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Espírito Conservador – V
Conservadores do Brasil
Brasil, outubro de 2017
Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o
fogo do Vosso Amor.
Enviai, Senhor, o Vosso Espírito e tudo será criado e renovareis a face da
terra.
Ó Deus, que instruístes os corações dos Vossos fiéis com a luz do Espírito
Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas segundo este mesmo
Espírito e gozemos sempre de Sua consolação.
Por Cristo, Senhor nosso
Amém
EDITORIAL

Este quinto volume da Coleção Espírito Conservador aprofunda


deslumbramentos e observações dos autores sobre o conservadorismo.
Enquanto as instituições da Nova República ruem em fragoroso
estardalhaço, pela primeira vez, em décadas, a direita brasileira esboça sinais
verdadeiros de rompimento do cordão sanitário estabelecido pelo
esquerdismo brasileiro à sua participação essencial na vida política nacional.
Propostas conservadoras e direitistas ganham voz e ressonância na
sociedade e agremiações políticas começam a defender abertamente, sem
receio de patrulhas ideológicas, as virtudes conservadoras.
As eleições de 2018 despontam no horizonte como um sopro de
revigorada esperança nesses dias auspiciosos de renascimento das forças
civilizatórias do Brasil.
ÍNDICE
1. O demônio menos falado. Se você acha que o pensador mais
influente e perigoso do movimento revolucionário atual é Marx ou Gramsci,
você está enganado, mortalmente enganado. Conheça o demônio menos
alardeado, porém, mais insidioso da esquerda brasileira. Por Marcelo
Hipólito.

2. Breves biografias de negros notáveis – Parte final. É claro que o


preconceito racial existe no Brasil, em diferentes graus. Contudo, este é
contido o suficiente para se render à impoluta lista de notáveis recuperada
neste ensaio. Por Reno Martins.

3. Valores e ideologia. A busca pela essencialidade do que nos aproxima


enquanto direita política, sem desprezar nossas diferenças, contudo, não se
aferrando a elas. Por Marcelo Hipólito.

4. O peixe e a travessa. A sabedoria das tradições duradouras nos eleva e


sustenta como civilização. Por Reno Martins.

5. Os autores. Breves biografias: Marcelo Hipólito e Reno Martins.


I
O demônio menos falado
Marcelo Hipólito
Antes da queda do muro de Berlim e do esfacelamento da URSS, a
esquerda mundial já se debruçava sobre a questão da decadência do modelo
soviético.
À morte de Stalin, seguiu-se a depuração típica que permeia às
sucessões de comando do movimento revolucionário, nessa ocasião
coincidente com a “dramática” revelação dos crimes e banhos de sangue
cometidos no período stalinista.
Parte da esquerda iniciou os procedimentos usuais de culpar a liderança
passada pelas falhas do marxismo, enquanto procuravam mascarar seu
verdadeiro e exitoso objetivo: implantar e manter um totalitarismo brutal
construído sob as cínicas e mentirosas promessas de um paraíso socialista
futuro. Como se o socialismo futuro pudesse ser menos sanguinário ou
escravizador do que em qualquer outra forma.
Sua maldade intrínseca, opressão absoluta, autoritarismo homicida,
paranoia centralizadora, constituem-se nas engrenagens indispensáveis ao seu
funcionamento, o óleo que impulsiona o moedor de carne humana que flagela
suas populações sob os estandartes cor de sangue da Revolução.
Nada é mais socialista do que as longas filas de fome e privação, os
campos de trabalhados forçados (escravos) e os pelotões de fuzilamento.
Não há maiores matadores de comunistas do que os próprios
comunistas.
Se, ao menos, estes se exterminassem apenas entre si, talvez até
vivêssemos num mundo melhor, ainda que moralmente indesejável, contudo,
no topo da matança e do ódio marxistas, infelizmente, jazem os corpos das
centenas de milhões de inocentes, perseguidos e aniquilados por aqueles que
renderam suas almas à loucura extremista.
No período pós-Stalin e pré-queda da Cortina de Ferro, a velocidade dos
fatos tornavam cada vez mais inócuas e desesperadas as falsas esperanças do
marxismo, uma teoria tão estupidamente presunçosa como errada. Seu
coração central – as falácias da guerra de classes e da consciência operária –
começara a naufragar quando ainda a redigiam em mal traçadas linhas.
Em seu tempo, o sucesso indisputável do capitalismo já anunciava a
elevação do conforto e o padrão de vida dos pobres do século XIX para os
patamares da classe média que lhes era contemporânea.
Já a classe média do século XX ascenderia a condições materiais
superiores mesmo às castas mais privilegiadas da Idade Média. Esse processo
somaria ainda incontáveis outros benefícios, como: uma melhor expectativa
de vida, o aumento da produtividade do trabalho e o surgimento de um
inédito tempo ocioso para o povo em geral.
