificilmente podem amadurecer. A despeito da operação
de resgate cada vez mais larga de memórias fragmenta-
das e do seu desenvolvimento (tanto individual quanto
coletivo), a transparência acerca de um passado culpado e
traumático por meio de "política de conhecimento" (para
empregar o termo de Claus Offe) ainda está para ser atin-
gida. Alguns anos atrás, Timothy Garton Ash estava lu-
tando para encontrar uma explanação para esse estado de
coisas:
"Qualquer explanação para a ausência de comissões da
verdade mais amplas tem de ser especulativa. Eu especularia
que parte da explanação, ao menos, está nesta combinação da
convicção histórica defensável, mas também confortável, de

334
CAPÍTULO 6

que a ditadura foi afinal imposta de fora e, por outro lado, a


consciência incômoda de que quase todo o mundo tinha feito
algo para sustentar o sistema ditatorial" .60

A externalização da responsabilidade (o deslocamen-


to da história dos regimes comunistas, acusando-os ou de
soviéticos ou de grupos estrangeiros) e o esquecimento
dos "milhões de fios liliputianos da mentira diária, con-
formidade e compromisso" (nas palavras de T. Garton
Ash) podem sustentar apenas um vago reconhecimento da
necessidade de uma visão compartilhada do bem público
- ponto que foi enfatizado por Václav Havei, George Kon-
rád e Adam Michnik. É ainda embrionária61 a vontade de
assumir a responsabilidade pelas próprias ações, assumir
riscos e questionar instituições com base em exigências le-
gítimas para o aperfeiçoamento. Isso pode explicar a agi-
tação e as demonstrações anti-governistas na Hungria no
outono de 2006, ou o golpe parlamentar em abril de 2007
contra o presidente romeno Traian Bãsescu, em completo
desrespeito à decisão da Corte Constitucional. 62
É então tentador reconhecer que as maiores dificul-
dades na articulação de plataformas políticas diferencia-
das ideologicamente na Europa Oriental estavam ligadas
não apenas à ausência ou fraqueza ou claros interesses
de grupos e lobbies, mas também à atrofia crescente das
fontes ocidentais de inspiração ("modelos") para tais em-
preendimentos. A famosa lei de sincronização política (do
Oriente com o Ocidente) pode dessa vez lutar contra o
renascimento de políticas ideológicas. 63 A dificuldade de
identificar divisões claras entre a polarização de esquer-
da e de direita nos regimes pós-comunistas está ligada à
ambigüidade e mesmo à obsolescência das taxonomias
tradicionais. Como freqüentemente argumentaram Adam
Michnik e outros antigos dissidentes, a questão de depois
de 1989 não é se alguém está à esquerda ou à direita do

335
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

centro, mas se alguém está "a Oeste do centro". Os valo-


res liberais são algumas vezes vistos como orientados à
esquerda simplesmente porque enfatizam o secularismo,
a tolerância e os direitos individuais. Ao mesmo tempo,
como mostrado pelas novas tendências radical-autoritá-
rias (freqüentemente disfarçadas de pró-democráticas) na
Rússia, Ucrânia, Bulgária, Romênia, Eslováquia e alhures,
continua o arrastar de hábitos herdados do autoritarismo
leninista e pré-leninista: intolerância, exclusividade, rejei-
ção a todos os compromissos, personalização extrema do
discurso político e a busca de liderança carismática. Karen
Dawisha identificou algumas características do "passado
sobrevivente" do que ela chamou "comunismo como um
sistema vivido": o respeito pelo poder centralizado, uma
ampla esfera de interações privadas, redes horizontais de
cooperação mútua e conexões informais, e, finalmente, a
fixação numa suposta "separação" do Ocidente. 64 Lida-
mos com a mesma fúria impotente contra o fracasso does-
tado em comportar-se como um "bom pai", parte de uma
característica de legado patrimonial, em diferentes graus,
de todas essas sociedades (menos talvez na Boêmia). Peter
Redaway falou acertadamente de uma ânsia pelo estado
como "babá" .65
Por exemplo, os romenos lamentaram, não Nicolae Ce-
au~escu, mas, ao contrário, a época de previsibilidade e
estabilidade congelada, quando o partido-estado tomava
conta de tudo. Para muitos, o salto para a liberdade passou
a ser cruelmente doloroso. O que desapareceu foi a certeza
acerca dos limites do permissível, as cerimônias sociais pe-
trificadas que definiam um itinerário de vida do indivíduo:
antigos prisioneiros estão agora livres para escolher entre
futuras alternativas, e essa escolha é intoleravelmente di-
fícil para muitos deles. Os tiques psicológicos leninistas
podem ser detectados em ambos os pólos do espectro po-
CAPÍTULO 6

lítico, e isso explica a ascensão de novas alianças entre for-


mações e movimentos tradicionalmente incompatíveis. Na
Rússia vemos uma coligação stalinista-nacionalista, com
suas próprias tradições nacional-bolcheviques. Na Romê-
nia tomou a forma de uma reaproximação entre o Par-
tido Social Democrata, supostamente pró-ocidente (cujo
presidente honorário é uma ex-apparatchick ideológico,
o ex-presidente Ion Iliescu) e a Partido Romênia Grande
liderado pelo ex-poeta da corte de Ceau~escu, o demagogo
e raivoso xenófobo Corneliu Vadim. Na República Checa,
a ideologia do Partido Comunista da Boêmia e Morávia
fundiu nostalgia por leninismo dogmático com estâncias
chauvinistas. Dito de maneira simples, o velho sonho in-
ternacionalista marxista de há muito foi abandonado.
Seria uma grave falácia ver essas tendências como mar-
cantes da ascensão do neo-comunismo. Para um tal desen-
volvimento acontecer, são necessários o zelo ideológico e a
motivação utópico-escatológica. Nem o ex-presidente po-
lonês Aleksander Kwasniewski nem o ex-primeiro-minis-
tro húngaro Ferenc Gyurcsányii, ambos ligados à esquer-
da pós-comunista, podem ser descritos como dirigidos
ideologicamente. Em vez disso, os sucessores dos partidos
leninistas têm de lidar com sentimentos espalhados de des-
contentamento da parte da retórica socialista. Os socialis-
tas sérvios, o Partido do Socialismo Democrático da Ale-
manha Oriental (agora parte da die Linke [a esquerda], e
o Partido Social Democrático da Romênia são caracterís-
ticos da tendência atual para a cooperação entre forças
nacionalistas radicais e as que anseiam pelo coletivismo
burocrático. Outra indicação da institucionalização fraca
e inserção social superficial dos partidos pós-comunistas é
o fenômeno da "volatilidade eleitoral" .66 Os partidos polí-
ticos correntes são ainda desafiados periodicamente pelas
"formações políticas heterodoxas" (e.g. Bulgária, Polônia
e Romênia). O status quo permanece frágil por causa de

337
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sua impopularidade entre as seções da população ainda


atraídas por fantasias de salvação sempre ressurgentes.
Essa tendência é um resultado do caos ideológico cria-
do pelo colapso do socialismo de estado, que deixou o
populismo como o mais conveniente e, freqüentemente o
Ersatz• ideológico mais atraente. Foi relativamente fácil
livrar-se do velho regime com sua reivindicação espúria
de infalibilidade cognitiva, mas muito mais intimidador
é instalar uma ordem multipartidária pluralista, uma so-
ciedade civil, o estado de direito e uma economia de mer-
cado. A liberdade, como se viu, era mais fácil de ganhar
do que de garantir. O desenraizamento, a perda de sta-
tus e as incertezas acerca da identidade oferecem terre-
no fértil para visões paranóides de conspiração e traição;
daí a atração generalizada de salvacionismo nacionalista.
Leszek Kolakowski aponta uma atitude paradoxal para
com as estâncias proféticas na Europa Central e Orien-
tal contemporâneas: a desilusão dos intelectuais com as
teleologias redentor-apocalípticas levou-os a se retirarem
das questões políticas, o que gerou uma pauperização
ética da política, uma vez que aí permaneceram menos
mentores intelectuais. A porta está aberta de par em par
para pseudo-doutrinas e ecletismos políticos negativos. 67
Marchar com o retrato de Stálin (ou de Ceau~escu) é uma
expressão, não de stalinismo (ou ceau~escuísmo ), mas, ao
contrário, uma expressão de desafeição para com o status
quo, percebido como traumático, anárquico, corrupto, po-
liticamente decadente e moralmente decrépito. Especial-
mente na Rússia, onde esse descontentamento é ligado ao
sentimento de perda imperial, o desespero cultural pode
levar a tendências ditatoriais. Por mais exageradas que
possam ser, as referências à "Rússia de Weimar" captam a
psicologia de amplos grupos humanos cujos valores cole-

Em alemão, no original: substituição - NT.


CAPÍTULO 6

tivistas tradicionais desapareceram e que não conseguem


reconhecer-se nos novos valores de ação individual, do ris-
co e da competição intensa. Os acontecimentos recentes
na Rússia reforçam a impressão de que o experimento de
políticas abertas nesse país deu lugar à reafirmação do sta-
tus imperial. 68 Seguindo Martin Kryguier, considero que,
vinte anos depois da extinção do comunismo, no antigo
bloco soviético estamos experimentando uma nova ideos-
fera, que é, por definição, abrangente, inclusiva e interina.
Ademais, a condição política pós-moderna apresenta ra-
dicalismos organicistas, transitórios e mesmo redentores
(como movimentos políticos). 69 Por exemplo, as últimas
eleições gerais romenas (em 2q09) .apresentaram resulta-
dos encorajadores: o Partido da Romênia Grande, xenofó-
bico e chauvinista, não obteve votos suficientes para parti-
cipar do Parlamento. Entretanto, isso dificilmente significa
que as idéias que o sustentaram por tantos anos desapare-
ceram da esfera pública.
Os regimes leninistas mantiveram seus súditos ignoran-
tes do funcionamento real do sistema político. Tony Judt
observou que
"ao concentrar poder, informação, iniciativa e
responsabilidade nas mãos do partido-estado, o comunismo fez
nascer uma sociedade de indivíduos não apenas desconfiados
uns dos outros e cépticos de quaisquer declarações ou
promessas oficiais, mas sem nenhuma experiência de iniciativa
individual ou coletiva e sem nenhuma base em que tomar
decisões públicas fundamentadas" .70

Ademais, o abismo entre a retórica oficial e a realida-


de do dia-a-dia, a camuflagem da maneira a que se chega
às decisões, as pseudo-eleições anti-eletivas e outros ritu-
ais de conformidade neutralizaram as faculdades críticas
e geraram uma circunspecção para com a validade da
política como tal. Ademais, o anti-comunismo tendeu a

339
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ser apenas outra forma supra-individual, indiferenciada


de identidade. O problema agora é que a agregação de
interesses sociais precisa de um esclarecimento das esco-
lhas políticas, incluindo uma consciência dos principais
valores que o povo advoga. Como diz Martin Palou~: "O
fato mais importante e mais dinâmico na política pós-to-
talitária tem que ver com a maneira que as pessoas nas
sociedades percebem e conceptualizam a realidade social e
os processos políticos de que são parte" .71 As dificuldades
e ambigüidades da polarização esquerda-direita nos regi-
mes pós-comunistas estão ligadas à ambigüidade e mesmo
à obsolescência das taxonomias tradicionais.
Com o setor privado e a classe empresarial ainda em
formação, o liberalismo político e o centro cívico asso-
ciado a ele estão sitiados. A maior parte dos partidos na
região são coligações baseadas em afinidades pessoais e
grupais em vez de numa consciência de interesses comuns,
levando à fragmentação, à divisão, a convulsões sociais e
instabilidades. Uma razão para a ascensão dos movimen-
tos populistas é a tentação paternalista, uma resposta à
necessidade sentida de proteção dos efeitos desestabiliza-
dores da transição para a competição e o mercado. Outro
fator significativo é a percepção de que terminou o estágio
cívico-romântico da revolução e a burocracia agora está
resolvida a consolidar seus privilégios. As campanhas con-
tra figuras históricas do Solidariedade (incluindo Adam
Michnik, Bronislav Geremek, Tadeusz Mazowiecki e Lech
Wal((sa) como "traidores" e "protetores do círculo gover-
nante" foram uma expressão da busca de uma "segunda
revolução" que legislaria a moralidade. Os intelectuais
críticos pareciam ter perdido muito de sua aura moral e
eram freqüentemente atacados como defensores de futi-
lidade, arquitetos do desastre e sonhadores incorrigíveis.
Seu status era extremamente precário exatamente porque

340
CAPÍTULO 6

simbolizavam o princípio da diferença que a política neo-


-autoritária tende a suprimir. No contexto do desencanta-
mento disseminado com o envolvimento político, a mode-
ração deles permanece um elemento crucial de equilíbrio
social. É essencial evitar a histeria em massa, reconhecer
a necessidade de consenso constitucional e formar uma
cultura de procedimentos previsíveis. Se esses tipos de
ataques conseguirem obter ímpeto, poderiam ameaçar as
instituições pluralistas ainda precárias. Ralf Dahrendorf
expressou agudamente este imperativo: "Onde os inte-
lectuais estão silenciosos, as sociedades não têm futuro".
Num ambiente social e público profundamente fragmen-
tado, sob pressões constantes de globalização, Dahrendorf
acreditava que, a despeito de seu apelo diminuído, o nexo
de idéias e ação não tinha de maneira nenhuma perdido
seu potencial revitalizador como força de liberdade. 72
A reforma política em todas essas sociedades pós-co-
munistas não foi tão longe no fortalecimento das institui-
ções contra-majoritárias (incluindo a mídia independente
e a economia de mercado) a ponto de diminuir a ameaça
de novos experimentos autoritários que satisfaçam os po-
derosos sentimentos igualitário-populistas. Os principais
perigos a este respeito são tendências ligadas ao estatismo,
ao clericalismo, ao fundamentalismo religioso, ao etnocen-
trismo, ao fascismo militarista. Esses temas apareceram
claramente no discurso do populismo etnocrático, como
indicado pelo Partido de Romênia Grande de Vadim Tu-
dor, mas também entre os partidários de Vladimir Meciar,
da Eslováquia, do Partido Radical da Sérvia, e dos grupos
e movimentos xenofóbicos na Rússia, geralmente associa-
dos ao Partido Democrático Liberal de Vladimir Zhirino-
vsky ou do Partido Comunista de Gennady Zyuganov da
Federação Russa. Mesmo o primeiro-ministro húngaro,
Viktor Orbán, se valeu de tais estratégias retóricas para

341
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

enfraquecer seus adversários liberais e socialistas. Alguns


observadores previram uma divisão na região, com os paí-
ses mais avançados (Polônia, Hungria, a República Checa
e os estados bálticos) desenvolvendo uma cultura de proce-
dimentos democráticos impessoais, ao passo que a camada
do sul deveria ser assediada pelo que Ken Jowitt chamou
"movimentos de ódio". No entanto, os desenvolvimentos
na Hungria, Polônia ou Letônia em anos recentes mostra-
ram que tais divisões regionais não são tão inequívocas. As
iluminações de Marc Howard acerca da natureza desmo-
bilizadora das sociedades civis dentro dos países do antigo
bloco soviético oferecem uma explanação persuasiva para
a ausência de uma via do meio entre a apatia e a violên-
cia. A penetração abrangente da sociedade pelo estado sob
o comunismo produziu uma "autonomia monstruosa do
político" ,73 levando ao distanciamento, desconfiança de as-
sociações voluntárias e envolvimento profundo em esferas
privadas em detrimento de esferas públicas de interação.
O protesto democrático e a oposição na Europa Central
e Oriental foram moldados por uma combinação de desa-
gregação herdada e desapontamento geral com a realidade
da vida social não-paternalista.
A fraqueza dos partidos políticos da região é determina-
da principalmente pela crise geral de valores e autoridade.
Há uma ausência de cola social, e as formações existentes
falharam em alimentar o consenso necessário para gerar
o patriotismo constitucional. O "desenvolvimento nocivo"
leninista deixou as sociedades da região com a difícil tarefa
de reconstituir laços comunitários normais que permitam
uma interação social aberta e autêntica. O passado indo-
mado da experiência totalitária do século XX na Europa
Central e Oriental impede que esses países institucionali-
zem a conexão lógica entre democracia, memória e militân-
cia. Joachim Gauck argumentou que a "reconciliação com

342
CAPÍTULO 6

o passado traumático pode ser atingida não só apenas por


lamento, mas também pela discussão e diálogo" .74 Neste
sentido, Charles Villa-Vicencio, o ex-diretor de pesquisa da
Comissão da Verdade e Reconciliação Sul-Africana, defi-
niu reconciliação como "a operação pela qual os indiví-
duos e a comunidade criam para si mesmos um espaço em
que podem comunicar-se uns com os outros, em que po-
dem começar o trabalho árduo de compreender" a história
dolorosa. Daí a justiça passar a ser um processo de tornar
a nação capaz de uma cultura da responsabilidade. 75 Uma
nova identidade pode ser baseada em contrastes negativos,
"de um lado, com o passado que está sendo repudiado; de
outro, com atores políticos anti-democráticos no presente
(e/ou potencialmente no futuro)" .76 Esse processo de pôr
em questão as "verdadeiras responsabilidades intersubjeti-
vas de coletivos particulares" pode levar a uma redefinição
da "solidariedade anamnésica" . Esta última seria baseada
num modelo ético circunscrito assim pelo conhecimento da
verdade como pelo reconhecimento oficial de sua história.
Impedir-se-ia, nesse caso, o poder destrutivo do silêncio e
da culpa não reconhecida. Parafraseando a cientista polí-
tica Gesine Schwan, as habilidades e valores fundamentais
dos indivíduos são alimentados para manter-lhes o bem-
-estar, o comportamento social e a confiança na vida em
comunidade. O consenso moral sobre uma experiência de
realidade compartilhada é preservado, tornando possível a
vida democrática da sociedade específica. 77 Embora alguns
tenham argumentado nessa linha, não acredito que algum
tipo de silêncio comunicativo coletivo (kommunikatives
Beschweigen) acerca do passado possa permitir que países
pós-comunistas evolvam em democracias que funcionem. 78
Concordo com Tony Judt que o mal radical nunca pode
ser satisfatoriamente relembrado, mas, como provado pela
experiência alemã, um apelo consistente à história pode
funcionar simultaneamente como exorcismo e terapia. 79

343
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

A transição de um regime ilegítimo e criminoso para a


democracia e para uma cultura dos direitos humanos é, na
verdade, um processo dependente das condições específi-
cas de cada sociedade pós-autoritária. Implica uma série
de compromissos e negociações, mas o ato de curar uma
comunidade não deve ser confundido com o consenso mo-
ral acerca de um passado traumático. A história da vio-
lência não deve legitimar a transição. Há uma necessidade
de transparência sem entraves e verdade total. Depois de
1989, o presente e o futuro têm de "resistir ao escrutínio
de um olhar educado pela catástrofe moral" 8º produzida
pela experiência totalitária do século XX. De outro modo,
a rede de mentiras torna-se opressiva e a névoa impertur-
bável estende-se infinitamente num estado de perplexidade
moral. A radicalização política travestida de retribuição
histórica ("corrigindo os males do passado") é sempre em-
pregada para obter a mobilização da massa e deslegitimar
os adversários. Isto não quer dizer que a política de am-
nésia, deliberadamente procurada pelos ex-comunistas ou
por seus sucessores, tenha levado a alguma catarse neces-
sária. Ao contrário, como demonstrado pelas reações fu-
riosas na Romênia à condenação que o Presidente Bãsescu
fez ao regime comunista como "ilegítimo e criminoso",81 o
passado não se esfuma e freqüentemente retalia com vin-
gança. Prevalece um sentimento de ter sido traído pelos
políticos, assim como a busca de uma nova pureza. Esta é
a fundamentação lógica tanto para o "revolucionismo ra-
dical" dos irmãos Kaczynski na Polônia e de Viktor Orbán
na Hungria (no lado direito do espectro) quanto para a
ressurreição política dos partidos comunistas na Lituânia,
Romênia e Bulgária. Explica também o poder da política
neo-autoritária de Putin de "democracia dirigida" num re-
gime de memória de amnésia institucionalizada e falsifica-
ção histórica. Quanto ao próprio Putin, ele abandonou a

344
CAPÍTULO 6

era Yeltsin de anti-leninismo inflexível e tornou-se, especial-


mente desde 2006, o proponente de uma versão cada vez
mais agressiva de restauração neo-stalinista e neo-imperia-
lista. O manual escolar de história (tratando do período
de 1945 a 1991) encomendado pelo Kremlin e publicado
em 2008 simboliza o retorno a algumas das mais chocan-
tes falsificações e uma quebra radical com os legados da
Glasnost. O putinismo é um conglomerado ideológico que
reúne o nacionalismo da Grande· Rússia, a autoritarismo
imperial e uma tendência para a restauração do esplendor
da era de Stálin. 82 A narrativa acerca do passado oferecida
pela administração Putin é a fórmula quintessencial de "re-
conciliação sem verdade" .83 Em outras palavras, estamos
lidando com uma reconciliação apócrifa.
O sincretismo ideológico do stalino-fascismo alimenta-
-se da justiça política atrasada. Pensai na Rússia, onde se
fez uma tempestade em copo d'água sobre o velho parti-
do, a qual não levou a nada de significante. A demagogia,
a retórica exagerada e uma contínua busca de bodes ex-
piatórios minam a legitimidade das instituições existentes
e pavimentam o caminho para a ascensão de rachaduras
etnocêntricas. Os efeitos danosos de formas longamente
mantidas de amnésia não podem ser superestimados. A fal-
ta de discussões públicas sérias e análises lúcidas do pas-
sado, incluindo um reconhecimento pelas autoridades de
estado mais altas, dos crimes contra a humanidade perpe-
trados pelos ditadores comunistas alimentam o desconten-
tamento, a afronta e a frustração, encorajando a ascensão
de demagogos, levando a referências rancorosas acerca da
necessidade de purificação através da retribuição. Então ve-
mos a criação de novas mitologias para explicar a difícil
situação atual: "conspirações judeo-maçônicas" que põem
em risco "interesses nacionais". 84 As nações são apresenta-
das quase universalmente como vítimas de estrangeiros, e

345
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

os regimes comunistas são descritos como engendrados por


estrangeiros para servir a interesses externos. Os naciona-
listas russos, incluindo alguns dos escritores mais talentosos
pertencentes à Escola da Sibéria, não se cansaram de culpar
os judeus pela destruição bolchevique de valores e estrutu-
ras tradicionais. Alguns dos propagandistas mais frenéticos
de tais visões sombrias são ex-comunistas, incluindo mui-
tos ex-intelectuais comunistas. Escrevendo principalmente
acerca dos acontecimentos trágicos em sua nativa Iugos-
lávia, o poeta americano Charles Simic tocou numa nota
deprimente e lamentavelmente precisa quando observou:
"A coisa assustadora acerca dos intelectuais modernos por
toda a parte é que estão sempre mudando de ídolos. Ao menos
os fanáticos religiosos permanecem apegados principalmente
àquilo em que acreditam. Todos os nacionalistas rábidos
na Europa Oriental eram marxistas ontem e stalinistas na
semana passada".85

Muitos anos antes do final do comunismo na Europa,


o cientista político e historiador Joseph Rothschild argu-
mentou que "o etno-nacionalismo, ou a etnicidade poli-
tizada, permanece o legitimador ideológico mais impor-
tante do mundo e deslegitimador de estados, regimes e
governos" .86 Já que o nacionalismo oferece o combustível
de mitos de identificação da modernidade mais do que o
socialismo marxista, o universalismo liberal ou o patrio-
tismo constitucional, tem-se de ver quais são as formas
principais no mundo pós-comunista. É o nacionalismo
uma ameaça fundamental para a emergência de estruturas
politicamente tolerantes? É ele necessariamente uma for-
ma envenenada de chauvinismo, uma nova ideologia tota-
litária, uma força destrutiva inimiga dos valores liberais?
São essas sociedades reféns de seu passado, destinadas a
reinterpretar eternamente velhas animosidades e confli-
tos? Na realidade, tem-se de distinguir entre variedades de
CAPÍTULO 6

nacionalismo: o de inclusão versus o de exclusão, o liberal


versus o radical, ou, como propôs Yael Tamir, o policêntri-
co versus o etnocêntrico. 87 O etnocentrismo é uma forma
de nacionalismo que transforma num atributo insuperável
a distinção real entre o grupo de dentro e os outros, um
fato do destino que põe uma nação numa posição superior
a todas as outras.
Sob o pós-comunismo prevaleceu o nacionalismo et-
nocêntrico em vez da versão liberal. Resistente à análise
lógica, apela ao sentimento, ao afeto e à emoção. O conte-
údo verdadeiro é praticamente irrelevante nas narrativas
que visam a alimentar a dignidade e o orgulho. Crenças,
valores e costumes são metidos numa camisa de força de
um "regime de verdade" específico que produz e sustenta
alinhamentos de poderes específicos. A moldura social do
nacionalismo cristaliza-se em "procedimentos ordenados
para a produção, regulamentação, distribuição, circulação
e operação de afirmações" .88 Funciona, portanto, como
verdade universal. Interpretações idealizadas da história
transformam-se em marcadores de identidade porque nos
oferecem gratificação, satisfação e uma sensação de gran-
deza. Criam um sentido de autenticidade. Considerando
que para a Europa Central e Oriental o passado "não é
apenas outro país, mas um arquipélago positivo de terri-
tórios históricos vulneráveis", 89 a confiança incessante na
memória distorcida em vez de uma Vergangenheitsbewal-
tigung (superação do passado) aprofundou o cinismo já
espraiado e a privatização da memória. Tal escapismo nas
contra-histórias produz divisão em vez de coesão e anta.:
gonismo regional em vez de integração. A nostalgia no ex-
-bloco soviético tomou a forma de " arrependimento pelas
certezas perdidas do comunismo, agora purgado de seu
lado mais sombrio" .90 Essas narrativas falsificadas têm a
função de refazer e negar os fatos. A verdade é expulsa e

347
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

as personagens do passado traumatizado e culpado são


privadas de suas identidades reais. Às vítimas e heróis atri-
buem-se contra-imagens pejorativas, ao passo que os per-
petradores e os cúmplices passivos encontram refúgio na
ausência de reparação. 91
Os atrasos na fusão de uma classe política na região
estão ligados à fraqueza de uma elite central democrática:
permanecem vagos os valores políticos, tendem a coincidir
os programas e é agressiva a corrupção. Pensai na pouca
expectativa de vida de alguns partidos políticos na região.
De fato, os partidos que eram dominantes nos primeiros
anos depois do colapso ou perderam seu significado elei-
toral (e.g., o Fórum Democrático Húngaro [MDF] ou o
Partido Cristão Camponês Nacional e o Partido Demo-
crático), ou alteraram significativamente suas orientações
e alianças (e.g., a União Cívica Nacional Húngara [FI-
DESZ] ou o Partido Liberal Nacional na Romênia). Ou-
tros problemas estão relacionados aos atrasos na fusão
de uma classe política. Isso é particularmente perigoso na
Rússia, onde há uma ausência flagrante de competição po-
lítica entre partidos ideologicamente definidos e distintos.
O público então se inclina a ver a privatização como um
trampolim para a ascensão de uma nova classe de bene-
ficiários (uma transfiguração da velha elite política numa
nova elite econômica ). A arena política é ainda extrema-
mente volátil, e os rótulos ideológicos escondem tanto
quanto revelam. A escolha decisiva é entre personalida-
des, partidos e movimentos que favorecem o individualis-
mo, uma sociedade aberta e a assunção de riscos, e os que
prometem segurança dentro do ambiente homogêneo da
comunidade étnica. A estratégia é tão importante quanto
a tática, e a vontade de reformar é tão importante quanto
a articulação de fins concretos.
CAPÍTULO 6

Significados, antigos e novos


Gostaria de retornar agora à afirmativa memorável
de Ralf Dahrendorf de os cidadãos da Europa Central
e Oriental estarem ainda tentando conferir um sentido
à sua existência. Consoante mencionado anteriormente,
uma constante da história recente da região é o reapa-
recimento de políticas carismáticas e de pseudo-partidos.
Se essas sociedades querem superar esses problemas, têm
de superar dois elementos fundamentais da herança do
passado comunista: a anomia (que levou à fragmentação,
ao neo-tradicionalismo e à incivilidade, ao que o filósofo
romeno Andrei Ple~u chamou "obscenidade pública") e
mentiras (que levaram à dissimulação e à desintegração do
consenso, e trouxeram pomposamente a público um tipo
humano caracterizado pelo sociólogo russo Yuri Levada
como homo prevaricatus, o herdeiro do homo sovieticus).
Já que um homem prevenido vale por dois, acredito que
seja melhor examinar os alçapões reais e evitá-los em vez
de cantar a canção pseudo-hegeliana obsoleta do "triunfo
final do liberalismo". Na verdade, o que vemos aqui não
é a força, mas a vulnerabilidade do liberalismo na região
- o atraso, os adiamentos e as distorções da modernidade,
assim como sua confrontação periódica com os partidos e
movimentos majoritários, neo-plebiscitários. 92 É múltipla,
portanto, a lição das revoluções de 1989. Diz respeito ao
renascimento da cidadania, uma categoria abolida assim
pelo comunismo como pelo fascismo, 93 mas também en-
volveu o refortalecimento da verdade. O que aprendemos
de 1989 representa um argumento inquestionável em fa-
vor dos valores que consideramos hoje essenciais e exem-
plares para a democracia.
Terminemos, notando o papel vital exercido por fatores
internacionais no processo da democratização da Europa
Oriental e Central. Sem a expansão da OTAN e o acesso à

349
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

União Européia, provavelmente teria sido muito diferente


o destino da região. Por causa da normalização trazida
pela interação numa organização supra-governamental
validada democraticamente, os ambientes político, cultu-
ral, econômico e social nesses países receberam um grande
impulso em sua luta contra as fantasias mítico-exclusio-
nistas. Neste sentido, a intervenção externa foi tão impor-
tante, se não mais importante do que a dinâmica domésti-
ca. O que parecia um futuro sombrio no começo dos anos
1990 passou a ser um presente extremamente favorável.
Ken Jowitt diagnosticou corretamente que apenas a ado-
ção por uma irmã mais velha do Ocidente poderia salvar
a irmã atormentada do leste europeu de uma nova onda
de autoritarismo salvacionista. E, de fato, mostrou-se er-
rada sua visão apocalíptica de coronéis, padres e déspotas.
Foi uma surpresa, no entanto, pois nenhum de nós pensou
que a OTAN e a União Européia se voltariam para o leste.
Houve convites para isso, mas eles pareciam mais esperar
contra toda a esperança. Não é nenhuma surpresa, então,
que Jowitt afirmasse enfaticamente em 2007 que a integra-
ção na UE era a melhor notícia que os países da Europa
Central e Oriental tinham recebido em 500 anos. Não se
deve esquecer, entretanto, o papel desempenhado pelo cho-
que das guerras de secessão da Iugoslávia. Este exemplo
trágico e violento fez com que assim a UE como a OTAN
compreendessem aonde pode levar a ignorância dos peri-
gos do nacionalismo, populismo e demagogia na região.
O seu empurrão para o leste teve um papel tão civilizador
quanto o exercício da democracia dentro dessas socieda-
des. O espectro de que se deve ter cautela é, para invocar
ainda uma vez Jowitt, a transformação dos ex-membros
do Pacto de Varsóvia no gueto de uma Europa unida. 94
Qualquer avaliação das últimas duas décadas deveria
levantar a questão: o que restou de 1989? Este momento

350
CAPÍTULO 6

crucial foi o mais poderoso despertar no século XX da


sedução exercida pelas ideologias milenaristas. As utopias
teleológicas do século passado foram, no fundo, expro-
badas pelas revoluções de 1989, que eram seu antípoda.
Eram anti-ideológicas, anti-telelológicas e anti-utópicas.
Rejeitavam a lógica exclusiva do jacobinismo e recusa-
vam-se a embarcar em quaisquer novos experimentos
quiliásticos. Nesse sentido, podem ser chamadas não-re-
volucionárias. Na verdade, a extinção leninista poderia
ser explicada, seguindo o exemplo de Stephen Kotkin, por
exemplo, apelando-se para "uma narrativa de economia
política global e uma classe política falida num sistema
que foi amplamente privado de mecanismos de corre-
ção" .95 Mas isto acabaria por desconsiderar (ou diminuir
significativamente) a narrativa igualmente relevante de
um despertar lento, mas incansável da sociedade, restabe-
lecendo a centralidade da verdade e os direitos humanos
(especialmente da Declaração de Helsinque de 1975). A
sociedade incivil não foi apenas confrontada com a ero-
são de sua visão de mundo leninista. Foi também implo-
dida diante de um conjunto de alternativas de valores que
inspiraram reflexão independente, iniciativas autônomas
e protesto em massa. Em outras palavras, a sublevação
de 1989 não foi apenas o resultado da ação da sociedade
incivil. Agiu na presença de um mito político poderoso - a
sociedade civil. Os mitos políticos devem ser julgados não
à luz de sua verdade, mas de seu potencial de se tornarem
verdadeiros: falar da sociedade civil levou à emergência
da sociedade civil. Na Europa Central e Oriental, novas
idéias entusiasmantes, como o retorno à Europa, destruí-
ram idéias obsoletas. As pessoas tomaram as ruas em Ber-
lim, Leipzig, Praga, Budapeste e Timi~oara, convencidas
de que chegara a hora do cidadão.
Em 1989, as demonstrações públicas não levaram dire-
tamente ao colapso das elites comunistas no poder. Quem

351
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

sabe a sociedade civil não tenha sido a causa imediata da


abdicação de Erich Honecker, Wojciech Jaruzelski, Todor
Zhivkov, Milos Jakes e Gustáv Husák. Mas as dinâmi-
cas, as idéias, e, mais importante, o período posterior dos
acontecimentos que acompanharam o estilhaçamento do
governo dos partidos comunistas ao longo da região não
pode ser entendido sem enfatizar o significado da socie-
dade civil como uma constelação de idéias fundamentais,
como um mito político e como um movimento real, his-
tórico, que acompanhou a implosão dos partidos-estados
leste-europeus. Para levar ainda adiante o meu ponto de
vista, a idéia mesma das revoluções em 1989 se esteia no
impacto da sociedade civil, que substituiu o sistema polí-
tico, social e econômico existente por um sistema fundado
nos ideais de cidadania democrática e direitos humanos.
Sim, houve muitas máscaras, paródias, mistificações e mi-
tos envolvidos nos acontecimentos que se deram em Bu-
careste, Praga e Sofia. Na maioria dos países, a resiliência
das velhas elites impediu uma reconciliação radical com
o passado comunista. Mas isso ofusca o fato de que o
valor central restaurado, apreciado e promovido pelas re-
voluções de 1989 foi o senso comum. Os revolucionários
acreditavam em civilidade, decência e humanidade, e con-
seguiram reabilitar esses valores. Esta é a lição mais signi-
ficativa de 1989. As ilusões daquele ano não deveriam ser
descartadas: foram cruciais para a derrota do leninismo.
Em 1989 as pessoas já não tinham medo; desapareceram
sua frustração moral, entorpecimento social e impotência
política. Finalmente o indivíduo reconquistou um papel
central no cenário político. Passaram-se os anos e por
fim aqueles cenários de pesadelo para a Europa Central e
Oriental foram invalidados. Longe de estarem terminadas,
as revoluções de 1989 continuam a ser um símbolo dos
tempos contemporâneos - uma era de diversidade, dife-
rença e tolerância.

352
CONCLUSÕES

O totalitarismo foi uma idealização política, social e


cultural singular que primeiro suspendeu e depois aboliu
as distinções tradicionais entre o bem e o mal. Conquan-
to, sem dúvida, um conceito imperfeito, não foi um sig-
nificante vazio ou uma simples arma de propaganda da
Guerra Fria, como sugeriram alguns em anos recentes. Os
que desenvolveram o conceito de totalitarismo durante o
período interbélico sabiam que realidades aterradoras ele
designou: desde os exilados mencheviques até os erudi-
tos emigrados da Itália fascista e Alemanha nazista, es-
ses intelectuais sabiam que ocorrera algo sem preceden-
tes e terribilíssimo. 1 O conceito de totalitarismo oferecia
chaves interpretativas importantes e ainda válidas para a
compreensão da fusão sem igual de ideologia, organização
e terror em tentativas sem precedentes de criar comuni-
dades perfeitamente homogeneizadas mediante métodos
genocidas. Todos esses experimentos incluíram compo-
nentes místicos quase religiosos, inconfessados, mas pal-
páveis. De fato, eram religiões políticas, com seus rituais,
profetas, santos, zelotes, inquisidores, traidores, renega-
dos, heréticos, apóstatas e escrituras sagradas. A narra-
tiva do totalitarismo começa com o sonho bolchevique
de revolução total e tornou-se um fenômeno global nos
anos 1920 e 1930 com a ascensão ao poder de movimen-
tos partidários totalitários na Itália e na Alemanha. Por

353
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

exemplo, a Guarda de Ferro Romena foi um movimento


totalitário que combinou radicalismo político e fanatis-
mo religioso. Sua breve estada no poder {de setembro de
1940 a janeiro de 1941) foi marcada por uma tentativa
frenética de realizar, com o emprego de violência atroz,
o que o historiador Eugen Weber outrora chamou "are-
volução arcangélica". 2 Ao passo que essas ditaduras fas-
cistas desmoronaram como resultado da Segunda Guerra
Mundial, o comunismo soviético durou mais de setenta
anos e terminou apenas em dezembro de 1991 na URSS.
O catalisador para esta destruição final foi a sublevação
revolucionária liberal, anti-leninista de 1989. Em encarna-
ções transformadas, está ainda vivo na China e em alguns
outros poucos países.
Parafraseando Hannah Arendt, durante o reinado des-
ses movimentos totalitários, a consciência sucumbiu. Ade-
mais, "a insanidade de tais sistemas está não apenas em
sua primeira premissa, mas na própria lógica em que são
construídos". 3 O comunismo foi uma doutrina radical eco-
nômica, moral, social e cultural, centrada na realização de
fins transformadores radicais. O fascismo apareceu como
seu arqui-rival, no entanto compartilhava com o comunis-
mo do tratamento coletivista, anti-liberal e anti-capitalista
do sonho neo-romântico da comunidade total, e do anseio
por uma existência completamente purificada. 4 Com seus
fins universalistas, promessas escatológicas e ambições to-
talizantes, foi sempre descrito como uma religião política
ou secular (e foi assim o fascismo em suas encarnações ita-
liana, alemã e romena). O propósito último do comunis-
mo foi criar uma nova civilização fundada num Homem
Novo. Dois fatores foram fundamentais para esta dou-
trina: o papel privilegiado do partido e a transformação
revolucionária da natureza humana. Uma das principais
distinções entre o radicalismo da extrema-esquerda e da

354
CONCLUSÕES

extrema-direita é a ênfase do primeiro, posta na institui-


ção do partido como uma encarnação imanente do ab-
soluto, como um conhecimento histórico transcendental.
Nas palavras do historiador Walter Laqueur:
"A experiência fascista na Itália e na Alemanha mostrou o
papel crucial do Duce e do Führer. Hitler e Mussolini criaram
seus partidos à sua imagem, e é perfeitamente legitimo falar
do 'movimento' de Hitler e Mussolini, pois os partidos deles
não eram partidos políticos no sentido tradicional [... ]. Mas
o papel de Stálin na União Soviética inicialmente foi menos
decisivo. O poder comunista já estava firmemente estabelecido.
Há todas as razões para acreditar que se Stálin tivesse sido
morto, ou morrido de uma doença, ou nunca tivesse existido,
o partido teria, ainda assim, permanecido no poder nos anos
1920 e 1930" .5

O comunismo apresentou uma nova concepção de


existência humana (sociedade, economia, psicologia so-
cial e individual, arte). De acordo com esta concepção,
construir o Homem Novo era o fim supremo da ação
política. A ambição do comunismo era de transcender a
moralidade tradicional; no entanto, sofreu de relativismo
moral. Atribuiu ao partido-estado sua própria moralida-
de, concedendo apenas a ele o direito de definir o sentido
e o objetivo último da existência humana. O estado tor-
nou-se o valor supremo e absoluto dentro do sistema de
uma doutrina escatológica da revolução. Através do culto
da unidade absoluta no caminho da salvação pelo conhe-
cimento da história, o comunismo apresentou um projeto
social e político novo e total, centrado na purificação do
corpo das comunidades que caíram sob o seu feitiço ide-
ológico. Seu projeto revolucionário era total e totalizan-
te. Como mito político potente, o comunismo prometia a
entrega imanente, a oportunidade de obter prosperidade,
liberdade e igualdade. Na verdade, ao longo do século
XX, a Weltanschauung comunista foi o fundamento para