Quando os trabalhadores começaram a comprar ações das empresas
capitalistas nas bolsas de valores do Ocidente, pulverizando inapelavelmente
a noção temerária de separação de classes proposta por Marx, eles se
tornaram ao mesmo tempo sujeitos e senhores da “exploração capitalista”,
um fenômeno imprevisto pelos marxistas. Na prática, essa se provou a
sentença de morte final do seu ideário homicida.
Feridos de morte pela realidade dos fatos, restou aos marxistas a busca
frenética por uma boia de salvação que mantivesse vivo seu projeto de poder
totalitário.
A narrativa esquerdista precisava urgentemente de uma renovação
capaz de encobrir a realidade para continuar em sua luta de enganar a massa
com a “verdade” da sua ideologia.
Em sua sanha bárbara pela destruição da sociedade, indiferentes às
pilhas de cadáveres que precisem cobrar pela construção de seu novo mundo,
os revolucionários tomaram o mundo acadêmico ocidental como parasitas da
prosperidade capitalista, democrática e cristã.
Enquanto a direita brasileira, muito justamente, preocupa-se com a
psicopatia de um Marx ou Gramsci, o mais influente pensador da Nova
Esquerda permanece pouco estudado e mal compreendido pelos
conservadores do nosso país. O intelectual mais celebrado nos círculos
acadêmicos e culturais do Ocidente: o ultrarradical Michel Foucault.
Foucault é incensado por esses círculos na mesma medida da fraude
intelectual que suas “ideias” representam; se assim podemos definir os
pensamentos incongruentes, desconexos e imbecilizantes desse verdadeiro
ícone do pensamento esquerdista.
Não há prova maior da incapacidade dos extremistas em superar os
erros e a estupidez de Marx do que a elevação de Foucault à condição de
incontestável das universidades aparelhadas pela extrema-esquerda nos
centros capitalistas.
Foucault é célebre, entre outras empulhações, por seus “estudos” (um
termo muito generosamente empregado para nomear sua falta de rigor
intelectual) sobre a psiquiatria. Nem poderia ser diferente, sua baboseira sem
pé nem cabeça equivale mesmo a um bom “papo de maluco”. Foucault é
incapaz de concatenar duas sentenças com um mínimo de lógica; seu
charlatanismo pulula de conclusões tiradas literalmente do nada, o mesmo
tenebroso e frio nada do qual despontam como diabos do Abismo.
O edifício teórico de Foucault tem pés de barro, afinal existem única e
exclusivamente para o avanço de uma agenda ideológica, em vez de se
dedicar à busca da verdade, conforme entendida pelos clássicos.
Ao algemar seu pensamento a um fim previamente selecionado – a
redenção do movimento revolucionário como falsa narrativa de sucesso para
o Ocidente –, Foucault adota conscientemente a fraude como método
necessário, retorcendo todos os meios possíveis para alcançar seu objetivo
pré-definido, ajustando sua conjectura e o próprio estudo da verdade a esse
fim. Nem ele próprio consegue disfarçar a confusão que transborda dessa
picaretagem intelectual:
“Tudo isso deve parecer bem confuso e incerto. Sem dúvida incerto,
pois tudo não passa de hipótese. Mas para que fique um pouco menos
confuso, eu gostaria de formular algumas “proposições” – no sentido não de
coisas aceitas, mas de coisas oferecidas para experiências ou provas
futuras”. (Foucault, 2016)
Em outras palavras, o próprio Foucault, despudoradamente, admite sua
notável desordem mental. O portento esquerdista – a quem se ajoelha parte da
dita inteligência contemporânea – convida seus discípulos nada menos a
acatar “proposições” (um conceito frouxo, merecedor das aspas do autor)
incomprovadas; quem sabe um dia, quem sabe como, a correção ou não
dessas teorias incertas despontem num futuro indeterminado, vago,
imprevisível.
É inacreditável!
Não há melhor exposição do descalabro esquerdista em seu espírito de
enfrentamento permanente diante dos fatos e da realidade.
É a premência do sonho (ou melhor, do pesadelo revolucionário) sobre
o comprovado e o verdadeiro.
Enfim, é Foucault na veia! Ao menos, seu desprezo contra qualquer
vestígio de sinceridade intelectual ou pela busca pela Verdade não é sub-
reptício:
“Há um combate “pela verdade” ou, ao menos, “em torno da verdade”
– entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto
das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das
regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao
verdadeiro efeitos específicos de poder”; entendendo-se também que não se
trata de um combate “em favor” da verdade, mas em torno estatuto da
verdade e do papel econômico-político que ela desempenha”. (Foucault,
2016)
Sim, meus caros, essa é uma confissão de crime intelectual de Foucault
em toda sua feiura. A verdade sujeita ao “papel econômico-político que ela
desempenha”, ou seja, aos desígnios da ideologia, aos interesses estratégicos
ou de curto prazo do movimento revolucionário.
Destarte, se a verdade é subjetiva, a consequência lógica é a sua
inexistência como um bem humano. Quando Stalin apagava das fotos oficiais
os infelizes que lhe caíam em desgraça, não significava fraude à verdade, mas
sim, meramente uma nova narrativa, mais palatável aos interesses do Estado,
indissociáveis da vontade partidária, a mesma do Grande Líder.
Não é à toa o desprezo da esquerda mundial pela verdade e sua paixão
por narrativas. Para quem tudo é relativo, a verdade não passa de incômodo.
A mentira, violência, corrupção, roubo e assassinato se tornam o padrão de
comportamento aceitável pelos radicais. A mais abjeta conduta assume-se
como louvável, desde que a serviço da Revolução.
Como bom esquerdista, Foucault fracassa na sua tentativa de superar a
tese da guerra de classes, já que, enfim, esta é o sustentáculo de toda a sua
visão de mundo.
Quando fala de poder, ele recorre à mesma empoeirada e superada
linguagem de conflito social e mecanismos de exploração emanadas do
empoeirado e superado Marx. Esse contorcionismo mental é recorrente em
sua obra:
“Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente falando, seu
titular; no entanto, ele sempre se exerce em determinada direção, com uns de
um lado e outros do outros; não se sabe ao certo quem o detém, mas se sabe
quem não o possui”. (Foucault, 2016)
Foucault evita nomear seu inimigo. Afinal, imaginário ou real, isso não
importa, mas sim que esse oponente sem rosto cumpra seu papel dentro da
narrativa do conflito, pré-concebida para motivar a paixão das massas e
recrutar militantes à causa do terror extremista. Nessa lógica, o importante é
delimitar o papel da vítima, que existe somente como imperativo ao avanço
de uma agenda ideológica, destrutiva, niilista e radical.
Se Foucault falha em renovar o pensamento marxista, ele não deixa de
se afirmar como celebridade revolucionária. Mas então qual seria o motivo
dessa fama?
A resposta advém da capacidade de Foucault de propor caminhos a um
movimento comunista ressabiado pela má repercussão do período stalinista.
Foucault identificou um elemento relevante para a continuidade da
disseminação extremista no Ocidente num momento que esta se tornava
menos atrativa às camadas médias dos países desenvolvidos, em meio à
prosperidade capitalista ao final da Segunda Guerra Mundial.
Diante desse quadro de impasse do chamado “socialismo real”, seus
sicários na intelectualidade ocidental se voltaram à busca de soluções
subversivas e radicais.
Nesse contexto, Foucault se destacaria como apologista do relativismo
moral, embuste necessário para relativizar os crimes das tiranias socialistas.
Narrativas politicamente orientadas precisavam suplantar a verdade,
caso contrário seria impossível vender o terror soviético como uma
necessidade ao menos tolerável no caminho bem-aventurado da construção
do paraíso operário na Terra.
Assim, os revolucionários vestem o falso manto do combate à opressão
e pela emancipação dos povos, a despeito de manterem escravizadas as
populações sob o controle da Foice e do Martelo.
A Foice da Morte. O Martelo de Ferro e de Sangue.
Foucault identifica um novo modelo de ativista intelectual, que logo se
tornaria referência à esquerda mundial, em oposição à ortodoxia então
defendida pelos partidos comunistas do Ocidente, como o francês.
Surge o intelectual específico de Foucault, distinto do pensador
universal, modelo anterior mais afeto aos marxistas da época.
“De qualquer forma, a biologia e a física foram, de maneira
privilegiada, as zonas de formação do novo personagem, o intelectual
específico. A extensão das estruturas técnico-científicas na ordem da
economia e da estratégia lhe deram sua real importância. A figura em que se
concentram as funções e os prestígios do novo intelectual não é mais a do
‘escritor genial”, mas a do “cientista absoluto”; não mais aquele que empunha
sozinho os valores de todos, que se opõe ao soberano ou aos governantes
injustos e faz ouvir seu grito até na imortalidade; é aquele que detém, com
alguns outros, ao serviço do Estado ou contra ele, poderes que podem
favorecer ou matar definitivamente a vida”.[1]
Matar a vida é definitivamente uma obsessão esquerdista.
Mais do que formular o conceito de intelectual específico, Foucault
detectou corretamente seu fenômeno: um conjunto de intelectuais medíocres
havia aparelhado o meio universitário com potencial para converter massas
de estudantes em militantes radicalizados. Despontava a primazia da
quantidade em prejuízo da qualidade. Essa legião de imbecis servia mais ao
movimento revolucionário do que a melhor contribuição intelectual genial
isolada do passado.
Se o pensamento de esquerda definhava a partir de então, em troca as
fileiras extremistas cresciam enormemente.
Foucault propôs a atuação articulada desses intelectuais específicos
numa frente coordenada por um ou mais movimentos extremistas.
Se alguma dúvida resta da importância de Foucault – não pelas suas
teses pseudocientíficas, mas como observador atento da cena política, em
benefício da Revolução –, basta examinar as universidades brasileiras – de
fato, a integralidade do nosso desastroso sistema educacional – para
comprovar sua importância ao movimento radical.
Sim, é vital a compreensão de Marx e Gramsci, devido à penetração
cultural do seu pensamento desumano, cruel, odioso, tirânico e psicopático, a
ser combatido pelos conservadores.