355
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR T ISMANEANU

os experimentos políticos totalitários de inspiração ideo-


lógica, com custos humanos terríveis.
Quanto ao fascismo - e especialmente sua versão pa-
roxística, o nacional-socialismo-, ele enfatizou a falta de
igualdade entre grupos biologicamente definidos e uma
missão predestinada para as nações arianas. Ao mesmo
tempo, louvava o heroísmo, a juventude e o valor, e des-
prezava a modernidade burguesa assim como tinham feito
os comunistas. Colocar o fascismo à direita do espectro
político mascara as origens fortemente socialistas desses
movimentos baseados em ressentimento étnico. 6
A tese fundamental do marxismo foi a centralidade da
luta de classes (violência histórica) no desenvolvimento da
sociedade. Para Marx (e mais tarde para os filósofos mar-
xistas do século XX, Ernst Bloch, Antonio Gramsci e Georg
Lukács), a classe revolucionária simbolizava o ponto de
vista da totalidade, criando assim as premissas epistêmicas
para apreender a verdade histórica. Em nome da democra-
cia proletária (autêntica), as liberdades formais poderiam
ser restringidas e mesmo suprimidas. O mito de Marx do
proletariado como a classe-messias, o coração do comu-
nismo, alimentou um projeto revolucionário imbuído de
um sentido de missão profética e predestinação carismáti-
co-heróica. Tornou-se uma matriz mitológica atraentíssi-
ma, abraçada pelos intelectuais mundo afora. 7 Marx deu
um veredito apocalíptico final; já que a burguesia é culpa-
da da distorção bárbara da vida humana, ela merece seu
destino. 8 Marx viu o universo social principalmente (mas
não apenas) à luz do determinismo social e econômico.
Para Marx e seus discípulos, a liberdade significava "ne-
cessidade compreendida", ou seja, esforços para realizar
os fins presumidos da história. Toda a realidade humana
foi subordinada a leis dialéticas de desenvolvimento, e a
história foi projetada como uma entidade soberana, cujo
CO NCLUSÕES

diktat estava para além de qualquer questionamento. Ele


declarou sua teoria social a fórmula científica última.
O ingrediente que permitiu a realização da missão re-
volucionária foi a consciência de classe revolucionária. 9
Através dela, a pré-história da humanidade terminaria e
sua história real poderia começar. De acordo com o jovem
Marx, os intelectuais revolucionários eram os que criavam
a doutrina, mas os proletários não eram tidos como uma
massa amorfa em que um grupo auto-intitulado de pro-
fessores tinha o dever de injetar a consciência da verdade
histórica. No entanto, a Décima Primeira Tese acerca de
Feuerbach expressava muito bem a missão revolucionária
do pensamento crítico: "Os filósofos apenas interpretaram
o mundo, de várias maneiras; o ponto, entretanto é mu-
°
dá-lo" .1 Com o afastamento dos escombros do passado,
o agente escolhido da história apontaria o caminho para
uma nova sociedade que provocaria a realização completa
do espírito humano.
O comunismo foi simultaneamente uma escatologia
(uma doutrina da salvação mundana) e uma eclesiologia
(uma ideologia do partido ou movimento revolucionário).
A realidade como ele representava foi fatalmente rei.fica-
da; deveria ser suplantada, por um lado, pela emancipa-
ção e revolução do proletariado, e, por outro lado, pela
utopia da sociedade sem classes. Subseqüentemente, a vi-
são do comunismo da futura sociedade esteava-se numa
"ditadura sobre necessidades" (Agnes Heller, Perene Fehér
e Gyõrgy Márkus). Pressupunha a dissolução do indiví-
duo autônomo dentro da moldura que tudo devora, do
controle total, a politização desastrada da psique, a mani-
pulação do campo subjetivo, a tentativa de obliteração da
esfera privada como um santuário último do ego. Foi um
experimento total na engenharia social. Uma vez constru-
ída sua visão de modernidade sobre o princípio de uma

357
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

comunidade socialmente homogeneizada escolhida, atra-


vessando o deserto da história desde a escuridão até a luz,
poderia haver apenas uma solução para os que falhassem
em limitar seus critérios de inclusão: a estigmatização, a
eliminação e, finalmente, o extermínio.
A escatologia marxista foi uma teodicéia racionalizada:
a história substituiu Deus, o proletariado era o redentor
universal e a revolução significava a salvação última, o fim
do sofrimento humano. A história tinha apenas uma dire-
ção, como desenrolada desde a escassez até a abundância,
desde a liberdade limitada até a liberdade absoluta. A li-
berdade, a seu turno, era compreendida como uma neces-
sidade superadora através da práxis revolucionária. Hegel
tinha dito que tudo que era real era racional. Para Marx,
tudo que era real era histórico, e a história erâ governada
por leis dialéticas. O reinado da necessidade era o reinado
onde a economia não poderia assegurar igualdade com-
pleta entre seres humanos, onde o político era dependente
de interesses partidários e a esfera social era dolorosamen-
te atomizada. Em contraste, no reino da liberdade havia
uma identidade entre existência e essência, desaparecia o
antagonismo, homens e mulheres reconquistavam seu sen-
so perdido de trabalho como alegria, como criatividade
livre. Neste contexto, a existência humana poderia alcan-
çar totalmente seu desenvolvimento, e a condição para a
liberdade de todos estava na liberação de cada indivíduo.
Na base do comunismo, portanto, está um fundamentalis-
mo teleológico. Sua estação final era a Cidade de Deus na
terra, ou seja, o triunfo do proletariado.
O culto da teoria social marxista da totalidade como o
arquétipo explanatório último estabeleceu o cenário para
sua degeneração, em termos bolcheviques (leninistas ), em
dogma e perseguição cruel de heréticos. A ênfase de Marx
na emancipação humana como a absorção consciente da
CONCLUSÕES

sociedade pelo indivíduo e sua equação de conflito social


com antagonismo de classe levou à advocacia da elimi-
nação de intermediários "superestruturais" (leis, institui-
ções etc.) que regulam a relação entre a sociedade civil e
o estado. A visão escatológica utópica do corpo marxis-
ta do pensamento político foi traduzida num programa
revolucionário de ação por Vladimir Ilyich Lênin (nasci-
do Ulianov). Lênin operou uma compreensão criativa da
necessidade, que levou à versão bolchevique da salvação
do homem. Na visão de Lênin, o partido de vanguarda
monolítico tornou-se o repositório da esperança huma-
na, uma fraternidade firmemente unida de militantes ilu-
minados, e, portanto, o verdadeiro veículo da liberdade
humana. A combinação de marxismo com partido/poder
estabeleceu o corpo de política comunista no caminho
para a auto-purificação (expurgos permanentes e ofensiva
revolucionária).
Para Lênin, o destino da revolução comunista predita
por Karl Marx dependia da maturidade e da vontade polí-
tica do partido revolucionário. Sua visão do novo tipo de
partido foi formulada no panfleto "O que fazer" (1902),
que articulava o conceito leninista de prática revolucio-
nária no século XX. A noção que Lênin tinha de partido
levou à divisão dentro da democracia social russa entre os
moderados (mencheviques) e os radkais (bolcheviques). O
leninismo consiste fundamentalmente na teoria de Lênin
do partido da vanguarda revolucionária, a doutrina da re-
volução proletária na época do imperialismo e a ênfase na
ditadura do proletariado como um novo tipo de estado
emergindo do colapso da velha ordem burguesa. Desde
o início, o regime leninista na União Soviética baseou-se
em abusos, violência e repressão dirigidos contra qualquer
forma de oposição política. O bolchevismo foi o oposto
de um estado de direito. 11 Essas características autoritárias

359
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

do leninismo foram ainda mais exacerbadas por Stálin,


que transformou a União Soviética num estado totalitário.
O humanismo bolchevique foi condicionado pelo sucesso
da causa em que se engajou. A existência do indivíduo
mantinha seu peso no mundo à medida que contribuía
para a construção da utopia social.
Assim como Marx, Lênin viu a revolução proletária
como um fenômeno global, mas modificou alguns princí-
pios básicos da teoria marxista. Lênin notou a passivida-
de dos proletários nos países industrialmente avançados
e explicou isso como uma conseqüência da habilidade da
burguesia de cooptar a classe operária dentro do sistema.
De acordo com Lênin, a burguesia teve sucesso em cor-
romper ideologicamente os proletários e seus partidos.
Foi, portanto, importante criar um novo tipo de partido
político que recusaria qualquer forma de conluio com as
forças dominantes existentes e exerceria, afinal, poder po-
lítico exclusivo. Para Lênin, uma organização estreitamen-
te unida, à maneira de falange revolucionária, estruturada
quase como uma ordem militar, era necessária para in-
jetar consciência revolucionária no proletariado e dirigir
os trabalhadores nas batalhas revolucionárias. O partido
era a encarnação da razão histórica e esperava-se que os
militantes lhe realizassem as ordens sem hesitação nem re-
serva. A disciplina, o segredo e a hierarquia rígida eram
essenciais para tal partido, especialmente durante ativida-
des clandestinas (como as na Rússia). O papel principal do
partido era despertar a auto-consciência proletária e insti-
lar a doutrina (fé) revolucionária no proletariado adorme-
cido. Em vez de confiar no desenvolvimento espontâneo
da consciência na classe trabalhadora, o leninismo viu o
partido como um agente catalisador que traria conheci-
mento revolucionário, vontade e organização para as mas-
CONCLUSÕES

sas exploradas. Foi com Lênin que a mística de um novo


tipo de partido se tornou uma característica indelével da
política radical no século XX.
Os fascistas absorveram a lição bolchevique, interna-
lizando o culto de Lênin ao partido, mas nunca desen-
volveram uma partolatria mítica. A principal distinção,
portanto, era que nem o partido fascista na Itália, nem
o partido nacional-socialista alemão (NSDAP) se torna-
ram instituições carismáticas como o partido bolchevique.
Eram a caixa de ressonância para as arengas dos líderes,
entidades coletivas destinadas a assegurar a perpetuação
do Führerprinzip. Alfredo Rocco era o ministro da justiça
de Mussolini e amigo íntimo de Il Duce. Seus pontos de
vista enfatizavam o organicismo, o romantismo e o esta-
tismo como componentes-chave da ideologia fascista:
"À existência deste conteúdo ideal de fascismo, à verdade
desta lógica fascista atribuímos o fato de que, embora
cometamos muitos erros de pormenor, raramente nos
perdemos nos fundamentos, ao passo que os partidos da
oposição, privados como são de um princípio informador
e animador, de um conceito direcionador único, muito
freqüentemente movem sua guerra impecavelmente nas
táticas menores, mais bem treinados como são nas manobras
parlamentares e jornalísticas, mas fracassam constantemente
nas questões importantes" .12

Benito Mussolini, o ditador fascista italiano de 1922


até sua morte em 1945, contribuiu, em 1932, para a Enci-
clopedia Italiana com um famoso verbete acerca da dou-
trina do fascismo:
Assim, o fascismo não poderia ser compreendido em
muitas de suas manifestações práticas como uma organização
partidária, como um sistema de educação, uma disciplina, se
não fosse olhado sempre à foz de sua maneira completa de
conceber a vida, uma maneira espiritualizada (...]. O homem
do fascismo é um indivíduo que é nação e pátria, que é uma
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

lei moral, unindo indivíduos e gerações numa tradição e numa


missão, suprimindo a instância de uma vida fechada dentro do
círculo sucinto de prazer, a fim de restaurar dentro do dever a
vida mais elevada, livre dos limites do tempo e do espaço: uma
vida em que o indivíduo, através da própria morte, se dá conta
daquela existência completamente espiritual em que está seu
valor como homem. O fascismo é uma concepção religiosa
em que o homem é visto em sua relação imanente com uma
lei superi0r e com uma Vontade objetiva que transcende o
indivíduo particular e o eleva a uma participação consciente
numa sociedade espiritual. Quem quer que não tenha visto na
política religiosa do regime fascista nada mais do que simples
oportunismo não entendeu que o fascismo, para além de ser
um sistema de governo, é também, acima de tudo, um sistema
de pensamento" .13

O absolutismo ideológico, a santificação do fim último,


a suspensão das faculdades críticas e o culto da linha do
partido como a expressão perfeita da vontade geral esta-
vam incrustados no projeto original e imbuíam inequivo-
camente a imaginação política de Mussolini.
Sustento que as sementes do regime de Stálin foram
semeadas por Lênin.14 Levou ao extremo a lógica into-
lerante do leninismo e transformou a URSS num estado
policial. O partido comunista foi transformado de uma
elite revolucionária numa casta burocrática cujo objetivo
único era preservar e aumentar o poder do líder e seus
privilégios. Gradualmente, a ditadura do proletariado
tornou-se um lema vazio a legitimar o reino absoluto de
Stálin e a repressão da polícia secreta contra a população.
Invocando a luta de Lênin contra o facciosismo, Stálin
destruiu completamente qualquer democracia intra-parti-
dária, perseguiu selvagemente todos os opositores (reais
ou imaginários) e impôs uma ditadura monolítica baseada
em expurgos permanentes e terror de massa. Na ausência
física do líder numinoso encarnando o poder absoluto do
partido - Lênin - a congregação de seus discípulos teve de
reinventar-se baseando o próprio carisma nas escrituras de
CONCLUSÕES

seus pais fundadores. A tradição inventada do marxismo-


-leninismo foi então enfiada nas fileiras do partido como
um meio de estabilizar a identidade normativa do partido.
O "retorno ao leninismo" tornou-se um tema importan-
te da oposição anti-Stálin, especialmente entre os parti-
dários de Trotsky. Mais tarde, depois da morte de Stálin
em 1953, Nikita Krushchev proclamou a restauração das
normas leninistas da vida do partido e denunciou o "culto
da personalidade" de Stálin (i.e., a adoração quase religio-
sa do líder supremo) como não-leninista. Nos anos 1980,
Mikhail Gorbachev aprofundou a crítica de Krushchev
ao stalinismo e procurou instilar o pluralismo nas insti-
tuições soviéticas. Em seus esforços de democratização,
Gorbachev foi além da lógica do leninismo e abandonou
assim o conceito da ditadura do proletariado como a rei-
vindicação do partido ao monopólio do poder.
Em 1919 Lênin criou a Terceira Internacional (Comu-
nista) - a Comintern, uma instituição global que os fascis-
tas não conseguiram nunca estabelecer. Anteriormente ele
criticara violentamente a Segunda Internacional por sua
falta de fervor revolucionário e cumplicidade com os par-
lamentos e governos burgueses. A Comintern consagrou
a centralidade e o papel hegemônico de Moscou dentro
do comunismo mundial. Para um partido ser aceito na
Comintern, ele tinha de aquiescer incondicionalmente a
vinte e uma condições, incluindo a subordinação completa
aos ditados soviéticos. Lênin criou a Comintern como um
instrumento para expandir a revolução e permitir que a
Rússia Soviética escapasse do "cerco imperialista". Mais
tarde, Stálin transformou-a num simples instrumento de
política externa soviética e, por implicação, do imperia-
lismo russo. A Comintern foi dissolvida em 1943, mas
os partidos comunistas continuaram a submeter-se às or-
dens da linha stalinista. Imediatamente depois da Segunda
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Guerra Mundial, partidos leninistas chegaram ao poder


na Europa Oriental e Central, China, Coréia do Norte e
Vietnã do Norte (um regime ao estilo soviético já exis-
tia na Mongólia desde os anos 1920) .. Mais tarde, em
1960, Fidel Castro esposou publicamente o leninismo e
proclamou a natureza comunista da Revolução Cubana.
Em todos esses casos, o comunismo representava a soma
das técnicas (táticas) políticas e ideológicas empregadas
pelos partidos revolucionários para instalar e consolidar
regimes ditatoriais monopolistas. Sua única reivindicação
à legitimidade derivava da estrutura de crença organiza-
da compartilhada pelas elites e inculcada nas massas, de
acordo com a qual o partido era o único beneficiário do
acesso direto à verdade histórica.
Marx proclamou o comunismo como a resolução au-
têntica do conflito entre o homem e a natureza e entre o
homem e o homem: "O comunismo é o enigma da histó-
ria resolvido, e sabe que é a solução" .15 A explanação das
conseqüências desta doutrina está fundada nuns poucos
fatores essenciais: a visão de seus seguidores, uma elite
superior cujos objetivos utópicos santificam os métodos
mais bárbaros; a negação do direito à vida daqueles que
são definidos como "parasitas degenerados e predadores";
a desumanização deliberada dos inimigos e vítimas defi-
nidos pelo estado; e a falsificação da idéia do bem (Alain
Besançon). As revoluções de 1989 demonstraram que o
comunismo exauriu seu apelo e levou ao colapso dos re-
gimes leninistas na Europa Oriental e Central. Em dezem-
bro de 1991, a URSS chegou ao fim. O desaparecimento
do comunismo na Europa deu espaço a mitologias políti-
cas alternativas, que levaram a uma proliferação do que
chamei fantasias de salvação.
Em seu livro monumental Pós-guerra, Tony Judt ar-
gumenta que a Europa de nossos dias "está unida pelos
{

CONCLUSÕES

signos e símbolos de seu terrível passado". A realização


notável de forjar uma identidade democrática desta ma-
neira "permanece para sempre hipotecada a esse passado"
porque este último "terá de ser ensinado de novo a cada
geração que passa". 16 As principais lições do século XX
que este livro tentou realçar são que nenhum compromis-
so ideológico, não importa quão freneticamente absorven-
te, deveria prevalecer sobre a santidade da vida humana,
e que nenhum partido, movimento ou líder têm o direito
de ditar que seus seguidores renunciem às próprias facul-
dades críticas para abraçarem uma visão ilusória, pseu-
do-miraculosa e, de fato, místicamente auto-centrada de
felicidade obrigatória. Anne Applebaum enfatizou judicio-
samente que o caminho mais importante para a compre-
ensão da terrível experiência histórica do século passado
é a empatia com as pessoas que passaram por ela 17 e a
tentativa de compreendê-las. Agora está claro, baseado
nas experiências abismais de estados totalitários, que o
desprezo pelo indivíduo e por seus direitos leva inevitavel-
mente à destruição de qualquer traço de democracia. As
"democracias populares" comunistas foram na verdade
um escárnio desse termo mesmo; na verdade, sua antíte-
se. Compartilhavam com os regimes fascistas uma húbris
ideológica hiper-determinista, quase científica. Não menos
importante, visões conspiratórias da história do mundo,
incluindo as fantasias islâmicas correntes, levaram a uma
obsessão com inimigos infiltrados, uma política de bode
expiatório mitológico vingador, uma persecução organi-
zada pelo estado, exclusão e exterminação dos marcados
ideologicamente como "vermes pérfidos" e "ralé traiçoei-
ra" (judeus, culaques, etc.). 18 Como disse Hannah Arendt
em 1946 (e estas palavras deveriam permanecer conosco
como um conselho duradouro):
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

"Um dos aspectos mais horríveis do terror contemporâneo


é que, não importa quais sejam seus motivos e fins últimos, ele
aparece invariavelmente revestido de uma conclusão lógica
inevitável feita com base em alguma ideologia ou teoria.
Num grau muito menor, este fenômeno já podia ser visto em
relação à liquidação dos anti-stalinistas na Rússia - que Stálin
mesmo previu e justificou em 1930 [... ].A conclusão óbvia era
que se tem de lidar com essas facções assim como com uma
classe hostil ou com traidores. O problema é, naturalmente,
que ninguém, exceto Stálin, sabe quais são "os verdadeiros
interesses do proletariado" [...]. Essa 'científicidade' é,
na verdade, a característica comum de todos os regimes
totalitários de nosso tempo. Mas isso não significa senão
que o poder feito inteiramente pelo homem - principalmente
destrutivo - é vestido em roupas de uma sanção superior,
super-humana, da qual obtém sua força absoluta, que não
deve ser questionada. A marca nazista deste tipo de poder é
mais profunda e mais horrível do que a marxista ou pseudo-
marxista, porque assina à natureza o papel que o marxismo
assina à história[ ...]. Mas nem a ciência nem a 'científicidade',
nem os eruditos nem os charlatães forneceram as idéias e as
técnicas que originaram as fábricas de morte. As idéias vieram
de políticos que tomaram o poder político seriamente, as
técnicas vieram dos homens-massa modernos que não tinham
medo da consistência" .19

Dezenas de milhões de mortos, a memória das cercas


de arame farpado e das câmaras de gás, assim como um
sentimento de tragédia insuportável são os principais le-
gados deixados pelas promessas ideológicas temerárias do
século XX de construir a Cidade de Deus, aqui e agora.
NOTAS

1 Segundo Vladimir Tismãneanu, era esta a epígrafe que faltara a


seu livro O Diabo na História. Consultado por escrito, autori-
zou-me gentilmente a usá-la na presente tradução, pelo que lhe
agradeço. A epígrafe, em português: "Creio que a história uni-
versal, a história do homem, é inimaginável sem o pensamento
diabólico, sem um desígnio demoníaco" - NT.

Prólogo
2 LEVI, Primo. lfThis Is a Man. London: Abacus, 1987, p. 395.
3 Cf. IERUNCA, Virgil. Fenomenul Pite#i [O fenômeno Pite§ti,
tradução inédita de Elpídio Mário Dantas Fonseca e conferência
com o texto romeno de Cristina Nicoleta Mãnescu]. Bucure§ti:
Humanitas, 1990.
Recomendo também o documentário Demascarea [O desmasca-
ramento], dirigido por Nicolae Mãrgineanu, argumento de Alin
Mure§an, produzido pelo Instituto de Investigação dos Crimes do
Comunismo e a Memória do Exílio Romeno, Bucareste, 2011. O
experimento Pite§te foi provocado por funcionários locais e seus
agentes entre os prisioneiros, baseados em ordens vindas dos mais
altos escalões da Securitate. Chegou ao fim de repente e de maneira
inexplicável antes da morte de Stálin, e os organizadores, acusados
de conspiração para comprometer o regime comunista, foram exe-
cutados em 1954, levando para o túmulo os segredos da operação.
A história, entretanto, continuou a circular nas prisões romenas e
chegou ao Ocidente nos anos de 1960 - NT.
4 SNYDER, Timothy. Bloodlands: Europe between Hitler and Sta-
lin. New York: Basic Books, 2010, p. 408.
5 FRITZSCHE, Peter. On Being the Subjects of History: Nazis as
Twentieth Century Revolutionaries in Language and Revolution:
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

Making Modern Political Identities, ed. Igal Halgin. London:


Frank Cass Publishers, 2002, p. 151.
6 Cf. NEIMAN, Susan. Evil in Modern Thought: An Alternative
History of Philosophy. Princeton, N.J., and Oxford: Princeton
University Press, 2002.
7 Cf. KOtAKOWSKI, Leszek. Modernity on Endless Triai. Chica-
go: University of Chicago Press, 1990, p. 189.
8 De acordo com Snyder, houve três períodos de assassínios em lar-
ga escala perpetrados pelos regimes soviético e nazista: "No pri-
meiro (1933-1938), a União Soviética executava quase todos os
assassínios em massa; no segundo, a aliança germano-soviética
(1939-1941), a matança estava equilibrada. Entre 1941 e 1945
os alemães foram responsáveis por quase todos os assassínios
políticos". SNYDER, Timothy. Bloodlands, p. 155. Para uma
narrativa fascinante acerca do anti-fascismo ver SCAMELL, Mi-
chael. Koestler: The Literary and Political Odyssey of a Twentieth
Century Skeptic. New York: Random House, 2009, pp. 101-51;
para o papel da rede internacional de Agitprop da Comintern
e a participação crucial de Willi Münzenberg e seu círculo, ver
MCMEEKIN, Sean. The Red Millionare: A Political Biography
of Willi Münzenberg, Moscow's Secret Propaganda Tsar in the
West. New Haves, Conn., and London: Yale University Press,
2003; e MILES, Jonathan. The Dangerous Otto Katz: The Many
Lives of a Soviet Spy. New York: Bloombsbury, 2010. A espio-
nagem em nome de Stálin, a hostilidade a Hitler, e a atração por
um "outro mundo" utópico misturaram-se em experiências tais
como as de Katz ou os entusiastas esquerdistas de Cambridge.
9 Ao longo do livro alternarei entre os termos totalitarismo e reli-
gião política. Escolhi empregar este paralelismo conceituai por-
que considero que os dois termos têm funções complementares.
Seguindo Philippe Burrin, acredito que "o totalitarismo lança luz
no mecanismo de poder e formas de dominação, ao passo que a
religião política visa ao sistema de crenças, rituais e símbolos que
estabelecem e articulam este domínio. O totalitarismo enfatiza
a modernidade dos fenômenos, particularmente as técnicas de
poder, ao passo que a religião política chama a atenção para uma
perspectiva de longo prazo para o sedimento histórico e reapli-
cação histórica de fragmentos de uma cultura religiosa para pro-
. pósitos políticos". Cf. BURRIN, Philippe. Political Religion: The
NOTAS

Relevance of a Concept. History and Memory 9, nº 1-2, 1997:


346 nº 28.
10 GENTILE, Emilio. Political Religion: A Concept and Its Critics
- A Criticai Survey. Totalitarian Movements and Political Reli-
gions 6, nº 1, junho de 2005: 19-32. Gentile apresenta a seguinte
definição da "sacralização da política" : "Este processo acontece
quando, mais ou menos elaborada e dogmaticamente, um movi-
mento político confere um status sagrado a uma entidade terrena
(a nação, o país, o estado, a humanidade, a sociedade, a raça, o
proletariado, a história, a liberdade ou a revolução) e lhe dá um
princípio absoluto de existência coletiva, considera-o a principal
fonte de valores para o comportamento individual ou de massa e
o exalta como o preceito supremo da vida pública". GENTILE,
Emilio. MALLETT, Robert. The Sacralizatition of Politics: Defi-
nitions, Interpretations and Reflections on the Question of Sec-
ular Religion and Totalitarianism, Totalitarian Movements and
Political Religions 1, nº 1 (200): 18-55.
11 HANFIN, lntroduction, in Language and Revolution, pp. 1-20.
12 KERSHAW, lan. Hitler 1936-45: Nemesis. New York and Lon-
don: W.W. Norton, 2000, p. 249.
13 KERSHAW, lan. LEWIN, Moshe. Introduction. The Regimes and
their Dictators: Perspectives of Comparisons. New York: Cam-
bridge University Press, 1997, p. 25.
14 GRIFFIN, Roger. Modernism and Fascism: The Sense of Begin-
ning under Mussolini and Hitler. London and New York: Pal-
grave Macmillan, 2007, p. 4.
15 GELLATELY, Robert. Lenin, Stalin and Hitler: The Age of Social
Catastrophe. New York: Alfred A. Knopf, 2007, pp. 71-72. Ver
também a documentação impressionante em RAYFIELD, Don-
ald. Stalin and His Hangmen: The Tyrant and Those Who Ki//ed
for Him. New York; Random House, 2004.
16 Ver HERF, Jeffey. The ]ewish Enemy: Nazi Propaganda during
World War II and the Holocaust. Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 2006.
17 GELLATELY. Lenin, Stalin, and Hitler, p. 310.
18 Ver o livro pioneiro editado por Ian Kershaw e Moshe Lewin, Stalin-
ism and Nazism; FERRO, Marc, ed. Nazisme et communisme: Deux
régimes dans /e siecle. Paris: Hachette, 1999; ROUSSO, Henri,
ed. Stalinisme et Nazisme: Histoire et mémoire comparées. Pa-
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

ris: Editions Complexe, 1999; AVINERI, Shlomo. STERNHELL,


Zeev, eds. Europe's Century of Discontent: The Legacies of Fas-
cism, Nazism, and Communism. Jerusalem: Hebrew University
Magnes Press, 2003; GEYER, Michael. FITZPATRICK, Sheila,
eds. Beyond Totalitarianism: Stalinism and Nazism Compared.
New York: Cambridge University Press, 2009.
19 Cf. CHIROT, Daniel. Modern Tyrants: The Power and Prevalence
of Evil in Our Age. New York: Free Press, 1994, pp. 1-24.
20 Cf. OVERY Richard. The Dictators: Hitler's Germany and Sta-
lin's Russia. London and New York: Penguin Books, 2005, pp.
483-580.
21 KOESTLER, Arthur. The Trai/ of the Dinosaur and Other Essays.
New York, Macmillan, 1955, p. 15.
22 Cf. LUKES, Steven. On the Moral Blindness of Communism, in
DUBIEL, Helmut. MOTZKIN, Gabriel. The Lesser Evil: Mor-
al Approaches to Genocide Practices. New York and London:
Routledge, 2004, p. 154-65.
23 OVERY, Richard. The Dictators, pp. 303-6.
24 MAIER, Hans. Political Religions and Their Images: Soviet Com-
munism, Italian Fascism and German National Socialism. Total-
itarian Movements and Political Religions 7, nº 3, setembro de
2006: 273.
25 EVANTS, Richard J. The Coming of the Third Reich. London:
Penguin Books, 2003, pp. 239-40.
26 GRIFFIN. Modernism and Fascism, p. 30.
27 Inside Kremlin Politics: Conversations with Felix Chuev, ed. Al-
bert Resis. Chicago: 1. R. Dee, 2007, pp. 262 e 270.
28 Dificilmente se pode considerar uma coincidência o fato de o
termo byvshie liudi (antigo povo), que se tornou lugar comum
na linguagem bolchevique, implicar que aquele a quem se apli-
cava não era totalmente humano. Ademais, de acordo com Ber-
nice Glatzer Rosenthal, o termo lishentsy, que se tornou uma
categoria legal, está "ligado etimologicamente ao homem su-
pérfluo (lishnii chelovek) da literatura russa do século XIX".
ROSENTHAL, Bernice Glatzer. New Myth, New World: from
Nietzsche to Stalinism. University Park: Pennsylvania State Uni-
versity Press, 2002, p. 204.
29 FIGES, Orlando. The Whisperers: Private Life in Stalin's Russia.
New York: Metropolitan Books, 2007, p. 249. O caso Molotov é

370
NOTAS

particularmente desconcertante quanto à lealdade ao partido-es-


tado vs lealdade à própria família. Sua esposa, velha bolchevique
e membro do Comitê Central, Polina Zhemchuzhina, foi acusada
de sionismo e cosmopolitismo em 1949. Quando o Politburo se
reuniu para decidir-lhe o destino, Molotov ousou abster-se de
votar. Alguns dias depois, desculpou-se por sua conduta, louvan-
do a punição "justa" decidida pela terra-mãe soviética para sua
esposa. Subseqüentemente ele se divorciou dela, optando pela le-
aldade inabalável a Stálin. Com a morte do ditador, Polina voltou
da deportação. Casou-se novamente com Molotov, e viveram fe-
lizes para sempre. Zhemchuzhina nunca criticou o marido e nun-
ca denunciou publicamente o regime assassino de Stálin. No fim
das contas, podia-se dizer que ela era o epítome da "camarada na
vida e na luta", como as esposas dos magnatas comunistas costu-
mavam ser chamadas. O neto de Molotov, Vyacheslav Nikonov
atualmente é um comentador político russo influente, ligado a
Vladimir Putin.
30 PRIESTLAND, David. Stalinism and the Politics of Mobilizari-
on: Ideas, Power, and Terror in Inter-War Russia. Oxford and
New York: Oxford University Press, 2007, p. 214. A mulher de
Yaroslavsky, Klavdia Kirsanova (1888-1947), foi a reitora da
Escola Leninista da Comintern. Cf. BROUÉ, Pierre. Histoire de
l'lnternationale Communiste: 1919-1943. Paris: Fayard, 1997, p.
1025.
31 GRIFFIN, Roger. The Nature of Fascism. London and New York:
Routledge, 1993, p. 235.
32 HASSNER, Pierre. Beyond History and Memory, in Stalinism
and Nazism: History and Memory Compared, ed. Henri Rousso.
Edição inglesa de Richard J. Golsan, trad. Lucy B. Golsan, Thom-
as C. Hilde e Peter S. Rogers. Lincoln and London: University of
Nebraska Press, 2004, pp. 283-85.
33 WEBER, Eugen. Revolution? Counterrevolution? What Revolu-
tion?. Journal of Contemporary History 9, nº 2, abril de 1974:
24-25.
34 GEYER, Michael (com a ajuda de FITSPATRICK, Sheila. In-
troduction: After Totalitarianism- Stalinism and Nazism Com-
pared, in Beyond Totalitarianism. Ed. Geyer and Fitzpatrick,
pp. 1-37.

371
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

35 DIMITROV, Georgi. The Diary of Giorgi Dimitrov, 1943-1949,


ed. Ivo Banac. New Haven, Conn: Yale University Press, 2003, p.
65.
36 KERSHAW. Hitler 1936-45, p. 315.
37 The Diary of Georgi Dimitrov, p. 66. Para pormenores fascinan-
tes quanto à publicação do diário de Dimitrov assim como de
outros livros essenciais da Yale University Press, série Annals of
Communism, ver BRENT, Jonathan. Inside the Stalin Archives:
Discovering the New Russia. New York: Atlas, 2008.
38 KERSHAW. Hitler 1936-45, p. 321.
39 SNYDER. Bloodlands, p. 370.
40 Cf. GOLDMAN, Wendy Z. Terror and Democracy in the Age of
Stalin. New York: Cambridge University Press, 2007.
41 PRIESTLAND. Stalinism and the Politics of Mobiliza.tion, pp. 3 7-
47.
42 Ibid., p. 421.
43 WEBER, Eugen. Varieties of Fascism: Doctrines of Revolution in
the Twentieth Century. New York: D. Van Nostrand, 1964, p. 78.
44 Citado em GENTILE e MALLETI. The Sacralization of Politics,
pp. 28-29.
45 OVERY. The Dictators, p. 650.
46 PATRIKEEFF, Felix. Stalinism, Totalitarian Society and the Pol-
itics of "Perfect Control". Totalitarian Movements and Political
Religions 4, nº 1, verão de 2003: 40.
47 OVERY. The Dictators, p. 306.
48 FITZPATRICK, Sheila. Politics as Pratcice: Thoughts on a New
Soviet Political History, in Kritika: Explorations in Russian and
Eurasian History 5, nº 1, inverno de 2004: 27-54. Para a ilumi-
nação de S. Kotkin acerca do "bolchevique falante", a descrição
de J. Hellbeck do "bolchevismo pessoal" e a discussão de Volkov
da função identificadora do kult' turnost, ver KOTKIN, Stephen.
The Magnetic Mountain. Berkely: University of California Press,
1995; HELLBECK,Jochen. Fashioning the Stalinist Soul: The Di-
ary of Stepan Podlubnyi - 1931 -1938. Jahrbücher für Geschichte
Osteuropas, nº 2, 1997; e VOLKOV, Vadim. The Concept of Kul'
turnost' - Notes on the Stalinist Civilizing Process, in Stalinism
- New Directions, ed. Sheila Fitzpatrick. London and New York:
Routledge, 2000, pp. 210-30.
49 HALBERSTAM, Michael. Hannah Arendt on the Totalitarian
Sublime and Its Promise of Freedom, in Hannah Arendt in ]eru-

372
NOTAS

salem, ed. Steven E. Ashheim. Los Angeles: University of Califor-


nia Press, 2001, pp. 105-23.
50 OVERY. The Dictators. FRITZSCHE, Peter. Genocide and Glob-
al Discourse, German History 23, nº 1, 2005: 109; GENTILE,
Emílio. The Struggle for Modernity: Nationalism, Futurism, and
Fascism. Westport, Conn: Praeger, 2003, p. 98; GEYER, Intro-
duction, in Beyond Totalitarianism, ed. Geyer and Fitzpatrick,
p. 33; GENTILE, Emilio. The Sacralization of Politics in Fascist
Italy. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1996.
51 GRlFFIN. The Nature of Fascism, p. 193. Para uma discussão am-
pla da relação entre "cri~e de sentido" e Fascismo, ver GRlFFIN,
Roger. FELDMAN, Matthew, ed. Fascism: Criticai Concepts in
Política/ Science, vol. 2, The Social Dynamics of Fascism. New
York: Routledge, 2004.
52 Cf. VOEGELIN, Eric. The Political Religions, in Modernity with-
out Restraint: Collected Works. Columbia: University of Missou-
ri Press, 2000, 5: 19-94.
53 O historiador Stephen Kern, citado in GRlFFI. Modernism and
Fascism, p. 161.
54 RAUSCHNING, Hermann. Hitler Speaks. London, 1939, p. 185,
citado em PIPES, Richard. Russia under the Bolshevik Regime.
New York: Knopf, 1993, p. 259. Quanto à última oração, vale a
pena citar aqui o comentário de Richard Pipes: "E pode-se acres-
cer, o que o bolchevismo fez e naquilo em que se transformou".
55 A formulação pertence a Walter Benjamin, que a cunhou em On
the Concept of History. Ver GRIFFIN. Modernism and Fascism,
p.223.
56 Cf. NOLTE. La guerre civile européenne.
57 STERNHELL, Zeev. Neither Left nor Right: Fascist Ideology in
France. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1994.
58 TUCKER, Robert C. Stalin in Power: The Revolution from
Above, 1928-1941 . New York: Norton, 1990; YAKOVLEV, Al-
exander N. A Century of Violence in Soviet Russia. New Haven,
Conn.: Yale University Press, 2002.
59 SNYDER, Timothy. Hitler vs Stalin: Who Killed More?. New York
Review of Books Blog, March 10, 2011, p. 2, http://www.nybooks.
com/articles/archi ves/2011/mar/1 O/hitler-vs-stalin-who-killed-
more/.
60 SNYDER. Bloodlands, p. 391.

373
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

61 RUBENSTEIN, Joshua. NAUMOV, Vladimir P. Stalin's Secret Po-


grom: The Postwar Inquisition of the ]ewish Anti-Fascist Com-
mittee. New Haven, Conn.: Yale University Press, 2001.
62 AMIS, Martin. Koba the Dread: Laughter and the Twenty Mil-
lion. New York: Hyperion, 2002, p. 220.
63 REE, Erik van. Stalin as Marxist: the Western Roots of Stalin's
Russification of Marxism , in Stalin: A New History, ed. Sarah
Davies e James Harris. Cambridge: Cambridge University Press,
2005, pp. 159-90. O modelo que van Ree descreve foi o proje-
to transferido para a Europa Oriental. Uma análise comparativa
das várias formas de localizar o stalinismo na região com o tipo
de ideologia descrita amplamente por Erik van Ree em sua The
Política/ Thought of Joseph Stalin - A Study in Twentieth-Cen-
tury Patriotism. London and New York: Routledge Cuzon, 2002,
poderia mostrar-se iluminadora para casos como os da Romênia
de Ceau~escu, a Polônia de Gomulka, a Albânia de Enver Hoxha
ou a RDA de Erich Honecker. Para um exemplo, ver minha noção
de "stalinismo nacional" em TISMÃNEANU, Vladimir. Stalinism
for Ali Seasons:. A Political History of Romanian Communism.
Berkeley: University of California Press, 2003, pp. 18-36.
64 NOLTE. La guerre civile européenne, p. 47.
65 GELLATELY. Lenin, Stalin, and Hitler, p. 579.
66 Ibid., p. 581.
67 NOLTE. La guerre civile européenne, p. 239.
68 Estou desenvolvendo uma afirmação feita por Denis Hollier e
Betsy Wing em seu artigo "Desesperanto", in Legacies of Anti-
fascism, edição especial, New German Critique 67, inverno de
1996: 19-32. Eles discutem os casos de dissidentes anti-fascistas
(em vários graus de um indivíduo para outro), como Walter Ben-
jamin, Georges Bataille, Ernest Hemingway e André Malraux, e
a reação deles à ilogicidade e à falta de sentido dos julgamentos
do final de 1930 em Moscou, apontando implicitamente para seu
desencanto inevitável e despertar (especialmente p. 22 e p. 26).
69 KERSHAW. Hitler 1936-45, p. 573.
70 ZUBOK, Vladislav. Zhivago's Children; The Last Russian Intel-
ligentsia. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2009, pp.
561-62.