Contudo, não devemos relegar o terrível perigo representado pelos
discípulos de Foucault no Brasil, cuja influência esquerdista é tão nefasta
quanto à dos dois outros monstros citados.
II
Breves biografias de negros notáveis – Parte final
Reno Martins
A lista seguinte compõe a conclusão da iniciada no volume IV desta Coleção,
na qual nos propusemos a apresentar uma coletânea sucinta e não exaustiva
de conterrâneos negros notáveis, cujo reconhecimento social tenha se dado
antes de 1968, quando se costuma proclamar o início do debate público sobre
as chamadas ações afirmativas em relação à cor da pele no Brasil.
---
Pedro Lessa (1859-1921) – Jurista, magistrado, político e professor, Ministro
do Supremo Tribunal Federal, natural de Serro-MG. Recebeu o grau de
Bacharel em direito em 1883, e o de Doutor, em 1888. Assumiu a cátedra da
faculdade em 1891, ano em que foi nomeado Chefe de Polícia do Estado de
São Paulo e eleito Deputado ao Congresso Constituinte do Estado, sendo um
dos seus principais colaboradores. Em 1907, foi nomeado, por Afonso Pena,
Ministro do Supremo Tribunal Federal[2].
Quintino de Lacerda (1839-1898) – Major da Guarda Nacional e vereador
da cidade de Santos-SP. Escravo alagoano liberto pela amizade de seu
senhor, do qual herdou sobrenome e terras, montando o maior quilombo
brasileiro fora de Palmares. No caudilho da República, montou e liderou um
batalhão contra insurgentes interessados em depor Floriano Peixoto, o que lhe
rendeu o título de Major Honorário da Guarda Nacional, em 1893. Elegeu-se
vereador da cidade de Santos, provocando uma crise política entre os setores
racistas republicanos. Seu direito de assumir o mandato foi assegurado pelos
tribunais paulistanos, paralisando a Câmara municipal, da qual acabou se
tornando presidente interino durante certo tempo[3].
Juliano Moreira (1872-1933) – Médico psiquiatra natural de Salvador-BA,
considerado o fundador da disciplina no país. Formou-se em 1891. Em 1900,
começou a representar o Brasil em congressos internacionais. Foi membro da
Diretoria da Academia Brasileira de Ciências entre 1917 e 1929, tendo
ocupado o cargo de Presidente no último triênio[4].
Ernesto Carneiro Ribeiro (1839–1920) – Médico, professor, linguista e
educador de Itaparica-BA. Diplomou-se em 1864 na Faculdade de Medicina
da Bahia, recebendo o título de Barão de Vila Nova devido a pesquisas na
área da biomedicina. Em 1874, fundou o Colégio da Bahia com
financiamento do Império Brasileiro, que durou até 1883. No ano seguinte
fundou um colégio com seu nome. Em 1902, foi incumbido de revisar o
Projeto de Código Civil brasileiro, o que cumpriu com maestria no exíguo
prazo dado de quatro dias. Foi professor de Euclides da Cunha, Rodrigues
Lima e Ruy Barbosa, sendo famosa sua polêmica com esse último. Na
questão da necessidade de normatização de peculiaridades do idioma
português falado no Brasil, Ernesto refutou várias críticas do ex-aluno, então
já eminente figura pública. Escreveu vários livros, entre eles, “Serões
Gramaticais”, considerado “um verdadeiro monumento à língua portuguesa”
e “Legitimação da Monarquia no Brasil”[5].
Hermenegildo Rodrigues de Barros (1866-1955) – Jurista, ministro do
Supremo Tribunal Federal, nascido em Januária-MG. Recebeu o grau de
Bacharel em 1886. Foi Promotor Público da comarca de Januária, até ser
nomeado Juiz Municipal do termo de São Francisco, em 1890. Em 1903, foi
nomeado Desembargador da Relação de Minas Gerais, da qual foi Presidente;
seus conhecimentos jurídicos e sua integridade o tornaram figura das de
maior destaque naRelação. Em 1919, foi nomeado Ministro do Supremo
Tribunal Federal pelo Presidente Interino Delfim Moreira[6].
Pattápio Silva (1880-1915) – Flautista de Itaocara-RJ. Mulato, obteve
reconhecimento de seu talento ainda jovem, tendo sido pioneiro nas
gravações de música erudita no Brasil. Escreveu inúmeras músicas de
extrema importância para o repertório de flauta, das quais nove foram
editadas. Ele cumpriu o programa de seis anos da Escola Nacional de Música
em apenas três, formando-se em dezembro de 1903, ganhando prêmio de
louvor, por unanimidade, em 1904[7].
Cruz e Souza (1861-1898) – Poeta de Nossa Senhora do Desterro, então
nome da capital do Estado de Santa Cataria. Filho de escravos alforriados,
aprendeu francês, latim e grego, tendo também sido discípulo de Fritz Müller,
com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais. Colaborou com
diversos jornais, publicando suas principais obras poéticas, Missal e
Broquéis, em 1893. Não foi reconhecido em vida, mas, em grande parte pelo
esforço de seu amigo e admirador Nestor Vítor, em 1905 já era considerado
postumamente um dos mais importantes simbolistas da poesia ocidental[8].