374
NOTAS

1. Radicalismo utópico e desumanização


1 Aqµi discordo das interp.çetações que consideram o marxismo
como um equivalente ideológico de diferentes versões de fascis-
mo. Embora o marxismo seja sem dúvida uma teoria revolucio-
nária, uma crítica da modernidade liberal-burguesa, sua crítica
principal está relacionada à herança democrática do Iluminismo
(opinião defendida também por Shlomo Avineri). O fascismo,
em contraste, rejeitou o individualismo liberal e a democracia
sem nenhuma pretensão de realizar esses projetos "medíocres".
Não há, portanto, nenhuma maneira de invocar uma doutrina
fascista original "traída", e, portanto, não há nenhuma possibili-
dade de pensar em "outro nazismo" ou um "fascismo dissidente,
humanista". Para a linha de pensamento de que discordo, ver
GREGOR, A. James. The Faces of Janus: Marxism and Fascism
in the Twentieth Century. New Haven, Conn.: Yale University
Press, 2000. Numa linha similar, o antigo ideólogo principal de
Gorbachev, Alexander Yakolev, encontrou sementes de terror to-
talitário, especialmente a guerra contra os camponeses, no Mani-
festo Comunista. A meu ver (e aqui sigo Hannah Arendt, Claude
Lefort, Cornelius Castoriadis, Richard Pipes e Robert C. Tucker},
foi fundamental a continuidade entre Marx e Lênin. O fascismo,
e especialmente o nazismo, não encontrou sua origem numa in-
terpretação distorcida da busca democrática de emancipação.
É importante reconhecer que Lênin tinha uma perspectiva me-
nos fanática desta questão, descartando exigências de destrui-
ção total da burguesia e reconhecendo a necessidade de recrutar
membros da antiga classe capitalista para a construção da nova
ordem. Ver LEGGET, George. The Cheka: Lenin's Secret Police.
Oxford: Oxford University Press, 1981, p. 115. Ernst Noite in-
vocou a afirmação exterminista de Zinoviev, feita no começo de
Red Terror, como o argumento principal para sua precedência
histórica, teoria "Schreckbild" do nazismo como uma "contra-
-religião" oposta ao bolchevismo. Ver NOLTE, Ernst. La guerre
civile européenne, 1917-1945: National-socialisme et bolsché-
visme. Paris: Editions des Syrtes, 2000, pp. 24 e 90. Para o tra-
tamento precedente, ver também PIPES, Richard. The Russian
Revolution. New York: Vintage Books, 1990: "Como o jacobino
francês, Lênin tentou construir um mundo habitado exclusiva-
mente por 'bons cidadãos'. [... ] Lênin descrevia habitualmente

375
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

aqueles a quem escolhia designar como seus 'inimigos de classe'


em termos tomados de empréstimo ao vocabulário de controle
de pragas, chamando os culaques 'sanguessugas', 'aranhas' e 'pio-
lhos'. Já em janeiro de 1918 empregou linguagem inflamada para
incitar a população a realizar pogroms 'contra os ricos, vigaristas
e parasitas'. Aqui a variedade é garantia de vitalidade, de êxito
e de obtenção do único objetivo: a limpeza do solo da Rússia de
todos os insetos perniciosos, de moscas canalhas, percevejos - os
ricos, e assim por diante'. Hitler seguiria esse exemplo quanto
aos líderes da democracia social alemã, de quem pensava que
eram principalmente judeus, chamando-os em Mein Kampf de
'Ungeziefer' ou 'vermes', destinados apenas ao extermínio" . (PI-
PES, pp. 790-91). Na questão do mal radical (das radikal Base)
e totalitarismo, ver a discussão de Hannah Arendt em Origins, e
também SEMPRUN, Jorge. L' écriture et la vie. Paris: Gallimard,
1994, pp. 174-75: "A Buchenwald, les S.Ss., les Kapo, lesmou-
chards, les tortionnaires sadiques, faisaeint tout autant partie de
l' espece humaine que les meilleurs, les plus purs d' entre nous,
d' entre les victmis [...]. La frontiere du Mal n' est pas celle de l'
inhumain, c'est tout autre chose. D' ou la necessite d' une éthique
qui transcende ce fonds originaire ou s' enracine autant la liberté
du Bien que celle du Mal[ ... ] [Em Buchenwald, os S.S., os Kapos,
os informantes, os torturadores sádicos eram igualmente parte
da espécie humana tão bem quanto os melhores dentre nós, as
vítimas. Segue-se desta premissa a necessidade de uma ética que
transcenda este pano de fundo original em que estão enraizadas
tanto a liberdade do Bem quanto a liberdade do Mal]''.
2 BAUMAN, Zygmunt. Life in Fragments: Essays in Postmodern
Morality. ·Oxford and Cambridge, Mass.: Blackwell, 1995, pp.
192-206. Acerca dos campos de concentração como a essência
assim do sistema comunista como do nazista em seus estágios ra-
dicais, ver TODOROV, Tzvetan. Voices from the Gulag: Life and
Death in Communist Bulgaria. University Park: Pennsylvania
State University Press, 1999, especialmente o prefácio inequívoco
de ltsvan Deak.
3 "Que fascisme et communisme ne souffrent pas d'un discrédit
comparable s' explique d'abord par le caractere respectif des
deux idéologies, quis' opposent comme le particulier à l' univer-
sel. Annonciateur de la domination des forts, le fasciste vaincu ne
donne plus à voir que ses crimes. Prophete de l' émancipation des
NOTAS

hommes, le communiste beneficie jusque dans sa faillite politique


et mora/e de la douceur de ses intentions". [Que o fascismo e
o comunismo não sofram de um discrédito comparável explica-
-se primeiro pelo caráter respectivo, das duas ideologias, que se
opõem como o particular ao universal. Anunciador da domina-
ção dos fortes, o fascista vencido não apresenta à vista senão seus
crimes. Profeta da emancipação dos homens, o comunismo bene-
ficia-se até mesmo por sua falência política e moral da doçura de
suas intenções - NT]. Ver a carta de François Furet Ernst Noite,
em Sur /e fascisme, le communisme et /' histoire du XXe siecle,
Commentaire 80, inverno 1997-98: 804.
4 WEBER, Eugen. Revolution? Counterrevolution? What Revolu-
tion?. Journal of Contemporary History 9, nº 2, abril de 1974:
24-29. Ver também MONNEROT, Jules. Sociology and Psychol-
ogy of Communism, trad. Jane Degras e Richard Rees. Boston:
Beacon Press, 195 3.
5 Para uma posição similar acerca da comparação stalinismo-na-
zismo, ver KERSHAW, lan. LEWIN, Moshe. Introduction. The
Regimes and their Dictators: Perspectives of Comparison, in
Stalinism and Nazism: Dictatorships in Comparison. New York:
Cambridge University Press, 1997, p. 5.
6 SNYDER, Timothy. Bloodlands: Europe between Hitler and Sta-
lin. New York: Basic Books, 2010, p. 380.
7 FRITZSCHE, Peter. Nazi Modern. Modernism/Modernity 3.1,
1996, p. 14.
8 LICHTHEIM, George. The Concept of Ideology and Other Es-
says. New York: Random House, 1967, pp. 225-37.
9 GRIFFIN, Roger. The Nature of Fascism. London and New York:
Routledge, 1993, pp. 36 and xi.
10 PIPES, Richard. The Russian Revolution. New York: Books,
1991, pp. 554-55.
11 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: The Found-
ers, the Golden Age, the Breakdown, trad. P.S. Falla. New York,:
W.W. Norton, 2005, p.422.
12 Noite desenvolveu suas teses principais num livro controverso
publicado na Alemanha em 1997 que apareceu em tradução
francesa com um prefácio de Stéphane Courtois, La guerre civile
européenne, 1917-1945: National-socialisme et bolchevisme. Pa-
ris: Editions des Syrtes, 2000.

377
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

13 GRIFFIN, Roger. Modernism and Fascism: The Sense of Begin-


ning under Mussolini and Hitler. London and New York: Pal-
grave Macmillan, 2007, pp. 9-10.
14 BRACHER, Karl Dietrich. The German Dictatorship: The Or-
igins, Structure, and Effects of National Socialism, trad. Jean
Steinberg com introdução de Peter Hay. New York and Washing-
ton: Praeger, 1970, p. 9.
15 FRITZSCHE, Peter. HELLBECK, Jochen. The New Man in
Stalinist Russia and Nazi Germany, in Beyond Totalitarianism:
Stalinism and Nazism Compared, ed. Michael Geyer e Sheila
Fitzpatrick. New York: Cambridge University Press, 2009, p.
341.
16 CLARK, Katerina. SCHLÓGEL, Karl. Mutual Perceptions and
Projections: Stalin's Russia in Nazi Germany - Nazi Germany
in the Soviet Union, in Beyond Totalitarianism, ed. Geyer and
Fitzpatrick, p. 412. Ambos os autores discutem estas experiên-
cias comuns e compartilhadas entre a Alemanha e a Rússia/UR-
SS, mas insistem que "não há nenhuma conexão Berlim-Moscou
sem Roma, e nenhum discurso Rússia-Alemanha sem o fascismo
italiano. Estes eram os lugares de experiência histórica sincroni-
zada de uma época inteira" [Synchronisierung von Epochener-
fahrung], p. 421.
17 BEYRAU, Dietrich. Mortal Embrace: Germans and (Soviet) Rus-
sian in the First Half of the Twentieth Century, in Fascination
and Enmity: Russia and Germany as Entangled Histories, 1914-
1945, coletânea, Kritika: Explorations in Russian and Eurasian
History 10, nº 3, verão de 2009: 426.
18 Raymond Aron citado em RIGOULOT, Pierre. ANNAKAKIS, 11-
ios. Un pavé dans l' histoire: Le débat (rançais sur Le Livre Noir
du communism. Paris: Robert Laffont, 1998, pp. 96-97.
19 Em 24 de julho de 1943, o Grande Conselho Fascista reuniu-se
pela primeira vez desde o começo da guerra. Seus membros vo-
tam 19 contra 7 para requerer ao rei que procurasse uma política
mais plausível para salvar a Itália da destruição. Como Mussolini
foi encontrar-se com o rei, o Grande Conselho informou II Duce
que o Marechal Badoglio tinha sido nomeado primeiro-minis-
tro e prendeu o ditador. Mussolini seria solto futuramente pelos
pára-quedistas ale.rpães, mas a habilidade do corpo supremo do
NOTAS

Partido Fascista Nacional de depor II Duce estava em grande


contraste com a inabilidade do Partido Nazista de livrar-se de
Hitler, para suplantar o princípio do Führer. Cf. KERSHAW, lan.
Hitler 1936-45: Nemesis. New York and London: W.W. Norton,
2000, pp.; 593-99.
20 Ver o capítulo "Losing All the Wars" in BOSWORTH, R.J.B.
Mussolini's Italy: Life under the Fascist Dictatorship 1915-1945.
London: Penguin Books, 2005.
21 GRIFFIN. Modernism and Fascism, p. 181.
22 KERSHAW, lan. Hitler. London: Penguin Books, 2009, p. 37.
23 KERSHAW, lan. The 'Hitler Myth': Image and Reality in the
Third Reich, p. 173.
24 BRACHER, Karl Dietrich. The German Dictatorship, p. 350.
25 KERSHAW. The 'Hitler Myth', p. 257.
26 GENTILE, Emilio. The Sacralization of Politics in Fascist Italy.
Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1996, pp. 132-36.
27 GENTILE, Emilio. The Struggle for Modernity: Nationalism,
Futurism, and Fascism. Westport, Conn. And London: Praeger
Publishers, 2003, p. 138.
28 BOSWORTH. Mussolini's Italy, p. 421.
29 HALFIN, Igal. From Darkness to Light: Class, Consciousness,
and Salvation in Revolutionary Russia. Pittsburg, Penn.: Univer-
sity of Pittsburg Press, 2000, pp. 156-57.
30 REE, Erik van. The Political Thought of Joseph Stalin - a Study
in Twentieth-Century Patriotism. London and New York: Rout-
ledge Curzon, 2002, pp. 160-62.
31 Gentile cita o catecismo fascista de 1939: "O DUCE, Benito Mus-
solini, é o criador do fascismo, o renovador da sociedade civil, o
Líder do povo italiano, o fundador do Império". ln GENTILE.
The Struggle for Modernity, pp. 137-38.
32 GORLIZKI, Yoram. MOMMSEN, Hans. The Political (Dis)or-
ders of Stalinismand National Socialism, in Beyond Totalitarian-
ism, ed. Geyer and Fitzpatrick, p. 85.
33 JOWII I, Kenneth. New World Disorder: The Leninist Extinc-
tion. Berkeley: University of California Press, 1992, p. 4.
34 BOSWORTH. Mussolini's Italy, p. 506. Na primeira transmissão
depois de seu retorno à Itália (18 de setembro de 1943), Mussoli-
ni anunciou que o novo estado seria "fascista de maneira que nos
leve de volta a nossas origens" .

379
O DIABO NA HISTÓRlA 1 VLADIMIR TISMANEANU

35 Citado em BURLEIGH, Michael. Political Religion and Social


Evil, Totalitarian Movements and Politial Religions 3, nº 2, out-
ono de 2002: 56.
36 NAIMARK, Norman. Stalin and the Question of Genocide,
in Political Violence: Belief, Behavior, and Legitimation, ed.
Paul Hollander. New York: Palgrave Macmillan, 2008, p. 47;
NAIMARK, Norman. Stalin's Genocides. Princeton, N.J.: Princ-
eton University Press, 2010.
37 KIERNAN, Ben. The Pol Pot Regime: Race, Power, and Genocide
in Cambodia under the Khmer Rouge, 1975-1979. New Haven,
Conn. and London: Yale University Press, 2002; TISMÃNEANU,
Vladimir. Stalinism for Ali Seasons: A Political History of Roma-
nian Communism. Berkeley: University of California Press, 2003.
38 FURET, François. The Passing of a Illusion, pp. 261 e 224.
39 RABINBACH, Anson. Introduction: Legacies of Antifascism, in
Legacies of Antifascism, coletânea, New German Critique 67, in-
verno de 1996: 14. Além dos artigos da edição especial da New
German Critique que citei nesta seção, dois outros geraram exce-
lente intelecção acerca do anti-fascismo da Alemanha de Weimar
e da Itália do pós-guerra: GRUNENBERG, Antonia. Dichoto-
mous Política/ Thought in Germany before 1933, e PAGGI, Leo-
nardo. Antifascism and the Reshaping of Democratic Consensus
in Post-1945 Italy, in Legacies of Antifascism, coletânea, New
German Critique 67, inverno de 1996.
40 DINER, Dan. GUNDERMAN, Christian. On the Ideology of
Anti(ascism, in Legacies of Antifascism, coletânea, New German
Critique 67, inverno de 1996: 123-32.
41 ELEY, Geoff. Legacies of Anti(ascism: Constructing ·Democracy
in Post-war Europe, in Legacies of Antifascism, coletânea, New
German Critique 67, inverno de 1996: 75 e 81.
42 Para um estudo iluminador deste tópico, ver NIKOVA, Ekater-
ina. Bulgarian Stalinism Revisited, in Stalinism Revisited: The
Establishment of Communist Regimes in East-Central Europe,
ed. Vladimir Tismãneanu. Budapeste and New York; CEU Press,
2009.
43 STOKES, Gale, ed. From Stalinism to Pluralism; A Documentary
History of Eastern Europe since 1945. New York and Oxford:
Oxford University Press, 1996, pp. 38-42.
44 KOtAKOWSKI. Main Currents, p. 885. Para o relato mais recen-
te do "debate de filosofia" e da ofensiva pós-1945 contra a ciên-
NOTAS

eia na URSS, ver POLLOCK, Ethan. Stalin and the Soviet Science
Wars. Princeton, N.J., and Oxford: Princeton University Press,
2006. Para o Jdanovismo (suas origens, natureza e impacto), ver
BOTERBLOEM, Kees. The Life and Times of Andrei Zhdanov,
1896-1 948. Montreal: McGill-Queen's University Press, 2004.
Boterbloem mostra como as guerras culturais de 1946-48 eram
um "ensaio geral" já em 1940 (pp. 210-13). Entre 1945 e 1947,
não houve nenhuma tentativa de Stálin liberalizar ou reformar o
regime (a despeito das expectativas da população e de sinais nes-
se sentido dentro do Politburo). Ao contrário, durante esses anos
houve continuidade com a situação do pré-guerra e uma radica-
lização notável por meio da reignição das políticas de expurgos.
Cf. PARRISH, Michael. The Lesser Terror; Soviet Sta te Securi-
ty, 1939-1953. New York: Prager, 1996; e GORLIZKI, Yoram.
KHLEVINIUK, Oleg. Cold Peace: Stalin and the Soviet Ruling
Circle, 1945-1953. Oxford: Oxford University Press, 2004.
45 APPLEBAUM, Anne. Gulag: A History. Anchor Books, 2003, pp.
436-37; e a recensão de Richard Ove!y deste livro: A World Built
on Slavery, Daily Telegraph, 20 de maio de 2003.
46 SNYDER. Bloodlands, p. 328.
47 Para uma narrativa eloqüente dos paradoxos e ciladas da esquer-
da anti-fascista européia no rescaldo da Segunda Guerra Mun-
dial, ver o romance de Simone de Beauvoir The Mandarins. New
York: W.W. Norton, 1991.
48 Citado em BLOOM, Alexander. Prodigal Sons: The New York
Intellectuals and Their World. New York: Oxford University
Press, 1986, p. 232.
49 Michael Burleigh chamou essa prática um ato de entregar-se ao
"utopismo indireto".
50 JUDT, Tony. Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-1956.
Berkely: California University Press, 1992, p. 75.
51 RABINBACH, Anson. Introduction, p. 17. Concordo com a repre-
ensão de Henri Rousso aos que consideram que o anti-fascismo
chegou a seu fim histórico e argumentam que não é relevante para
a análise da história recente. A ausência de um adversário identifi-
cável não evita o perigo da repetição ou sedução totalitária. Ter o
anti-fascismo e o anti-comunismo como facetas inerentes da cul-
tura européia é crucial para aprender com a húbris ideológica do
século passado e evitá-la. Rousso argumenta que "(para a posição)
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

de que o anti-fascismo continua a prosperar a despeito de seu alvo


ter desaparecido há mais de meio século, poderíamos responder
que o anti-comunismo se encontra numa situação idêntica hoje,
pois, embora não haja nenhum adversário real, há, no entanto, a
tentação de criar um de pano". ROUSSO, Henry. lntroduction:
The Legitimacy of an Empírica/ Comparison, in Stalinism and Na-
zism, p.5.
52 Cf. GAUCHET, Marcel. A l' épreuve des totalitarismes. Paris:
Gallimard, 2010.
53 MALIA, Martin. Foreword: The Uses ofAtrocity, in COURTOIS,
Stéphane. WERTH, Nicolas. PANNÉ, Jean-Louis. PACZKOWS-
KI, Andrzej. BARTOSEK, Karel. MARGOLIN, Jean-Louis. The
Black Book of Communism: Crimes, Terror, Repression, ed.
Mark Krames, trad. Jonatham Murphy. Cambridge, Mass.: Har-
vard University Press, 1999, p. 17. Courtois e vários colabora-
dores apresentaram uma continuação para Le Livre noir, Du pas-
sé nous faison table raise! Histoire et mémoire du communisme
en Europe. Paris: Laffont, 2002.
54 Para um tratamento perspicaz de despotismos ideológicos, ver
CHIROT, Daniel. Modern Tyrants: The Power and Prevalence of
Evil in Our Age. New York: Free Press, 1994. Examinei a relação
entre ideologia e terror nos regimes leninistas em meu livro The
Crisis of Marxist Ideology in Eastern Europe: The Poverty of
Utopia. London and New York: Routledge, 1988. O ensaio de
recensão de Daniel Chirot acerca do The Black Book pode ser
encontrado em East European Politics and Societies 14, nº 3, ou-
tono de 2000.
55 LENIN, V.I. The Proletarian Revolution and the Renegade
Kautsky. Beijing: Foreign Languages Press, 1972, p. 11.
56 VYSHINSKY citado em COURTOIS, Stéphane, in Crimes, Ter-
ror, Repression, sua conclusão a The Black Book of Communism.
Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1999, p. 750.
57 Para este argumento e a citação de Arendt, ver BURRIN, Philippe.
Political Religion: The Relevance of a Concept. History and
Memory 9, nº 1-2: 338.
58 KERSHAW, Ian. Hitler, the Germans, and the Final Solution. New
Haven, Conn., and London: Yale University Press, 2008; HERF,
Jeffrey. The ]ewish Enemy: Nazi Propaganda during World War
II and the Holocaust. Cambridge, Mass.: Harvard University
Press, 2006.
NOTAS

59 OISTEANU, Andrei. Inventing the Jew: Antisemitic Stereotypes


in Romanian and Other Central East European Cultures. Lin-
coln: University of Nebraska Press, 2009; GROSS, Jan T.T. Fear:
Anti-semitism in Poland after Auschwitz. New York: Random
House, 2006.
60 RESS, E.A. Political Thought from Machiavelli to Stalin Revolu-
tionary Machiavellism. NewYork: Palgrave MacMillan, 2004, p.
99.
61 DOSTOYEVSKI, Fyodor. Demons, trad. Richard Prevear e Lar-
issa Volokhonsky, intro. Joseph Frank. New York: Knopf, 2000.
Uma das personagens do romance se torna o símbolo de uma
mentalidade freqüentmente mencionada como shigalyovshchina,
descrita pelo notável pesquisador de Dostoiévski, Joseph Frank,
como "demagogia sócio-política e fingimento com uma tendência
de propor medidas extremas e soluções totais" (p. 72 7). Desne-
cessário acrescentar, para muitos críticos do bolchevismo, Lênin
era um expoente típico desta mentalidade.
62 RESS, E.A. Political Thought, p. 132.
63 GENTILE, Emilio. and MALLETT, Robert. The Sacralisation of
Politics, p. 52.
64 SCAMMELL, Michael. The Price of an Idea. New Republic, 20
de dezembro de 1999, p. 41.
65 Estou respondendo aqui a algumas observações feitas por Hiro-
aki Kuromiya em seu artigo de recensão "Communism and Ter-
ror", Journal of Contemporary History 36, nº 1, janeiro de 2001,
191-201. Considero que a conclusão dele de que "a questão do
terror permanecerá importante, será sem dúvida estudada ape-
nas como parte (senão parte central) de um episódio mais amplo
na história mundial" precisa de um caveat. O comunismo é de
fato parte de uma moldura mais ampla na história mundial, a da
ascensão do mal radical, em nosso tempo quando o homem cai
vítima da estatolatria (Luigi Sturzo), quando os fins substituem
quaisquer considerações acerca dos meios, quando os seres hu-
manos se tornam supérfluos. O comunismo de fato gerou conse-
qüências não produzidas por nenhuma outra revolução ou terror,
além do fascista. Este é um ponto convenientemente esquecido
em outras reações a O Livro Negro, como SUNY, Ronald Gri-
gor. Obituary or Autopsy? Historians Look at Russia/URSS in
the Short Twentieth Century, Kritika: Explorations in Russian
O DlABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

and Eurasian History 3, nº 2, primavera de 2002: 303-10; ou


ARONSON, Ronald. Communism's Posthumous Triai. History
and Theory 42, nº 2, maio de 2003: 222-45. Pode-se tentar situar
na mesma categoria o genocídio em Ruanda e na Ucrânia (como
faz Aronson), apenas em razão de uma polaridade maniqueís-
ta capitalismo versus comunismo, mas isso dificilmente produz
conhecimento. Pode-se argumentar acerca do terror como um
epifenômeno de circunstâncias históricas específicas (guerra civil,
fome, ofensiva capitalista, etc., como faz Suny), mas a natureza
criminosa do regime soviético pôs-se à mostra desde seu início
(e.g., na Constituição de 1918 da RFSR).
66 JUDT, Tony. The Longest Road to Hell. New York Times, 12 de
dezembro de 1997, A27.
67 Ver RIGOULOT e YANNAKAKIS. Un pavé dans l' histoire.
68 Conversa pessoal com Annette Wieviorka, Washington, D.C., 13
de novembro de 2010. Também discuti ampl~mente essas ques-
tões com Stephane Courtois em Sighet, Romênia, Escola de Verão
sobre "Memória do Comunismo", junho de 2009.
69 SNYDER. Bloodlands, pp. 402 e 406.
70 KERSHAW, Hitler 1936-45, p. 462.
71 BROWNING, Christopher R. SIEGELBAUM, Lewis H. Frame-
work for Social Engineering. Stalinist Schema of Identification
and the Nazi Volksgemeinschaft in Beyond Totalitarianism, ed.
Geyer and Fitzpatrick, p. 262.
72 HALFIN, Igal. Intimacy in an Ideological Key: The Communist
·case of 1920s and 1930s, in Language and Revolution: Making
Modern Política/ Identities, ed. lgal Halfin. London: Frank Cass
Publishers, 2002, p. 175.
73 Cf. ]UDT, Tony. The Longest Road to Hell. Amir Weiner também
faz uma excelente observação acerca dessa questão: " Quando os
sucessores de Stálin abriram os portões do Gulag, permitiram
que 3 mihões de presos voltassem para casa. Quando os Aliados
libertaram os mortais campos de concentração nazistas, encon-
traram milhares de esqueletos humanos vivos esperando o que
pensavam ser a execução inevitável". Ver a recensão de Amir
Weiner do Black Book of Communism in Jornal of Interdisci-
plinary History 32, nº 2, inverno de 2002: 450-52.
74 KERSHAW, lan. Refiection on Genocide and Modernity, in ln
God's Name: Genocide and Religion in the Twentieth Century,
ed. Omer Bartov and Phyllis Mack. Oxford: Berghahn, 2001, pp.
381-82.
NOTAS

75 KERSHAW. Hitler 1936-45, p. 470.


76 COURTOIS, Stéphane. Introduction: The Crimes of Commu-
nism, in The Black Book, p.23.
77 HERF, Jeffrey. Unjustifiable Means. Washington Post, 23 de ja-
neiro de 2000, pp. X09. Herf, entretanto, acrescenta um caveat
importante a seu argumento (algo enfatizado por outros pesqui-
sadores ao discutirem o Livro Negro): os crimes do comunismo
foram um foco constante de estudo e de discurso oficial durante a
Guerra Fria, ao passo que o Holocausto preocupou intensamente
a academia e o público apenas depois dos anos de 1970.
78 SCAMMELL. The Price of an Idea, p. 41.
79 "Declaração de Vilnius da assembléia parlamentar OSCE e re-
soluções adotadas na 18ª sessão anual" (Vilnius, 20 de junho
a 3 de julho de 2009), http://www.oscepa.org/images/stories/
documents/activities/I.Annual %20Session/2009_Vilnius/Final_
Vilnius_Declaration_ENG.pdf. A Declaração de Praga e a Re-
solução OSCE não são singulares. Outros documentos oficiais,
pan-europeus ou transatlânticos foram feitos para condenar a
criminalidade do comunismo e stalinismo, seguindo o exemplo
da criminalização do fascismo e nazismo, por exemplo, a reso-
lução do Parlamento europeu acerca da consciência européia e
totalitarismo ou a co~strução do Memorial das Vítimas do Co-
munismo em Washington, D.C. Este monumento foi inaugurado
pelo Presidente George W. Bush na terça-feira, 12 de junho de
2007. 12 de junho foi escolhido porque foi o vigésimo aniversá-
rio do famoso discurso do Portão de Brandenburgo do Presidente
Ronald Reagan. Ver http://www.globalmuseumcommunism.org/
voe.
80 Citado em DEAN, Carolyn J. Recent French Discourses on
Stalinism, Nazism and "Exorbitant" ]ewish Memory. History
and Memory 18, nº 1, primavera-verão de 2006: 43-85. Embora
eu discorde das conclusões de Carolyn Dean quanto a autores
como Furet, Courtois, Besançon e Todorov, acho que a apresen-
tação pormenorizada que ela faz do debate francês atual acerca
"de qual é pior, comunismo ou nazismo" mostra a falácia intrín-
seca de tal argumentação: é um beco-sem-saída, pois qualquer
resolução do tópico será sempre partidária.
81 Ibid., p. 73.
82 Para análise recente do destino do Black Book of Nazi Crimes
against the Soviet ]ews, ver WEINER, Amir. Making Sense
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

of War: The Second World War and the Fate of the Bolshevik
Revolution. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2001; e
BRENT,Jonathan. NAUMOV, Vladimir. Stalin's Last Crime: The
Plot against the ]ewish Doctors. New York: HarperCollins, 2003.
83 HALFIN, Igal. lntroduction, in Language and Revolution: Mak-
ing Modern Political Identities, ed. Igal Halfin. London: Frank
Case Publishers, 2002, p. 6.
84 GERLACH, Christian. WERTH, Nicolas. State Violence - Vio-
lent Societies, in Beyond Totalitarianism, ed. Geyer and Fitspat-
rick, p. 213.
85 WEITZ, Eric D. On Certainties and Ambivalences: Reply to My
Critics. Slavic Review 61, nº 1, primavera de 2002: 63. Ver ou-
tras contribuições a este debate despertadas pelo artigo inicial
de Weitz: WEITZ, Eric D.Racial Politics without the Concept
of Race: Reevaluating Ethnic and National Purges. Slavic Re-
view 61, nº 1, primavera de 2002: 1-29. Ele recebeu respostas
de HIRSCH, Francine. Race without the Practice of Racial Poli-
tics, Slavic Review 61, nº 1, primavera de 2002: 30-43; WEINER,
Amir Nothing but Certainty. Slavic Review, vol. 6, nº 1, prima-
vera de 2002: 44-53; e LEMON, Alaina. Without a "Concept"?
Race as Discursive Practice. Slavic Review, vol 61, nº 1, primave-
ra de 2002: 54-61. Peter Fritzsche apresentou, mais tarde, respos-
tas interessantes à proposta de Weitz em Genocide and Global
Discourse. German History 23, nº 1, 2005: 96-111.
86 HALFIN. Introduction, in Language and Revolution, p. 5.
87 ALEXOPOULOS, Golfo. Soviet Citizenship, More or Less Rights,
Emotions, and States of Civic Belonging. Kritika: Explorations in
Russian and Eurasian History 7, nº 3, verão de 2006: 487-528;
e ALEXOPOULOS, Golfo. Stalin's Outcasts: Aliens, Citizens,
and the Soviet State, 1926-1936. Ithaca, N.Y.: Cornell University
Press, 2003. A pesquisa de Alexopoulos leva-nos a uma conclu-
são similar à de Jowitt: "A prática de dar e tomar direitos para
propósitos politicos produziu uma sociedade altamente fragmen-
tada onde os indivíduos experimentaram estados diferentes e
instáveis de pertencimento cívico" (p. 490). Similarmente, Jowitt
argumentava que "a questão crítica que confrontava os regimes
leninistas era a cidadania. A individuação política de uma cida-
dania potencial tratada com desprezo por uma organização polí-
tica leninista de inclusão (não democrática), neo-tradicional (não
NOTAS

modernizada) foi a causa do colapso leninista". JOWITI, Ken.


Weber, Trotsky and Holmes on the Study of Leninist Regimes.
Journal of International Affairs, 2001: 44.
88 ALEXOPOULOS, Golfo. Soviet Citizenship, p. 521. Deve-se no-
tar aqui que Alexopoulos faz esta afirmação em concordância
com a tese de racialização de Weitz.
89 A convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do
Crime de Genocídio apresenta a seguinte definição: "Genocídio
significa qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção
de destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico, racial ou re-
ligioso, como tais: a) matar membros do grupo; b) causar dano
sério corporal ou mental aos membros do grupo; c) infligir deli-
beradamente no grupo condições de vida calculadas para provo-
car sua destruição física no todo ou em parte; d) impor medidas
destinadas a evitar nascimentos dentro do grupo; e) transferir à
força crianças do grupo para outro grupo".
90 KOTKIN, Stephen. The Magnetic Mountain. Berkeley: University
of California Press, 1995, p. 17.
91 BARTOV, Omer. Extreme Opinions. Kritika: Explorations in Rus-
sian and Eurasian History 3. nº 2, primavera de 2002: 281-302.
92 HALFIN, lgal. Intimacy in an Ideologal Key, p. 175.
93 Ambas as citações são de PRIESTIAND, David. Stalinism and
the Politics of Mobilization: Ideas, Power, and Terror in In-
ter-War Russia. Oxford and New York: Oxford University Press,
2007, pp. 397-98 e 388.
94 Para o papel de excisão na política populacional soviética, ver
WEINER, Amir. Nature, Nurture, and Memory in a Socialist
Utopia: Delineating the Soviet Socio-Ethnic Body in the Age of
Socialism. American Historical Review 104, nº 4, outubro de
1999: 1114-55.
95 LIEBICH, Andre. From the Other Shore; Russian Social Democ-
racy after 1921. Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1997.
96 SCAMMELL, Michael. The Price of an Idea, p. 41.
97 GRIFFIN. Modernism and Fascism, pp. 332-33. Ver também
TRAVERSO, Enzo. The Origins of Nazi Violence. London: New
Press, 2003, pp. 136 and 144.
98 WERTH, Nicolas. Strategies of Violence in the Stalinist USSR,
in Stalinism and Nazism: History and Memory Compared, ed.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Henry Rousso, edição inglesa e introdução de Richard J. Golsan,


trad. Lucy B. Golsan, Thomas C. Hilde e Peter S. Rogers. Lincoln
and London: University of Nebraska Press, 2004, p. 90. Como
apontado por Werth, Overy, Martin e Applebaum, decisões legais
com o artigo 58-10 do Código Penal Soviético, a Lei de roubo de
1947, as instruções de 1933 acrescentando à resolução do TsIK
de 1924 existente concernente aos elementos sotsvredbye (social-
mente prejudiciais). Os decretos da NKVD 00447 e 00485, etc.
geraram uma série de critérios para criminalizar seções cada vez
mais amplas da sociedade soviética.
99 Ambas as citações provêm de DINER, Dan. Cataclysms: A His-
tory of the Twentieth Century from Europe's Edge. Madison:
University of Wisconsin Press, 2007, p. 185. Para sua discussão
do papel do trabalho forçado sob o comunismo soviético ver pp.
191-193.
100 OVERY, Richard. The Dictators: Hitler's Germany and Stalin's
Russia. London and New York: Penguin Books, 2005, p. 595.
101 DIMITROV, Georgi. The Diary of Georgi Dimitrov, 1943-1949,
ed. Ivo Banac. New Haven, Conn.: Yale Univerity Press, 2003, p.
65.
102 Para discussões acerca da "subjetividade soviética", ver HAL-
FIN, Igal. Intimacy in an Ideological Key, e HELLBECK, Jochen,
in Language and Revolution, ed. Igor Halfin, pp. 114-35. Ver
também HELLBECK, Jochen. Speaking Out: Language and Af-
firmation and Dissent in Stalinist Russia. Kritika: Explorations
in Russian and Eurasian History 1, nº 1, inverno de 2000: 71-
96; e HALFIN, lgal. Between Instinct and Mind: The Bolshevik
View of the Proletarian Self. Slavic Review 62, nº 1, primavera
de 2003: 34-40. Para uma crítica do tratamento, ver ÉRKIND,
Aleksandr. Soviet Subjectivity: Torture for the Sake of Salvation?.
Kritika: Explorations in Russian and Eurasian History 6, nº 1,
inverno de 2005: 171-86.
103 Citado in PRIESTLAND, David. Stalinism and The Politics of
Mobilization, p. 293.
104 GENTILE. The Sacralization of Politics, p. 94.
105 Para este ponto, ver OVERY, Richard. The Dictators, p. 633.
106 HALFIN, Igal. Introduction, p. 14.
107 FIGES, Orlando. The Whisperers: Private Life in Stalin's Russia.
New York: Metropolitan Books, 2007, p. 116.
NOTAS

108 DINER, Dan. Cataclysms, pp. 192-93. Um comentário colateral


desta discussão poderia ser uma advertência de que, num sistema
comunista, o sentido e o significado do trabalho forçado deve-
riam ser explicados, partindo da terminologia marxista. De acor-
do com Marx, o trabalho era "o agregado daquelas capacidades
mentais e físicas que um ser humano exerce sempre que produz" .
TUCKER, Robert C., ed. The Marx-Engels Reader, 2ª ed. New
York and London: W.W. Norton, p. 309. Portanto, o trabalho
forçado no Gulag representava um método de exaurir os indiví-
duos, de apropriação total do eu. Os zeks eram seres humanos
gastos. Esta é talvez uma das lições cruciais oferecidas por auto-
res como Alexander Soljenítsin, Nadejda Mandelstam e Variam
Shalamov. Para a natureza liminar da experiência de Gulag, o
que o filósofo alemão Karl Jaspers definiu como Grenzsituatio-
nen (situações-limite), e a impossibilidade de comunicá-lo, ver os
capítulos "Return" e "Memory" in FIGES. The Whisperers, pp.
535-656.
109 Depois de 1945, o Gulag passou a fundir-se cada vez mais com
a economia civil, que estava sendo transformada num "vasto
império industrial" (nas palavras de Figes). Tornou-se também
cada vez menos manejável, e as conseqüências da "cultura dos
campos de concentração" aprofundavam seu potencial de "con-
taminação". Com a morte de Stálin, mas também antes, o Gulag
foi abalado seriamente por grandes levantes, como o de Norilsk.
Para uma breve história deste último, ver Figes, The Whisperers,
pp. 529-34.
110 OVERY. The Dictators, p. 643.
111 WERTH. Stalin System during the 1930s, in Stalinism and Na-
zism, ed. Henri Rousso, pp. 74-75. Nesta contribuição, Werth
identifica quatro tipos de violências inter-relacionadas em Stálin:
"A primeira surgiu da paranóia de um ditador construindo seu
próprio culto contra os 'camaradas em armas' [... ]; terror diri-
gido aos quadros do Partido e econômicos [... ]; criminalização
virtual do comportamento diário ou dos cidadãos 'comuns' [... ];
violência exercida contra vários dos grupos étnicos não-russos".
Esta regra de arbitrariedade por amor da estatização da Utopia é
muito bem sumariada por Dan Diner na seguinte afirmação: "No
apogeu do stalinismo, o despotismo e o medo eram o elixir do
governo". Cataclysms, p. 191.
O DlABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

112 SNYDER, Timothy. Holocaust: The lgnored Reality. New York


Review of Books 56, nº 12, 16 de julho de 2009, http://www.
nybooks.com/articles/22875.
113 Ibid.
114 SNYDER. Bloodlands, p. 406.
115 FRITZSCHE, Peter. On Being the Subjects of History: Nazis as
Twentieth Center Revolutionaries, in Language and Revolution,
ed. Igal Halfin, p. 151.
116 NAIMARK, Norman. Totalitarian States and the History of
Genocide. Telos 136, outono de 2006: 14. Em seu ensaio, Nai-
mark enfatiza o fato de que o autor do conceito, Raphael Lemkin,
"estava convencido de que a comunidade deveria montar urna
iniciativa legal contra estados que atacassem povos, grupos reli-
giosos, minorias raciais e grupos políticos isolados" {p. 15). Ade-
mais, "todos os esboços iniciais da Convenção de Genocídio, in-
cluindo o esboço inicial do Secretariado da ONU, feito em maio
de 194 7, incluíam grupos políticos em sua definição. Os soviéti-
cos, os poloneses, e mesmo alguns membros não-comunistas dos
comitês da comissão de redação objetaram" (p.17).
117 DINER, Dan. Cataclysms, p. 90.
118 Souvarine (algumas vezes escrito Suvarin}, citado em The Black
Book, 296.
119 Ver seu profundo livro Le malheur du siecle. Sur le communisme,
le nazisme et l' unicité de la . Paris: Fayard, 1998.
120 BARTOV. Extreme Opinions, p. 287.
121 Estou parafraseando Bartov. Ele faz um retrato digno de louvor
da mente dogmática: "Tem-se de mentir flagrante e persistente-
mente a si mesmo e para a sociedade para tornar palatável o
bolchevismo". Ibid, p. 286.
122 DINER, Dan. Remembrance and Knowledge: Nationalism and
Stalinism in Comparative Discourse, in The Lesser Evil: Moral
Approaches to Genocide Practices, ed. Helmut Dubiel e Gabriel
Motzkin. New York and London: Routledge, 2004, pp. 86-87.
123 Para uma excelente discussão das diferenças entre o Gulag e o
Holocausto e o processo pelo qual a memórica deste foi sacra-
lizada, ver MOTZKIN, Gabriel. The Memory of Crimes and
the Formations of Identity, in The Lesser Evil, ed. Dubiel and
Motzkin.

390
NOTAS

124 DUBIEL, Helmut. The Remebrance of the Holocaust as a Cata-


lyst for a Transnational Ethnic?, in Taboo, Trauma, Holocaust,
coletânea, New German Critique 90, outono de 2003: 59-70.
125 Cf. POMIAN, Krzystof. Communisme et nazisme: Les tragédies
du siecle. L'Histoire, julho-agosto de 1998: 100-105. Para uma
visão similar, ver a recensão de Michael Scammell de O Livro Ne-
gro. Em sua recensão, Scammel nota que, na edição Americana,
alguns capítulos não têm bibliografias. Na verdade, ao menos no
capítulo dedicado à Europa Central e Europa do sudeste, escrita
por Karel Bartosek, a edição francesa incluiu uma lista de outras
leituras, a qual foi estranhamente apagada da tradução america-
na. Na verdade, um de meus livros publicados em romeno, em
1996, foi mencionado na bibligrafia de Bartosek (Fantoma /ui
Gheorghiu-Dej. Bucareste, 1995).
126 GAY, Peter. Freud, Jews and Other Germans: Masters and Vic-
tims in Modernist Cultures. New York: Oxford University Press,
1978. Ele define assim a trivialização comparativa: "Em seu cora-
ção está o mecanismo de reconhecer as atrocidades nazistas, mas,
na verdade, 'humanizando-as', ao apontar, de maneira indignada,
para os crimes cometidos por outros -crimes supostamente tão
ferozes quanto os perpetrados no Terceiro Reich [... ] sua função
histórica é cobrir o horror especial da barbaridade alemã entre
1933 e 1945, e divertir a atenção do estudo do próprio barbaris-
mo- ou seja, seu contexto alemão" (pp. 11-14).
127 Citado por Stéphane Courtois em sua conclusão a The Black
Book, p. 751.
128 Não compartilho da visão do filósofo Avishai Margalit de que as
premissas ideológicas do comunismo, universalistas e humanas,
ao menos nos textos marxistas, tornariam imprecisa a aplicação
do conceito de mal radical. Mas a análise de Margalit das dife-
renças entre os compromissos oportunistas e os com princípio
permanece utilmente iluminadora. Ver seu livro On Compromise
and Rotten Compromises. Princeton, NJ.: Princeton University
Pres, 2010.
129 BESANÇON, Alain. Mémoire et oubli du communisme. Com-
mentaire, nº 80, inverno de 1997-98: 789-93. O ensaio foi tra-
duzido como Forgotten Communism in American Journal Com-
mentary 105. nº 1, janeiro de 1998: 24-2.
130 BARTOV, Omer. Extreme Opinionn, p. 295.

391
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

131 CLARK, Katerina. Petesburg: Crucible of Cultural Revolution.


Cambridge, Mas.: Harvard University Press, 1995, pp. 2-3.
132 MALIA, Martin. Foreword, in The Black Book, ed. Stéphane
Courtois, p. 20.
133 KERSHAW, lan. The Nazi Dictatorship- Problems and Perspec-
tives of Interpretation, 4ª ed. London: Arnold Publishers, 2000,
pp. 36-38.
134 OLIVIER, Lawrence. Canadian ]ournal of Political Sâence. Re-
vue canadienne de science politique 33, nº 2, junho de 2000: p.
399.
135 SUNY, Ronald Grigor. Obituary or Autopsy?, p. 319.
136 Igal Halfin lista as categorias definidas pelo Capítulo 13 da De-
claração: "1) As assim chamadas ex-pessoas (byvshie liudi) -
principalmente funcionários religiosos e empregados da política
e milícia tsarista; 2) as classes estranhas - proprietários de ter-
ra, indivíduos que vivem às custas de renda não adquiridas pelo
trabalho, exploradores, comerciantes privados; 3) exilados ad-
ministrativos ou indivíduos que tiveram seus direitos suspensos
por uma corte; 4) indivíduos economicamente dependentes dos
listados previamente; e 5) os doentes mentais". Não é difícil ver
como essas categorias não podiam subir até a dimensão de uma
guerra total contra a sociedade, como discutido acima. Ver HAL-
FIN, lgal. From Darkness to Light: Class, Consciousness, and
Salvation in Revolutionary Russia. Pittsburgh, Penn.: University
of Pittsburgh Press, 2000. É claro, Suny poderia argumentar que
este documento concorda com o princípio de que "alguns ome-
letes valem os ovos quebrados, mas, como sabe todo o mundo
que faz um café da manhã, primeiro tem-se de estar certo de que
todos os ingredientes estão disponíveis e lembrar-se de que os
ovos devem ser quebrados delicadamente, não esmigalhados de
tal forma que as gemas, as claras, e as cascas sejam cozidas jun-
tamente" (Obituary, p. 318).
137 JUDT, Tony. The Longest Road to He/l, p. A 27.
138 BARTOV, Omer. Extreme Opinions, p. 295.
139 GENTILE, Emílio. MALLETI, Robert. The Sacralisation of Poli-
tics: Definitions, Interpretations and Reflections on the Question
of Secular Religion and Totalitarianism.Totalitarian Movements
and Political Religions 1, nº 1, 2000, p. 52.