Benjamin Chaves (1870-1954) – Palhaço natural de Pará de Minas-MG.
Filho de Malaquias e da escrava Leandra, fugiu com um circo aos 12 anos,
adotando o nome Benjamin de Oliveira. Foi uma das mais importantes
figuras do mundo do circo, o primeiro palhaço negro do Brasil e, de acordo
com o pesquisador Brício de Abreu, o primeiro palhaço negro do mundo[9].
Entre 1907 e 1912, já popularíssimo, gravou lundus e modinhas em seis
discos pela Columbia Records.
João Cândido (1880-1969) – Militar de Encruzilhada do Sul-RS. Alistou-se
com o número 40 na Marinha do Brasil em Janeiro de 1895. Teve uma
carreira extensa de viagens pelo Brasil e por vários países do mundo. Com o
desconforto do efetivo pela adoção de castigos corporais na Marinha de
Guerra brasileira, chegou a ir à audiência no Gabinete do Presidente da
República Nilo Peçanha, que também consta nessa lista. Assumiu o próximo
presidente, Hermes da Fonseca, sem que nenhuma providência efetiva fosse
tomada. Uma esquadra insurgiu, iniciando o que hoje se chama Revolta da
Chibata. Em 1910, por indicação dos demais líderes, João Cândido assumiu o
comando geral de toda a esquadra revoltada. Ele controlou o motim, faz
cessar as mortes, enviando radiogramas com seu pleito. Foi designado à
época, pela imprensa, como “O Almirante Negro”. A rebelião terminou com
o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na
Marinha e de conceder anistia aos revoltosos. Mas a República não cumpriu
por completo seu compromisso, perseguindo marinheiros que considerava
representar risco logo depois de firmar a palavra de anistia, incluindo João[10].
Arthur Timótheo da Costa (1882-1922) – Desenhista, cenógrafo, pintor,
entalhador e decorador do Rio de Janeiro-RJ. Participou de diversas edições
da Exposição Geral de Belas Artes, recebendo prêmios. Em 1911, viajou para
a Itália como integrante do grupo de artistas escolhidos para executar a
decoração do Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional de Turim[11].
Padre Antônio Ribeiro Pinto (1879-1963) – Sacerdote de Urucânia-MG.
Filho de escrava, ordenado em 1912, atribuem à sua intercessão diversos
milagres. É alvo de devoção popular até os dias de hoje[12].
Lima Barreto (1881-1922) – Jornalista e escritor do Rio de Janeiro-RJ. Neto
de escrava, contribui com várias revistas e periódicos, alguns de viés
socialista. Sofria agudas crises psiquiátricas e de alcoolismo. Sua primeira
internação em hospício ocorreu em 1914. Em 1911, havia publicado “Triste
Fim de Policarpo Quaresma” nas páginas do Jornal do Commercio,
transformando em livro com dinheiro do próprio bolso em 1915. Em 1919,
publica o romance “Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá” pela editora
Revista do Brasil, a mesma de Monteiro Lobato. Candidatou-se duas vezes à
Academia Brasileira de Letras, sendo reprovado. Na terceira tentativa, em
1921, desistiu antes da promulgação do resultado. Morreu no ano seguinte,
sendo grande parte de sua obra de publicação póstuma.
Hemetério José dos Santos (1858-1939) – Gramático e filólogo de Codó-
MA[13]. Foi professor da Escola Normal do Distrito Federal, do Colégio
Pedro II e do Colégio Militar do Rio de Janeiro. Recebeu em 1920 a patente
de Tenente-Coronel Honorário do Exército Brasileiro[14].
Pixinguinha (1897-1973) – Maestro, flautista, saxofonista, compositor e
arranjador, natural do Rio de Janeiro-RJ. Um dos maiores compositores da
música popular brasileira. Integrou o famoso conjunto Oito batutas, muito
famoso e ativo a partir de 1919, chegando a fazer turnês no exterior a partir
de 1922. Na década de 1930 foi arranjador da gravadora RCA Victor e na
década de 1940 integrou o regional de Benedito Lacerda fazendo, inclusive,
famosos programas de rádio[15].
Zaíra de Oliveira (1891-1951) – Cantora lírica natural do Rio de Janeiro-RJ.
Soprano com formação clássica no Instituto Nacional de Música, teve
atuação destacada em concursos. Gravou seu primeiro disco em 1924,
participando, no ano seguinte, de vários festivais artísticos, inclusive no
Teatro Municipal de Niterói. Era considerada por Paschoal Carlos Magno
uma das maiores cantores do mundo[16].
Antonieta de Barros (1901-1952) – Empresária, professora, jornalista,
escritora, Deputada Estadual, nascida em Florianópolis-SC. Filha de ex-
escrava, se formou no “curso normal” em 1921, que a habilitava a lecionar.
Criou o jornal “A Semana” e dirigiu o periódico “Vida Ilhoa”, em
Florianópolis. Foi deputada eleita da Assembleia Legislativa de Santa
Catarina de 1935 a 1937, tendo ainda assumido como suplente convocada de
1947 a 1951[17].
José de Sousa Marques (1893-1974) – Professor, advogado, político, pastor
e teólogo do Rio de Janeiro-RJ. Nascido na zona norte, de pai marceneiro e
mãe lavadeira, em 1929 fundou uma Escola Primária que se transformou no
Colégio Sousa Marques. Construiu vários templos batistas, como os de
Realengo, Osvaldo Cruz e Engenho Novo. Foi presidente da Convenção
Batista Brasileira, em 1935, epresidente da Ordem dos Ministros Batistas do
Brasil, em 1958, quando se deu o Primeiro Congresso de Pastores Batistas do
Brasil. Na política, foi fundador e presidente do Partido Republicano
Democrático em 1945, posteriormente denominado Partido Republicano
Trabalhista[18].
Parafuso (1920 – 1973) – Cancionista natural de Piracicaba-SP. Nascido
Antonio Cândido, foi mais famoso praticante do ritmo “cururu”[19]. Ganhou o
apelido por rodopiar num salto como um parafuso, terminando sempre com
um repente bem sucedido. Consta que começou a se apresentar por volta de
1938, sendo estimada em mais de mil apresentações realizadas durante sua
carreira. Mantinha o público atento com seus trejeitos e comicidades[20]. Sua
passagem foi tão marcante na sua cidade natal que, para homenageá-lo,
concederam seu apelido à Praça do Parafuso[21].
Benedicto Galvão (1881-1943) – Advogado, presidente da OAB, nascido em
Itu-SP. Nasceu pobre, diplomando-se pela Faculdade de Direito, em 1907[22].
Assumiu a presidência da OAB-SP, entre 1940 e 1941, devido ao
afastamento de Noé Azevedo, recebendo postumamente, em 1943, a
concessão de "honras de presidente"[23].
Enedina Alves Marques (1913–1981) – Engenheira civil de Curitiba-PR.
Formada pela UFPR em 1945, construiu a importante usina hidrelétrica
Capivari-Cachoeira e trabalhou na Secretaria Estadual de Educação, entre
outros[24].
Grande Otelo (1913-1993) – Ator, cantor e compositor de Uberlândia-MG.
Batizado Sebastião Bernardo da Costa, lotava salas de cinema no tempo das
chanchadas, já estando consagrado em 1949. Considerado por muito na
época, inclusive o cineasta americano Orson Welles, como o maior ator
brasileiro[25].
Vera Regina (1925-1998) – Atriz, dançarina e cantora do Rio de Janeiro-RJ.
Estreou no cinema na década de 1950, roubando a cena com seu talento.
Tendo mais de vinte filmes, ganhou popularidade em parcerias com Grande
Otelo[26].
Ruth Pinto de Souza (1921-)– Atriz natural do Rio de Janeiro-RJ. Chamada
de primeira dama negra do teatro, cinema e televisão nacionais, foi indicada
ao prêmio de melhor atriz no festival de Veneza em 1954[27].
Pelé (1940-) – Esportista e herói do Brasil, natural de Três Corações-MG.
Batizado Edson Arantes do Nascimento, já era reconhecido como “Rei do
Futebol” na Copa do mundo de 1958, mantendo-se extremamente popular até
hoje[28].
Elza Soares Baptista (1937-) – Cantora e compositora carioca. Dotada de
voz rouca e potente, já gozava de grande fama no início da década de 1960.
Em 1962, foi ao Chile representando o Brasil na Copa do Mundo da FIFA,
onde conheceu pessoalmente o negro americano Louis Armstrong. Também
repercutiu seu relacionamento conturbado com o jogador Garrincha, ícone
nacional. Continua atuante[29].
Mercedes Baptista (1921-2014) – Bailarina nascida em Campos dos
Goytacazes-RJ. Em 1963, inseriu a dança clássica no desfile da escola de
samba Salgueiro, sendo coreógrafa da Comissão de Frente, dançando o
minueto num cenário composto pela Igreja da Candelária ao fundo. A escola
ganhou o Carnaval, tornando-se referência e influenciando o rumo dos
desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro[30].
Gilberto Gil (1942-) – Músico natural de Salvador-BA. No início de 1966,
Gil passou a se destacar no programa “O Fino da Bossa”, exibido pela
Record e apresentado por Elis Regina. Em maio de 1967, lançou seu primeiro
álbum, Louvação, integrando as raízes do movimento “Tropicália”, que se
consolidaria no ano seguinte[31].
III
Valores e ideologia
Marcelo Hipólito
“A liberdade sem ética é a falsa liberdade, porque ofende a liberdade
alheia” – Mário Ferreira dos Santos
O enfraquecimento do lulopetismo, depois de mais de uma década da
sua conquista da presidência da República, assistiu, paralelamente, à
ressurgência do orgulho de pertencimento à direita brasileira, até então,
exceto por honrosas exceções, submersa no próprio acanhamento sob a
patrulha implacável da esquerda e de sua narrativa ainda largamente
hegemônica na sociedade.