392
NOTAS

140 A meu ver, a melhor análise das origens intelectuais e transmog-


rificações do comunismo e fascismo continua a ser o livro de
TALMON, Jacob L. Myth of the Nation and Vision of the Rev-
olution Ideologia/ Polarizations in the Twentieth Century. New
Brunswick, N.J. and London: Transaction, 1991, com nova intro-
dução de Irving Louis Horowitz (publicado originalmente pela
University of California Press em 1981).
141 EVANS. The Coming, p. 324.
142 GRIFFIN. Modernism and Fascism, pp. 220 e 240.
143 SNYDER. Bloodlands, p. 65.
144 The Black Book, p. 755.
145 Cf. WEBER. Revolution?, p. 43.

2. A pedagogia diabólica e a (i)lógica do stalinismo


1 ZIZEK, Slavoj. ln Defense of Lost Causes. London and New
York: Verso, 2008, pp. 211-63.
2 Poder-se-ia argumentar, entretanto, que as atividades da Corte
Popular na Alemanha nazista no contexto da derrota óbvia na
guerra chegaram muito perto dos processos-espetáculo soviéti-
cos. Esta instituição funcionou similarmente às cortes de Stálin
durante o Grande Terror quando julgou o grupo dirigido por
Claus Schenk Graf von Stauffenberg, que tentou assassinar Hitler
em julho de 1944 numa tentativa fracassada, conhecida comu-
mente como Operação Valquíria. Ver MOMMSEN, Hans. Ger-
mans against Hitler: The Stauffenberg Plot and Resistance under
the Third Reich. London, 2009.
3 KERSHAW, lan. Hitler, the Germans, and the Final Solution.
New Haven, Conn., and London: Yale University Press, 2008, p.
400.
4 Para uma das interpretações mais profundas e ainda válidas da
dinâmica do bloco soviético, ver BRZEZINSKI, Zbigniew. The
Soviet Bloc: Unity and ConfUct. Cambridge, Mas.: Harvard Uni-
versity Press, 1967.
5 Para uma discussão pormenorizada, ver TISMÃNEANU, Vladi-
mir. The Crisis of Marxist Ideology in Eastern Europe: The Pov-
erty of Utopia. London and New York: Routledge, 1988.
6 LEFORT, Claude. The Poliitical Forms of Modern Society: Bu-
reaucracy, Democracy, Totalitarianism, ed. John B. Thompson.
Cambridge: Polity Press, 1986, p. 299.

393
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

7 URBAN, G.R., ed. Stalinism - Its Impact on Russia and the


World. London: Maurice Temple Smith, 1982, pp. 103-104.
8 FLEMING, John V. The Anti-Communist Manifestos: Four
Books that Shaped the Cold War. New York and London: W.W.
Norton, 2009, pp. 21-95.
9 GETTY, J. Arch. NAUMOV, Oleg V. The Roads to Terror; Stalin
and the Self-Destruction of the Bolsheviks, 1932-1939. New Ha-
ven, Conn., and London: Yale University Press, 1999, p. 527.
10 Para "Testamento de Lênin" (suas cartas ao Congresso do Par-
tido), ver SERVICE, Robe.rt. Lenin: A Biography. Cambridge:
Belknap Pres, 2000, pp. 464-80.
11 TUCKER, Robert C. The Soviet Political Mind: Stalinism and
Post-Stalin Change, rev. ed. New York and Wildwood House:
Oxford Univeristy Pres, 1973, p. 378.
12 GETTY. NAUMOV. The Road to Terror, pp. 556-60.
13 COHEN, Stephen F. Bukharin and the Bolshevick Revolution:
A Political Biography, 1888-1938. New York and Wildwood
House: Oxford University Press, 1973, p. 378.
14 TUCKER. The Soviet Política/ Mind, pp. 83-85.
15 COHEN. Bukharin, pp. 370-71.
16 Numa conversa com Lev Kamenev (11 de julho de 1928) publi-
cada mais tarde no exterior pelos trotskistas, declarou Bukharin:
"Stálin conhece apenas a vingança. Temos de lembrar-nos de sua
teoria da doce vingança". De acordo com Tucker: "Isto era uma
referência a algo que Stálin dissera numa noite de verão de 1923
a Lamenev e Szerzhinsky: ''Escolher a vítima, preparar os planos
minuciosamente, saciar uma vingança implacável, e então ir para
cama [... ]. Não há nada mais doce no mundo". TUCKER. The
Soviet Política/ Mind, p. 57.
17 Cf. TISMÃNEANU, Vladimir. Suicide within the Top Nomenkla-
tura: The Case of Mirei Costea. Studies and Materiais of Contem-
porary History, Academia Românã. Institutul de Istorie "Nicolae
lorga'', n.s., vols. 9-10, pp. 138-153 [em romeno com sumário
em inglês]. Assim que obtive os documentos acima, publiquei em
meu blog pessoal um pequeno artigo acerca da tragédia de Cos-
tea. Logo depois, uma das filhas dele entrou em contato comigo,
Dana Silvan, que vive em Israel. Escreveu-me que nem ela nem
a irmã dela (hoje vivendo nos Estados Unidos) tinham nenhuma
idéia de que o pai tivesse deixado aquela mensagem para elas. A

394
NOTAS

interpretação dela é que, ao enfatizar a lealdade dele ao partido,


Costea estava de fato protegendo a esposa e as filhas. Para o sen-
tido do caso Pãtr~canu, ver meu livro Stalinism for Ali Seasons:
A Political History of Romanian Communism. Berkeley: Univer-
sity of California Press, 2003.
18 POLLOCK, Ethan. Stalin as the Coryphaeus of Science, in Stalin:
A New History, ed. Sarah Davies and James Harris. Cambridge:
Cambridge University Press, 2005, p. 272. Acrescenta antes da
citação acima: "Em vez de revelar motivos ulteriores por trás das
ações de Stálin, documentos ultra-secretos estão saturados da
mesma linguagem, categorias e moldes marxista-leninistas para
a compreensão do mundo que apareceu no discurso público".
Em Times Literary Supplement (29 de janeiro de 2000), Geoffrey
Hosking fez uma observação similar com referência ao dogma
marxista-leninista que tudo penetra: "Mesmo quando escreviam
uns aos outros em privado, empregavam a mesma linguagem e
articulavam os mesmos pensamentos como em suas expressões
públicas".
19 KOTKIN, Stephen. The Magnetic Mountain. Berkeley: University
of California Press, 1995, pp. 225-37; KOTKIN, Stephen. 1991
and the Russian Revolution: Sources, Conceptual Categories, An-
alytical Frameworks. Journal of Modern History 70, nº 2, junho
de 1998: 384-425; e The State-ls It Us? Memoirs, Archives, and
Kremlinologists. Russian Review 61, janeiro de 2002: 35-51.
20 De acordo com Stálin, o apoio incondicional à URSS e a solida-
riedade incondicional a ela, a pátria do socialismo, foi a pedra de
toque do internacionalismo proletário. A teoria foi empregada
para justificar a persecução e a eliminação eventual de todos os
comunistas e outros esquerdistas que expressassem a menor re-
serva quanto à linha geral soviética tal como codificada pelo líder
e por seus associados. Para a repressão do quadro do aparato da
Terceira Internacional na URSS, ver CHASE, William J. Enemies
within the Gates? The Comintern and the Stalinist Repression,
1934-1939. New Haven, Conn., and London: Yale University
Press, 2001.
21 GRIFFIN, Roger. Modernism and Fascism: The Sense of Begin-
ning under Mussolini and Hitler. London and New York: Pal-
grave Macmillan, 2007, p. 274.

395
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

22 Para as utopias de engenharia social no século XX, ver SCOTI,


James C. Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve
the Human Condition Have Failed. New Havem, Conn., and
London: Yale University Press, 1998.
23 DAWISHA, Karen. Communism as a Lived System of Ideas in
Contemporary Russia. East European Politics and Societies 19,
nº 3, verão de 2005: 463-93.
24 A formulação inicial destas linhas veio de SETON-WARSON,
Hugh. The East European Revolution. New York: Praeger, 1951.
Kenneth Jowitt acrescentou cerne assim conceptual corno com-
parativo a esta idéia em seus vários artigos e livros ao longo dos
anos, primeiro em sua tese de PhD, Revolutionary Breakthrough
and National Development: The Case of Romania, 1944-1965.
Berkely: University of California Press, 1971. É claro, para a
União Soviética, Stephen Kotkin e mais tarde Amir Weiner, com
seu Making Sense of War: The Second World War and the Fate
of the Bolshevick Revolution. Princeton, N.J.: Princeton Univer-
sity Press, 2001, são talvez os mais importantes advogados dessa
idéia.
25 Estou parafraseando aqui a teoria de Mary Fullbrooks do estado
"polvo" (em oposição à conceptualização piramidal dos regimes
de tipo soviético). Ver FULLBROOK, Mary. Reckoning with the
Past: Heroes, Victims, and Villains in the History of the German
Democratic Republic, in Rewriting the German past- History
and Identity in the New Gemany, ed. Reinhard Alter and Peter
Monteath. Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1997, pp.
175-96; FULLBROOK, Mary. The People's State: East German
Society from Hitler to Honecker. New Haven, Con., and Lon-
don: Yale University Press, 2005.
26 Citado em FURET, François. The Passing of an Ilusion: The Idea
of Communism in the Twentieth Century, trad. Deborah Furet.
Chicago: University of Chicago Press, 1999, p. 541.
2 7 REES, E.A. The Sovietization of Eastern Europe, in The Sovi-
etization of Eastern Europe: New Perspectives on the Postwar
Period, ed. Balázs Apor, Péter Apor, and E.A. Rees. Washington,
D.C.: New Academia Publising, 2008, p. 13.
28 JOWI 11, Kenneth. New World Disorder: The Leninist Extinc-
tion. Berkeley and Los Angeles: University of California Press,
1992, pp. 1-12.
NOTAS

29 COHN, Norman. The Pursuit of the Milennium: Revolutionary


Messianism in Medieval and Reformation Europe and Its Bear-
ing on Modern Totalitarian Movements. New York: Harper and
Row, 1961; KOESTLER, Arthur. The Invisible Writing. London:
Macmillan, 1969.
30 WAT,Aleksander. My Century, prefácio de Czeslaw Milosz. New
York: New York Review of Books, 1988, p. 92.
31 LUKÁCS, Georg. The Destruction of Reason. Atlantic Highlands,
N.J.: Humanities Press International, 1981. Acerca de Lukács,
ver KOtAKOWSKI, Leszek. Mains Currents of Marxism: The
Founders, the Golden Age, and Breakdown, trae. P. S. Falla. New
York: WW. Norton, 2005, pp. 989-1032. Permanece perturbador
que as abdicações de Lukács entre 1929 e 1953 tenham sido tra-
tadas com leniência por autores que parecem menos inclinados a
esquecer o idílio não menos ultrajante de Heidegger com o nacio-
nal-socialismo.
32 HELLBECK, Jochen. Fashioning the Stalinist Sou/, in Stalinism:
New Directions, ed. Sheila Fitzpatrick. London and New York:
Routledge, 2000, p. 111. Ver também Working, Struggling, Be-
coming: Stalin-Era Autobiographical Texts, Russian Review, nº
50, julho de 2001: 340-59.
33 HELLBECK, Jochen. Re'L!olution on My Mind: Writing a Diary
under Stalin. Cambridge: Harvard University Press, 2006, pp. 13-
14. Ver também HALFIN, lgal. Good and Evi/ in Communism, in
Terror in My Sou/: Communist Autobiographies on Triai. Cam-
bridge, Mass.: Harvard University Press, 2003. Esta identificação
subjetiva de vítimas com o sistema foi muito diferente na Ale-
manha nazista, onde um diarista como Victor Klemperer man-
tinha uma lucidez ferida. Ver KLEMPERER, Victor. I Will Bear
Witness: A Diary of Nazi Years, 1933-1941. New York: Random
House, 1998; e I Wil/ Bear Witness: A Diary of the Nazi Years,
1942-1945. New York: Random House, 1999.
34 FEHÉR, Perene. HELLER, Agnes. Eastern Left, Western Left:
Totalitarianism, Freedom, and Democracy. Atlantic Highlands,
N.J.: Humanities Press International, 1987, pp. 265-66.
35 GOULDNER, Alvin W. Against Fragmentation: The Origins of
Marxism and the Sociology of lntellectuals. New York: Oxford
University Press, 1985, pp. 260-61.

397
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TI SMANEANU

36 Ver os dois livros de memórias de Koestler: KOESTLER, Arthur.


Arrow in the Blue. New York and London: Macmillan Collins,
1952; e The Invisible Writing: The Second Volume of an Autobi-
ography: 1932-40. New York: Macmillan, 1954.
37 TUCKER. The Soviet Political Mind, pp. 31and36.
38 COHEN. Bukharin, p. 268.
39 MARGOLIUS, Ivan. Re'fl.ections of Prague: ]ourneys through the
Twentieth Century. London: Wiley, 2006, p. 153.
40 Ibid. p. 193.
41 Ibid., pp. 220-21.
42 Ibid. pp. 226-27. Ver também LOEBL, Eugen. My Mind on Triai.
New York and London: Harcourt Brace Jovanich, 1976.
43 LAZITCH, Branko em colaboração com DRACHKOVITCH,
Milorad M. Biographical Dictionary of the Comintern. Stanford,
Calif: Hoover lnstitution Press, 1986, p. 135.
44 SEMPRUN, Jorge. Communism in Spain in the Franco Era: The
Autobiography of Federico Sánchez. Brighton: Harvester Press,
1979, pp. 3-22.
45 Em razão de espaço, não posso aprofundar-me neste capítulo
tanto quanto gostaria em outras maquinações na Europa Orien-
tal. Quero enfatizar que houve casos em que os réus (comunis-
tas ou não-comunistas) resistiram à tortura psicológica e física
e se recusaram a endossar os roteiros stalinistas através de suas
confissões. Zavis Kálándra, mencionado em uma das epígrafes
deste capítulo, foi um poeta surrealista checo que condenou os
processos-espetáculo de Moscou, se envolveu numa resistência
anti-fascista e passou os anos de guerra em campos de concentra-
ção. Em 1950 foi co-réu juntamente com o político democrático
Milada Horáková num julgamento espetacular. O julgamento foi
um fracasso porque a maior parte dos réus desafiou a acusação.
A despeito de pressões internacionais, incluindo apelos de Albert
Einstein, Eleanor Roosevelt, Winston Churchill e André Breton,
Kálándra, Horáková e os outros foram sentenciados à morte e
enforcados.
46 COHEN. Bukharin, p. 227.
47 HORKHEIMER, Max. Dawn and Decline. New York: Seabury
Press, 1978, p. 239.
48 ARENDT, Hannah. The Life of the Mind. SanDiego and New
York: Harcourt Brace Jovanovich, 1978, p. 45.
NOTAS

49 TUCKER. The Soviet Political Mind, pp. 40-41.


50 WILLIAMS, James G., ed. The Girard Reader. New York: Cross-
road Publishing, 1996, p. 97-141. O mesmo tipo de mecanismo
pode ser identificado no processo de imaginação das categorias
"saboteur" e "culaque" depois de 1929 na URSS.
51 Para a importância desta questão na mentalidade leninista, ver
AMIS, Marin. Koba the Dread: Laughter and the Twenty Mil-
lion. New York: Hyperion, 2002; Service, Lenin.
52 COHEN. Bukharin, p. 92.
53 Ibid. p. 91.
• Em latim no original: certeza da saúde - NT.
54 Riegel está parafraseando aqui Yemelian Yaroslavsky, luminar
bolchevique e um dos historiadores do partido mais de confiança
de Stálin. Ver RIEGEL, Klaus-Georg. Confessions of Sins within
Virtuosi Communities, in Parler de sai sous Staline: La construc-
tion identitaire dans le communism des années trente, ed. Brigitte
Studer, Berthold Unfried e Irene Hermann. Paris: Éditions de la
Maison des Sciences de l' Homme, Paris 2002, p. 116.
55 HALFIN, lgal. From Darkness to Light; Terror in My Soul:
Communist Autobiogaphies on Triai. Cambridge~ Mass.: Har-
vard University Press, 2003; Intimate Enemies: Demonizing the
Bolchevik Opposition, 1918-1928. Pittsburgh, Penn.: University
of Pitisburg Press, 2007. O mecanismo descrito por Halfin são
manifestações "locais" de mais de um fenômeno geral que S. N.
Eisenstadt definiu como "a sacralização ideológica do terror re-
volucionário" em seu livro Fundamentalism, Sectarianism, and
Revolution: The ]acobin Dimension of Modernity. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999.
56 HAIDU, Peter. The Dialectics of Unspeakability: Language, Si-
lence, and the Narratives of Desubjectification, in Probing the
Limits of Representation - Nazism and the "Final Solution", ed.
Saul Friedlander. Cambridge, Mass., and London: Harvard Uni-
versity Press, 1992, p. 261.
57 TUCKER. The Soviet Political Mind, pp. 68-69.
58 RAHV, Philip. Essays on Literature and Politics, 1932-1972. Bos-
ton: Houghton Mifflin, 1978, p. 288.
59 BRZERZINSKI, Zbigniew. The Pattern of Political Purges, in The
Satellites in Eastern Europe, coletânea, Annals of the American
Academy of Political and Social Science 317, maio de 1958: 79-87.

399
NOTAS

Durante a Segunda Guerra Mundial, ambos meus pais trabalha-


ram para a Rádio Moscou no serviço romeno, que era parte do
Departamento balcânico subordinado à Seção da Europa Central
e Oriental, dirigida por Rudolf Slánsky. Para os processos-espetá-
culo e a psicologia dos fiéis verdadeiros, ver BALAS, Egon. Will
to Freedom: A Perilous ]ourney through Fascism and Commu-
nism. Syracuse, N.Y.: Syracuse University Press, 2000, p. 219.
71 BRZEZINSKI. The Soviet Bloc, p. 52.
72 HODOS, George H. Show Triais: Sta/inist Purges in Eastern Eu-
rope, 1948-1954. New York: Praeger, 1987, pp. 11-12.
73 KOREY, William. The Origins and Development of Soviet An-
ti-Semitism: An Analysis. Slavic Review 31, nº 1, março de 1972:
111-35. Um ano depois, Korey desenvolveu seu artigo num li-
vro. KOREY, William. The Soviet Cage: Anti-Semitism in Russia.
New York: Viking, 1973.
74 SNYDER, Timothy. Bloodlands: Europe between Hitler and Sta-
lin. New York: Basic Books, 2010, p. 336.
75 Ibid., p. 335.
76 Ibide. P. 345.
77 FITZPATRICK, Sheila. Tear Off the Masks! Identity and Im-
posture in Twentieth-Century Russia. Princeton, N.J.. : Princeton
University Press, 2005, p. 298.
78 RUBENSTEIN, Joshua. NAUMOV, Vladimir P., eds. Stalin's Se-
cret Pogrom: The Postwar Inquisiton of the ]ewish Anti-Fascist
Committee. New Haven, Conn. and London: Yale University
Press, 2001, Snayder, Bloodlands, pp. 339-77.
79 BRENT, Jonathan. NAUMOV, Vladimir. Stalin's Last Crime: The
Plot against the ]ewish Doctors, 1948-1953. New York: Harp-
erCollins, 2003; e RAPOPORT, Louis. Stalin's War Against the
]ews: The Doctor's Plot and the Soviet Solution. New York: Free
Press, 1990.
80 RUBENSTEIN, Joshua. Tangled Loyalties: The Life and Times of
Ilya Ehrenburg. New York: Basic Books, 1996.
81 MACKINNON, Elaine. Writing History for Stalin: Isaak Izrai-
levih Mints and the Istoria grazhdankoi voiny. Kritika: Explora-
tions in Russian and Eurasian History 6, nº 1, inverno de 2005:
38-39.
82 O "cosmopolitismo desenraizador" alternou com uma versão
anti-semita mal velada, ou seja, "cosmopolitismo de amigos e

401
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

parentes". Nas fases do anti-semitismo de estado e público na


União Soviética e sob Stálin, ver, em particular, GITELMAN, Zvi.
A Century of Ambivalence: The ]ews of Russia and the Soviet
Union, 1881 to the Present. New York: Schocken Books, 1988; e
WEINER. Making Sense of War.
83 Ver FUREI, François. The Passing of an Illusion, p. 558.
84 SNYDER. Bloodlands, p. 334-35.
85 O próprio Merker não era de origem judaica, mas outras pessoas
de vulto na Stasi (e NKVD) associadas a seu julgamento foram
Lex Ende, Leo Bauer, e Bruno Goldhammer. Ver MILLER, Doro-
thy. The Death of a "Former Enemy of the Working Class" - Paul
Merker. Radio Free Europe Research/Communist Area, GRD/15,
14 de maio de 1969.
86 Paul Merker estava na Cidade do México desde 1942 até 1945 e
através de seus artigos em Freies Deutschland era o único mem-
bro do Politburo da KPD que insistiu no papel central do anti-
-semitismo na Alemanha Nazista e no status especial dos judeus
entre as vítimas de Hitler. Isto estava em contraste agudo com os
escritos e posições públicas de Walter Ulbricht acerca do fascis-
mo, crimes de guerra da Alemanha e reponsabilidade coletiva.
Ademais, depois de 1948, Merker divergiu agudamente da polí-
tica soviética de recusar status especial e retribuição aos judeus
entre as vítimas de Hitler. Para a obra definitiva acerca do caso
de Paul Merker, ver HERF, Jeffrey. East German Communists
and the Jewish Question: The Case of Paul Merker. Journal of
Contemporary History 29, nº 4, outubro de 1994: 627-61; mas
também HERF, Jeffrey. Divided Memory: The Nazi Past in the
Two Germanies. Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
1997; e HERF, Jeffrey. The Emergence and Legacies of Divided
Memory: Germany and the Holocaust after 1945, in Memory
and Power in Postwar Europe: Studies in the Presence of the Past,
ed. Jan-Werner Müller. Cambridge: Cambridge University Press,
2002, pp. 184-20.
87 Para uma explicação minuciosa das lutas de poder nos anos de
1930 e 1940, ver A Messianic Sect: The Underground Romanian
Communist Party - 1921-1944, em meu Stalinism for Ali Sea-
sons: A Political History of Romanian Communism. Berkeley:
University of California Press, 2003.

402
NOTAS

88 BORKENAU, Franz. World Communism: A History of the Com-


munist International. Ann Arbor: University of Michigan Press
1962, p. 178.
89 Para minúcias acerca desta interpretação dos acontecimentos, ver
LEVY, Robert. Ana Pauker: The Rise and Fall of a ]ewish Com-
munist. Berkeley: University of California Press, 2001. Para uma
crítica, ver CÂMPEANU, Pavel. Ceau§escu, Anii numãrátorii in-
verse. Bucure~ti: Polirom, 2002.
90 Note Regarding the Conversation of 1. V. Stalin with Gh. Ghe-
orghiu-Dej and A. Pauker on the Situation within the RPO and
the State of Affairs in Romanian in Connection with the Peace
Treaty, nº 191, 2 de fevereiro de 1947, in Vostochnaia Europa
v dokumentakh arkhivov, 1944-1953, ed. Galin P. Muraschko,
Albina F. Noskowa, and Tatiana V. Volokitina. Moscow, 1997,
1:564-65. Ver também Stenograma §edintei Biroului Palite ai CC
ai PMR din 20 noiembrie 1961, pp. 14-16.
91 Para uma apresentação minuciosa do papel de Leonte Rãutu nas
políticas de poder do comunismo romeno, ver TISMÃNEANU,
Vladimir. VASILE, Cristian. Perfectul Acrobat: Leonte Ráutu,
Mã§tile Rãului. Bucure~ti: Humanitas, 2008.
92 Este artigo foi publicado tanto no jornal oficial do Comitê Cen-
tral, Lupta de clasa, nº 4, outubro de 1949, quanto como brochu-
ra na R.W.P. Publishing House em 1949.
93 TISMÃNEANU e VASILE. Perfectul Acrobat, p. 224.
94 TORÁNSKA, Teresa. "Them": Stalin's Polish Puppets. New
York: Harper & Row, 1987, p. 354. Em seu escrito, Marci Sho-
re apresentou caracterizações excelentes de Jakub Berman, por-
menorizando-lhe a carreira desde o papel dele durante a his-
tória sombria do comunismo polonês interbélico, sua relação
com Moscou durante o Grande Expurgo e a Segunda Guerra
Mundial, e até seu envolvimento no julgamento de expurgo de
Gomulka, no começo dos anos 1950 até sua renúncia em 1957
do Partido dos Trabalhadores Poloneses Unidos e sua aposenta-
doria em 1969. Outra questão que exige esclarecimento é se o
papel proeminente de Berman nos expurgos stalinistas impediu
a duplicação de um julgamento do tipo Slánsky na Polônia. Ver
SHORE, Marci. Children of the Revolution: Communism, Zi-
onism, and the Berman Brothers. Jewish Social Studies, n. s., 10,
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

nº 3, primavera-verão de 2004: 23-86; e SHORE, Marci. Caviar


and Ashes: A Warsaw Generaton's Life and Death in Marxism,
1918-1968. New Haven, Conn.: Yale University Press, 2006.
95 FITZPATRICK. Tear Off the Masks, p. 50.
96 REE, Erik van. Heroes and Merchants: Stalin's Understanding of
National Character. Kritika: Explorations in Russian and Eur-
asian History 8, nº 1, inverno de 2007: 57.
97 FITZPATRICK. Tear Off the Masks, p. 293.
98 SNYDER. Bloodlands, pp. 376 and 371.
99 Cf. TISMÃNEANU, Vladimir. The Ambiguity of Romanian
Communism. Telos, nº 60, verão de 1984: 65-79; e Cea~escu's
Socialism. Problems of Communism, janeiro-fevereiro de 1958:
50-66. Ver também TISMÃNEANU, Vladimir. Fantoma lui Ghe-
orghiu-De;. Bucure~ti: Humanitas, 2008. O livro contém vários
estudos acerca da relação entre o comunismo e o nacionalismo
que publiquei no final dos anos 1980. Para uma definição do sta-
linismo nacional, ver TISMÃNEANU. Stalinism for Ali Seasons,
p. 33. Para uma discussão comparativa acerca da aplicabilidade
do stalinismo nacional nos casos da Romênia, Albânia, Polônia,
Bulgária ou a RDA, ver TISMÃNEANU, Vladimir. What Was Na-
tional Stalinism, in The Oxford Handbook of Postwar European
History, ed. Dan Stone. Oxford: Oxford University Press, 2012.
100 SNYDER. Bloodlands, p. 376.
101 Examino o anti-semitismo como uma mitologia política em
Fantasies of Salvation: Democracy, Nationalism, and Myth in
Post-Communist Europe. Princeton, N.J.: Princeton University
Press, 1998, paperback, 2009.
102 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism, vol. 2, The
Go/den Age. Oxford University Press, 1978, p. 85.
103 WERTH, Nicolas. Strategies of Violence in the Stalinist USSR, in
Stalinism and Nazism: History and Memory Compared, ed. Hen-
ry Rousso. Lincoln and London: University of Nebraska Press,
2004, pp. 73-95.

3. O século de Lênin
1 Aqui podemos lembrar as duas epígrafes que Raymond Aron
escolheu para L' opium des intellectuels, de 1955, sua desmis-
tificação devastadorada da dialética existencialista de Jean-Paul
Sartre. Citou Marx: "A religião é o suspiro da criatura esmaga-
NOTAS

da pela desdita, pelo sentimento de um mundo sem piedade, e a


alma das condições sem alma. É o ópio do povo". Então, como
urna resposta de contraponto, empregou uma citação de Simone
Weil: "O marxismo é sem dúvida urna religião, no sentido mais
baixo da palavra. Como toda forma inferior de vida religiosa,
foi continuamente empregado, para tornar de empréstimo a frase
acertada do próprio Marx, corno um opiáceo para o povo". Ver
ARON, Rayrnond. The Opium of the Intellectuals, intro. Harvey
C. Mansfield. New Brunswick, N.J.: Transaction, 2001, p. 7. Ver
também ]UDT, Tony. Past Imperfect: French Intellectuals, 1944-
1956. Berkeley: University of California Press, 1992.
2 COHN, Norman. The Pursuit of the Millennium: Revolutionary
Messianism in Medieval and Reformation Europe and Its Bear-
ing on Modern Totalitarian Movements. New York: Harper and
Row, 1961, p. 15.
3 Ver INGERSOLL, David. MATHEWS, Richard. DAVISON,
Andrew. The Philosophical Roots of Modern Ideology: Liberal-
ism, Conservatism, Marxism, Fascism, Nazism, Islamism. Corr-
wall-on-Hudson, N.Y.: Sloan/Prentice Hall, 2010.
4 EVANS, Richard J. The Coming of the Third Reich. London:
Penguin Books, 2003, p. 397.
5 Ibid., p. 455.
6 COHEN, Stephen F. Bukharin and the Bolshevik Revolution:
A Political Biography, 1888-1938. New York and Wildwood
House: Oxford University Press, 1973, p. 46.
7 Ibid., p. 301. Leon Trotsky proferiu afirmações similares durante
a Revolução de Outubro e depois dela. Ver TROTSKY, Leon. Ter-
rorism and Communism, A Reply to Karl Kautsky, com prefácio
de Slavoj Zizek. London: Verso, 2007.
8 HALFIN, Igal. From Darkness to Light: Class, Consciousness,
and Salvation in Revolutionary Russia. Pittsburgh, Penn.: Uni-
versity of Pittsburgh Press, 2000, p. 48.
9 Cf. WALICKI, Andrzej. Marxism and the Leap to the Kingdom
of Freedom: The Rise and Fali of the Communist Utopia. Stan-
ford, Calif.: Stanford University Press, 1995.
10 Ver o capítulo 3 do Communist Manifesto, in The Marx-Engels
Reader, ed. Robert C. Tucker, 3. ª edição. New York: Norton,
1972, pp. 491-99.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

11 ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring: Herr Eugen Dühring's Revo-


lution in Science. Moscow: Foreign Language Publishing House,
1959, pp. 385-86.
12 Cf. LUKES, Steven. Marxism and Morality. New York: Oxford
University Press, 1985; KOtAKOWISKI, Leszek. Main Currents
of Marxism, vol. 2, The Golden Age. Oxford: Oxford University
Press, 1978, pp. 934-62.
13 WEBER, Eugen. Revolution? Counterrevolution? What Revolu-
tion?. Journal of Contemporary History 9, nº 2, abril de 1974:
23. Weber aplica uma fórmula memorável para este projeto de
revolução moderna: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade, ou
Morte".
14 ARON, Raymond. The Dawn of Universal History: Selected Es-
says from a Witness to the Twentieth Century, intro. Tony Judt.
New York: Basic Books, 2002, p. 203.
15 Para os esforços ininterruptos para retornar a um suposto lenin-
ismo prístino, ver BUDGEN, Sebastian. KOUVELAKIS, Stathis.
ZIZEK, Slavoj, eds. Lenin Reloaded: Toward a Politics ofTruth.
Durham, N.C., and London: Duke University Press, 2007.
16 GURIAN, Waldermar, citado in BURLEIGH, Michael. Political
Religion and Social Evil. Totalitarian Movements and Political
Religions 3, nº 2, 2002: 3.
17 Cf. ZIZEK, Slavoj Did Somebody Say Totalitarianism?. London:
Verso, 2001, p. 116.
18 Ver, a esse respeito, WOLFE, Bertam. Leninism, in Marxism in
the Modern World, ed. Milorad M. Drachkovitch. Stanford, Ca-
lif.: Stanford University Press, 1965, pp. 47-89.
19 Cf. CHARLTON, Michael. Footsteps from the Finland Station:
Five Landmarks in the Collapse of Communism. New Brunswick,
N.J., and London: Transaction Publishers, 1992; MALIA, Martin.
The Soviet Tragedy: A history of Socialism in Russia, 1971-1991.
New York: Free Press, 1994; PRIESTLAND, David. The Red Flag:
A History of Communism. New York: Grove Press, 2009.
20 Cf. WALICKI. Marxism, pp. 269-397.
21 HELLER, Mikhail. NEKRICH, Aleksandr M. Utopia in Power:
The History of the Soviet Union from 1917 to the Present. New
York: Summit Books, 1986.
22 LEFORT citado in FLYNN, Bernard. The Philosophy of Claude
Lefort: Interpreting the Political. Evanston, Ili.: Northwestern
University Press, 1998.
NOTAS

23 Ver meu Fantasies of Sa/vation: Nationalism, Democracy, and


Myth in Post-Communist Europe. Princeton, N.J.: Princeton Uni-
versity Press, 2005.
24 KREISLER, Harry. The Individua/, Charism, and the Leninist
Extinction, in A Conversation with Ken ]owitt. Berkeley: Insti-
ture of International Studies, 2000.
25 JOWITI, Kenneth. New Wor/d Disorder: The Leninist Extinc-
tion. Berkeley and Los Angeles: University of California Press,
1992, p. 49.
26 Ver as citações acerca de Lênin e o terror na excelente antologia
de PAPAIOANNOU, Kostas. Marx et les marxistes. Paris: Galli-
mard, 2001, 314.
27 Ver KOESTLER, Arthur. Darkness at Noon, 1ª ed, trad. Daphne
Hardy. New York: Banram Books, 1968 (1941); FLEMING,John
V. The Anti-Communist Manifesto: Four Books That Shaped the
Cold War. New York: Norton, 2009, pp. 21-96; SCAMMELL,
Michael. Koestler: The Literary and Política/ Odyssey of a Twen-
tieth-Century Skeptic. New York: Random House, 2009.
28 Darkness at Noon apareceu em francês, com um grande sucesso
de público, durante o começo dos anos da Guerra Fria, sob o
título de Le zero et l' infini.
29 NECHAEV, Sergey. The Revolutionary Catechism, in VENTURI,
Franco. The Roots of Revolution: A History of the Populist and
Socia/ist Movements in Nineteeenth Century Russia, intro. Isaiah
Berlin. New York: Knopf, 1960, pp. 365-66. Ver também BIL-
LINGTON, James H. Pire in the Minds of Men: Origins of the
revolutionary Faith. New York: Basic Books, 1980; e FRANK,
Semen (Semyon). The Ethic of Nihilism: A Characterization of
the Russian Intelligentsia's Moral Outlook, in BERDYAEV, Ni-
kolai et aL Vekhi (Landmarks). Armonk, N. J.: M. E. Sharpe,
1994, pp. 131-55.
30 Citado em BURLEIGH, Michael. Sacred Causes: The Clash of
Religion and Politics from the Great War to the War on Terror.
New York: HarperCollin, 2007, p. 82.
31 PIATAKOV citado em WALICKI. Marxism, 461.
32 LUKES, Steven. On the Moral Blindness of Communism. Human
Rights Review 2, nº 2, janeiro-março de 2001: 120.
33 Ibid., 121.
34 Ibid., 123.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

35 AMIS, Martin. Koba the Dread: Laughter and the Twenty Mil-
lion. New York: Hyperion, 2002, 90.
36 GRIFFIN, Roger. Modernism and Fascism: The Sense of Begin-
ning under Mussolini and Hitler. London and New York: Pal-
grave Macmillian, 2007, p. 171.
37 GORBACHEV, Mikhail. MLYNÁR, Zdenek. Conversations with
Gorbachev: On Perestroika, the Prague Spring, ed. George Shriv-
er, prefácio de Archie Brown e Mikhail Gorbachev. New York:
Columbia University Pres, 2002.
38 JOWITT. New World Disorder, 10.
39 POLAN, A.J. Lenin and the End of Politics. Berkeley: University
of California Press, 1984, 73.
40 BONNER, Elena. The Remains of Totalitarianism. New York
Review of Books, 8 de março de 2001, 4.
41 Ibid,p.5.
42 BESANÇON, Alain. The Rise of the Gulag: The lntellectual Or-
igins of Leninism. New York: Continnum, 1981; TALMON, Ja-
cob L. Myth of the Nation and Vision of the Revolution: Ideolog-
ical Polarization in the Twentieth Century. New Brunswick, N.J.:
Transaction, 1991; SCURR, Ruth. Fatal Purity: Robespierre and
French Revoloution. New York: Metropolitan Books, 2006.
43 KEYNES, John Maynard citado em GENTILE, Emilio. The Sa-
cralization of Po/itics in Fascist Italy. Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1996, p. 155.
44 BURLEIGH. Sacred Causes, p. 76.
45 KOtAKOWSKI. Main Currents of Marxism: The Founders, the
Golden Age, the Breakdown, tra. P.S. Falla. New York: W.W.
Norton, 2005, pp. 343-44 (referências subseqüentes a Main Cur-
rents reportam-se a esta edição).
46 HALFIN. From Darkness to Light., p. 37.
4 7 Para o argumento inteiro, ver REE, Erik van. Stalin's Organic
Theory of the Party. Russian Review, 52, nº 1, janeiro de 1993:
43-57.
48 REE, Erik van. Stalin as a Marxist Philospher. Studies in East
European Thought 52, 2000: 294.
49 Ibid., p. 271. Também estou parafraseando a descrição que Isaak
Steinberg fez da atmosfera imediatamente depois da Revolução
Bolchevique: "Todos os aspectos da existência - social, econômi-
NOTAS

co, político, espiritual, moral, familiar - estavam abertos para a


modelação premeditada por mãos humanas". Steinberg era um
socialista revolucionário de esquerda, que por um breve período
foi o primeiro comissário soviético de justiça, mas renunciou em
protesto contra a violência extremista bolchevique e em 1923
fugiu para a Alemanha. Depois que os nazistas subiram ao poder,
partiu para Londres. Durante a guerra, foi a figura central nos
planos para relocação dos refugiados judeus. Ver STITES, Rich-
ard. Revolutionary Dreams: Utopian Vision and Experimental
Life in the Russian Revolution. New York and Oxford: Oxford
University Press, 1989, p. 39.
50 Para a mentalidade dos militantes iluminados no estilo bol-
chevique, ver HOFFER, Eric. The True Believer: Thoughts on the
Nature of Mass Movements. New York: Harper & Row, 1966;
a contribuição de KOESTLER, Arthur in CROSSMAN, Richard
H., ed., The God That Failed. New York: Columbia University
Press, 2001, pp. 15-75 .
51 LUXEMBURG, Rosa. The Russian Revolution, in Rosa Lux-
emburg Speaks, ed. Mary-Alice Waters. New York and London:
Pathfinder, 1997, p. 370.
52 Ibid., p. 387.
53 COHEN. Bukharin, p. 133.
54 Ibid, p. 172.
55 Iid, p. 269.
56 TUCKER. The Marx-Engels Reader, p. 491.
57 Ibid., pp. 473-74.
58 KOtAKOWSKI. Main Currents, pp. 620-39.
59 Cf. Proletarians and Communists, The Manifesto, in Marx-En-
gels Reader, ed. Tucker, pp. 483-91.
60 Cf. POPPER, Karl R. The Open Society and Its Enemies, vol. 2,
The High Tide of Prophecy: Hegel, Marx, and the Aftermath.
Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1966, p. 211.
61 FURET, François. The Passing of an Illusion: The Idea of Com-
munism in the Twentieth Century, trad. Debora Furet. Chicago:
University of Chicago Press, 1999, p. 143.
62 BERMAN, Paul. Terror and Liberalism. New York: Norton, 2003.
63 JARAUSCH, Konrad. GEYER, Michael. Shattered Past: Recon-
structing German Histories. Princeton, N. J., and Oxford: Princ-
eton University Press, 2003, p. 165.
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

64 BERLIN, lsaiah. The Crooked Timber of Humanity: Chapters in


the History of Ideas. New York: Knopf, 1991, pp. 91-174.
65 MOSSE, George. The Fascist Revolution: Toward a General The-
ory of Fascism. New York, H. Fertig, 1999.
66 GRIFFIN, Roger. The Nature of Fascism. London and New York:
Routledge, 1993, p. 235.
67 BOSWORTH, R.J. B. Mussolini's Italy: Life under the Fascist
Dictatorship 1915-1945. London: Penguin Books, 2005, p. 130.
68 GENTILE, Emílio. MALLETT, Robert. The Sacralisation of Poli-
tics: Defi.nitions, Interpretations and Reflections on the Question
of Secular Religion and Totalitarianism. Totalitarian Movements
and Political Religions 1, nº 1, 2000: 36.
69 TOSCANO, Alberto. Fanaticism: On the Uses of an Idea. Lon-
don and New York: Verso, 2010. Estou ampliando aqui a análise
de Priestland do que ele chamou "bolchevismo ressurreicional".
Ver PRIESTLAND, David. Stalinism and the Politics of Mobili-
zation: Ideas, Power, and Terror in Inter-War Russia. Oxford and
New York: Oxford UNiversity Press, 2007, p. 39.
70 GENTILE. The Sacralization of Politics, p. 55.
71 EVANS. The Coming of the Third Reich, p. 460.
72 REES, E.A. Political Thought from Machiavelli to Stalin: Revo-
lutionary Machiavellism. New York: Palgrave MacMillan, 2004,
pp. 74 e 235-36.
73 RIGBY, T.H. Introduction: Political Legitimacy, Weber and Com-
munist Mono-organisational Systems, in Political Legitimation in
Communist States, ed. Th. H . Rigby and F. Feher. London: Pal-
grave Macmillan, 1982, p. 5.
74 GENTILE e MALLETT. The Sacralisation of Politics, p. 46.
75 Mann leva mais adiante seu ponto de vista, ao identificar dois
sub-tipos dentro desta categoria política: "um guiado pela ide-
ologia revolucionária de classe, exemplificado pelo regime sta-
linista" e "o outro guiado pelo que eu chamarei uma ideologia
revolucionária 'nacional-estatista', exemplificada pelo nazismo".
MANN, Michael. Contradictions of Continuous Revolution, in
Stalinism and Nazism: Dictatorship in Comparison, ed. Ian Ker-
shaw and Moshe Lewin. New York: Cambridge University Press,
1997, p. 136. Ver seu Fascists. Cambridge and New York: Cam-
bridge University Press, 2004.