Essa nova direita imberbe se reafirma e dá sinais de vitalidade naquilo
que alguns dos seus membros equivocadamente enxergam como fraqueza: as
distinções típicas entre conservadores e liberais.
Como pode ser considerada fraqueza a própria natureza conflitante das
ideias envolvidas?
Acusações vãs ao filósofo Olavo de Carvalho – de importância
inquestionável ao fomento da moderna direita no Brasil –, ao lhe atribuírem
responsabilidade direta por essa divisão, quando apenas defende seu próprio
ponto de vista, exemplificam uma característica comum a socialistas e
liberais como revolucionários.
O conservadorismo, por sua vez, não é uma ideologia em si mesmo,
mas sim, uma visão de mundo reativa, humana, fundada no bom senso e no
amor à família, disposta contra os movimentos surgidos na Modernidade para
a aniquilação da sociedade conhecida e construção de um ser humano
renovado, pretensamente mais “evoluído”, porém, na verdade, em tudo
deturpado dos seus valores e senso de realidade mundana: o homem novo dos
socialistas ou o homem econômico dos liberais.
Em comum, ambos os movimentos anseiam por erigirem um ser
humano essencialmente materialista, doutrinado a renegar a família,
sustentáculo dos legados e conquistas intergeracionais e, portanto, avessa a
qualquer ação revolucionária, devido à sua preocupação óbvia em criar seus
filhos num ambiente próspero, estável, previsível e seguro, respeitoso às
tradições dos seus antepassados, baseadas no padrão cristão de consciência
moral e de convivência social.
Esses valores de conservação social se contrapõem, logicamente, a
propostas revolucionárias de reformulação radical da sociedade.
Não é à toa que a sobrevivência da estrutura familiar sob a tirania do
Estado soviético se tornou estudo de caso aos intelectuais esquerdistas, no
colapso da Cortina de Ferro, como obstáculo real à consolidação do projeto
revolucionário, mesmo depois de décadas de doutrinação marxista da
sociedade russa.
Na Segunda Guerra Mundial, quando os exércitos de Hitler invadiram a
Rússia, os Comissários do Povo, sabiamente, não recorreram à defesa do
comunismo para motivar o Exército Vermelho. Essa estratégia tê-los-ia
condenado à derrota. Sabedores da indisputável realidade dos fatos, os
bolcheviques apelaram aos sentimentos patrióticos, enraizados em suas
tropas, de amor e devoção tradicionalistas à Mãe Rússia, herança dos tempos
dos Czares. De fato, para os russos, a Segunda Guerra Mundial ficou
conhecida como a Grande Guerra Patriótica. Nesse exemplo dramático, já se
desnudam os pés de barro da Revolução Comunista. Um povo sujeito à
doutrinação permanente dos marxistas permaneceu arraigado, em certa
medida, aos valores tradicionais da sua verdadeira pátria, e não a uma
entidade vazia de significado, como uma pretensa irmandade socialista
universal de proletários.
Porém, como esses valores perseveraram sob o bombardeio ideológico
incessante dos revolucionários? A resposta dos analistas esquerdistas mais
capacitados concentrou-se na família, o repositório das tradições e valores
mundanos da sociedade, transmitidos de pais para filhos fora do controle
sufocante do Estado.
Destarte, os revolucionários modernos compreenderam a necessidade
inadiável de destroçarem a família como pré-requisito para o êxito duradouro
da Revolução.
A partir de então, a família se tornou o alvo primordial dos radicais.
Para sua aniquilação, todas as forças, estratégias e ações deveriam ser
empregadas numa frente combinada. Ideologia de gênero, liberalização das
drogas, materialismo, relativismo, ateísmo, aborto, feminismo, casamento
homossexual; todo esse ferramental ideológico se virou contra o coração da
sociedade ocidental, capitalista e judaico-cristã: a família. Para solapá-la,
mira-se a autoridade dos pais, sua prerrogativa natural na formação inicial do
caráter dos filhos, em que o “antigo” é retratado como nocivo pela esquerda,
a promover suas concepções de “moderno” como a nova norma aceitável.
O mandamento cristão de “honrar pai e mãe” é atacado
implacavelmente. O discurso politicamente correto de ódio a Deus, aos
valores tradicionais e à família se impôs através de narrativas falseadas por
intelectuais e artistas militantes, buscando censurar o debate central das
famílias: a educação dos filhos pelos seus pais; dessa forma, interfere-se na
transmissão da herança (sabedoria) intergeracional aos mais jovens, alvo
prioritário da doutrinação dos revolucionários. Paulo Freire e sua Pedagogia
do Oprimido são um sintoma dessa ação radical no Brasil.
Assim, por exemplo, o tema da liberalização das drogas se transmuta de
uma noção socialmente inaceitável a uma ideia permissivamente possível, a
despeito do horror natural despertado nas famílias brasileiras, que,
obviamente, rejeitam um futuro de drogas e devassidão para seus filhos.