410
NOTAS

76 ROBERTS, David D. The Totalitarian Experiment in Twentieth


- Century Europe: Understanding the Poverty of Great Politics.
New York and London: Routledge, 2006, p. 270.
77 Cf. SOUVARINE, Boris Staline: Aperçu historique de bol-
shévisme. Paris: Éditions Champ Libre, 1977; KERSHAW, lan.
Hitler 1936-45: Nemesis. New York: Norton, 2000; SERVICE,
Robert. Stalin: A biography. Cambrige: Belkhap Press, 2004; e
FELSCHTINSKY, Yuri. Lenin and His Comrades. New York:
Enigma Books, 2010.
78 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism, vol. 3, The
Breakdown. Oxford: Oxford University Press, 1978, p. 90.
79 BERMAN. Terror and Liberalism, p. 50.
80 EHLEN, Peter. Communist Faith and World-Explanatory Doc-
trine: A Philosophical analyses, in Totalitarianism and Political
Religions, vol. 2, Concepts for the Comparison of Dictatorships,
ed. Hans Maier and Michael Schãfer. New York: Routledge,
2007, p. 134.
81 MAIER, Hans. Political Religions and Their Images: Soviet Com-
munism, Italian Fascism and German National Socialis. Totali-
tarian Movements and Political Religions 7, nº 3, setembro de
2006: 269.
82 GILL, Graeme. The Origins of the Stalinist Political System.
Cambridge and New York; Cambridge University Pres, 2002:
269.
83 KRYLOVA, Ana. Beyond the Spontaneity-Consciousness Par-
adigm: "Class Instinct" as a Promising Category of Historical
Analysis. Slavic Review 62, nº 1, primavera de 2003: 18-19. Da-
vid Priestland faz uma afirmação semelhante quando identifica
duas versões de compreensão de "classe" pelos bolcheviques:
urna neotradicionalista, "como origem de classe", que permite o
entrincheiramento da burocracia produzida pela mass vydvizhe-
nie; e uma ressurreicional, "como mentalidade de classe e cultu-
ra" que enfatiza a noção de vospetanie, que pode voltar-se contra
a "nova classe". Cf. PRIESTLAND. Stalinism and the Politics of
Mobilization, p. 415.
84 Citado por MCLELLAN, David. Marxism after Marx, 4ª ed.
New York: Palgrave Macmillan, 2007, p. 98.
85 JOWITT. New World Disorder, pp. 25-27.
86 REES. Political Thought from Machiavelli to Stalin, p. 115.

411
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

87 Rees lista N.A. Speshnev, N.P. Ogarev, P. G. Zaichnevskii, M.


Bakunin, P. N. Tkachev e S. G. Nechaev como os pais fundadores
do "maquiavelismo revolucionário". Acerca da relação entre a
tradição russa de pensamento político radical e Lênin, ver tam-
bém SZAMUELY, Tibor. The Russian Tradition, ed. Robert Con-
quest. London: Fontana, 1974; e ULAM, Adam. ln the Name of
the People, Prophets and Conpirators in Prerevolutionary Russia.
New York: Viking Press, 1977.
88 MAYER, Robert. Lenin and the ]acobin Identity in Russia. Stud-
ies in East European Thought 51, 1999: 127-54. Ver também
MAYER. Lenin, the Proletariat, and the Legitimation of Dicta-
torship. Journal of Political Ideologies 2, fevereiro de 1997: 99-
115; e PLEKHANOV. Lenin and Working-Class Consciousness.
Studies in East European Thought 49, setembro de 1997: 159-85.
89 Cf. ROSBEPIERRE, Maximilien. Virtue and Terror, ed. Slavoj
Ziiek. New York: Verso, 2007.
90 Acerca do conceito de Lênin da ditadura do proletariado, ver
KOtAKOWSKI. Main Currents, p. 744-49.
91 LUXEMBURG. The Russian Revolution, p. 391.
92 ARENDT, Hannah. Nightmare and Flight, in Essays in Under-
standing, 1930-1954, ed. Jerome Kern. New York: Harcourt,
Brace and Jovanovich, p. 134.
93 CHIROT, Daniel. What Was Comunnism About? (review essay
on The Black Book of Communism). East European Politics and
Societies 14, nº 3, outono de 2000: 665-75.
94 POLAN. Lenin and the End of Politics.
95 HOLQUIST, Peter. lnformation is the Alpha and Omega of Our
Work': Bolshevik Surveillance in its Pan-European Perspective.
Journal of Modern History 69, nº 3, 1997: 415-50.
96 Estou parafraseando ROBERTS. The Totalitarian Experiment, p.
415.
97 RIEGEL,Klaus-Georg. Marxism-Leninism as a Política/ Religion.
Totalitarian Movements and Political Religions 6, nº 1, junho de
2005: 98.
98 MALIA, Martin. The Soviet Tragedy. New York: Free Press,
1994; PIPES, Richard. The Russian Revolution. New York: Vin-
tage, 1990.
99 Citado por DIGGINS, John Patrick. Max Weber: Politics and the
Spirit ofTragedy. New York: Basic Books, 1996, p. 239.

412
NOTAS

100 Ibid., p. 230.


101 ZIZEK, Slavoj. Introduction between the Two Revolutions, in
Revolution at the Gates: Se/ected Writings of Lenin from 1917.
London: Verso, 2002, 6.
102 YAKOVLEV, Alexander. A Century of Vio/ence in Soviet Rus-
sia. New Haven, Conn.: Yale University Press, 2002; ver tam-
bém minha recensão do livro de Yakovlev, Apostate Apparatchik.
Times Literary Supplement, 21 de fevereiro 2003, p. 26; e HOL-
LANDER, Paul. The End of Commitment: Inte//ectuals, Revolu-
tionaries, and Political Morality. Chicago: Ivan R. Dee, 2006.
103 DEUTSCHER, Isaac. Marxism and Primitive Magic, in The
Stalinist Legacy: Its Impact on Twentieth Century World Politics,
ed. Tarique Ali. Harmondsworth: Penguin Books, 1984.
104 Ver a entrevista de Robert. C. Tucker com George Urban em UR-
BAN, G.R., ed., Stalinism- Its Impact on Russia and the World.
London: Maurice Temple Smith, 1982, pp. 151 e 170.
105 MARTIN, Terry. The Affirmative Action Empire: Nations and
Nationalism in the Soviet Union,. 1923-1939. Ithaca, N.Y.: Cor-
nell University Press, 2001, p. 341.
106 FITZPATRICK, Sheila. Ascribing Class: The Construction of So-
cial Identity in Soviet Russia, in Stalinism - New Directions, ed.
Sheila Fitzpatrick. London and New York: Routledge, 2000, pp.
20-47.
107 PRIESTLAND. Sta/inism and the Politics of Mobilization, p. 249.
108 REE, Erik van. Stalin as Marxist: The Western Roots of Stalin's
Russification of Marxism, in Stalin: A New History, ed. Sarah
Davies and James Harris. Cambridge: Cambridge University
Press, 2005, p. 172.
109 ROBERTS. The Totalitarian Experiment, p. 231.
11 ONa Itália de Mussolini, a Carta de Lavoro, a carta de 1927 que
codificou o programa de modernização do regime, empregou
uma caracterização notavelmente similar da comunidade no
caminho para a construção do estado revolucionário: "A nação
italiana é um organismo que tem um propósito, vida e meios de
ação superiores aos de qualquer outro indivíduo ou grupos que
são parte dela. É uma unidade moral, política e econômica que o
Estado Fascista obtém integralmente". Este documento foi elabo-
rado principalmente por !talo Balbo. Cf. BOSWORTH. Mussoli-
ni's Italy, p. 227.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

111 BRANDENBERGER, David. Stalin as Symbol: A Case Study of


the Personality Cult and lts Construction, in Stalin, ed. Davies
and Harris, 250. Para esta discussão do Bolchevismo Nacional,
cf. BRANDENBERGER, David. National Bolshevism: Stalinist
Mass Culture and the Formation of Modern Russian National
Identity, 1931-1956. Cambridge, Mass., and London: Harvard
University Press, 2002.
112 GILL. The Origins, pp. 242-45.
113 Ambas as citações de Stálin são de POLLOCK, Ethan. Stalin as
the Coryphaeus of Science: Ideology and Knowledge in the Post-
War Years, in Stalin, ed. Davies and Harris, pp. 283 e 280.
114 LUKÁCS, Georg. History and Class Consciousness. London:
Merlin Press, 1971, p. 51.
115 Lenin and the Twentieeth Century: A Bertram D. Wolfe Retro-
spective, compilada e com uma introdução de Leonard D. Ger-
son, prefácio de Alain Besançon. Stanford, Calif.: Hoover lnstitu-
tion Press, 1984, p. 86.
116 HOWARD, Dick. The Specter of Democracy. New York: Colum-
bia University Press, 2002, p. 19.
117 Ver a entrevista de Leszek Kolakowski em URBAN, ed., Stali-
nism, p. 250.
118 GRIFFIN, Roger. Introduction: God's Couterfeiters? Investigat-
ing the Triad of Fascism, Totalitarianism and (Political) Religion.
Totalitarian Movements and Political Religions 5, nº 3, inverno
de 2004; 291-325.
119 KOtAKOWSKI. Main Currents, pp. 989-1032, 1124-1147; o
ex-ideólogo principal de Gorbachev, Alexander Yakovlev, escreve
acerca disso em sua contribuição algo veemente para Stéphane
Courtois et al, eds. Du passé nous faisons table rase! Hlstoire
et mémoire du communisme en Europe. Paris: Robert Laffont,
2002, pp. 173-210.
120 CLARK, Katerina. Petersburg: Crucible of Cultural Revolution.
Cambridge, Mass.: Harvard University Pres, 1995, p. 2.
121 Tucker argumenta que "a mentalidade revolucionária russa não
encontrou nenhuma dificuldade em ajustar-se ao marxismo, ou o
marxismo a si mesmo. Parte da explanação é que esta mentalida-
de foi, mesmo nos dias pré-marxistas, hostil ao capitalismo [...].
Mas a principal circunstância facilitadora foi que [... ] a guerra
entre as classes e a classe tinham de ser decididas na análise final
NOTAS

pela derrubada do estado existente. Ademais, sua doutrina ape-


lava para o elemento anarquista na mentalidade revolucionária
russa, pois previa o definhamento do governo depois da revo-
lução proletária. Daí ser inteiramente possível para um revolu-
cionário russo cuja mente estivesse obcecada com a imagem de
uma Rússia dual transformar-se numa marxista e continuar nessa
qualidade a tradição revolucionária própria de guerra contra a
Rússia oficial [...].Ele podia falar como marxista enquanto pen-
sava e sentia como um revolucionário russo". TUCKER, Robert
C. The Soviet Political Mind: Stalinism and Post-Stalin Change,
rev. ed. New York: W.W. Norton, 1971, p. 130-31.
122 GRIFFIN. Modernism and Fascism, p. 172.
123 MARKS. Steven G. How Russia Shaped the Modern World:
From Art to Anti-Semitism, Ballet to Bolshevism. Princeton, N.
].: Princeton University Press, 2003.
124 SOLZHENITSYN, Alexander et al. From Under the Rubble, in-
tro. Max Hayward. Washington D.C.: Regnery Gateway, 1981.
125 LIH, Lars T. How a Founding Document Was Found, or One
Hundred Years of Lenin's What Is to Be Done?. Kritika: Explora-
tions in Russian and Eurasian History 4, nº 1, inverno de 2003:
5-49.
126 HALFIN. From Darkness to Light, p. 14.
127 RIEGEL, Klaus-Georg. Communities of Virtuosi: An Interpreta-
tion of the Stalinist Criticism and Self-Criticism in the Perspective
of Max Weber's Sociology of Religion. Totalitarian Movements
and Political Religions 1, nº 3, inverno de 2000: 16-42.
128 HALFIN. From Darkness to Light, pp. 156-57.
129 Ibid. p. 84.
130 TUVESON, Earnest citado em ibid., p. 47.
131 Ibid., p. 115.
132 Houve uma distinção crucial entre Marx e Lênin acerca desta
questão. Para Marx, a liberação do proletariado tinha de ser "a
obra dos próprios proletários". Duas linhas de pensamento coli-
diram nesta questão, levando a alguns dos debates mais ferozes
dos partidos e movimentos radicais de esquerda do século XX.
133 Maykovsky escreveu esses versos em seu poema "Vlaadimir Ilyi-
ch Lenin" in MAYAKOVSKY, Vladimir. Moia revolutsia. Mos-
cow: Sovremennik Publishers, 1974.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

134 O bolchevismo e o nacional-socialismo compartilharam o fascí-


nio por uma revolução antropológica. Mussolini também estava
empenhado em criar um Homem novo fascista; assim como o
Capitão da Guarda de Ferro da Romênia, Corneliu Zelea Codre-
anu.
135 HADIN, Astrid. Stalinism as a Civilization: New Perspectives on
Communist Regimes. Political Studies Review 2, 2004: 166-84.
136 Para uma discussão do mito versus a ideologia em relação ao
marxismo-leninismo, ver BARNER-BARRY, Carol. HODY, Cyn-
thia. Soviet Marxism-Leninism as Mythology. Political Psycholo-
gy 15 nº 4, dezembro de 1994: 609-30.
137 EHLEN. Communist Faith and World-Explanatory Doctrine, in
Totalitarianism, ed. Maier and Schafer, p. 129.
138 Ver a discussão de James Gregor acerca dos escritos naciona-
listas, místicos de Serghei Kurginian e Alexandr Prohanov e a
influência deles sobre Zyuganov, particularmente manifesta em
Declaration to the People, o manifesto do stalino-fascismo rus-
so. Ver GREGOR, A. James. The Faces of Janus: Marxism and
Fascism in the Twentieht Century. New Haven, Conn.: Yale Uni-
versity Press, 2000, pp. 144-55; e Marxism, Fascism, and Total-
itarianism: Chapters in the Intellectual History of Radicalism.
Stanford, Calif: Stanford University Press, 2009.
139 CHERNYSHEVSKY, Nikolai. What Is to Be Done?. Ithaca, N.
Y., and London: Cornell University Press, 1989.
140 Além das contribuições de Jowitt, ver TUCKER. The Soviet Po-
litical Mind, e CONQUEST, Robert. Reflections on a Ravaged
Century. New York: Norton, 2000.
141 LUXEMBURG. The Russian Revolution, p. 375.
142 WILLIAM, Beryl. Lenin. Harlow: Logman Publishing Group.,
199, p. 73.
143 BRACHER, Karl Dietrich. The German Dictatorship: The Or-
igins, Structure, and Effects of Nacional Socialism, trad. Jean
Steinberg com introdução de Peter Gay. New York and Washing-
ton: Praeger Publishers, 1970, p. 152.
144 ALMOND, Gabriel. The Appeals of Communism. Princeton,
N.J.: Princeton University Press, 1954; BURLEIGH. Sacred
Causes, esp. The Totalitarian Political Religions, pp. 38-122.
145 HOPPE, Bert. Iron Revolutionaries and Salon Socialists: Bolshe-
viks and German Communists in the 1920s an 1930s, in Fasci-
NOTAS

nation and Enmity: Russia and Germany as Entangled Histories,


1914 -1945, coletânea, Kritika: Explorations on Russian an Eur-
asian History 1O, nº 3, verão de 2009: 509.
146 HOFFER. The True Believer.
147 WALZER, Michael. The Revolution of the Saints: A Study in the
Origins of Radical Políticas. New York: Atheneum, 1976, p. 315.
148 Para uma análise excelente dos escritos de Lefort, ver HOWARD.
The Specter, 71-82.
149 LEFORT, Claude. La complication: Retour sur le communism.
Paris, Fayard, 1999.
150 LEFORT, Claude. The Political Forms of Modern Society: Bu-
reaucracy, Democracy, Totalitarianism, ed. John B. Thompson.
Cambridge, Mass.: MIT press, 1986, p 285-86.
151 LEFORT. La complication, p. 47.
152 TUCKER, Robert C. Lenin's Bolshevism as a Culture in the Mak-
ing, in Bolshevik Culture Experiment and Order int the Bolshe-
vik Revolution, ed. Abbort Gleason, Peter Kenez, and Richard
Stites. Bloomington: Indiana University Press, 1985, pp. 26-27.
153 Pode-se apontar para toda uma tradição intelectual, e estou pen-
sando aqui em autores como Cornelius Castoriadis, e, muito an-
tes, Georgi Plekhanov, Yuli Martov, Pavel Akselrod, Emma Gold-
man, Rosa Luxemburg, Karl Krautsky, Anton Pannekoek, Ruth
Fischer, Boris Souvarine, Milovan Djilas, Agnes Heller e Leszek
Kolakowski.
154 LEFORT. The Política/ Forms, p. 297.
155 HITLER citado em BRACHER. The German Dictatorship, p. 250.
156 MAIER. Political Religions and their Images, p. 274.
157 HOLQUIST, Peter. New Terrains and New Chronologies, The In-
terwar Period through the Lens of Population Politics. Kritika:
Explorations in Russian and Eurasian History 4, nº 1, inverno de
2003: 171-72.
158 MEUSCHEL, Sigrid. The Institutional France: Totalitarianism,
Extermination and the State, in The Lesser Evil: Moral Ap-
proaches to Genocide Practices, ed. Helmut Dubiel and Gabriel
Motzkin. Pordand, Or.: Frank Cass, 2003, pp. 115-16.
159 BOSWORTI-1. Mussolini, p. 235.
160 GORLIZKI e MOMMSEN. The Political (Dis)Orders of Stalin-
ism and National Socialism, in Beyond Totalitarianism, ed. Geyer
and Fitzpatrick, p 86.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

161 BURLEIGH, Michael. Political Religion and Social Evil. Total-


itarian Movements and Political Religions 3, nº 2, outono de
2002: 1-2.

4. A dialética do desencantamento
1 JOWITI, Kenneth. New World Disorder: The Leninist Extinc-
tion. Berkeley and Los Angeles: University of California Press,
1992, p. 10n17.
2 Cf. MUSSOLINI, Benito. The Doctrine of Fascism, in Commu-
nism, Fascism, ad Democracy, ed. Carl Cohen, 3ª ed. New York:
Random House, 1972, pp. 328-39.
3 Cf. KERSHAW, Ian. Hitler 1936-1945: Nemesis. New York and
London Norton, 200, esp. Luck of the Devi[, pp. 655-84. Vale a
pena citar aqui a observação de Kershaw acerca da sorte extra-
ordinária de Hitler em sobreviver ao atentado contra sua vida
organizado pelo Conde Stauffenberg e seus outros conspirado-
res: "Na verdade, como freqüentemente em sua vida, não foi a
Providência que o salvou, mas a sorte: a sorte do diabo" (p. 584,
são meus os itálicos).
4 Para Zubok, "Zhivago's children" dirigiu-se a uma geração de in-
telectuais testados pelos anos de guerra, violência e miséria: "Os
quadros educados treinados para o serviço stalinista passaram
a ser uma tribo vibrante e diversa, com curiosidade intelectual,
anseios artísticos e uma paixão pela alta cultura. Identificaram-se
não apenas com a coletividade soviética, mas também com o in-
dividulismo humanista". ZUBOK, Vladislav. Zhivago's Children:
The Last Russian Intelligentsia. Cambridge, Mass.: Harvard Uni-
versity Press, 2009, pp. 356, 361, e 21.
5 HELLER, Agnes. FEHÉR, Ferenc. The Grandeur and Twilight of
Radical Universalism. New Brunswick, N. J. and London: Trans-
action, 1991, p. 113.
6 Cf. TISMÃNEANU, Vladimir. Criticai Marxism and Eastern Eu-
rope. Praxis International 3, nº 3, outubro de 1983: 235-47; The
Crisis of Marxist Ideology in Eastern Europe: The Poverty of
Utopia. London and New York: Routledge, 1988, The Neo-Le-
ninist Temptation: Gorbachevism and the Party Intelligentsia, in
Perestroika at the Crossroads, ed. Alfred J. Rieber and Alvin Z.
Rubinstein. Armonk, N. Y.: M.E. Sharpe, 1991, pp. 31-51; From
Arrogance to Irrelevance: Avatars of Marxism in Romania, in
NOTAS

The Road to Disillusion: From Criticai Marxism to Postcommu-


nism in Eastern Europe, ed. Raymond Taras. Armonk: N. Y.: M.
E. Sharpe, 1992, pp. 135-50.
7 CORNEY, Frederick C. What Is to Be Done with Soviet Russia?
The Politics of Proscription and Possibility, in Journal of Policy
History 21, nº 3, 2009: 271.
8 O filósofo Yuri Karyakin citado em ZUBOK. Zhivago's Children,
p. 358.
9 TUCKER, Robert C. The Soviet Political Mind: Stalinism and
Post-Stalin Change, rev. ed. New York: W.W Norton, 1971, pp.
148-49.
10 RIEGEL, Klaus-Georg. Marxism-Leninism as a Political Reli-
gion. Totalitarian Movements and Political Religions 6. nº 1, jun-
ho de 2005: 97-126.
11 LENIN, V.I. What Is to be Done: Burning Questions of Our Move-
ment. New York: lntemational Publishers, 1969 [1902], p. 5.
12 STALIN,]. V. Leninism. Moscow: lnternational Publishres, 1928,
p. 171.
13 Para uma descrição perturbadora deste movimento niilista na
história do comunismo mundial, ver especialmente as últimas
cartas de Bukharin e Yezhov a Stálin em GETIY, Arch. NAU-
MOV, Oleg. The Self-Destruction of the Bolshevik Old Guard.
New Haven, Conn.: Yale University Press, 1999. Ver a discussão
no capítulo 2.
14 MILOSZ, Czeslaw. The Captive Mind. New York: Vintage Books,
1981, p. 75.
15 COHEN, Stephen F. Bukharin and the Bolshevik Revolution: A
Political Biography 1888-1938. New York: Vintage Books, 1973,
pp. 84. Para os intelectuais soviéticos sob Stálin, ver BERLIN,
Isaiah. The Soviet Mind: Russian Culture under Communism.
Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2011; VATULES-
CU, Cristina. Police Aesthetics: Literature, Film, and the Secret
Police in Soviet Times. Stanford, Calif.: Stanford University Press,
2010; WESTERMAN, Frank. Engineers of the Sou/: The Gran-
diose Propaganda of Stalin's Russia. New York: Overlook Press,
2011 .
16 HORVATH, Robert. "The Solzhenitsyn Effect": East European
Dissidents and the Demise of the Revolutionary Privilege. Hu-
man Rights Quarterly 29, nº 4, novembro de 2007: 885.
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

17 ABRAMS, Bradley F. The Struggle for the Sou/ of the Nation:


Czech Culture and the Rise of Communism. Lanham, Md.: Row-
man & Littlefiled, 2004, p . 93.
18 Cf. LILLY, Carol S. Power and Persuasion: Ideology and Rhetoric
in Communist Yugoslavia, 1944-195 3. Boulder, Colo: Westview
Press, 2001; PRITCHARD, Gareth. The Making of the GDR,
1945-53: From Antifascism to Stalinism. Manchester: Manches-
ter University Press, 2000; ou KERSTEN, Krystyna. The Estab-
lishment of Communist Rule in Poland, 1943-1948, trad. John
Micgiel e Michael H. Bernhard, prefácio de Jan T. Gross. Berle-
ley: University of California Press, 1991.
19 RIEGEL. Marxism-Leninism as a Political Religion, pp. 97-126.
20 HORVARTH. The Solzhenitsyn Effect, p. 894.
21 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: The Found-
ers, the Golden Age, the Breakdown, trad. P. S. Fali. New York:
W.W. Norton, 2005, p. 863.
22 Acerca das características do perfil histórico-ideológico do Short
Course e da revisão de suas principais doutrinas dentro do cam-
po histórico soviético nos anos de 1960 e 1970, ver MARKWI-
CK, Roger D. Rewriting History in Soviet Russia - the Politics
of Revisionist Historiography, 1954-1974, prefácio de Donald J.
Raleigh. New York: Palgrave Macmillan, 2001. Kenneth Jowitt
emprega a formulação de Max Weber em New World Disorder,
p.135.
23 ROSEN1HAL, Bernice Glatzer. New Myth, New World - from
Nietzsche to Stalinism. University Park: Pennsylvania State Uni-
versity Press, 2002, p. 238.
24 Cohen, Stephen F. Bolshevism and Stalinism, in Stalinism: Essays
in Historical Interpretation, ed. Robert C. Tucker. New York:
WW. Norton, 1977, pp. 12-13.
25 TUCKER. The Soviet Política/ Mind, p. 11.
26 REES, E.A. Introduction, in The Sovietization of Eastern Europe:
New Perspectives on the Postwar Period, ed. Balázs Apor, Péter
Apor, and E.A. Ress. Washington, D.C.: New Academia Publish-
ing, 2008, p. 21.
27 MAIER, Hans. Political Religions and Their Images: Soviet Com-
munism, Italian Fascism and German National Socialism. Total-
itarian Movements and Political Religions 7, nº 3, setembro de
2006: 267-81.

420
NOTAS

28 CORNEY. What Is to Be Dane, p. 273.


29 JONES, Polly. Introduction: The Dilemmas of De-Stalinization,
in The Dilemmmas of De-Stalinization: Negotiating Cultural and
Social Change in the Krushchev Era. London: Routledge, 2006,
p.12.
30 DOBSON, Miriam. Show the Bandit-Enemies No Mercy! -Am-
nesty, Criminality and Public Response in 1953, in The Dilem-
mas of De-Stalinization, ed. Jones, p. 22.
31 JONES. The Dilemmas of De-Stalinization, p. 13.
32 ZUBBOK. Zhivago's Children, pp. 71 and 58.
33 Para Krushchev, a biografia definitiva é a de TAUBMAN, Wil-
liam. Krushchev: The Man and His Era. New York: W.W. Nor-
ton, 2002.
34 JONES, Polly. From the Secret Speech to the Burial of Stalin:
Real and Ideal Responses to De-Stalinization, in The Dilemmas
of De-Stalinization, p. 41.
35 ENGLISH, Robert D. Russia and the Idea of the West: Gor-
bachev, Intellectuals, and the End of the Cold War. New York:
Columbia Unbiversity Press, 2000, p. 109.
36 Um dos melhore livros acerca deste tópico continua sendo o de
LEONHARD, Wolfgang. Three Faces of Marxism: The Political
Concepts of Soviet Marxism, Maoism, and Humanist Marxism.
New York: Paragon Books, 1979, especialmente a parte que lida
com o desafio do marxismo humanista, pp. 258-352. Para um
tratamento abrangente do papel do revisionismo marxista, ver
KOtAKOWSKI. Main Currents, e WALICKI, Andrzej. Marxism
and the Leap to the Kingdom of Freedom: The Rise and Fali
of the Communist Utopia. Stanford, Calif.: Stanford University
Press, 1995.
37 Kolakowski citado em PIERSON, Stanley. Leaving Marxism:
Studies in the Dissolution of an Ideology. Stanford, Calif.: Stan-
ford University Press, 2001, pp. 134-35.
38 Stanislav Rassadin, o criador do conceito de shestidesiatniki, cit-
ado em ZUBOK. Zhivagos's Children, p. 162.
39 Dois clássicos acerca do revisionismo marxista na Europa Orien-
tal são LABEDZ, Leopold, ed., Revisionism: Essays on the His-
tory of Marxist Ideas. New York: Praeger 1962 e LEONHARD.
The Three Faces of Marxism.

421
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

40 WILGOHS, Jan. POLLACK, Detlef. Comparative Perspectives


on Dissent and Opposition to Communist Rule, in Dissent and
Opposition in Communist Eastern Europe: Origins of Civil So-
ciety and Democratic Transition. Burlington, Vt.: Ashgate, 2004,
pp. 231-64.
41 Jack Kuron and Karol Modzelewski foram presos por seu en-
volvimento na distribuição deste documento. Ver FALK, Barba-
ra. The Dilemmas of Dissidence in East-Central Europe: Citizen
Intellectuals and Philosopher Kings. Budapest: Central European
University, 2003, p. 17; KURON, Jacek. La foi et la faute: A la
rencontre et hors du communism. Paris: Fayard, 1991.
42 GORBACHEV, Mikhail. MLYNAR, Zdenek. Conversation with
Gorbachev: On Perestroika, the Prague Spring, prefácio de Ar-
chie Brown e Mikhail Gorbachev. New York: Columbia Univer-
sity Press, 2002, pp. 56-58.
43 Cf. MICHNIK, Adam. Letters from Prison and Other Essays.
Berkeley: University of California Press, 1985, p. 135.
44 JONES. Introduction, in The Dilemma of De-Staliniza,tion, p. 5.
45 JONES, From the Secret Speech, in ibid, p. 41.
46 JONES, Introduction, in ibid. Por exemplo, durante os primeiros
anos depois da morte de Stálin, houve em Moscou uma prolife-
ração de "kompany - círculos de amigos, grupos informais con-
sistindo principalmente em pessoas educadas de seus vinte, trinta
anos[ ...]. Os numeroso grupos de amigos trnasformaram-se num
substituto para as 'editoras, salões, painéis públicos, confessioná-
rios, salas de concerto, bibliotecas, museus, grupos de aconselha-
mento, círculos de costura, clubes de crochê, câmaras de comér-
cio, bares, clubes, restaurantes, cafés, agências de casamento, e
seminários de literatura, história, filosofia, lingüística, economia,
genética, física, música e artes"'. Esses grupos informais repre-
sentavam uma fonte do renascimento da sociedade civil na União
Soviética. Ver ZUBOK. Zhivago's Children, pp. 47-48.
47 Ver o capítulo de Stanley Pierson acerca da jornada intelectual
de Leszek Kolakowski do revisionismo até o dissenso em Lea-
ving Marxism, pp. 128-74; GORMAN, Robert A. Biographical
Dictionary ofNeo-Marxism. Westport, Conn.: Greenwood Press,
1985, pp. 232-34.
48 ZUBOK. Zhivago's Children, pp. 214-15.

422
NOTAS

49 KORSCH, Karl. Marxisme et philosophie. Paris: Editions de


Minuit, 1964, p. 39. Para o que diz respeito ao panorama fi-
losófico e o significado contemporâneo do radicalismo hegelia-
no-marxista, cf: KORSCH, Karl. Marxisme et contre-révolution.
Paris: Seuil, 1975; KORSCH, Karl. L'anti Kautsky (La conception
matérialiste de l' histoire). Paris: Champ Libre, 1973; BREINES,
Paul. Korsch's Road to Marx. Telos, nº 26; e CERUlTI, Furio.
Lukács and Korch: on the Emancipatory Significance of the Dia-
lectics in Criticai Marxism. Telos, nº 26, publicado originalmente
in Oskar Negt, ed., Aktualitat und Folgen der Philosophie Hege-
ls. Frankfurt: Suhrkamp, 1970. Geralmente, quanto ao marxismo
crítico, ver ANDERSON, Perry. Sur le marxisme occidental. Paris:
Maspero, 1977; VRANICKI, Predrag. Storia dei Marxismo, vols.
1-2. Roma: Editoru Riuniti, 1972; LÕWY, M. Pour une sociolo-
gie des intellectuals révolutionnaires - L' évolution politique de
Lukács, 1909-1929. Paris: Maspero, 1976; MCINNES, Neil. The
Western Marxists; Newport, N.Y.: Free Press, 1972. Temos de
mencionar aqui as contribuições relevantes de tais autores como
Andrew Arato, Dick Howard,Jean-Michel Palmier, Paul Piccone,
Jean-Marie Vincent, Pierre V. Zima, Richard J. Bernstein, Aldo
Zanardo, Albercht Wellmer, N. Tertulian, e Agner Heller. Publi-
quei na Romênia vários estudos acerca do marxismo ocidental
no ]ournal of Philosophy e um livro acerca de The New Left and
the Frankfurt School. Bucharest: Editura Politicã, 1976.
50 Para os fundamentos ideológicos do regime comunista da Ale-
manha Oriental, cf. HOLMES, Leslie. The Significance of Marx-
ism Dissent to the Emergence of Postcommunism in the GRD, in
The Road to Disillusion: From Criticai Marxism to Post-commu-
nism in Eastern Europe, ed. Raymond Taras. Armonk, N. Y.: M.
E. Sharpe, 1992, pp. 57-80, e FULBROOK, Mary. The People's
State: East German Society from Hitler to Honecker. New Hav-
en, Conn.: Yale University Press, 2005.
51 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currentes of Marxism, vol. 3: The
Breakdown. Oxford University Press, 1978.
52 ENGLISH. Russia and the Idea of the West, p. 122.
53 ARBATOV, Georgy citado em ibid., p. 50.
54 ZINOVYEV, Alexandre. Nous et [' Occident. Lausanne: L' Age d'
Homme, 1981, p. 13.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

55 HOWARD, Dick. The Specter of Democracy. New York: Colum-


bia University Press, 2002, pp. 7-17.
56 ZUBOK. Zhivago's Children, p. 192.
57 FEHÉR, Perene. The Language of Resistance: "Criticai Marx-
ism" versus "Marxism-Leninism" in Hungary, in The Road to
Disillusion, ed. Taras, pp. 41-56.
58 GRUENWALD, Oskar. The Yugoslav Search for Man: Marxism
Humanism in Contemporary Yugoslavia. South Hadley, Mass.:
J.F. Bergin, 1983. Um momento em que o pensamento crítico no
Ocidental se uniu com o espírito revisionaista no Oriente para
advogar o marxismo humanista foi o livro editado por Erich
Fromm em 1965 e intitulado Socialist Humanism. London: Allen
Lane and Penguin Press, 1967. Incluía trinta e cinco contribui-
ções de pensadores marxistas e não marxistas, as quais indica-
vam o ânimo dos anos de 1960 de oferecer uma interpretação
humanista de Marx libertado das garras hegemônicas soviéticas.
59 KOtAKOWSKI. Main Currents, vol. 3; TISMÃNEANU. The
Crisis of Marxist Ideology in Eastern Europe.
60 HORVATH. TheSolzhenitsynEffect,pp 895-96.VerTISMÃNEA-
NU, Vladimir, ed. The Promises of 1968: Crisis, Illusion, Utopia.
Budapest and New York: Central European University Press,
2010.
61 MARWICK, Arthur. The Sixties: Cultural Revolution in Brit-
ain, France, Ita/y and the United States, e. 1958-c. 1974. Oxford
and New York; Oxford University Press, 1998, p. 10. Marwick
definiu este conceito como "a crença de que a sociedade em que
habitamos é a sociedade burguesa má, mas que, por sorte, esta
sociedade está num estado de crise, de tal modo que a boa socie-
dade que está iminente pode ser facilmente obtida se trabalhar-
mos sistematicamente para destruir a linguagem, os valores, a
cultura e a ideologia da sociedade burguesa".
62 }UDT, Tony. Postwar: A History of Europe since 1945. New
York: Penguin, 2005, p. 401.
63 HELLER, Agnes. The Year 1968 and Its Results: An East Euro-
pean Perspective, in Promises of 1968, ed. Tismãneanu, pp. 155-
63.
64 A descrição de Zubok da geração dos "filhos de Jivago" mostra
agora, no final dos anos de 1960, que a inte//igentsia russa co-
meçou a perder qualquer esperança de reformar o comunismo
NOTAS

de estilo soviético. O processo Sinyavski-Daniel e a publicação


de Chronicle of Current Events de Nata lia Gorbanevskaya (que
Peter Reddaway chamou "o diário de uma união embrionária de
liberdades civis") assinalaram a mudança para a pesquisa de um
discurso alternativo acerca da democracia entre os intelectuais
soviéticos. Outro efeito colateral de 1968 foi "a reinvenção da
Rússia,, (Y. Brudny). Cf. ZUBOK. Zhivago's Children; BRUDNY,
Yitzahk M. Reinventing Russia: Russian Nationalism and the So-
viet State, 1953-1991. Cambridge, Mass., and London: Harvard
University Press, 1998; e REDDAWAY, Peter, ed. Uncensored
Russia: The Human Rights Movement in the Soviet Union, com
prefácio de Julius Telesin. London: J. Cape, 1972.
65 ZUBOK. Zhivago's Children, p. 296.
66 CERNIAYEV, V. citado em ZASLAVSKY, Victor. The Prague
Spring: Resistance and Surrender of the PCI, in Promises of
1968, ed. Tismãneanu, p. 406.
67 JUDT. Postwar, p. 447.
68 AUSTER, Paul. The Accidental Rehei. New York Times, 23 de
abril de 2008; HERF, Jeffrey. 1968 and the Terrorist Aftermath
in West Germany, in Promises of 1968, ed. Tismãneanu, p. 363.
69 JUDT. Postwar, p. 449. Wallerstein ofereceu uma leitura diferen-
te de 1968. Em vez de ver nele o começo do fim da política de
massa radical ou revolucionária, Wallerstein entendeu-o como o
ponto de partida da globalização e generalização de movimentos
anti-sistêmicos: a "colisão do arco-íris" aplicada à "cooperação
trans-zonal" - a única maneira em que uma "transformação de-
sejável da economia mundial capitalista é possível". Entretanto,
sua convicção de que esses movimentos estavam situados fora
ao invés de dentro (como na análise de Judt e de outos autores)
foi a fonte real de sua frustração: não apareceu "uma estratégia
alternativa completamente coerente". Wallerstein estava correto
em afirmar que "a importância real da Revolução de 1968 é me-
nos crítica do passado do que as questões que levantou acerca
do futuro". Mas, como os levantes de 1989 (o ano de publica-
ção deste artigo) demonstraram, os anos 1960 atingiram a re-
criação do centro, em vez do reforço e reinvenção dos extremos.
Cf. WALLERSTEIN, Imannuel. ZUKIN, Sharon. "1968", Revo-
lution in the World-System; Theses and Queries. Theory and So-
ciety 18, nº 4, julho de 1989: 442-48. Parafraseando Marwick, o
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

movimento social que se desenvolveu imediatamente depois dos


anos 1960 não confrontou suas sociedades, mas, ao contrário,
permeou-as e transformou-as.
70 MORIN, Edgar. LEFORT, Claude. CASTORIADIS, Cornelius.
La breche: Premieres réfl.exions sur les évenements. Paris: Fau-
yard, 1968.
71 MAIER, Charles. Conclusion: 1968- Did lt Matter?, in Promises
of 1968, ed. Tismãneanu, p. 423.
72 Ver a introdução de Paul Berman in A Tale of Two Utopias: The
Political ]ourney of the Generation of 1968. New York: W.W.
Norton, 1996.
73 Cf. TISMÃNEANU, Vladimir. Reinventing Politics: Eastern Eu-
rope from Stalin to Havei. New York: Free Press, 1992, brochura
com novo posfácio, 1993.
74 ENGLISH. Russia and th Idea Of West, p. 100.
75 Ibid., pp 108-9.
76 Ibid., p. 114.
77 Estou parafraseando a avaliação de Alain Besançon do projeto
de Gorbachev de reforma em seu artigo "Breaking the Spell", in
Can the Soviet System Survive Reform? Seven Colloquies about
the State of Soviet Socialism Seventy Years after the Bolshevik
Revolution, ed. George R. Urban. London: Pinter, 1989. A revista
Slavic Review reacendeu esta discussão através da publicação,
no outono de 2004, do ensaio de Stephen F. Cohen "Was the
Soviet System Reformable?" juntamente com respostas de Archie
Brown, Mark Kramer, Stephen Hanson, Karen Dawisha e Georgi
Derluguian.
78 Citado em PONS, Silvio. Western Communists, Gorbachev, and
the 1989 Revolutions. Journal of European History 18, 2009:
366.
79 KONTOROVICH, Vladimir. The Economic Fallacy. National In-
terest 31, primavera de 1993: 35- 45.
80 HANSON, Stephen E. Gorbachev: The Last True Leninist Be-
liever?, in The Crisis of Leninism and the Decline of the Left:
The Revolutions of 1989, ed. Daniel Chirot. Seattle: University of
Washington Press, 1991, p. 54. Ver também HANSON, Stephen
E. Post-Imperial Democracies: Ideology and Party Formation in
Third Republic France, Weimar Germany, ant Post-Soviet Russia.
Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
NOTAS

81 ZUBOK. Zhivago's Children, p. 335.


82 KOTKIN, Stephen. Armageddon Averted: The Soviet Collapse,
1970-2000. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 27. Mark
Kramer, que desenvolveu o ponto de vista de Kotkin, reforça seu
argumento acerca da recusa de Gorbachev em continuar a safar-
-se dos anos de estagação, citando uma afirmação notável feita
por Islam Karimov durante um encontro do Politburo em janeiro
de 1991: "De volta a 1985, Mikhail Sergeevich, se posso dizer
isso, não tinhas de lançar a Perestroika [... ]. Tudo teria conti-
nuado como era e terias prosperado e nós teríamos prosperado.
E não teriam ocorrido nenhumas catástrofes de nenhum tipo".
KRAMER, Mark. The Reform of the Soviet System and the De-
mise of the Soviet State. Slavic Review 63, nº 3, outono de 2004:
505-12.
83 BROWN, Archie. The Rise and Fali of Communism. London:
Bodely Head, 2009, p. 598.
84 Para uma análise sintética das várias tendências de pensamento
que nasceram na URSS pós-stalinista e que levaram, no final dos
anos de 1980, ao colapso do marxismo-leninismo como ideolo-
gia estatal, ver BROWN, Archie, ed. The Demise of Marxism-Le-
ninism in Russia. London Palgrave Macmillan, 2004.
85 ENGLISH, Robert. The Sociology of New Thinking: Elites, Iden-
tity Change, and the End of the Cold War. Journal of Cold War
Studies 7, nº 2, primavera de 2005: 43-80.
86 BROWN,Archie. Seven Years That Changed the World: Perestroi-
ka in Perspective. London: Oxford University Press, 2007. Ver
também sua pesquisa anterior acerca de Gorbachev e o rescaldo
da Perestroika: BROWN, Archie. The Gorbachev Factor. Oxford
Oxford Univerity Press, 1996; e BROWN Archie. SHEVTSOVA,
Lilia, eds. Gorbachev, Yeltsin, Putin: Political Leadership in Rus-
sia's Transition. Washington, D. C.: Carnegie Endowment for In-
ternational Peace, 2001.
87 ZUBOK. Zhivago's Children, p. 120.
88 Para uma análise das transformações dentro da liderança soviéti-
ca e dos altos escalões do Partido Comunista da União Soviética
nas últimas décadas da URSS, ver HOUGH, Jerry F. Democra-
tization and Revolution in the URSS, 1985-1991. Washington,
D.C.: Brookings Institution Press, 1997; e Soviet Leadership in
Transition. Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 1980.
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

89 Ver ALBATOV, Georgii. The System: An Insider's Life in Soviet


Politics. New York: Times Books, 1992, e YAKOLEV, Aleksandr.
The Fate of Marxism in Russia. New Haven, Conn.: Yale Univer-
sity Press, 1993.
90 ENGLISH. The Sociology of New Thinking, p. 76. O artigo de
R. English é parte de um número temático da ]ournal of Cold
War Studies 2 {primavera de 2005) acerca do papel das idéias no
final da Guerra Fria e do colapso da União Soviética. Ver tam-
bém TANNENWALD, Nina. WOHLFORTH, William C. Intro-
duction: The Role of Ideas and the End of the Cold War, 3-12;
TANNENWALD, Nina. Ideas and Explanation: Advancing the
Theoretical Agenda, 13-42; BENNETT, Andrew. The Guns That
Didn't Smoke: Ideas and the Soviet No-use of Force in 1989, 81-
109; THOMAS, Daniel C. Human Rights Ideas, the Demise of
Communism, and the End of the Cold War as a Hard Case for
Ideas, 165-73.
91 Para uma história intelectual da ascendência deste grupo e de
suas idéias, ver ENGLISH. Russia and the Idea of the West.
92 TUCKER, Robert C. Political Culture and Leadership in Soviet
Russia: From Lenin to Gorbachev. New York and London: WW.
Norton, 1987, p. 132.
93 Pravda, 6 de fevereiro, 1990.
94 Cf. GORBACHEV e MLYNAR. Conversations with Gorbachev,
pp. 56-58.
95 Ver os comentários nesta linha em COHEN, Stephen F. Was the
Soviet System Reformable?. Slavic Review 63, nº 3, outono de
2004: 459-88; BROWN, Archie. The Soviet Union: Reform of
the System or Systemic Transformation?. Slavic Review 63, nº 3,
outono de 2004: 489-504; e KRAMER, Mark. The Reform of
the Soviet System, p. 506.
96 CHERNYAV, Anatoly S. My Six Years with Gorbachev, trad. e
ed. Robert D. English e ElizabetTucker. University Park: Pennsyl-
vania State University Press, 2000, p. 105.
97 THOMAS, Daniel C. Human Rights Ideas, the Demise of Com-
munism, and the End of the Cold War. journal of Cold War Stud-
ies 7, nº 2, primavera de 2005: 129.
98 BROWNS. Seven Years, p. 157.
99 DING, X.I. Institutional Amphibiousness and the Transition
from Communism: The Case of China. British journal of Politi-
cal Science 24, julho de 1994: 293-318.
NOTAS

100 Estou empregando a terminologia de Frederick Corney. Cf. COR-


NEY. What Is to Be Done, p. 267.
101 Citado em LEVESQUE,Jacques. The Enigma of 1989: The URSS
and the Liberation of Eastern Europe. Los Angeles and London:
University of California Press, 1997. Cf. YAKOVLEV, Aleksand-
er. Ce que nous voulons faire de l' Union Soviétique: Entretiens
avec Lilly Marcou. Paris: Le Seuil, 1991, p. 104.
102 Cf. Labor Focus on Eastern Europe 9, nº 3, novembro de 1987-fe-
vereiro de 1988: 5-6.
103 COHEN, Stephen. Was the Soviet System Reformable?, pp. 487-
88.
104 BROWN. The Soviet Union, pp. 494-95.
105 DAWISHA, Karen. The Question of Questions: Was the Soviet
Union Worth Saving?. Slavic Review 63, nº 3, outono de 2004:
513-26; e HANSON, Stephen. Reform and Revolution in the
Late Soviet Context. Slavic Review 63, nº 3, outono de 2004:
527-34.
106 HANSON. Reform and Revolution, p. 533. Não é nenhuma
surpresa que Stephen Cohen, que, por seu trabalho acadêmico
procurou encontrar a solução sempre esquiva acima (Bukharin,
Gorbachev) para contrapor à Grande Fratura de Stálin, rejei-
ta argumentos em favor de urna revolução anti-soviética desde
baixo. Para as descrições do desenvolvimento de políticas alter-
nativas desde baixo antes e durante o governo de Gorbachev,
ver FISH, Steven M. Democracy from Scratch: Opposition and
Regime in the New Russian Revolution. Princeton, N. J.: Princ-
eton University Press, 1995; BEISSINGER, Mark R. Nationalist
Mobilization and the Collapse of the Soviet State. Cambridge
and New York: Cambridge University Press, 2002; WALKER,
Edward W. Dissolution: Sovereignty and the Breakup of the
Soviet Union. Lanham: Rowman & Littlefield, 2003; também,
CONNOR, Walter D. Soviet Society, Public Attitudes, and the
Perls of Gorbachev's Reforms: The Social Context of the End of
the USSR. Journal of Cold War Studies 5, nº 4, outono de 2003:
43-80; TUMINEZ, Astrid S. Nationalism, Ethnic Pressures, and
the Break-up of the Soviet Union. Journal of Cold War Studies 5,
nº 4, outono de 2003: 81-136; e KRAMER, Mark. The Collapse
of East European Communism and the Repercussion within the
Soviet Union: Part 1. Journal of Cold War Studies 5, nº 3, outono
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

de 2003): 178-256; KRAMER. The Col/apse of East European


Communism and the Repercussion within the Sovíet Union: Part
2. Journal of Cold War Studies 6, nº 4, outono de 2004: 3-64;
KRAMER. The Collapse of East European Communism and the
Repercussion within the Soviet Union: Part 3. Journal of Cold
War Studies 7, nº 1, inverno de 2005: 3-96.
107 KRAMER. The Collapse: Part 1, p. 214.
108 GORBACHEV e MLYNÁR. Conversations, pp.11-21.
109 LEVESQUE. The Enigma of 1989, pp. 3-5 e 252-58.
110 BROWN. The Soviet Union, p. 489.
111 HAVEL, Václav et al. The Power of the Powerless: Citizens
against the State in Central-Bastem Europe. Armonk, N. Y.: M.E.
Sharpe, 1985, pp. 33-34.
112 Ibid., p. 35.
113 KRAMER. The Collapse: Part 3, pp. 69 e 94. Para sua discussão
dos "efeitos de demonstração" para a União Soviética, ver The
Collapse: Part 2.
114 Ao fazer esta afirmação, o historiador invoca a autoridade dos
pais fundadores do movimento de direitos humanos soviéticos,
Raisa Orlova e Lev Kopelev. Cf. ZUBOK. Zhivago's Children, p.
265.
115 KONRÁD, George. Antipolitics. San Diego, Calif: Harcout Brace
Jovanovkh,1984,p.123.
116 FALK. The Dilemmas of Dissidence, p. 313.
117 HORVATH. The Solzhenitsyn Effect, p. 907. Cf. também
PLAMPER, Jan. Foucault's Gulag. Kritika: Explorations in Rus-
sian and Eurasian History, nº 3, nº 2, primavera de 2002: 255-80.
118 Estou desenvolvendo o argumento de Neil Robinson in What
Was Soviet Idology? A Comment on Joseph Schull and an Al-
ternative. Political Studies 43, 1995: 325-32. Cf. também ROB-
INSON, Neil. Ideology and the Col/apse of the Soviet System: A
Criticai History of Soviet Ideological Discourse. Aldershot and
Hants: E. Elgar, 1995.
119 There's More to Politics than Human Rights, uma entrevista com
G.M. Tamás. Uncaptive Minds 1, nº 1, abril-maio de 1988: 12.
120 HARASZTI, Miklós. The Velvet Prison: Artists under State So-
cialism. New York: Basic Books, 1987.
121 LIPSKI, Jan Josef. KOR: A History of the the Workers' Defense
Committee 1976-19 81 . Berkeley; University of California Press,
1985.

430
NOTAS

· 122 FEHÉR, Ferenc. HELLER, Agner. MÁRKUS, Gyorgy. Dictator-


chip over Needs. London: Basil Blackwell, 1983, p. 137.
123 BROWN. Rise and Fali, p. 588.
124 ARNASON, Johann P. Communism and Modernity, in Multiple
Modernities, coletânea, Daedalus 129, nº 1, inverno de 2000:
61-90.

5. Ideologia, utopia e verdade


1 LICHIHEIM, George. Thoughts among the Ruins: Collected Es-
says on Europe and Beyond. New Brunswick, N.J.: Transaction
Books, 1973; TISMÃNEANU, Vladimir. The Crisis of Marxist
Ideology in Eastern Europe: The Poverty of Utopia. London and
New York: Routledge, 1988; HELLER, Agnes. FEHÉR, Perene.
The Grandeur and Twilight of Radical Universalism. New Bruns-
wick, N.J.: Transaction Books, 1991; LASKY, Melvin J. Utopia
and Revolution. Chicago: Univesity of Chicago Press, 1976.
2 Ver a discussão do conceito de Jan Patocka da super-civilização
in FINDALY, Edward F. Caring for the Soul in a Postmodern Age:
Politics and Phenomenology in the Thought of]an Patocka. Alba-
ny: State University of New York Press, 2002, pp. 126-27.
3 AVINERI, Shlomo. STERNHELL, Zeev. Europe's Century of
Discontent: The Legacies of Fascism, Nazism, and Communism.
Jerusalem: Hebrew University Magnes Press, 2003; ]UDT, Tony.
Postwar: A History of Europe since 1945. New York: Penguin
Press, 2005; WASSERSTEIN, Bernard. Barbarism and Civiliza-
tion: A History of Europe in Our Time. Oxford University Press,
2007.
4 ROSENTHALL, Bernice Glatzer. Introduction, in Nietzsche and
Soviet Culture: Ally and Adversary. Cambridge; Cambridge Uni-
versity Press, 1994, p. 17. Cf. também ROSENTHALL. New
Myth, New World- from Nietzsche to Stalinism. University Park:
Pennsylvania State University Press, 2002.
5 Ver a discussão acerca dos experimentos totalitários e religiões
seculares em ARON, Raymond. The Dawn of Universal History:
Selected Essays from a Witness to the Twentieth Century. New
York: Basic Books, 2002; CONQUEST, Robert. Refiections on a
Ravaged Century. New York: Norton, 2000, pp. 57-84; GLEA-
SON, Abbott. Totalitarianism: The Inner History of the Co/d
War. New York: Oxford University Press, 1995.

431
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

6 Cf. ARENDT, Hannah. The Origins of Totalitarianism. San Di-


ego, Calif.: Harcourt Brae Jovanovich, 1973, pp. 458 e 459.
7 GEYER, Michael. Introduction, in Beyond Totalitarianism:
Stalinism and Nazism Compared, ed. Michael Geyer and Sheila
Fitzpatrick. New York: Cambridge University Press, 2009, p. 28.
8 TALMON, Jacob L. Myth of the Nation and Vision of Revo-
lution: Ideological Polarizations in the Twentieth Century. New
Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 1991, e LICHTHEIM,
George. The Concept of Ideology and Other Essays. New York:
Random House, 1967.
9 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: The Found-
ers, the Golden Age, the Breakdown, trad. P. S. Falla. New York:
W.W. Norton, 2005, p. 1214.
10 YACK, Bernard. The Longing for Total Revolution: Philosoph-
ic Sources of Social Discontent from Rousseau to Marx ad Ni-
etzsche. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1986.
11 FINDLAY. Caring the Soul, p. 157.
12 FEHÉR, Ferenc. Marxism as Politics: An Obituary. Problems of
Communism 41, nº 1-2, janeiro-abril de 1992: 11-17.
13 TUCKER, Robert C. Philosophy and Myth in Karl Marx. Cam-
bridge and New York: Cambridge University Press, 1972.
14 GOLDMANN, Lucien. Marxism et sciences humaines. Paris:
Gallimard, 1970.
15 TUCKER, Robert C., ed. The Marx-Engels Reader, 2ª ed. New
York and London: W.W. Norton, p. 488.
16 Ibid., p. 500. Vale a pena notar que todos os jornais comunistas
na URSS, China e em outros regimes de estilo soviético, assim
como os diários comunistas em países não-comunistas, porta-
vam a última sentença exortatória do Manifesto no topo da pri-
meira página, acima de seus títulos. É também significativo que
Václav Havei, ao descrever o "esvaziamento" dos rituais ideoló-
gicos nos regimes leninistas, recorreu à parábola de um verdurei-
ro que descobriu sua liberdade e se reinventou como cidadão, ao
se recusar a pôr na janela, no dia 1 de maio, o pôster entregue
pelo partido com as palavras agora sem sentido: "Operários de
todos os países, uni-vos!".
17 lbid. pp. 482-83.
18 Ibid., pp. 483-84.

432
NOTAS

19 LUXEMBURG, Rosa citada em LIH, Lars T. Lenin Rediscov-


ered: "What Is to Be Done?", in Context. Chicago: Haymarker
Books, 2008, p. 527.
20 KOtAKOWSKI. Main Currents, p. 770.
21 APPLEBAUM, Anne. Dead Souls: Tallying the Victims of Com-
munism. Weekly Standard, 13 de dezembro de 1999, http://www.
anneapplebaum.com/, acessado em 1 de outubro de 2011.
22 Cf. ZIZEK, Slavoj, ed. Revolution at the Gates: Selected Writings
of Lenin from 1917. London: Verso, 2002, p. 113 (itálicos de
Lênin).
23 HORVATH, Robert. The Legacy of Soviet Dissent: Dissents, De-
mocratisation and Radical Nationalism in Russia. London: Rout-
ledge, 2005, p. 20.
24 Para um tratamento arguto dos temas principais do marxismo e
uma avaliação do que está morto e vivo nessa doutrina, cf. EL-
STER, Jon. An Introduction to Karl Marx. Cambridge and New
York: Cambridge University Press, 1988, pp. 186-200; ISAAC,
Jeffrey C. Power and Marxist Theory: A Realist View. lthaca, N.
Y., and London: Cornell University Press, 1987. O livro magistral
de AVINERI, Shlomo. The Social and Political Thought of Karl
Marx. Cambridge and New York: Cambridge University Press,
1968, que apareceu por ocasião do centésimo qüinquagésimo
aniversário do nascimento de Marx (um ano cheio de pathos
revolucionário, ilusões e utopias ressuscitadas), continua sendo
uma discussão muito útil do conceito de Marx de revolução. Vale
a pena transcrever a conclusão de Avineri quanto à relação entra
marxismo e bolchevismo: "Tem-se de reconhecer que, com todas
as diferenças entre Marx e o comunismo soviético leninista, o
leninismo teria sido inconcebível sem o marxismo" (p. 258).
25 Cf. CROSSMAN, Richard H., ed. The God That Failed, com
prefácio de Davis C. Engerman. New York: Columbia Univer-
sity Press, 2001. Para um tratamento perspicaz da literatura de
desencantamento anti-totalitário, cf. FLEMING, John V. The
Anti-Communist Manifestos: Four Books That Shaped the Cold
War. New York: Norton, 2009. Uma contribuição notável para o
tópico é a de SCAMMELL, Michael. Koestler: The Literary and
Political Odyssey of a Twentieth- Century Skeptic. New York:
Random House, 2009.

433
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

26 Cf. a soberba biografia de PUGLIESE, Stanislao. Bitter Spring: A


Life of lgazio Silone. New York: Farrar Straus and Giroux, 2009,
p. 105. Ao contrário de muitos camaradas ex-comunistas, Silone
permaneceu ligado aos ideais de uma esquerda democrática, de-
finindo-se a si mesmo como "um cristão sem Igreja, um socialista
sem partido" (p. 244).
27 Cf. FEHÉR, Ferenc. HELLER, Agnes. Eastern Left, Western Left:
Totalitarianism, Freedom, and Democracy. Atlantic Highlands,
N. J.: Humanities Press International, 1987, especialmente "An
Imaginary Preface to the 1984 Edition of Hanna Arendt's The
Origins ofTotalitarianism", e "ln the Bestiarium: A Contribution
to the Cultural Anthropology of 'Real Socialism'", pp. 243-78.
28 HAVEL, Václav. The Power of the Powerless, in Open Letters:
Selected Writings, 1965-1990. New York: Vintage Books, 1992,
p. 136.
29 SCOIT, James C. Seeing Like a State: How Certain Schemes to
Improve the Human Condition Have Failed. New Haven, Conn.:
University of Pittsburgh Press, 2000, p. 191.
30 TUCKER, Aviezer. Philosophy and Politics of Czech Dissidents
from Patoéka to Havei. Pittsburgh, Penn.; University of Pitts-
burgh Press, 2000, p. 191.
31 IJABS, lvars. "Politics of Authenticity" and/or Civil Society, in
ln Marx's Shadow: Knowledge, Power, and ltellectuals in East-
ern Europe and Russia, ed. Costica Bradatan and Serguei Ales.
Oushakine. Lanham: Lexington Books, 2010, p. 246.
32 FINDLAY. Caring for the Sou/, p. 150.
33 BADATAN, Costica. Philosophy and Martyrdom: The Case of
]an Patoéka, in ln Marx's Shadow, ed. Bradatan and Oushalkine,
p. 120.
34 Ibid.
35 IJABS. "Politics of Autenticity" andlor Civil Society, p. 255.
36 HAVEL, Vàclav. The Post-Communist Nightmare. New York Re-
view of Books 27, maio de 1993: 8.
37 KONRÁD, George. The Melancholy of Rebirth: Essays from
Post-Communist Central Europe, 1989-1994. San Diego: Har-
court Brace, 1995, p. 101.
38 FINDLAY. Caring for the Sou/, pp. 141-42.
39 TUCKER. Philosophy and Politics, p. 136.

434
NOTAS

40 WEITZ, Eric D. A Century of Genocide: Utopias of Race and


Nation. Princeton, N.J., and Oxford: Princeton University Press,
2003, pp. 54-55.
41 KOtAKOWSKI. Main Currents of Marxism, p. 1212.
42 WALICKI, Andrzej. Marxism and the Leap to the Kingdom of
Freedom: The Rise and Fali of the Communist Utopia. Stanford,
Calif.: Stanford University Press, 1995, pp. 5-13. Para uma com-
paração interessante do tratamento de Walicki de outras tentativas
fundamentals de avaliar o grau de influência do marxismo-leninis-
mo na política soviética e dinâmica sistêmica, cf. PRIESTLAND,
David. Marx and the Kremlin: Writing on Marxism-Leninism and
Soviet Politics after the Fali of Communism. Journal of Poitical
Ideologies 5, nº 3, 2000: 337-90. Por exemplo, Priestland enfatiza
que Walicki notou uma tensão entre a preocupação de Marx de
que o homem seja livre da subordinação a outros e sua exigência
de que o homem seja livre de dependência da natureza. Ele en-
tão inscreve esta observação, em comparação com outros autores
(incluindo N. Robinson, S. Hanson, M. Malia e M. Sandle), num
quadro maior das múltiplas dicotomias que caracterizaram o bol-
chevismo: "0 conflito entre participação e tecnocracia [...] o con-
flito entre voluntarismo e determinismo evolucionário [... ] a ten-
são entre uma posição que se poderia chamar 'radical populista'
[...] e um 'radicalismo elitista'". Antonio Gramsci escreveu acerca
da tensão entre fatalismo e voluntarismo como uma característica
permanente da teoria revolucionária.
43 LEFORT, Claude. Complications: Communism and the Dilem-
mas of Democracy. New York: Columbia University Press, 2007.
44 ROBINSON, Neil. What Was Soviet Ideology? A Comment on
Joseph Schull and an Alternative. Political Studies 43, 1995: 325-
32. Para uma aplicação pormenorizada de seu tratamento (o te-
/os da democratização radical e o comunismo vs o partido de
vanguarda), ver ROBINSON, Neil. Ideology and the colapse of
the Soviet System. Aldershot: E. Elgar, 1995.
45 WALKER, Rachel. Thinking about Ideology and Method: A
Comment on Schull. Political Studies 43, 1995; 333-42; e Marx-
ism-Leninism as Discourse: The Politics of the Empty Signifier
and the Double Blind. British Journal of Political Science 19,
1989: 161-89.

435
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

46 No Quinto capítulo ("Melancholy, Utopia and Reconcilia-


tion") de Another Country, Jan-Werner Mü111er apresenta um
exemplo excelente do argumento que estou desenvolvendo. O
escritor Jurek Becker (um ex-emigrado da RDA) afirmou que "de
algum modo, através de todas as experiências e para além de
toda a iluminação, houve a esperança de que os países socialistas
pudessem encontrar outro caminho. Agora isso terminou". Ao
justificar seu voto contra a reunificação, afirmou ele: "A coisa
mais importante acerca dos países socialistas não é nada visível,
mas uma possibilidade. Ali nem tudo foi decidido como aqui".
Ou Uwe Timm: "Tem-se de lembrar que o socialismo na RDA
foi uma alternativa para a RFA, supostamente uma alternativa
feia arriscada, inchada, mas ainda assim uma alternativa, e que
este 'socialismo real', a despeito de toda ossificação, teria sido
capaz de auto-transformação não é uma simples asserção. Isto é
demonstrado pelos movimentos democráticos de base" (minha
ênfase). MÜLLER, Jan-Werner. Another Country: German Intel-
lectuals, Unification, and National Identity. New Haven, Conn.,
and London: Yale University Press, 2000, p. 125, cf. também pp.
124-29.
47 ARON, Raymond. Memoirs: Fifty Years of Political Re-flection.
New York: Holmes and Meier, 1990, p. 414; TISMÁNEANU,
Vladimir. Despre communism: Destinul unei religii politice. Bu-
charest: Humanitas, 2011.
Em português, Do comunismo, o destino de uma religião política,
trad. Elpídio Mário Dantas Fonseca, conferência com o texto
romeno Cristina Nicoleta Mãnescu, Campinas, Vide Editorial,
2015-NT.
48 KOtAKOWSKI. Main Currents, p. 6.
49 Cf. MARX e ENGELS. Manifestul Partidului Comunist, ed. Cris-
tian Preda. Bucure~ti: Ed. Nemira, 1998, p. 150. O livro inclui o
Manifesto assim como algumas reações pós-1989 a ele.
50 Para a discussão Tamás-Ple~u, yer http://www.eurozine.com/ar-
ticles/2009-06-16-tamas-ro-html. Em minha própria discussão
com G.M. Tamás, argumentei que sua adesão ao enaltecimento
que Alain Badiou faz da "hipótese comunista" equivalia a uma
ignorância frívola das realidades históricas e uma rejeição im-
plícita da modernidade burguesa liberal. Cf. TISMÃNEANU,
Vladimir. Marxism histrionic (G.M. Tamás & co). Revista 22,
NOTAS

20 de julho de 2010, http://www.revista22.ro/articol-8603.html


(acessado em 24 de agosto de 2010).
51 Cf. TISMÃNEANU. Marxism histrionic; e TAMÁS, G.M. Un de-
lict de opinie, in Revista 22 (Bucharest), 2-26 de julho de 2010,
PP· 5-9.
52 Recensão de The Structural Crisis of Capital de MESZÁROS, Is-
tván. Monthly Review Press, 7 de fevereiro de 2012, http://www.
monthlyreview.org/books/strcturalcritsisofcapital.php, acessado
em 24 de agosto de 2010.
53 Para o lema famoso "O cinza é belo", cf. MICHNIK, Adam.
Letters from Freedom: Post-Cold War Realities and Perspec-
tives. Berkeley: University of Californi Press, 1998, pp. 317-27.
Quanto à relação entre idéias radicais e experimentos totali-
tários, cf. PATAPIEVICI, H.R. Palitice. Bucharest: Humanitas,
1996.
54 Examinei essa tendências em meu Fantasies of Salvation: Democ-
racy, Nationlism, and Myth in Post-Communist Europe. Prince-
ton, N.J.: Princeton University Press, 1998; paperback edition,
2009.
55 MONGIN, Olivier. Face au scepticisme: Les mutations du paysa-
ge intellectual ou/' invention de l' intellectual démocratique. Pa-
ris: Éditions La Découverte, 1994; do mesmo modo, Jorge Cas-
taneda enfatizou a transfiguração pós-utópica da política radical
na América Latina.
56 Por exemplo, a Escola de Budapeste (desde o velho Luckács até
Agnes Heller, Ferenc Fehér, Gyõrgy Márkus Mihaly Vajda, János
Kis, Gyõrgy Bence), os experimentos de Jacek Kurón, Krzystof
Pomian, Leszek Kolakowski e Zygmunt Bauman, o impacto de
Ernst Bloch nos revisionistas da Alemanha Oriental, e assim por
diante.
57 Por exemplo, Cario Roselli, Norberto Bobbio, Cornelius Casto-
riadis, Claude Lefort, Edgar Morin e Jean-François Lyotard.
58 Cf. ]UDT, Tony. Reappraisals, Refiections on the Forgotten Twen-
tieth Century. New York: Penguin Books, 2008, p. 133.
59 TARAS, Raymond, ed. The Road to Disillusion. Armonk, N.Y.:
M.E., Sharpe, 1992.
60 DJILAS, Milovan. Of Prisons and Ideas. San Diego, Calif., and
New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1984.

437
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

61 Walicki advoga um tratamento similar quando argumenta que,


por causa da diluição, domesticação e esvaziamento do mancis-
mo de seu aspecto revolucionário, se é levado a visar, hoje em
dia, a uma "desfamiliarização" do marxismo "prestando atenção
apropriada a suas carcterísticas milenárias". WALICKI, Andrzej.
Marxism and the Leap to the Kingdom of Freedom: The Rise and
Fali of the Communist Utopia. Stanford, Calif.: Stanford Univer-
sity Press, 1995, p. 2.
62 FINDLAY. Caring for the Soul, p. 132.
63 HAVEL, Václav. The Power of the Powerless, in The Power of the
Powerless, ed. Václav Havei et ai. Armonk, N. Y.: M.E. Sharpe,
1990, pp. 36-37.
64 HELLER, Agnes. Toward Post-Totalitarianism, in Debates on the
Future of Communism, ed. Vladimir Tismãneanu and Judith Sha-
piro. London: Macmillan, 1991, pp. 50-55; cf. HELLER, Agnes.
Legitimation Deficit and Legitimation Crisis in East European
Societies, in Stalinism Revisited: The Establishment of Commu-
nist Regimes in East-Central Europe, ed. Vladimir Tismãneanu.
Budapest and New York: CEU Press, 2009, pp. 143-60.
65 KOtAKOWSKI, Leszek. Totalitarianism and Lie. Comrnentary,
maio de 1983, p. 37.
66 Em meu Fantasies of Salvation: Democracy, Nationalism, and
Myth in Post-Communist Europe. Princeton, N. J.: Princeton
University Press, 1998, defini, com referência à análise de Eric
Hoffer do fanatismo político, a húbris ideológica como "a crença
firme de que há uma e apenas uma resposta às questões sociais, e
que o ideólogo é o único que a possui" (p. 28). Cf. também HO-
FER, Eric. The True Believer: Thoughts on the Nature of Mass
Movements. New York: Time, 1963; Elie Halevy, um pensador
francês que, nos anos de 1930, escreveu acerca da era da tirania
dominada pela "estatização do pensamento" e da "organização
do entusiasmo". Cf. TOSCANO, Alberto. Fanaticsm: On the
Uses of an Idea. London: Verso, 201 O, p. 206. As religiões políti-
cas foram também intrumentos de organização do ressentimento
social, da inveja e do ódio. Ver LIICEANU, Gabriel. Despre urã.
Bucharest: Humanitas, 2007.
Em português, Do ódio, Gabriel Liiceanu, trad. Elpídio Mário
Dantas Fonseca e conferência com o texto romeno Cristina Ni-
coleta Mãnescu, Vide Editorial, Campinas, 2015 - NT.
NOTAS

67 SHORTEN, Richard. François Furet and Totalitarianism: A Re-


cent Intervention in the Misuse of a Notion. Totalitarian Move-
ments and Political Religions 3, nº 1, verão de 2002: 10-11. Para
uma apresentação abrangente da análise que Lefort faz da ideo-
logia, cf. LEFORT, Claude. The Political Forms of Modern Socie-
ty. Oxford: Polity Press, 1986.
68 Estou parafraseando a conclusão de Ken Jowitt acerca do neo-
-tradicionalismo dos sistemas de tipo soviético. Cf. JOWITT, Ken.
New World Disorder; The Leninist Extinction. Berkeley and Los
Angeles: University of California Press, 1992, pp. 121-58. Cf. tam-
bém JOWITT, Ken. Stalinist Revolutionary Breakthroughs in East-
ern Europe, in Stalinism Revisited, ed. Tismãneanu, pp. 17-24.
69 GRIFFIN, Roger. ldeology and Culture. Journal of Political Ide-
ologies 11, nº 1, fevereiro de 2006: 77-99.
70 Cf. por exemplo KINZER, Stephen. ln "East Germany", Bad OI'
Days Now Look Good. New York Times, 27 de agosto de 1994.
Este tema restaurador foi a substância da campanha presidencial
do líder russo Gennady Zyuganov. Ele desafiou Boris Yeltsin em
nome de uma visão idealizada do passado histórico, valor herói-
co, solidariedade étnica e oposição às influências ocidentais cor-
ruptoras. E. g., REMMNICK, David. Hammer, Sickle, and Book.
New York Review of Books 23, maio de 1996: 44-51.
71 Estou juntando aqui duas afirmações essenciais que Ken Jowitt
fez em sua análise do leninismo e de seu legado. A primeira: "A
individuação política de uma cidadania potencial articulada tra-
tada desdenhosamente por uma organização política leninista in-
clusiva (não democrática), neo-tradicional (não modernizada) foi
a causa do colapso" (JOWITT, Ken. Weber, Trotsky and Holmes
on the Study of Leninist Regimes. Journal of lnternationa Affairs,
2001: 31-49). A segunda: "Deve ser igualmente claro que hoje
[1992) a realidade leste-européia dominante e compartilhada é a
grave fragmentação múltipla".
72 FINDLAY. Caring for the Sou/, p. 133.
73 KOtAKOWSKI, Leszek. Main Currents of Marxism: Its Origins,
Growth and Dissolution, vol. 3, The Breakdown. New York: Ox-
ford University Press, 1978, pp. 526-30.
74 ENGLISH, Robert D. Russia and the Idea of the West: Gor-
bachev, Intellectuals, and the End of the Cold War. New York:
Columbia University Press, 2000, p. 109.

439
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

75 KONRÁD, George. The Melancholy of Rebirth, p. 23.


76 O crítico literário Vladimir Potapov citado em HORVATH. The
Legacy, p. 1. Horvath descreve de maneira notável a natureza da
experiência associada à leitura do Arquipélago Gulag. Cita as
lembranças de Natalya Eksler acerca das peregrinações de uma
cópia do volume 2 que Andrei Amalrik deu a ela em 1976: "Foi
tomada de empréstimo por amigos, então devolvida, então to-
mada de empréstimo para os amigos dos amigos, e o livro dei-
xou minha casa por intervalos cada vez mais longos, antes de
reaparecer. Então desapareceu de algum modo por um período
longo. E já que alguns amigos queriam que seus filhos, que já
eram maiores, o lessem, tentamos trazê-lo de volta. Depois de um
tempo, dizem-nos: 'Esperem um pouco, por favor. Está nos Urais:
deixem-no circular, pois parece que é a única cópia aqui'. Espera-
mos mais alguns anos, e soubemos que estava agora na Ucrânia"
(p. 25).
77 Por exemplo, a maioridade do dissidente foi celebrada no Tea-
tre Récamier em junho de 1977, quando André Glucksmann e
Michel Foucault organizaram uma recepção para os intelectuais
franceses e os exilados dissidentes para protestarem contra a vi-
sita de Brejnev a Paris. Numa entrevista, Foucault explicou que
"pensamos que na noite quando o Sr. Brejnev fosse recebido com
grande pompa pelo Sr. Giscard D' Estaing, outros franceses pode-
riam receber outros russos que eram seus amigos". Essa hospita-
lidade marcou uma vasta reviravolta nas atitudes tomadas desde
a chegada de Brejnev em 1971, quando "dificilmente um mur-
múrio de crítica tinha sido desencadeado pela decisão das au-
toridades francesas de dar as boas vindas ao líder soviético com
uma batida policial de intelectuais emigrados leste-europeus, que
foram banidos para um hotel corso pelo tempo da visita". Cf.
HORVATH. The Solzhenitsyn Effect, p. 902.
78 HORVARH. The Legacy, p. 22.
79 Ibid., p. 24.
80 Vadim Medvedev, secretário de ideologia do Comitê Central, ci-
tado em HORVARTH. The Legacy, p. 6.
81 TUCKER. Philosophy and Politic, p. 117.
82 STRATH, Bo. Ideology and History. Journal of Political Ideolo-
gies 11, nº 1, fevereiro de 2006: 23-42.

440
NOTAS

83 Para a citação exata, cf. HAVEL, V. Sifra socialismus (Cipoher


Socialism). Junho de 1988, DRS, pp. 202-4; MA1USTIK, Martin
J. Havei and Habermas on Identity and Revolutions. Praxis Inter-
nacional 10, nº 3-4, outubro de 1990-janeiro de 1991: 261-77.
84 HAVEL, Václav. Letters to Olga. New York: Knopf, 1988, p. 145.
85 MATUSTIK. Havei and Habermas, p. 269.
86 HAVEL, Václav. The Post-Communist Nightmare, p. 48 .
87 Esta afirmação pertence a L. Kolakowski e aparece em sua en-
trevista com G. Urban, in URBAN, G.R., ed. Stalinism-Its Impact
on Russia and the World. London: Maurice Temple Smith, 1982,
p. 277.
88 LUKES, Steven. On the Moral Blindness of Communism. Human
Rights Review 2, nº 2, janeiro-março de 2001: 113-24.
89 HAVEL, Václav. New Year Address. East European Reporter 4, nº
1, inverno de 1989-1990: 56-58.
90 Escolhi um equivalente para a categoria de Umberto Eco para a
extrema direita, baseado na comunhão de características entre
o que ele rotula de fascismo originário e o que considero como
leninismo originário. Se se tomar cada característica do fascismo
originário apontada por Eco, pode-se encontrar uma caracterís-
tica correspondente do leninismo originário: o culto da tradição
baseada no sincretismo e a rejeição da modernidade capitalista
(pode-se apontar facilmente para o stalinismo do final dos anos
de 1930 e dos começos dos anos de 1950, para o nacional-sta-
linismo de Ceau~escu, para o prussianismo de Honecker, etc); o
culto da ação pela ação (o leninismo é fundamentalmente uma
ideologia centrada na mobilização que detesta o intelectualismo
e o que ele considera ser cultura pequeno-burguesa); a unidade
monolítica ("o partido de um novo tipo" ); o ódio da diferença
(homogeneização do social, i.e., "a sociedade de classes não-an-
tagonistas" ou anti-cosmopolitismo); a confiança na classe média
(o leninismo como um sistema social foi sustentado mediante
a criação de uma nova classe e a transformação de categorias
sociais por intermédio da revolução cultural); a "obsessão com
um conspiração" (é suficiente mencionar aqui as "21 Condições"
para a Terceira Internacional e o banimento de facções); anti-pa-
cifismo e a mentalidade de guerra permanente (ler "o aprofunda-
mento da guerra de classes" e "a revolução contínua"); o "des-
prezo pelo fracos" (o projeto do Homem Novo); o "populismo

441
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

seletivo" (tem-se apenas de pensar, entre outros muitos exemplos,


na campanha anti-semita de Gomulka na Polônia, em março
de 1968); a novilíngua (ler língua de pau). Cf. ECO, Umberto.
Ur-Fascism. New York Review of Books, 22 de junho de 1995; e
ECO, Umberto. Five Moral Pieces, trad. Alastair McEwen. New
York: Harcourt, 2002.
91 BRADATAN. Phi/osopy and Martyrdom, in Marx's Shadow, ed.
Bradatan and Oushakine, p. 120.
92 PREUSS, Ulrich Klaus. COLL, Ferran Requejo, eds. European
Citizenship, Multiculturalism, and the State. Baden Baden: No-
mos, 1998, p. 127.
93 Citado em LAWRENCE, Paul. Nationalism: History and Theory.
New York: Pearson Education, 2005, p. 170.
94 Cf. NODIA, Ghia. Rethinking Nationalism and Democracy in the
Light of the Post-Communist Experience, in National Identity
as an Issue of Knowledge and Morality: Georgian Phi/osophical
Studies, ed. N.V Chavchavadze, Ghia Nodia, and Paul Peachey.
Washington, D.C.: Paideia Press and the Council for Research in
Values and Philosophy, 1994, p. 54.
95 Para uma discussão do conceito de Bourdieu do habitus no con-
texto da análise do nacionalismo, cf. JAMES, Paul Warren. Glo-
balism, Nationalism, Tribalism: Bringing Theory Back. London:
Sage, 2006, pp. 55-57.
96 SMITH, Anthony D. Nationalism and Modernism: A Criticai
Survey of Recent Theories of the Nation. London: Routledge,
1998.
97 GRIFFIN, Roger. Introduction: God's Counterfeiters? Investigat-
ing the Triad of Fascism, Totalitarianism and (Political) Religion.
Totalitarian Movements and Political Religions 5, nº 3, inverno
de 2004: 305.
98 Cf. MANEA, Norman. Intellectuals and Social Change in Cen-
tral and Eastern Europe. Partisan Review, nº 4, outono de 1992:
573-74.
99 Para a política de intolerância na Croácia de Tudjman, cf. VEZIC,
Goran. A Croatian Reichstag Triai: The Case of Dalmatian Ac-
tion. Uncaptive Minds 7, nº 3, outono-inverno de 1994:17-24.
100 CERUTTI, Furio. Can There Be a Supranational Identity?. Phi-
losophy and Social Criticism 18, nº 2, 1992: 147-62.

442
NOTAS

101 Cf. MÜLLER, Jan-Werner. Constitutional Patriotism. Princeton,


N.J.: Princeton University Press, 2007.
102 Cf. STARR, S. Frederick, ed. The Legacy of History in Russia and
the New States of Eurasia. Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe, 1994;
SZPORLUK, Roman, ed. National Identity and Ethnicity in Rus-
sia and the New States of Eurasia. Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe,
1994.
103 HAVEL, Václav. To the Castle and Back. New York: Knopf, 2007,
p. 328.
104 KOTKIN, Stephen em colaboração com GROSS, Jan T. Uncivil
Society? 1989 and the Implosion of the Communist Establish-
ment. New York: Modem Libray, 2009, p. 116.
105 Jan Patocka citado em FINDLAY. Caring for the Sou/, p. 152.
106 HORVATH. The Legacy, p. 19.
107 APPLEBAUM. Dead Souls.
108 Para um tratamento informativo dos esforços contemporâneos
de fazer ressuscitar o marxismo, incluindo a desconcertante "ten-
dência teológica" inspirada pelos escritos de Jacob Taubes acerca
da escatologia paulina, cf. THERBORN, Gõran. From Marxism
to Post-Marxism. London: Verso, 2008.
109 NAIMARK, Norman. Stalin's Genocide. Princeton, N.J.: Princ-
eton University Press, 2010; TISMÃNEANU, Vladimir. Demo-
cacy and Memory: Romania Confronts Its Communist Past, in
The Politics of History in Comparative Perspective, ed. Martin O.
Heisler, coletânea, Annals of the American Academy of Political
Science 617, maior de 2008: 166-80.

6. Doença e ressentimento
1 Cf. URBAN, Jan. Europe Darkest Scenario. Washington Post,
Outlook Section, 11 de outubro de 1992, pp.1-2. Cf. TAMÁS, G.
M. Post-Fascism, in East European Constitutional Review, verão
de 2000: 48-56.
2 MICHNIK, Adam. The Velvet Restoration, in Revolutions of
1980, ed. Vladimir Tismãneanu. London: Roudedge, 1999, pp.
244-51.
3 Cf. TISMÃNEANU, Vladimir. Fantasies of Salvation: Democra-
cy, Nationalism and Myth in Post-Communist Europe. Princeton,
N.J.: Princeton University Press, 1998, paperback, 2009.

443
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

4 Para interpretações adicionais das implicações do tratamento


pioneiro de jowitt, cf. TISMÃNEANU, Vladimir. HOWARD,
Marc. SIL, Rudra, eds. World Order after Leninism. Seattle: Uni-
versity of Washington Pres, 2006.
5 Para uma análise meticulosa dos empregos do passado na Eu-
ropa pós-comunista, cf. JUDT, Tony. Postwar: A History of Eu-
rope since 1945. New York: Penguin Press, 2005, esp. After the
Fali: 1989-2005, pp. 637-776; e JUDT, Tony. The Past Is Another
Country: Myth and Memory in Post-War Europe: Studies in the
Presence of the Past, ed. Jan-Werner Müller. Cambridge: Cam-
bridge University Press, 2002, p. 180.
6 Cf. OUTHWAITE, William. RY, Larry. Social Theory and Post-
communism. Oxford: Blackwell, 2005; KUMAR, Krishan.1989:
Revolutionary Ideas and Ideais. Minneapolis: University of Min-
nesota Press, 2001.
7 Neste capítulo desenvolvo e retomo as principais idéias que apre-
sentei na introdução a TISMÃNEANU, Vladimir, ed. The Rev-
olutions of 1989. London: Routledge; assim como Reinventing
Politics: Eastern Europe from Stalin to Havei. New York: Free
Press, 1992, brochura revista e aumentada, com nosso posfácio,
Free Press, 1993. Uma versão anterior deste capítulo apareceu em
Contemporary European History 18, nº 3, 2009: 271-88. Desen-
volvi estas idéias num livro publicado na Romênia, Despre 1989.
Bucure~ti: Humanitas, 2009. Cf. também TISMÃNEANU, Vlad-
imir. The Demise of Leninism and the Future of Liberal Values,
in Marx' Shadow: Knowledge, Power, and Intellectuais in East-
ern Europe and Russia, ed. Costica Bradatan and Serguei Alex,
Oushakie. Lanham, Md.: Lexington Books, 2010, pp. 221-42; e
TISMÁNEANU, Vladimir. IACOB, Bogdan, eds. The End and
the Begginning: The Revolutions of 1989 and the Resurgence od
History. New York and Budapest: CEU Press, 2012.
8 HOBSBAWN, Eric. The Age of Extremes: A History of the
World, 1914-91. New York: Pantheon Books, 1994, pp. 461-99;
cf. também LICHTEIM, George. The European Civil War, in
The Concept of Ideology and Other Essays. New York: Random
House, 1967, pp. 225-37; WASSERSTEIN, Bernard. Barbarism
and Civilization: A History of Europe in Our Time. Oxford: Ox-
ford University Press, 2007, pp. 666-704.
9 Cf. KEANE, John. Civil Soviety: Old Images, New Visions. Stan-
ford, Calif: Stanford University Press, 1998.

444
NOTAS

10 GELLNER, Ernest. Conditions of Liberty: Civil Society and Its


Rivais. New York: Allen Lane and Penguin Press, 1994.
11 CHIROT, Daniel. What Happened in Eastern Europe in 1989, in
The Revolutions of 1989, ed. Tismãneanu, pp. 19-50; cf. também
TARAS, Raymond, ed. The Road to Disillusions. Armonk, N.Y.:
M.E. Sharpe, 1992.
12 KOTKIN, Stephen com uma contribuição de GROSS, Jan T. Un-
civil Society: 1989 and the Implosion of the Communist Estab-
lishment. New York: Modern Library, 2009, p. 143.
13 JUDT. Postwar, p. 584.
14 Cf. as reflexões de Václav Havei acerca da política do pós-1989
em Summer Meditations. New York.: Transaction Books, 1992, e
To the Castle and Back. New York: Knopt, 2007.
15 Para o esgotamento das religiões seculares de estilo ideológico, cf.
HELLER, Agner. FEHÉR, Perene. The Grandeur and Twilight of
Radical Universalism. New Bnisswick, N.J.: Transaction Books,
1991; e EISENSTADT, S. N. The Breakdown of Communist Re-
gimes, in The Revolutions of 1989, ed. Tismãneanu, pp. 89-107.
16 JUDT. Postwar, p. 564.
17 O cientista político russo Gleb Pavlovsky citado por HORVATI-I,
Robert. The Legacy of Soviet Dissent: Dissidents, Democrati-
sation and Radical Nationalism in Russia. London: Routledge,
2005, p. 41.
18 KUMAR, Krishan. 1989, Revolutionary Ideas and Ideais. Min-
neapolis and London: University of Minnesota Press, 2001.
19 HIRSCHEN, Albert. The Rethoric of Reaction: Perversity, Futil-
ity, ]eopardy. Cambridge, Mass.: Belknap Press of Harvard Uni-
versity Press, 1991.
20 ISAAC, Jeffrey. Democracy in Dark Times. lthaca, N. Y.: Cornell
University Press, 1997. Também do mesmo autor, Rethinking the
Legacy o( Central European Dissidence. Common Knowledge
10, nº 1, inverno de 2004: 119-30.
21 ISAAC,Jeffrey. Shades of Gray: Revisiting the Meanings of 1989,
in The Beginning and the End, ed. Tismãneanu and Iacob, pp.
555-74.
22 ECHIKCSON, William. Lighting the Night. New York: William
Morrow, 1990; TISMÃNEANU, Vladimir. Reinventing Politics;
NAGORSKI, Andrew. The Birth of Freedom; Shaping Lives and
Societies in the New Eastern Europe. New York: Simmon &

445
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Schuster, 1993; BANAC, Ivo, ed. Eastern Europe in Revolution.


lthaca, N.Y.: Cornell University Press, 1992.
23 FALK, Barbara J. Resistance and Dissent in Central and Eastern
Europe: An Emerging Historiography. East European Politics
and Societies 25, nº 2, maio de 2011: 321-22.
24 HORVATH. The Legacy, pp. 1-2. Elene Bonner foi uma grande
ativista de direitos humanos, viúva do celebrado dissidente e físi-
co Andrei Sakharov.
25 ASH, Timothy Garton. The Magic Lantern: The Revolution of 89
Witnesses in Warsaw, Budapest, Berlin, and Prague. New York:
Vintage Books, 1993.
26 )UDT. Postwar, p. 563.
27 ASH, Timothy Garton. Conclusions, in Between Past and Future:
The Revolutions of 1989 and Their Aftermath, ed. Sorin Antohi
and Vladimir Tismãneanu. New York and Budapest: Central Eu-
ropean University Press, 2000, p. 398.
28 )UDT, Tony. Postwar, p. 695.
29 APPLEBAUM, Anne. 1989 and All That. Slate, 9 de novembro de
2009, http://www.anneapplebaum.com/, acessado em 6 de Agos-
to de 2011.
30 FALK. Resistance and Dissent, p. 349.
31 ACKERMAN, Bruce. The Future of Liberal Revolution. New
Haven, Conn.: Yale University Press, 1992.
32 JUDT. Postwar, p. 630.
33 BANAC, Ivo, ed. Eastern Europe in Revolution.
34 Jarausch afirmou ainda que "em contraste com os fracassos ante-
riores, o sucesso de 1989 pode ser interpretado como um resulta-
do do crescimento da resistência civil que inicialmente procurou
democratizar o socialismo, mas, afinal, ousou aboli-lo comple-
tamente". Cf. JARAUSCH, Konrad. People Power? Towards a
Historical Explanation of 1989, in The End and the Beginning,
ed. Tismãneanu and Jacob, p. 123.
35 Cf. OFFE, Claus. Varieties of Transition: The East European and
East German Experience. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1997,
esp. pp. 29-105.
36 Cf. FEHÉR, Ferenc. HELLER, Agnes. MARKUS, Gyõrgy. Dicta-
torship over Needs. New York: St. Martin's Press, 1983.
3 7 PALMA, Giuseppe di. Legitimation from the Top to Civil Soci-
ety: Politico-Cultural Change in Eastern Europe. World Politics
NOTAS

44, nº 1, outubro de 1991: 49-80. Na mesma edição, cf. KURAN,


Timur. Now Out of Never: The Element of Surprise in the East
European of 1989, pp. 7-48. Kuran identifica Václav Havei e este
autor como entre os poucos comentarores que "chegaram perto
de prever uma mudança importante" (p.12).
38 DAWISHA, Karen. Eastern Europe, Gorbachev, and Reform; The
Great Challenge. Cambridge and New York: Cambridge Univer-
sity Press, 1990; e BROWN, Archie. The Gorbachev Factor. Ox-
ford University Press, 1996.
39 DAHRENDORF, Ralf. Refiections on the Revolution in Europe.
New York: Times Books, 1990, p.111.
40 TISMÃNEANU, Vladimir. Fantasies of Salvation. Para políticas
pós-comunistas, cf. KENNEY, Padraic. The Burden of Freedom:
Eastern Europe since 1989. London; Zed Books, 2006.
41 TAMÁS, G.M. The Legacy of Dissent, in TISMÃNEANU. The
Revolution of 1989, pp. 181-97.
42 JUDT. Postwar, p. 695.
43 YAKOVLEV, Alexander. The Fate of Marxism in Russia. New
Haven, Conn.: Yale University Press, 1993, p. 165.
44 KOTKIN. Uncivil Society, p. 17.
45 JUDT. Postwar, p. 563.
46 JUDT, Tony. The Past Is Another Country, pp. 163-66.
47 Cf. McADAMS, A. James. ]udging the Past in Unified Germany.
Cambridge and New York: Cambridge University Press, 2001.
48 Para as experiências turbulentas com a descomunização, cf.
ROSENBERG, Tina. The Haunted Land: Facing Europe's Ghost
after Communism. New York: Random House, 1995; CAL-
HOUN, Noel. Dilemmas of Justice in Eastern Europe's Demo-
cratic Transitions. New York: Palgrave, 2004; GRODSKY, Brian.
The Costs of Justice: How New Leaders Respond to Previous
Rights Abuses. Notre Dame, Ind.: Notre Dame University, 2010.
49 Cf. PALMA. Legitimation from Top to Civil Society, 49-80;
HOBSBAWN, Eric. The New Threat to History. New York Re-
view of Books, 16 de dezembro de 1993, 62-64.
50 EISENSTADT, S.N. The Breakdown of Communist Re-
gimes. Daedalus 21, nº 2, primavera de 1992: 35, incluído in
TISMÃNEANU, Vladimir, ed. The Revolution of 1989.
51 SNYDER, Jack. From Voting to Violence: Democratization and
Nationalist Confiict. New York: Norton, 2000.

447
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

52 LEVITSKY, Steven. WAY, Lucan. The Rise of Competitive Au-


thoritarianism.Journal of Democracy 13, nº 2, abril de 2002: 51-
65. Para os dois outros temos mencionados, cf. O'DONNELL,
Guillermo. Delegative Democracy. Journal of Democracy, Fo-
reign Affairs 76 (novembro-dezembro de 1997: 22-41. Milada
Anna Vachudova discute a relevância dos três conceitos para o
processo de democratização na Europa Central e Oriental in De-
mocracy, Leverage, and Integration after Communism. Oxford:
Oxford University Press, 2005.
53 DAWISHA, Karen. Electocracies and the Hobbesian Fishbowl of
Postcommunist Politics, in Between Past and Future, ed. Antohi
and Tismãneanu, pp. 291-305. Cf. também a edição especial de
East European Politics and Societies 13, nº 2, primavera de 1999,
especialmente os artigos de Valerie Bunce, Daniel Chirot, Grze-
gorz Ekiert, Gail Kligman, and Katherine Verdery.
54 Cf. HELLER, Agnes. FEHÉR, Perene. The Postmodern Políti-
ca/ Condition. New York: Columbia University Press, 1989, e
KOtAKOWSKI. The Grandeur and Twilight of Radical Univer-
salism: Modernity on the Endless Triai. Chicago: University of
Chicago Press, 1990. Esses filósofos notaram desde então a dis-
solução dos "paradigmas de redenção" e a ascensão dos discur-
sos paralelos alternativos, embora não tenham contado com a
ascensão corrente das narrativas de ódio e vingança.
55 Cf. KRISTEVA, Julia. Nations without Nationalism. New York:
Columboa University Press, 1993, pp. 68-69.
56 EKIERT, Gzegorz. HANSON, Stephen E. Capitalism and De-
mocracy in Central and Eastern Europe: Assessing the Legacy
of Communist Rufe. Cambridge: Cambridge University Press,
2003. Contribuição recente para o tratamento do legado, con-
centrando-se no papel do fardo do passado no desenvolvimento
pós-comunista: EKIERT, Grzegorz. KUBIK, Jan. Rebellious Civil
Society. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1999; GRY-
ZMAtA-BUSSE,Anna. Redeeming the Communist Past: The Re-
generation of Communist Successor Parties in East Central Eu-
rope. Cambridge: Cambridge University Press, 2002; HOWARD,
Marc Morjé. The Weakness of Civil Society in Postcommunist
Europe. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
57 Cf. HAVEL, Václav. Post-Communist Nightmare. New York Re-
view of Books, 27 de maio de 1993, p. 8.
NOTAS

58 Cf. a discussão de John Rawls dos critérios para obter a Liberdade


cívica e a idéia de uma sociedade bem ordenada in Política/ Libe-
ralism. New York: Columbia University Press, 1993,pp. 30-40.
59 Citado em CICHY, Michal. Requiem for the Modern Revolu-
tionist. East European Politics an.d Societies 10, nº 1, inverno de
1996: 145.
60 ASH, Timothy Garton. Triais, Purges and History Lessons:
Treating a Difficu/t Past in Post-Communist Europe, in Memory
and Power in Post-War Europe, ed. Müller, p. 277. A atividade
de uma Comissão da Verdade representa urna "procura da ver-
dade não-judicial como uma ferramenta de justiça de transição"
(Priscilla Hayner). Pode, portanto, estabelecer o palco para pers-
pectivas futuras de justiça. Cf. HAYNER, Priscila B. Unspeakable
Truths: Facing the Chal/enge of Truth Comissions. New York:
Roudedge, 2002.
61 Para contribuições fundamentais a esta discussão, cf. SZACKI,
Jerzy. Liberalism after Communism. Budapest: Central European
University Press, 1995; DWORKIN, Ronald et al. From Liberal
Values to Democratic Transition: Essays in Honor of ]ános Kis.
Budapest: Central European University Press, 2004; KIS, János.
Politics as a Moral Problem. New York and Budapest: Central
European University Press, 2008.
62 Cf. o comentário de Vladimir Tismãneanu e Paul-Drago~ Aligicã,
Romania's Parliamentary Putsch. Wall Street Journal (Europe),
20 de abril 2007. Em 19 de maio de 2007, Bãsescu venceu avas-
saladoramente num referendo nacional (74,5% votaram contra
seu impeachment).
63 Esta "sincronização" foi o golpe do tratamento do teórico liberal
romeno do interbélico Eugen Lovinescu à modernização do país.
64 DAWISHA, Karen. Communism as a Lived System of Ideas in
Contemporary Russia. East European Politics and Societies 19,
nº 3, 2005: 463-93. Diretamente relacionado à iluminação de
Dawisha é o problema da nostalgia do passado comunista. Por
exemplo, Alexei Yurchak pormenoriza os mecanismos de sociali-
zação nos últimos anos da União Soviética, enfatizando a profun-
didade de integração no meio socialista, a despeito da natureza
aparentemente suplementar deste último. Cf. YURCHAK, Alexei.
Everything Was Forever, until It Was No More: The Last Soviet
Generation. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2006.

449
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

65 Cf. MCFAUL, Michael. PETROV, Nikolai. RYABOV, Andrei.


Between Dictatorship and Democracy: Russian Post-Commu-
nist Reform. Washington, D.C.: Carnegie Endowment for Inter-
national Peace, 2004; REDDAWAY, Peter. Russia on the Brink.
New York Review of Books, 28 de janeiro de 1993, pp. 30-35.
Reedaway nota um sentimento de muitas camadas de lesão mo-
ral e espiritual relacionada à perda do império e à identidade
avariada. "Feridas emociais tão pofundas como estas tendem a
alimentar a ira, o ódio, a auto-repugnância e a agressividade. Tais
emoções só podem fazer crescer as perspectivas políticas para os
nacionalistas e neo-comunistas, ao menos por um tempo". Re-
centemente Reddaway tornou-se mais pessimista: REDDAWAY,
Peter. GLINSKI, Dmitri. The Tragedy of Russia's Reforms, Mar-
ket Bolshevism against Democray. Washington, D.C.: U.S. Insti-
tute of Peace Press, 2001.
66 POP-ELECHES, Grigore. Transition to What? Legacies and Re-
form Trajectories after Communism, in World Order after Lenin-
ism, ed. Tismãneanu, Howard, and Sil.
67 KOtAKOWSKI. Modernity on Endless Triai, p. 41. Alguns anos
atrás discuti o papel do ecletismo no meio ideológico da Europa
Central e Oriental: TISMÃNEANU, Vladimir. ln Praise of Ecle-
tism. The Good Society 11, nº 1, 2002.
68 HANSON, Stephen E. KOPSTEIN, Jeffrey S. The Weimar/Rus-
sia Comparison. Post-Soviet Affairs 13, nº 3, julho-setembro de
1997: 252-81. Acerca do processo fracassado de democratização
na Rússia, cf. FISH, M. Steven. Democracy Derailed in Russia:
The Failure of Open Politics. Cambridge: Cambridge University
Press, 2005.
69 Cf. KRYGIER, Martin. Convervative-Liberal-Socialism Revisit-
ed. The Good Society 11, nº 1, 2002: 6-15.
70 ]UDT. Postwar, p. 692.
71 PALOUS, Martin. Post-Totalitarian Politics and European Phi-
losophy. Public Affairs Quarterly 7, nº 2, abril de 1993: 162-63.
72 DAHRENDORF, Ralf. After 1989: Morais, Revolution, and Civil
Society. New York: St. Martin's Press, 1997. Para uma atualiza-
ção das predições de Dahrendorf e avaliação da Europe depois
da revolução, cf. sua nova introdução e posfácio na segunda edi-
ção de sua Reflectio~s on the Revolution in Europe. New York:
Transaction Books, 2005.

450
NOTAS

73 LEFORT, Claude. The Political Forms of Modern Society. Ox-


ford: Polity Press, 1986, p. 84.
74 GAUCK, Joachim. Dealing with the STASI Past, in Germany in
Transition, coletânea, Daedalus, inverno de 1994: 277-284.
75 VILLA-VICENCIO, Charles. DOXTADER, Erik, eds. Pieces of the
Puzzle: Keywords on Reconciliation and Transitional Justice. Cape
Towns: Institute for Justice and Reconciliation, 2005. pp. 34-38.
76 MÜLLER, Jan-Werner. Constitutional Patriotism. Princeton,
N.J., and Oxford: Princeton University Press, 2007, pp. 97-119.
77 SCHWAN, Gesine. Politics and Guilt: The Destructive Power of
Silence, trad. Thomas Dunlap. Lincoln and London: University of
Nebraska Press, 2001, pp. 54-134.
78 Hermann Lübbe procurou demonstrar em 1983 que este silêncio
comunicativo permitiu que a Alemanha Federal, depois de 1945,
fizesse uma transição de sucesso para a democracia. Cf. LÜBBE,
Hermann. Der Nationalsozialismus im politischen Bewusstsein
der Gegenwart, in Deutschlands Weg in die Diktatur: Interna-
tionale Konferenz zur nationalsozialistischen Machtübernahme
im Reichstagsgebiiude zu Berlin: Referate und Diskussionen. Ein
Protokoll, ed. Martin Boszat et ai. Berlin: Siedler, 1983, p. 329-49.
79 ]UDT. Postwar, p. 830.
80 HABERMAS,Jürgen. The New Conservatism: Cultural Criticism
and the Historians' Debate. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1991,
p.234.
81 A versão completa em inglês do discurso do presidente Traian Bã-
sescu perante a sessão conjunta do parlamento romeno de 18 de
dezembro de 2006 pode ser encontrada em www.presidency.ro (se-
ção "Presidential Commission for the Analysis of the Communist
Dictatorship in Romania" - CPADCR). Os críticos mais ruidosos
desta condenação foram o Partido Romênia Grande de Tudor Va-
dim (e seu semanário rancorosamente anti-semita e anti-ociden-
tal) e o Partido Social Democrata presidido por Mircea Geoanã,
ex-embaixador de Washington e ministro das relações exteriores
(2001-2004). lliescu é o presidente honorário deste partido.
82 Leon Aron analisou a maneira com que a administração Putin
está patrocinando e impondo a criação de uma "nova história
russa,, que relativiza ou despreza completamente a experiência
exterminadora do sovietismo. Cf. ARON, Leon. The Problematic
Pages: To Understand Putin, We Must Understand His View of
Russian History. New Republic, 24 de setembro de 2008. Cf.
também FIGES, Orlando. Putin vs the Truth . New York Review

451
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

of Books 56, nº 7, 30 de abril de 2009); e LIPMAN, Masha.


Russia, Again Evading History. Washington Post, 20 de junho
de 2009. Cf. também BRANDENBERGER, David. A New Short
Course? A. V. Filippov and the Russian Sate's Search for a "Us-
able Past". Kritika: Explorations in Russian and Eurasian Histo-
ry 10, nº 4, 2009: 825-33. Cf. também as respostas ao ensaio no
mesmo periódico: SOLONARI, Vladimir. Normalizing Russia,
Legitimazing Putin, pp. 835-46; MIRONOV, Boris N. The Fruits
of a Bourgeois Education, pp. 847-60; e ZUBKOVA, Elena. The
Fillipov Syndrome, pp. 861-68.
83 CORNEY, Frederick C. What Is to Be Done with Soviet Russia?
The Politics of Proscription and Possibility. Journal of Policy His-
tory 21, nº 3, 2009: 276.
84 Dominick LaCapra chamou este fenômeno "anti-semitismo feti-
chizado, ou seja, anti-semitismo na ausência da presença mínima
de judeus". Ver LACAPRA, Dominick. Revisiting the Historians'
Debate- Mourning and Genocide. History and Memory 9, nº 1-2,
primavera-inverno de 1997: 80-112.
85 SIMIC, Charles. The Spider Web. New Republic, 25 de outubro
de 1993, p. 19.
86 ROTHSCHILD, Joseph. Ethnopolitics: A Conceptual Frame-
work. New York: Columbia University Press, 1981, p. 14.
87 TAMIR, Yael. The Enigma of Nacionalism: Essays in the Psycho-
logical. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2008, p. 430.
88 FOUCAULT, Michel. Power/Knowledge: Selected lnterviews and
Other Writings 1972-1977, ed. Colin Gordon, trad. Colin Gor-
don et ai. New York; Pantheon, 1980, p. 133.
89 JUDT, Tony. The Past Is Another Country: Myth and Memory in
Post-war Europe, in Memory and Power, ed. Müller, p. 172.
90 JUDT. Postwar, p. 768.
91 FUNKENSTEIN, Amos. History, Counterhistory and Narrative,
in Probing the Limits of Representation- Nazism and the "Final
Solution", ed. Saul Friedlander. Cambridge, Mass. and London:
Harvard University Press, 1992, pp. 66-81.
92 Refiro-me à distinção de Georges Mink entre "partis consensuel-
ists, tribunitiens et querelleurs" in Le partis politiques de l'Europe
centra/e post-communiste: Etat des lieux et essai de typologie. I..:
Europe Centrale et Orientale en 1992. Documentation française,
pp. 21-23.

452
NOTAS

93 Em seu fundamental Postwar, Tony Judt avaliou que "não obs-


tante setenta anos de exigências enérgicas em contrário - que
não houve, na verdade, nenhuma sociedade comunista como tal:
apenas um estado definhado e seus cidadãos ansiosos" (658).
94 Para a primeira afirmação de Jowitt, cf. New Wor/d Disorder. As
últimas foram feitas durante seu discurso de abertura, "Stalinist
Revolutionary Breakthroughs in Eastern Europe", na conferên-
cia "Stalinism Revisited: The Establishment of Communíst Re-
gimes in East-Central Europe and the Dynamics of the Soviet
Bloc", (29-30 de novembro de 2007, Washington, D.C.), incluído
in Stalinism Revisited, ed. Valdimir Tismãneanu.
95 KOTKIN. Uncivil Society.

Conclusões
1 NEUMANN, Sigmund. Permanent Revolution: Totalitarianism
in the Age of International Civil War. New York: Praeger, 1965
[1942]; NEUMANN, Franz. The Democratic and the Authori-
tarian State: Essays in Political and Legal Theory, editado e com
prefácio de Herbert Marcuse. London: Free Press, 1957; LI-
EBCH, André. From the Other Shore: Russian Social Democracy
after 1921 . Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1997.
2 Cf. WEBER, Eugen. Varieties of Fascism: Doctrines of Revolution
in the Twentieth Century. Malabar, Fl.: Robert E. Krieger, 1982.
3 ARENDT, Hannah. The Origins of Totalitarianism, 1ª ed. New
York: Harcourt Brace, 1951, pp. 431-32.
4 Cf. COHEN, Carl, ed. Communism, Fascism, and Democracy:
The Theoretical Foundations. New York: Random House, 1972.
5 Cf. LAQUER, Walter. Stalin: The Glasnost Revelations. New
York: Scribner's, 1990, p. 135.
6 STERNHELL, Zeev. SZNAJDER, Mario. ASHERI, Maya. The
Birth of Fascist Ideology: From Cultural Rebellion to Political
Revolution. Princeton, N. J.: Princeton University Press, 1994;
GRIFFIN, Roger, ed. Internationational Fascism: Theories, Caus-
es, and the New Consensus. London: Arnold, 1998; KALLIS, Ar-
istotle, ed. The Fascism Reader. London: Routlege, 2003; IOR-
DACHI, Constantin. Fascists. Cambridge: Cambridge University
Press, ed. Comparative Fascist Studies. London: Routledge, 2010.
7 ARON, Raymond. The Opium of the Intellectuals, intro. Harvey
C. Mansfield. New Brunswick, N.J.: Transaction, 2001.

453
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

8 DRACHKOVITCH, Milorad M., ed. Marxism in the Modern


World. Stanford, Calif.: Stanford University Press, 1965, espe-
cialmente as contribuiiçoes de Raymond Aron, Bertram Wolfe, e
Boris Souvarine; LASKY, Melvin J. Utopia and Revolution. Chi-
cago: University of Chicago Press, 1976; DEUTSCHER, Isaac.
Marxism, Wars and Revolutions: Essays from Four Decades.
London: Verso, 1984.
9 LÚKACS, Georg. History and Class Consciousness. London:
Merlin Press, 1971; LUKÁCS, Georg. A Defense of "History and
Class Consciousness" -Tailism and the Dialetic, com introdução
de John Rees e posfácio de Slavoj Zizek. London: Verso, 2000.
10 TUCKER, Robert C., ed. The Marx-Engels Reader, 2ª ed. New
York and London: W.W. Norton, p. 145.
11 Cf. Reflections on the Changing Role of the Party in the Totali-
tarian Polity, o epílogo de SHAPIRO, Leonard. The Communist
Party of the Soviet Union, 2ª ed., revisada e aumentada. New
York: Vintage Books, 1971. Vale mencionar que Shapiro escolheu
para lema de sua obra-prima as palavras de Alexis de Tocque-
ville: "Quem procura na liberdade outra coisa do que a própria
liberdade está destinado à escravidão".
12 COHEN, ed. Communism, Fascism, and Democracy, p. 317.
13 MUSSOLINI, Benito. The Doctrine of Fascism, in ibid., pp. 328-
39.
14 GELLATELY, Robert. Lenin, Stalin, and Hitler: The Age of Social
Catastrophe. New York: Albert A. Knopf, p. 2007; YAKOVLEV,
Afexander N. A Century of Violence in Soviet Russia. New Hav-
en: Conn.: Yale University Press, 2000; PIPES, Richard. Commu-
nism: A History. New York: Modern Libray, 2003.
15 TUCKER. Marx-Engels Reader, p. 84.
16 JUDT, Tony. Postwar: A History of Europe since 1954. New
York: Penguin Press, 2005, p . 831.
17 APPLEBAUM, Anne. The Worst of the Madness. New York Re-
view of Books, 28 de outubro de 2010.
18 TUCKER, Robert C. Stalin, Bukharin, and History as Con-
spiracy, in The Soviet Political Mind: Stalinism and Post-Stalin
Change, rev. ed. New York: W.W. Norton, 1971, pp. 49-86.
19 ARENDT, Hannah. Essays in Understanding, 1930-1954, ed. Je-
rome Kern. New York: Harcourt, Brace and Jovanovich, pp. 203-
5. Lukács

454
ÍNDICE REMISSIVO

A
ABC do Comunismo 118, 210
Academia de Ciências da URSS 240
Ackerman, Bruce 319, 446
Adorno, Theodore W. 12, 181, 234
Aganbegyan, Abel 241
Akhmatova, Anna 60
Albânia 38, 58, 374, 404
Aleksandrov, Georgi 60
Alemanha 30,31,32,34,35,38,50,53,54,58,62,63,64,66,69,
76,80,86,87,97,98,124,132,135,145,200,223,230,299,
337, 353,355,377,378,380,393, 397,402,409,423,437,
451
Alemanha Oriental 66, 124, 145, 223, 337, 423, 437
Alexeyeva, Ludmila 316
Alexopoulos, Golfo 76, 386, 387
alienação 12,26,149, 164,218,221,281,282,299
Al Quaeda 169
Althusser, Louis 301, 302
Alto Stalinismo 58
Amis, Martin 39, 161, 374, 399, 408
amnésia 87, 89, 327, 344, 345
América Latina 437
anistias 214
anomia 36,349
anti-política 186, 254, 275, 293
anti-semitismo 65, 74, 79, 113, 129, 130, 134, 135, 138, 145, 402,
404,452
Antonescu, Ion 323

455
O DIABO NA HISTÓRIA j VLADIMIR TISMANEANU

apparatchiks 54, 124, 224, 228, 237, 324, 328


Applebaum, Anne 269, 304, 318, 365, 381, 388, 433, 443, 446, 454
Aragon, Louis 91, 211
Arbatov, Alexei 240
Arendt,I-lannah 11,12,19,64, 75,78,117,162,163,179, 272,331,
354,365,372,375,376,382,398,412,432,434,453,454
Aron,Raymond 12,51,52,153,234,270,279,378,404,405,406,
431,436,451,453,454,
ASH 446, 449
Assembléia Constituinte 48, 151
Attali, Jacques 304
Auster, Paul 233, 425
autoritarismo 279, 282, 331, 336, 345, 350
Azerbaijão 247

B
"babá" , desejo ardente de um estado como 336
Bacilek, Karol 114
Badiou, Alain 281, 436
Bahro, Rudolf 228
Bakunin, Mikhail 96, 412
Balbo, !talo 171, 413
Banac,Ivo 125,372,388,400,446
Bartov, Omer 72, 384, 387, 390, 391, 392
Bauman, Zygmunt 46, 376, 437
Baumler, Alfred 36
Bayer, Wilhelm-Raymund 223
Belgrado 232
Beniuc, Mihai 140
Benjamin, Walter 12, 328, 331, 373, 374
Berdyaev, Nikolai 187, 407
Bergelson, David 132
Berlin, lsaiah 12, 170, 272, 407, 410, 419
Berman,Jakub 134,141,403
Berman, Jakub 409, 411
Berman, Paul 409
Bernstein, Eduard 242, 304, 317
Besançon, Alain 87, 91, 203, 270, 364, 385, 391, 408, 414, 426
Bielo-Rússia 84, 130, 308, 331
bin Laden, Osama 169
ÍNDICE REMISSIVO

blanquismo 162
Bloch, Ernst 187, 230, 356, 437
Blomberg-Frisch 98
Blurn, Léon 304
Bogdanov, Aleksandr 260
bolchevismo 12, 18, 21, 22, 23, 25, 32, 37, 38, 41, 47, 49, 56, 59, 63,
65,88,92,93,94,102,109,110,111,113,122,123, 144,149,
154, 155, 156, 158, 161, 162, 163, 168, 170, 172, 174, 182,
183, 186, 189, 195, 197, 198, 210,221,237,244,248,253,
269,271,359,372,373,375,383,390,410,416,433,435
bonapartismo 55
Bonner, Elena 162, 317, 408, 446
Borkenau,Franz 137,403
Bormann, Martin 30
Bosworth, R.J.B. 56, 379, 410, 413, 417
Botez, Mihai 315
Bourdieu, Pierre 442
Boêmia 336,337
Bracher, Karl Dietrich 50, 378, 379, 416, 417
Brandenberger, David 183, 414, 452
Brandt, Willy 244, 304
Brejnev, Leonid 224, 225, 239, 252, 291, 440
Brown, Archie 237, 238, 242, 243, 245, 248, 249, 258, 400, 408,
422,426,427,428,429,430,431,447
Browning, Christopher 69, 384
Brzezinski, Zbigniew 121, 127, 393, 400, 401
Budapeste 217, 228, 229, 272, 351, 380, 437
Buhr, Manfred 223
Bukovsky, Vladimir 303
Bulgária 58, 60,125,127,216,311,336,337,344,404
burguesia 21, 25, 39, 41, 48, 63, 81, 167, 178, 265, 266, 267, 268,
272,294,356,360,375
Burlatsky, Fyodor 235
Burrin, Philippe 53, 368
Bálcãs 125, 320
Bãsescu, Traian 335, 344, 449, 451

e
Calmanovici, Emil 104
campos 13, 19,20,40,46,60,61, 77, 83, 86, 106, 125, 167, 168,
174,228,376,384,389,398

457
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

campos de concentração 19, 20, 40, 46, 83, 86, 106, 168, 376, 384,
389,398
Camus, Albert 19, 57, 272
cap~alismo 25,40,52,64,92,93,95,106,142,211,232,233,265,
266,279,384,414
carisma 53, 54, 55, 57, 157, 209, 362
Castoriades, Cornelius 284, 375, 417, 437
Castro, Fidel 87, 284, 304, 364
Cathala, Jean 107
Ceau~escu, Nicolae 12, 138, 139, 204, 272, 298, 311, 315, 316, 336,
337,338,374,403,404,441
CEMA 235
Checoslováquia 114, 115, 124, 133, 135, 211, 230, 253, 257, 285,
310,323,400
Cheka 25,66,375
Chernenko, Konstantin 238
Chernyav, Anatoly 240, 241, 242, 428
Chernyshevsky, Nikolai 193, 416
Chesterton, Gilbert K. 299
China 38,51,58,59,65,69,88,270,354,364,428,432
Chirot, Daniel 17, 25, 310, 370, 382, 412, 426, 445, 448
Chávez, Hugo 281
cidadania 34, 76, 288, 295, 302, 318, 349, 352, 386, 439
civilização 29, 47, 57, 66, 67, 95, 106, 156, 182, 192, 200, 207, 241,
246,262,275,279,280,354,431
Ciência 132
crancia 26,33,76,91,130,139,153,175,217,366,380
classe revolucionária 165, 197, 356, 357
Clementis, Vladimir 112
Cohen, Stephen E., 102, 103, 112, 151, 245, 394, 398, 399, 405,
409,418,419,420,426,428,429,453,454
Cohn, Norman 149, 150, 397, 405
Cominform 60, 124, 125, 127
Comintern 30, 48, 50, 115, 138, 363, 368, 371, 395, 398, 400
Comissariado do Povo 30, 135
Comissão da Verdade 343, 449
Comitê Central 100, 103, 105, 131, 132, 135, 141, 160, 174, 194,
240,242,248,269,371,403,440
Complô dos Médicos 133, 137
Comuna de Paris 270
Comunismo 3, 5, 13, 62, 63, 65, 66, 97, 118, 161, 210, 269, 367,
384,385
ÍNDICE REMISSIVO

comunismo 11, 12, 13, 14, 19, 21, 22, 24, 26, 27, 28, 29, 33, 35, 36,
37,38,39,40,41,45,46,47,51,52,57,58,61,62,63,66,67,
68,69, 70,71,72, 73,74,77, 78,79,81,82,84,86,87,88,89,
90,91,92,93,94,96,107,108,113,119,123,124,126,134,
135, 137, 145, 150, 156, 160, 161, 168, 173, 180, 184, 192,
193, 195, 196, 198,204,205,207,215,224,233,234, 236,
237,238,241,255,258,260,261,267,268,269,272,275,
276,278,284,287,288,289,292,295,297,300,302, 303,
304,305,308,309,311,316,318,320,323, 324,325,326,
327,328,330, 331, 332,334,336, 337,339,342,346, 347,
349,354,355,356,357,358,363, 364,377,381, 382, 383,
384,385,388,391,393,403,404,419,424,433,435,436
comunista 11, 13, 15, 16, 17, 23, 29, 32, 36, 38, 40, 41, 43, 51, 52,
54,59,60,61,67,68, 70, 72,83,84,89,92,93,94,95,104,
109, 110, 112, 113, 116, 122, 125, 128, 130, 133, 136, 137,
140, 141, 142, 150, 160, 166, 174, 180, 182, 184, 194, 195,
198,211,212,215,216,219,220,224,227,232,233,238,
239,241,243,246,254,256,258,267, 270,271,276,278,
280,282,287,288,290, 300,301,302,315, 318,322,323,
324,326, 327, 329,330,331,333,334,337,344,346,349,
352,355, 359,362,364,367,376,389,423,436,444, 448,
449,453
Comunista 12, 22, 27, 33, 60, 93, 96, 104, 105, 113, 115, 116, 125,
126, 133, 137, 141, 161, 167, 168, 180, 181, 189, 191, 193,
195, 196,211,213,216,218,220,221, 227,242,247,248,
261,264, 265,271,304,311,312,314,322,337,341,363,
375,427
confederação danubiana 125
confissões forçadas 127
Congresso 96,161,174,195,213,216,221,239,242, 250,394
Conquest 270, 412, 416, 431
consciência 33, 81, 89, 92, 97, 102, 111, 119, 142, 163, 165, 167,
170, 175, 176, 180, 182, 185, 186, 189, 190, 191, 215, 216,
220,223,227,229,230, 244,252,253,263,266,271, 272,
276,278,284,300,307,315,335,340,354,357,360,385
consciência de classe 163, 165, 167, 175, 182, 185, 189, 216, 263,
271,357
Conselho de Assistência Econômica Mútua 235
Constantinescu, Miron 140, 141
constitucionalismo 332
contra-revolução de veludo 308

459
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Coréia do Norte 69, 364


cosmopolitismo 60, 115, 124, 133, 139, 371, 401, 441
Costea, Mirei 104, 105, 394, 395
Courtois 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 77, 88, 97, 377, 382, 384, 385,
391,392,414
criminalidade 41, 59, 68, 71, 303, 385
Croácia 299, 331, 442
Cuba 38,69,270
cuidado com a alma 2 75
cuidado da alma 29 5
culto da personalidade 42, 53, 55, 98, 107, 221, 363
câmara de gás 52
Círculo Petofi 217

D
Dahrendorf, Ralf 322, 341, 349, 447, 450
Dan, Fyodor 100
darwinismo 165, 170, 200
darwinismo social 170
Dawisha, Karen 17, 246, 332, 336, 396, 426, 429, 447, 448, 449
Declaração de Helsinque 351
Declaração dos Direitos do Povo Laborioso e Explorado 94
Dedkov, Igor 237
degelo 221, 222
demagogia 345, 350, 383
de Maistre, Joseph 170
democracia 22, 24, 37, 46, 47, 48, 49, 50, 59, 61, 62, 73, 87, 92, 101,
122, 151, 153, 155, 166, 170, 17~ 178, 196, 197, 199,203,
206,211,213,216,219,221,226,233,245,248,253,255,
261,273,278,279,281,287,301,304,307,323,329,331,
342,344,349,350,356,359,362,365,375,376,425,451
democracia social 24, 47, 196, 304, 359, 376
deportação 69,75,83,371
desbolchevização 215
desencantamento 6, 203, 232, 233, 341, 418, 433
desestalinização 140, 141, 213, 214, 215, 222, 239
desradicalização 14, 158, 203, 206, 282, 288
destotalitarização 286
desumanização do inimigo 37
ÍNDICE REMISSIVO

Deutsche~Isaac 134,182,183,413,454
Diabo na História 1, 3, 16, 367
dialética 6, 45, 110, 154, 165, 203, 208, 212, 217, 223, 225, 229,
230,263,271,304,404,418
die Linke 33 7
Dimitrov, Georgi 30, 372, 388, 400
Dine~Dan 38,59, 77,83,86,88,380,388,389,390
di Palma, Giuseppe 197
direito 11, 26, 49, 71, 76, 85, 91, 119, 156, 173, 177, 178, 208, 209,
219,224,242,245,249,254,299, 302, 305, 328, 338, 344,
355,359,364,365,400
direitos humanos 22, 63, 73, 85, 162, 221, 234, 242, 249, 253, 272,
274,290,308,310,315,321,344,351,352,430,446
Discurso Secreto 56, 214, 215, 286
dissidentes 57, 85, 111, 178,228,237,238,241,254,257,275,276,
282,284,285,288,292,294,297,312, 314, 315, 316, 318,
323,324,326,331,335,374,440
distinções biológicas 30
distorção de memória 32 7
ditadura 15,24,37,49,59,60,63,84,106,113,121,147,149,150,
151, 155, 162, 163, 167, 169, 177, 178, 180,203,218,246,
250,268,269,270,273,278,301,312,321, 326, 335, 357,
359,362,363,412
ditadura sobre as necessidades 321
diversidade 155, 264, 299, 321, 352
Djilas, Milovan 12, 216, 284, 417, 437
domesticismo 127
Dostoiévski, Fiodor 65, 188, 383
Dubiel, Helmut 90, 370, 390, 391, 417
Dubcek, Alexander 244
Durkheim, Emile 196

E
Economia 185, 240
economia 66, 71,84, 149,248,258,261,279,281,288,310,321,
324,334,338,341,351,355,358,389,422,425
economias 321
Ehlen, Peter 174, 411, 416
Ehrenburg, Ilya 74, 132, 401
Eisenstadt, S.N. 330, 399, 445, 447
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Eisner, Gerhardt 124


Ekiert, Gzegorz 332, 448
Eley, Geoff 60, 304, 380
Éluard, Paul, 97
Engels, Friedrich 100, 152, 163, 223, 224, 265, 266, 267, 268, 389,
405,406,409,432,436,454
engenharia social 11, 21, 27, 63, 144, 182, 280, 305, 312, 357, 396
English, Robert 235, 240, 421, 423, 426, 427, 428, 439
escatologia 106, 119, 120, 357, 358, 443
Escola de Frankfurt 12, 226
esfera pública 62, 74, 116, 221, 234, 289, 303, 318, 320, 321, 339
Eslováquia 323, 336, 341
esquerda 12,23,24,27,45,57,59,60,61,62,68, 75,86,93, 155,
175, 181, 196,219,260,273,279,281,297,304, 335,336,
337,340,354,381,409,415,434
estados bálticos 299, 342
estrangeiros 77,299,300,326,327,335,345,346
ethos 24,43,58,63,79,93,112,152,157,167,171,185,195,205,
211,241,246,286,287,294
ética 90, 111, 141, 153, 158, 217, 220, 224, 272, 293, 324, 338, 376
Eugen Weber 29, 33, 46, 47, 172, 307, 354
Europa Central 63, 65, 87, 132, 138, 239, 254, 255, 257, 258, 282,
307, 315, 321,331, 338,342,347, 349, 350,351,352,391,
401,448,450
Europa Oriental 56, 59, 74, 98, 107, 108, 113, 124, 125, 128, 135,
141, 143, 145, 146,206,207,211,213,215,216,220,222,
227,230,235,247,252,254,277,280,282,286,287,288,
290,291,295,297,298,301,302, 311,314, 318,319, 321,
322,324,325,330,332,335,346,349,364,374,398,421
Europa Oriental e Central 74, 220, 254, 288, 290, 297, 311, 319,
322,324,349,364
europeização 301
Evola, Julius 281
experimentos 5, 11, 15, 29, 45, 52, 70, 86, 90, 91, 95, 126, 153, 166,
204,278,305,341,351,353,356,431,437
expurgos 28,29,40,70,77,78,97,98,104,109,110,118,120,121,
125,128,129,137, 143, 145,146,359,362,381,403
externalização 208, 327, 335
ÍNDICE REMISSIVO

F
Fabian, David 195
Falcon, Irene 116
Falk, Barabara 315, 422, 430, 446
falsificação 91, 133, 344, 364
fantasias de salvação 287, 338, 364
fantasias islâmicas 365
fascismo 3, 12, 13, 18, 21, 22, 24, 26, 27, 28, 29, 33, 35, 36, 37, 38,
43,45,46,47,48,50,52,53,55,56,57,58,59,61,62,68,72,
73,82, 86, 87,92,94, 95,96, 113, 133, 149, 150, 169, 170,
171, 172, 173, 180, 194, 199,200,204,205,260,261,276,
295, 314,322, 333,341, 345,349, 354, 356, 361, 362, 368,
375,377,378,379,380,381,382,385,393,402,416,441
fascismo originário 29 5, 441
fatores internacionais 349
Fehér, Ferenc 17, 110, 217, 229, 257, 262, 272, 273, 357, 437, 397,
418,424,431,432,434,437,445,446,448
Field, Noel 127, 135
Figes, Orlando 70, 81, 83, 203, 389, 371, 388, 389, 451
Fitzpatrick, Sheila 16, 29, 144, 183, 370, 371, 372, 373, 378, 379,
384,397,401,404,413,417,432
Franco, Francisco 233, 398, 407
França 38,62,63,65,67, 72,87,230,234,255
Freud, Sigmund 170, 391
Fritzsche, Peter 35, 368, 373, 377, 378, 386, 390
Frolov, Ivan 240
Fromm, Erich 12, 226, 230, 424
front 42, 141, 268
Furet, François 45, 46, 47, 59, 67, 68, 79, 92, 111, 195, 272, 377,
380,385,396,402,409,439

G
Garton Ash, Timothy 317, 325, 334, 335
Gauck, Joachim 73, 342
Gellately, Robert 16, 24, 25, 32, 40, 369, 374, 454
Geminder, Bedfich 112, 115, 116
genocídio 30,35,58, 72, 73, 77, 79,85,88,146, 176,384
genocídio de classe 77
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Gentile, Emilio 22, 35, 54, 55, 94, 369, 372, 373, 379, 383, 388, 392,
408,410
Georgescu, Teohari 136, 137
Geremek, Bronislav 85, 340
Gerlach, Christian 75, 386
Getty, J. Arch 99, 394, 419
Geyer, Michael 16, 29, 35, 370, 371, 373, 378, 379, 384, 386, 409, 417,
432
Gheorghiu-Dej, Gheorghe 98, 105, 136, 138, 139, 195, 391, 403, 404
Gide, André 21 O
Gill,Graeme 174, 184,411, 414
Girard, René 117, 399
Glasnost 237, 239, 246, 256, 322, 345, 453
Goebbels, Joseph 20, 23, 27, 36, 42, 64
Goldmann, Lucien 230, 264, 372
Gomulka, Wladislav 13, 125, 126, 127, 128, 374, 403, 442
Gorbachev, Mikhail 88, 161, 204, 205, 219, 232, 235, 236, 237, 238,
239,240,241 , 242,243,244,246,247,248,249,251,252,
255,256,286, 311, 316, 322,363,375,408,414,421,422,
426,427,428,429,430,439, 447
Gorky, Maxim 91, 210
Gorshenin, K.P. 215
Gorz, André 230
Gottwald, Klement 9 8, 125
Gouldner, Alvin W 111, 288, 397
Gramsci, Antonio 12, 154, 176, 190, 226, 356, 435
Grande Guerra Patriótica para a Defesa da Pátria 32
Grande Mentira 122, 318
GrandeTerror 27,32,38,59,60, 78, 79,82,96,113, 145,393
grandiosa narrativa 317
Gray, John 149
Griffin, Roger 27, 36, 48, 152, 287, 298, 369, 370, 371, 373, 377,
378,379,387,393,395,408,410,414,415,439,442,453
Grillparzer, Franz 330
Grossman, Vassily 45, 74, 134
grupo Práxis 216, 230, 272
Grósz, Károly 311
Guerra Civil Espanhola 11, 22, 52, 59, 114, 126, 400
guerra civil européia 49, 195
ÍNDICE REMISSIVO

Guerra Fria 61, 233, 236, 241, 244, 273, 298, 353, 385, 407, 428
Gulag 24, 29, 72, 79, 80, 83, 84, 86, 89, 111, 119, 146, 214, 255,
291,303,376,381,384,389,390,408,430,440
Gyurcsányii, Ferenc 337

H
Habermas, Jürgen 234, 300, 319, 441, 451
Hager, Kurt 124, 223
Hagy, Imre 244
Halgin, lgal 3 68
Hannah Arendt 11, 12, 19, 64, 75, 78, 117, 162, 163, 179, 272, 331,
354,365,372,375,376
Hanson,Stephen 236,246,332,426,429,435,448,450
Haraszti, Miklós 256, 292, 430
Harrington, Michael 304
Hassner, Pierre 17, 29, 111, 371
Havei, Václav 73, 85, 250, 254, 273, 274, 275, 276, 277, 285, 291,
292,294,295,297,302,318,324,333,335,426,430,432,
434,438,441,443,444,445,447,448
Hegel, G. W. F. 220, 284, 358, 409
hege01onia 68,125,126,127,227,232,258,271,287,314
Heidegger, Martin 174, 397
Hellbeck, Jochen 109, 372, 378, 388, 397
Heller, Agnes 17, 257, 272, 273, 357, 397, 406, 417, 418, 423, 424,
431,434,437,438,445,446,448
Hendrich, Jifi 124
Herf, Jeffrey 17, 72, 233, 369, 382, 385, 402, 425
Himmler, Heinrich 20, 28, 69
Hirschmann, Albert 307
Hitler, Adolf 5, 16, 17, 20, 23, 24, 25, 26, 30, 31, 34, 36, 37, 38, 39,
40,41,42,48,53,54,61,63,65,69, 70, 71, 74,87,92,95,98,
106, 150, 151, 172, 174, 194,200,204,305,332,355,367,
368, 369, 370, 372, 373, 374, 376, 377, 378, 379, 382, 384,
385,388,393,395,396,401,402,408,411,418,423,454
Hobsbawn, Eric 21, 195, 329, 444, 447
Ho Chi Minh 204
Hodos, George 128, 401
Holier, Denis 41
Holocausto 13, 72, 73, 79, 81, 86, 88, 90, 130, 145, 146, 298, 385,
390
O DIABO NA HISTÓRIA 1VLADIMIR TISMANE.ANU

Holquist, Peter 179, 412, 417


Homem Novo 29, 86, 292, 294, 354, 355, 441
homo prevaricatus 349
homo sovieticus 162, 349
Honecker, Erich 352, 374, 396, 423, 441
Hook, Sydney 61
Horkheimer, Max 12, 116, 234, 398
Horthy, Miklós 323
Howard, Marc 342, 444, 448
Hoxha,Enver 98,203,204,374
humanismo 35, 159,211,216,220,221,230,280,282,301,302,
360
Hungria 58, 66, 88, 124, 126, 128, 227, 253, 256, 257, 310, 311,
335,342,344
Husák, Gustáv 352

1
Iano~i, Ion 280
Ibarruri, Dolores 11, 116
ideologia 11, 12, 25, 29, 31, 39, 40, 47, 59, 62, 63, 75, 79, 84, 86, 87,
89,116,123, 129,146,169,179, 192,195,203,210,211,212,
232,241,249,250,251, 253,260,261,264,274,276,277,
280,286,287,290,296, 301,305, 319,322, 337,346,353,
357,361,366,374,382,410,416,424,427,439,440,441
Iliescu, Ion 337, 451
Iluminismo 36, 46, 87, 111, 123, 170, 186, 301, 375
imperialismo 68, 113, 127, 128, 193, 250, 359, 363
indivíduo 22,23,33,40,77,81,85,95,108,109,110,114,116,121,
129, 140, 141,156, 158, 159, 160, 164,249,254,273,283,
288,290,291,293,298, 303,318,320,324,325, 336, 352,
357,358,359,360,361,362,365,374,413
infalibilidade epistêmica 197
Inferno 19
inferno 94
inimigos 21, 23, 25, 30, 32, 37, 38, 48, 64, 70, 75, 76, 77, 81, 97, 104,
113, 118, 121, 131, 132, 134, 136, 143, 146, 158, 167, 184,
190,198,200,222,300,327,364, 365,376
inimigos objetivos 30, 64, 146
ÍNDICE REMISSIVO

instinto de classe 175


intelectuais 7, 16, 17, 21, 22, 42, 52, 62, 67, 81, 91, 109, 113, 120,
121, 122, 130, 132, 139, 140, 15~ 163, 187, 195,204,205,
210,215,216,219,222,226,227,229,232,235,237,238,
239,240,243,252,254,257,258,272,273,280,282,283,
284,288,289,291,297,300, 302,308,314,315,316,317,
318,323,324,330,331,338, 340,341, 346,353,356,357,
393,400,418,419,425,440
intencionalidade 5, 36, 58
Internacional 22, 115, 154, 193, 311, 363, 395, 441
internacionalismo 105, 106, 124, 138, 264, 395
Isaac, Jeffrey 15, 17, 433, 445
Isaac, Jeffrey 314
Israel 131, 394
lstrati, Panait 122
Itália 53, 54, 57, 65, 82, 86, 95, 98, 171, 200, 230, 353, 355, 361,
378,379,380,413
Iugoslávia 65, 125, 220, 231, 297, 308, 313, 323, 346, 350

J
jacobinismo 162, 177, 269, 351
Jarausch, Konrad 321, 409, 446
Jaruzelski, Wojciech 352
Jaures, jean 210
Jdanov, Andrei 77, 125, 131, 132, 381
Jowitt, Kenneth 17, 32, 39, 50, 56, 108, 123, 156, 157, 158, 161, 176,
189,204,288,311,342,350,379,386,387,396,400,407,
408,411,416,418,420,439,444,453
João Paulo II 302
judeu 21,25,48,65,72,129,131, 145,298
Judt,Tony 7,14,15,17,62,67, 71,72,231,234,309,312,320,324,
327, 339, 343, 364" 381, 384, 392, 405, 406, 424, 425, 431,
437,444,445,446,447,450,451,452,453,454
julgamentos-espetáculos 29

K
Kafka, Franz 305
Kaganovich, Lazar 96, 116, 151
Kalandra, Závis 97
O DlABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Kamenev, Lev 103, 130, 394


Kant, Immanuel 45
Katz, Otto 135, 368
Kau~k~Karl 63,163,382,405,423
Keller, Adolf 173
Kershaw, Ian 30, 42, 53, 54, 69, 72, 93, 98, 369, 372, 374, 377, 379,
382,384,385,392,393,411,410,418
KGB 238, 240
Kim 11-sung 204
Kis,János 85,254,292,437,449
Klaus, Václav 324
Klemperer, Victor 97, 397
Koch, Robert 71
Kocka, Jürgen 72
Koestler, Arthur 11, 26, 51, 99, 102, 103, 108, 112, 114, 158, 210,
368,370,397,398,407, 409,433
Kommunist 240
Konev, Marsahall Ivan 132
Konrád,George 85,228,253,275,292,335,430,434,440
Kopecky, Vilen 124
Kopelev, Lev 160, 430
Korey, William 129, 401
Korsch, Karl 12, 223, 226, 423
Kosik, Karel 229
Kostov, Traicho 112, 127, 128
Kotkin, Stephen 70, 77, 106, 203, 238, 302, 310, 311, 318, 326, 351,
372,387,395,396,427,443,445, 447,453
Kovalev, Sergey 189
Kolakowski, Leszek 7, 12, 14, 15, 21, 49, 85, 94, 146, 149, 164, 173,
205,217,222,229,230,259,262,270, 272,277,278,283,
289, 302,338,368, 377,380, 397,404,408,409,411,412,
414,417,420,421,422,423,424,432,433,435,436,437,
438, 439,441,448,450
Kramer, Mark 17, 251, 252, 426, 427, 428, 429, 430
Krasnyi Metch 66
Kriegel, Annie 108
Kristeva, Julia 332, 448
Krushchev, Nikita 57, 222, 363, 421
Krygier, Martin 45O
Krylova, Ana 175, 411
ÍNDICE REMISSIVO

kto-kogo 260
Kundera, Milan 231
Kurczewski, Jacek 334
Kurón, Jacek 85, 292, 437
Kuznetsov, Eduard 57
Kwasniewski, Aleksander 33 7
Kádá~János 88,228

Landsbergis, Vytautas 73
Laqueur, Walter 355
Lassalle, Ferdinand 304
Latsis, Martin 25
Latsis, Otto 240
Lazurkina, Camarada 174
Lefort, Claude 17, 47, 99, 156, 194~ 195, 196, 197, 198, 284, 287,
375,393,406,417,426,435,437,439,451
lei de lustração 328
leninismo 12, 32, 42, 43, 46, 47, 50, 56, 61, 65, 66, 85, 89, 90, 92, 94,
95,98,106, 108,111, 113,116,122,123,149,150, 152,154,
155, 156, 157, 160, 161, 167, 169, 170, 171, 172, 174, 176,
179, 18~ 182, 183, 184, 185, 18~ 18~ 188, 189, 191, 192,
193, 194, 197, 199, 204, 205, 207, 209, 211, 212, 213, 219,
224,231,238,241,244,254,257,261,262,264,270,272,
276,277,278,279,28~290,292,294,295, 310, 313,323,
324,325,326,327, 330,333, 337,345, 352, 359, 360,362,
363,364,406,416,427,433,435,439,441
leninismo originário 29 5, 441
Leonard Bernstein 296
Letônia 84, 247, 342
Levada, Yuri 349
levante dos marinheiros de Kronstadt 155
Levesque, Jacques 249, 429, 430
Levi, Primo 19, 367
Levinas, Emanuel 293
Levitsky, Steven 331, 448
liberalismo 22, 51, 63, 160, 169, 188, 232, 273, 276, 281, 295, 298,
301,313,319,333,340,349
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

liberalização 218, 221


liberdade 24,49,54,56,59,61,62,63,69,152, 162,164,172,191,
193, 197, 206,213,217, 220,221,226,232,247,255,258,
263,265,273,276,278, 279,281,289,293,294,302, 303,
308, 312,313,318,323, 326, 336, 338,341,355,356, 358,
359,369,376,432,454
liberdade de imprensa 217, 308
Lichtheim, George 195, 377, 431, 432
Ligachev, Yegor 246
Lih, Lars 189, 415, 433
limpeza étnica 38, 183
linguagem e pensamento duplos 250
Literaturnaya gazeta 236
Lituânia 84, 247, 344
London,Anur 112, 114, 367, 368, 369, 370, 371, 372, 373, 374,
377,378,379,380,382, 384,386,387,388,389, 390,392,
393,394,395,396,397, 398,399,400,401,404,405,406,
408,409,410,411,412,413,414,416,418,421,424,425,
426,427,428,429,431,432,433,436,438,441,442,443,
444,445,447,451,452,453,454
Losonczy, Geza 217
Lozovsky, Solomon 132
Luca, Vasile 136, 137, 138, 139, 140
Lukashenko, Alexander 308
Lukes,Steven 17,26,160, 161,294,370,406,407,441
Lukács,Georg 12,109,111,124,154,165,168,181,185,187,217,
226,281,356,397,414,423,454
Lunacharsky, Anatoly 260
Lupi, Dario 171
luta de classes 37, 80, 100, 125, 142, 165, 168, 242, 263, 266, 267,
268,270,356
Luxemburgo, Rosa 49, 98, 166, 175, 178, 181, 193, 226, 269, 409,
412,416,433
Lênin, Vladimir Ilyiich 5, 16, 23, 24, 25, 26, 32, 33, 37, 39, 40, 41, 45,
48,49,54,55,56,63,65,70,78,80,87,100,112,115,117,
118, 122, 141, 149, 15~ 151, 153, 154, 155, 156, 157, 158,
159, 161, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 173, 174, 175, 176,
17~ 178, 179, 180, 181, 182, 184, 185, 186, 187, 188, 189,
190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199,201,208,
209,211,221,237,243,260,268,269,270,281,286,291,
303,304,312,317,359, 360,361, 362,363, 375,382, 383,
394,404,407,412,415,419,433

470
ÍNDICE REMISSIVO

l'univers concentrationnaire. 19

M
Mahler, Gustav 296
Maier, Charles 234, 370, 411, 416, 417, 420, 426
maio parisiense 231
mal 14,20,21,23,38, 45,46,49,66,69, 73, 79,85,86,89,91,92,
93, 94, 95, 96, 101, 108, 113, 119, 124, 170, 178, 179, 210,
212,240,251,264,268,281,287,306,328,343,353, 376,
383,391,401
Malia, Martin 63, 65, 92, 180, 195, 203, 333, 382, 392, 406, 412,
435
Malraux, André 51, 210, 374
Manea, Norman 298
Manifesto Comunista 93, 167, 168, 181, 191, 218, 261, 264, 265,
271,304,375
maniqueísmo 41, 117, 290
Mann, Michael 173
Mann, Thomas 199
Mao Tse Tung 158
maquiavelismo 172, 177, 412
maquis 114
Marcou, Lilly 244, 429
Margolin, Jean-Louis 68, 382
Margolius, Rudolf 112, 114, 382
Markisch, Peretz 131
Markovic , Mihailo 230
Marks, Steven G. 415
Martin, Terry 39, 183
Martin, Terry 413
Marwick,Arthur 231, 424, 425
Marx, Karl 16, 100, 149, 152, 163, 164, 165, 168, 169, 173, 181,
185, 186, 188, 192, 197,206, 208,210,215,218,220,223,
226, 227,232,233,261,262,263,264,265,266,267,268,
270,272,278,279,280,281, 289, 304, 305, 332, 356,357,
358, 359, 360,364,375,389,404,405,407,409,411,415,
423,424, 432,433,434,435,442,444,454
marxismo 12,14, 15, 18,22,36, 41,42,50,64,106, 111, 116, 143,
149, 152, 153, 154, 160, 163, 164, 166, 167, 168, 169, 182,
183, 185, 186, 188, 190, 191, 192, 193, 196, 197, 198,203,

471
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

205, 206, 207, 209, 210, 212, 213, 215, 216, 217, 218, 219,
223,224,225, 227,228,229,231,239,254,257,258, 260,
262,263,264,265,271,272,273,277,278,279,280,282,
283,284,289, 290,294, 301, 304,305, 326, 356,359, 363,
366,375,405,414,416,421,423,424,427,433,435,438,443
Matustik, Martin 293
Mauss, Marcel 196
Mayakovsky, Vladimir 222, 415
Mazowiecki, Tadeusz 327, 340
memória 7, 15, 50, 58, 66, 69, 72, 74, 79, 84, 86, 87, 88, 89, 90, 94,
131, 146,187,221,299,327,334,342,344,347,366
mencheviques 78,100,122,130, 154, 155,157, 179, 198,353,359
mentira 45,94, 108, 251,275,286,290,291,302,318,335
Merker, Paul 135, 136, 402
Merleau-Ponty, Maurice 270
messianismo 5, 32, 52, 149, 190, 191, 200, 259
Meszáros, István 281
Meciar , Vladimir 341
Michnik,Adam 17,46,85,220,231,252,275,292,297,308,331,
335,340,422,437,443
milenarismo 122, 153, 230, 279
Mills, C. Wrights 2 71
Mints, Isaac 132, 133, 401
missão 26, 57, 75, 95, 96, 151, 153, 175, 191, 195, 197, 211, 266,
294,311,322,356,357,362
misticismo 5, 116, 159, 204
Mitologias 5, 169
mitologias 52, 198, 276, 281, 287, 294, 329, 345, 364
Mitologias redentoras 5, 169
Milosz, Czeslav 108, 186, 272, 397
Mladenov, Petar 311
Mlynáf, Zdenek 161, 203, 219, 242, 247, 408, 422, 428, 430
modernidade 27, 28, 38, 43, 47, 49, 50, 83, 85, 86, 96, 106, 107,
144, 149, 179, 180, 188, 198,206,20~258,261,29~298,
301,305,319, 329, 330,332,346,349,356,357,368,375,
436,441
modernidade política 149
Modrow, Hans 311
Modzelewski, Karol 219, 422
Molotov, Vyacheslav 27, 28, 371

472
ÍNDICE REMISSIVO

Mongólia 364
monismo 167, 169, 301, 312
Monnerot, Jules 46, 377
monopólio político 323
moralidade 6, 22, 26, 27, 29, 65, 70, 108, 120, 122, 153, 173, 203,
266,267,275,277,285,294, 304,305,312,318,321,340,
355
morticínio de classe 8 8
morticínio em massa 38, 87
Morávia 115, 337
movimentos revolucionários 91
Muro de Berlim 136, 233, 280, 318
Mussolini, Benito 48, 53, 54, 55, 56, 95, 98, 200, 305, 355, 361, 362,
369,378,379,395,408,410,413,416,417,418,454
Márkus, Gyõrgy 257, 272, 357, 437
Müller, Jan-Werner 279, 402, 436, 443, 444, 449, 451, 452

N
nacional-socialismo 36, 50, 69, 86, 90, 93, 106, 150, 151, 200, 356,
397,416
nacionalismo 6, 48, 124, 134, 183, 264, 266, 276, 295, 296, 297,
298,299, 300, 313,326,329, 330,333,345,346,347,350,
404,442
Naimark, Norman 16, 58, 85, 380, 390, 443
Naumov, Oleg 374, 386, 394, 401, 419
nazismo 18, 19, 22, 23, 29, 30, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 46, 47, 49,
51, 52, 53, 67, 68, 69, 70, 74, 77, 78, 83, 84, 85, 91, 93, 106,
107,110,120,157, 161, 172,251,286,375,377,385,410
Nechaev, Segey 96, 158, 407, 412
neo-comunismo 337
neo-marxistas 2 73
Neruda, Pablo 211
Neumann, Heinz 195, 453
New York Review of Books 317, 373, 390, 397, 408, 434, 439, 442,
447,448,450,451,454
Nícolae Ceau§escu morreu cantando a Internacional 311
Nietzsche, Friedrich 260, 280, 370, 420, 431, 432
Nikolaevsky, Boris 100
Niva, Georges 25 5
Noite das Facas Longas 98

473
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

noites de junho 140


Nolte, Ernst 38, 39, 40, 79, 195, 373, 374, 375, 377
nomenklatura 116, 216, 225, 240, 243, 248, 249, 322
Norden, Albert 124
Nova Esquerda 217, 230, 233
Nova Fé 186, 210
NPE 76, 155, 237

o
Ocidente 58, 62, 125, 129, 142, 178, 183, 188, 209, 225, 231, 233,
234,239,254,273,280,291,297,304,319,329,335,336,
350,367
O Desfile da Raça 82
Offe, Claus 334
O Judeu Eterno 23
O Livro Negro do Comunismo 5, 62, 63, 65, 66, 97, 269
Orbán, Viktor 308, 341, 344
Organização de Segurança e Cooperação na Europa 73, 88
Orwell, George 122
OSCE 73, 385
OTAN" 328,349,350
otomanização 325
outro 23,28,30,32,37,46,47,49,50,52,53,55,59,62,92,99,
101, 103, 107, 123, 146, 150, 152, 157, 167, 170, 177,212,
217,233,246,259,271,278,285,289,291,293, 304, 315,
322,329,335,343,344,347,357,368,374, 375,387,410,
413,436
Overy, Richard 34, 35, 80, 370, 372, 373, 381, 388, 389

Pacto de Varsóvia 350


paixão revolucionária 24, 159
Palme, Olaf 304
Palous, Martin 18, 292, 450
Pandrea, Petre 97, 400
Paraschivescu, Miron Radu 140
Partido Comunista 12, 27, 33, 60, 96, 104, 105, 113, 115, 116, 125,
126, 133, 137, 141, 161, 180, 189, 193, 195, 196, 211, 213,
216,221,227,242,247,248,311,312,314,322,337,341,427

474
ÍNDICE REMISSIVO

Partido Comunista da União Soviética 96, 161, 211, 213, 216, 312,
427
Partido Comunista Espanhol 116
partido de vanguarda 24, 142, 157, 182, 189, 267, 270, 359, 435
partidos 22, 23, 48, 59, 60, 65, 80, 98, 124, 125, 126, 141, 143, 166,
169, 172, 178, 179, 187,204,208,221,229,232,268,303,
304, 311, 312, 313, 322, 325, 328, 330, 337,340,342,344,
348,349,352,355,360,361,363,364,415
partidos políticos 178, 312, 337, 342, 348, 355
Partisan Review 121, 442
Patocka,Jan 85,259,262,275,276,285,288,292,295,431,434,
443
Pauke~Ana 11, 112, 134, 136, 137, 138, 139, 140,195,403
Paul Berman 173, 234, 426
penitenciária de Pite~ti 20
Perestroika 205, 235, 237, 242, 243, 244, 245, 246, 252, 316, 322,
408,418,422,427
Petrovic, Gajo 230
Piatakov, Yury 159, 191, 407
Pipes,Richard 40,47, 180, 181,203,373,375,376,377,412,454
Pjade, Mofa 216
Plekhanov, Georgi 167, 412, 417
Ple~u, Andrei 18, 281, 349, 436
pluralismo 48, 73, 155, 157, 237, 246, 247, 248, 249, 288, 308, 309,
318,320,321,363
pogroms 37, 188, 376
Politburo 96,136,141,156,174,291,371,381,402,427
Pollack, Detlef 220
polícia secreta 12, 20, 29, 40, 81, 86, 91, 105, 327, 328, 362
política da anti-política 293
política de amnésia 344
políticas de extermínio 85
Polônia 13,66,69,84,127, 134, 141, 145,219,230,231,243,253,
257,310,311,316,324,337,342,344,374,403,404,442
Pomian, Kzrysztof 391, 437
Ponge, Francis 59
Popov, K 184
Poppe~ Karl R. 12, 169, 272, 409
populismo 261, 276, 277, 333, 338, 341, 350, 441
Portugal 233

475
O DIABO NA HISTÓRIA 1VLADIMIR TISMANEANU

Praga 73, 113, 135, 161, 219, 228, 231, 232, 233, 240, 302, 351,
352,385
Pravda 48,133,144,185,215,428
Preoteasa, Grigore 141
Priestland, David 33, 184, 371, 372, 387, 388, 406, 410, 411, 413,
435
Primavera das Nações 317
Primeira Guerra Mundial 24, 34, 35, 170, 171, 182, 264, 310
princípio "quem a quem" 260
procedimentos legais 328
Prokhanov,Lexander 317
proletariado 26, 32, 41, 48, 49, 55, 60, 63, 99, 113, 149, 150, 153,
155, 162, 163, 164, 167, 168, 175, 17~ 178, 184, 190, 191,
195,218,264,265,266,267,268,270,272,279,286,294,
295,356,357,358,359,360,362,363,366,369,412,415
Putin, Vladimir 344, 345, 371, 427, 451, 452
pária 331
pós-comunismo 156, 276, 288, 292, 295, 297, 300, 328, 330, 331,
332, 347
pós-democracia 301
pós-marxismo 42, 205, 282, 283
Pãtrã§canu, Lucretiu 97, 104, 112, 125, 127, 128, 140, 395, 400

Q
queda do Muro de Berlim 136, 280
quiliasmo 265, 304

R
Rabinbach, Anson 62, 380, 381
racialização 75, 387
Radek, Karl 99
Rahv, Phillip 121, 399
Rajk, László 112, 126, 128
Rakowski, Mieczyslaw 311
recessão 233
reconciliação 305, 306, 342, 343, 345, 352
Reddaway, Peter 425, 450
REE, Erik van 374, 379, 404, 408, 413
ÍNDICE REMISSIVO

Rees, A.E. 172, 377, 396, 400, 412, 454


Reich, Wilhelm 226
reinvenção da política 206, 258, 290, 332
República Checa 318, 323, 324, 328, 337, 342
resistência 22, 43, 52, 61, 62, 121, 123, 128, 182, 216, 217, 229, 254,
269,274,275,282,315,316,319,324,398,446
retorno a Lênin 199
Retorno a Lênin 5, 181
retorno à Europa 274, 320, 351
retorno à fonte 221
revisionismo 6, 42, 125, 158, 205, 217, 218, 220, 222, 223, 231, 232,
237,239,242,253,254,258,282,283,284,421,422
revolucionários socialistas 155, 157, 179
revolução 21, 26, 27, 46, 48, 49, 52, 55, 58, 66, 77, 80, 91, 96, 107,
116, 118, 138, 142, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 158, 159,
166, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 182, 183, 185, 187, 192,
193, 194, 197, 198,201,210,212,241,244,246,247,248,
253,255,263,267,270,271,279,281, 287,293,294,302,
305,308, 312,317,319, 325,340,353, 354,355,357,358,
359,360,363,369,383,406,415,416,429,433,441,450
Revolução Cultural Chinesa 233
Revolução de Outubro 66, 123, 177, 192, 194, 405
Revolução Francesa 206, 320, 332
revolução legal 151
Revoluções 197
revoluções 33,85,150,255,258,261,274,280,302,309,310,312,
313,314,315,31~319,32~321,323,33~349,351,352,
364
Riegel, Klaus-Georg 209, 212, 399, 412, 415, 419, 420
Robinson, Neil 278, 430, 435
Rocco, Alfredo 361
Rolland, Romain 210
Roller, Mihail 141
Roman, Valter 17, 18, 139, 443
Romênia 11, 12, 14, 15, 16, 20, 38, 58, 65, 104, 124, 125, 127, 138,
139, 140, 145, 216, 227, 272, 313, 315, 316, 328, 336, 337,
338,339,341,344,348,374,384,404,416,423,444,451
Roselli, Cario 122, 437
Rosenberg, Alfred 36, 44 7
Rosenthal, Berenice G1atzer 213, 370, 420
Rothschild, Joseph 346

477
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Rubashov, Nikolai (herói do livro de Koestler) 99, 114, 136, 158


Russell, Bertrand 400
Rádio Europa Livre 316
Rádio Moscou 41, 139, 140, 401
Rákosi, Mátyyás 98, 134
Révai, Jószsef 124
Rõhm, Ernst 98
Rós~a 25,30,31,45,49,58,65,84,130,162,178,179,181,183,
187, 188, 189, 191,214,235,239,240,249,270, 308, 310,
331,336, 337,338, 339,341, 345, 348, 360, 363, 366, 376,
378,415,425,450
Rãutu,Leonte 124,134, 138,139,140, 141,403

s
sacralização 22, 117, 172, 191, 369, 399
Sakharov, Amlrei 162, 188, 275, 289, 446
Salazar, Antônio de Oliveira 233
Salvemini, Gaetano 28
samizdat 289, 315, 316, 319
Sartre, Jean-Paul 211, 226, 404
Scammell, Michael 79, 80, 383, 385, 387, 391, 407, 433
Schapiro, Leonard 203
Scherbakov, Aleksander 132
Schmitt, Carl 281
Schwan, Gesine 343, 451
Scott, James C. 274, 396, 434
Securitate 104, 105, 367
Segunda Guerra Mundial 11, 32, 41, 60, 61, 65, 74, 107, 109, 113,
121,126,130,135,136,137,231,354,363,381,401,403
Segunda Transformação Socialista 120
Semyon Frank 97
sessentaeoitistas 233
Shafarevitch, Igor 18 8
Shaknazarov, Georgiy 241
shestidesiatniki 217, 421
Shoah 73,390
Shtern, Lina 132
Siegelbaum, Lewis 384
ÍNDICE REMISSIVO

Silone, Ignazio 122, 210, 272, 400, 434


Simic, Charles 346, 452
sincronização política 335
Sinyavsky, Andrei 207, 232, 425
sionismo 113, 371
sistema pós-totalitário 250, 273, 285, 293
situação revolucionária 321
Slánsky, Rudolf 11, 39, 112, 113, 115, 133, 135, 137, 401, 403
Smirnov, Georgii 240
Snyder,Jack 331, 447
Snyder, Timothy 13, 16, 18, 20, 32, 38, 46, 61, 68, 84, 85, 130, 134,
145, 146, 367, 368, 372, 373, 377, 381, 384, 390, 393, 401,
402,404,447
socialismo 32, 36, 38, 43, 47, 49, 50, 55, 69, 70, 81, 86, 90, 93, 94,
95,100,106,107,111,112,120,124,130,134,139,142,150,
151, 152, 161, 169, 179, 181, 183, 184, 185, 186, 187, 188,
194, 198, 199,200,211,212,215,219,227,228,232,235,
236,240,242,244,245,247,248,255,256,272,276,279,
285, 286, 289, 292, 295, 311, 313, 332, 333, 338, 346, 356,
395,397,416,436,446
sociedade civil 98, 134, 164, 176, 234, 243, 249, 254, 259, 274, 288,
289,290,292,298, 302, 303, 310, 313,315, 318,319,321,
323,324,325,326,338,351,352,359,379,422
sociocídio 38, 77, 88
Solidariedade 14, 286, 310, 324, 340
Solidarnosc 257
Soljenítsin, Alexander 98, 119, 160, 188, 195, 254, 255, 271, 275,
290,291,389
solução final 75
Sonderweg 179,183
Sorbonne 233
Souvarine, Boris 86, 122, 212, 272, 390, 411, 417, 454
sovietismo 57, 70, 120, 181, 193, 216, 333, 451
sovietização 60, 80, 107, 140, 211
Speer, Albert 42
stalinismo 5, 13, 22, 29, 30, 32, 34, 35, 38, 39, 46, 56, 83, 84, 85, 97,
106, 107, 108, 109, 111, 116, 120, 130, 138, 141, 142, 143,
144, 145, 146, 182, 183, 192,212,213,220,225,243,278,
286,338,363,374,377,385,389,393,404,441

479
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

Stevens, Anthony 106


Strasser, Gregor 204
Strasser, Otto 36, 204
Streicher, Julius 115
Stálin, Joseph 5, 12, 13, 17, 23., 24, 25, 26, 27, 30, 31, 32, 33, 34, 37,
38,39,45, 54,55,56,57,60,61,64,66,74, 75, 76, 78,80,81,
82,86,87,91,96,98,99, 100, 102, 103, 105, 106, 109, 110,
111, 112, 113, 114, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 124, 125,
126, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 138, 141, 142, 143, 144,
145, 146, 147, 149, 150, 151, 154, 161, 164, 165, 174, 180,
183, 184, 185, 186, 188, 192, 201, 203,204,208,209,211,
212,213,214,215,217,221,222,225,242, 269,304, 332,
338,345,355,360,362,363, 366, 367, 368,371,381, 384,
389,393,394,395,399,400,402,414,419,422,429
Sullis, Edgardo 55
Suny, Ronald 93, 383, 384, 392
Sverdlov, Nikolai Yakov 49
Sérvia 331, 341
síndrome de submissão 142

T
Tamir, Yael 347, 452
Tamás, G.M. 256, 281, 307, 324, 430, 436
Telas 110,278,279,390,404,423, 435
teoria da pedra de toque 105
terror 5, 25, 29, 31, 32, 35, 39, 54, 68, 70, 72, 75, 77, 79, 80, 81 , 83,
84,85,86,89,92,93, 94, 104, 106, 109, 112, 113, 118, 120,
121, 162, 168, 178, 199,200,213,214,216,242, 250,270,
272,275,353,362, 366,375,382,383,384,389,399,407
Terror Vermelho 39, 170
Thalmann, Ernst 195
Tigrid, Pavel 114
tiranias de corrupção 26
Tocqueville, Alexis de 11, 113, 125, 126, 127, 197, 203, 400, 454
Tomás de Kempis 55
Toránska, Teresa 141, 403
totalitarismo 5, 23, 29, 34, 51, 62, 93, 150, 156, 196, 213, 249, 253,
259,260,273,286,291,332,353,368,376,385
ÍNDICE REMISSIVO

trabalho forçado 61, 83, 112, 388, 389


Traverso, Enzo 79
Trotsky, Leon 49, 55, 64, 98, 112, 130, 155, 156, 163, 166, 182, 226,
270,271,363,387,405,439
Tucker, Robert C. 7, 12, 14, 18, 38, 100, 102, 103, 112, 113, 158,
183, 186, 188, 197,208,241, 373, 375,389,394,398, 399,
405,409,413,414,415,416, 417,419, 420,428,432,434,
440,454
Tudjman, Franjo 300, 442
Tudor, Corneliu Vadim 341, 451
Tudoran, Dorin 14, 57
Tugui, Pavel 141

u
Übermensch 212, 260
Ucrânia 13, 84, 96, 130, 299, 331, 336, 384, 440
União Européia 88, 309, 328, 350
União Soviética 13, 20, 25, 31, 34, 39, 41, 50, 54, 56, 58, 59, 60, 61,
75,76,77,79,80,81,83,87,96,107,108,113,115,120,121,
123, 126, 129, 130, 131, 132, 133, 145, 161, 174, 180, 183,
200,201,206,207,210,211,213,215,216,217,223,230,
232,233,235,238,239,241, 243,245,252,253,256,257,
280,308, 309,312,316,355, 359,360,368, 396,402,422,
427,428,430,449
Urban, George 394, 413, 441
Urban,George 99,203,259,413
Urban, Jan 307
Urban, Jan 443
URSS 22,30,38,60,61, 80,83, 88, 100, 105, 106, 132, 139, 155,
162, 184, 185, 194,211,222, 236,238,239,240,242,244,
245,246,247,249,252, 354, 362, 364, 378,381,383, 395,
399,427,429,432
Urválek, Josef 114, 115
utopia 6, 17, 31, 54, 59, 61, 75, 76, 78, 82, 85, 93, 100, 102, 103,
11~ 122, 13~ 156, 159, 181, 184,200,208,227,231,233,
236,255,259,260,261,273,274,279,283,301,311,317,
325,357,360,431
utopia comunista 17, 61, 122
O DIABO NA HISTÓRIA 1 VLADIMIR TISMANEANU

V
Vajda, Mihaly 272, 437
van Ree, Erik 39, 144, 164, 165, 374
Velikhov, Evgeny 241
verdade 6, 16, 19,20,21,22,25,27,30,32,34,38,40,47,49,54,
61,65,66,67,68, 70, 71,81,83,90,92,93,94,95,100,101,
106, 108, 118, 125, 136, 138, 143, 145, 146, 150, 151, 153,
154, 156, 158, 161, 163, 165, 166, 167, 168, 171, 179, 181,
182, 183, 185, 186, 187, 189, 194, 196, 199,203,204,211,
212,213,216,217,218,221,224,234,238,239,242,243,
246,252,254,259,266,267,269,275,277,279,280,283,
284,286,287,289,291,292,293,295,301,302,303,306,
308,311,318,322,323,324,326,328,332,334,343,344,
345,347,349,351, 355,356,357,361,364,365,366,391,
418,431,449,453
Vietnã do Norte 364
Villa-Vicencio, Charles 343, 451
violência 5, 11, 19, 23, 29, 35, 58, 61, 63, 76, 77, 79, 80, 81, 84, 87,
92,95,96, 117, 118, 147, 150, 164, 167, 171, 172, 176, 178,
210,213,234,238,254,260,267, 268,270,271,275,342,
344,354,356,359,389,409,418
Voegelin, Eric 35, 373
voluntarismo 37, 41, 175, 237, 435
Voronov, Ivan 240
Vozesensky, Andrei 222
Vranicki, Pedrag 230
Vyshinsky, Andrei 64, 103, 382

w
Walicki, Andzej 270, 278, 405, 406, 407, 421, 435, 438
Walker, Rachel 279, 429, 435
Wallach, Erica Glaser 127, 400
Wat, Aleksander 108, 397
Way,Lucan 331,448
Walçsa, Lech 340
Weber, Eugen 371, 372, 377, 406, 453
Weber, Max 154, 181, 212, 412, 415, 420
Weil, Nicolas 73
Weitz, Eric 75, 76, 277, 386, 387, 435
ÍNDICE REMISSIVO

Werth, Nicolas 68, 75, 76, 80, 147, 382, 386, 387, 388, 389, 404
Wielgohs, Jan 220
Wieviorka, Annette 18, 68, 384
Wing, Betsy 41, 374
World Marxist Review 240

Yakolev, Alexander 240, 243, 375


Yaroslavsky, Yemelyan 28, 371, 399
Yeats, W.B. 307
Yeltsin, Boris 246, 249, 345, 427, 439

z
Zambrowski, Roman 134
Zetkin, Clara 195
Zhivkov, Todor 352
Zinoviev, Grigory 45, 49, 103, 130, 154, 156, 375
Zinovyev, Aleksandr 225, 423
Zubok, Vladislav 18, 43, 205, 229, 253, 374, 418, 419, 421, 422,
424,425,427,430
Zweig, Stefan 170
Zyugano~Gennady 193,341,416,439
ZiZek, Slavoj 97, 154, 181, 189, 199, 201, 393, 405, 406, 412, 413,
433,454
FICHA CATALOGRÁFICA

Ttsmaneanu, Vladimir.
O Diabo na História: comunismo, fascismo e
algumas lições do século XX I Vladimir Ttsmãneanu;
tradução de Elpídio Fonseca - Campinas, SP: Vide
Editorial, 2017.
ISBN: 978-85-9507-013-4
1. Ciência Política. 2. Comunismo. 3. Fascismo.
1. Autor II. Título.
CDD - 320 / 320.532 / 320.533
íNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO
1. Ciência Política - 301
2. Comunismo - 320.532
3. Fascismo - 320.533

Este livro foi impresso pela Gráfica Eskenazi.


Os papéis usados para compor este livro foram
chambril avena 80g para o miolo,
e para a capa, cartão triplex 250g.
"Escreveram-se muitos livros acerco das si-
milaridades e diferenças entre comunismo e
fascismo, assim no teoria como no prático.
Nenhum, porém, que iguale o ilumin,ação,
o análise e o reflexão profunda encontra-
dos em O Diabo na História" - Ronold
Radosh, Weekly Standard.

*
"O Diabo na História é uma obro muito im-
portante de história intelectual que considera
uma questão fundamental do século XX e de-
. ;. ··, monstro um vasto conhecimento global, bem
'.'.':.:.::,. como uma experiência pessoal assimilada
·~~'.): ·. 'rii'uitq atentamente." Páginas indiscutivelmen-
.~W_·
•,..:. ' t~· brilhantes" - Timothy Snyder, autor de
·.
f.,... · · · The Reconstruction of Nations: Poland,
Ukraine, Lithuonia, Belarus, 1569-1999.

*
"Uma obra excelente e, sem dúvida, sólida.
O parentesco entre o leninismo e o nazismo
representa a idéia central do livro de Tismã-
neanu, e é uma tese que, já desde 1945,
e principalmente à época do Guerra Fria,
gerou muitas controvérsias. Um livro notável"
- William Pfaff, New York Review of Books.

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