A essa fria e calculada guerra cultural lançada contra as famílias e suas
prerrogativas milenares que se alia o liberalismo, braço direito do movimento
revolucionário.
Enquanto os liberais se perdem em suas tolas discussões materialistas
com os socialistas sobre o tamanho e a abrangência do Estado, estes os
alistam como linha auxiliar ao abatedouro das causas que realmente definem
a civilização, a racionalidade sobre a qual ela se ergueu e se sustenta.
Na sua cegueira ideológica, mergulhados em seu delírio de transformar
o homem comum no antinatural homem econômico, os liberais negligenciam
as reais fundações da civilização: família, comunidade, religião, pátria.
Seu projeto materialista propõe transfigurar o homem comum a se
abraçar, em nome do individualismo extremado e doentio, uma existência
miserável, deprimida, insular, angustiada, alheia ao belo e sublime. O mundo
liberal é o da morte em vida, desprovida de significado, mergulhada na
melancolia e no hedonismo do prazer imediato, vazio, nunca saciável. Esse é
o inferno do liberalismo, idêntico ao socialista em sua aversão revolucionária
à natureza humana conhecida.
Ideologias como o socialismo e o liberalismo representam o ópio dos
intelectuais, cujo ócio sustenta-se na apropriação do excedente do trabalho
árduo do homem comum (a única e verdadeira Mais-Valia), via impostos,
imposição burocrática ou manipulação política. Em sua maioria, essa casta de
“iluminados” se julga eleita e dotada de uma razão esclarecida e superior à da
população mundana, a qual sonha comandar na direção de um “mundo novo
e melhor”.
Na realidade, esse tipinho pedante, o intelectual moderno, foge de
enfrentar a jornada de trabalho duro do homem comum, preferindo os regalos
e o conforto dos gabinetes, da academia, da indústria cultural e da imprensa.
Sua inconfessável meta final não é a salvação do povo, o qual, em última
instância, menospreza por seu “analfabetismo político” ou sua “falta de
imaginação”, mas sim, as recompensas providas por um cargo público
influente ou o mecenato de metacapitalistas ávidos na conversão de seres
humanos em recursos econômicos anônimos, dispensáveis. Enfim,
desprovido dos laços afetivos, psicológicos e emocionais gestados pelo
ambiente familiar, base da formação do caráter individual e de sua preparação
para o convívio social responsável, esse “novo homem” vaga a esmo por uma
sociedade cínica e indiferente, reduzido à sua essência egocêntrica e niilista,
uma casca preocupada somente com sua própria sobrevivência.
Seu maior adversário e impedimento é a família, agrupamento
primordial da sociedade, desde o início dos tempos. Cada família é uma
célula própria, dotada de história própria (ancestrais) e aspirações específicas
de futuro (herdeiros). O “novo homem” só pode surgir quando esses laços são
cortados, tornando o homem comum presa fácil dessa “nova sociedade”,
criada pela força maligna da destruição criativa ansiada por liberais e
socialistas.
Apartado da moralidade cristã, base da civilização ocidental, esse pobre
coitado, o “novo homem”, tentará preencher seu vazio existencial com as
falsas deidades das ideologias materialistas: o deus-mercado do liberalismo
ou o deus-estado do esquerdismo.
Não é à toa que em seu niilismo materialista, o liberalismo e o
socialismo abracem tantas causas em comum, conforme anteriormente
mencionado: aborto, drogas, ideologia de gênero, para citar algumas. Em
nome da liberdade inconsequente ou da perversão socialista, suas utopias
conduzem ao mesmo fim: a destruição da família, essa instituição
transcendental que nos acompanha desde a Idade das Cavernas, formadora da
própria civilização humana.
Essa é a instituição que a esquerda luta para eliminar, acompanhada nos
seus esforços, conscientemente ou não, pela ideologia liberal, perdida em
discussões inócuas sobre a abrangência do Estado moderno: uma entidade de
poucos séculos de existência!
Nesse ponto, evidencia-se o inevitável distanciamento da causa
conservadora da liberal, sob o risco de a sociedade humana conhecida
sucumbir ao empenho conjugado dos radicais engajados na derrocada da
família, lançando a humanidade na barbárie, no solipsismo e na luta de todos
contra todos, entregues à escravidão infernal do Estado socialista ou à amoral
permissividade insensata dos liberais.
Enfim, esse é o fardo que cabe aos conservadores: a defesa
incondicional da família, da cristandade, da verdadeira liberdade humana
(aquela limitada pelo princípio divino de respeito ao seu semelhante, fundado
no desígnio sublime de "amar ao próximo como a si mesmo"), da tradição de
democracia e tolerância nascidas na Santa Igreja.
Sobre os ombros do conservadorismo, repousa o severo fardo da defesa
do Ocidente, suas conquistas, valores e legados de prosperidade, segurança e
paz social. Este é o dever civilizacional supremo dos conservadores. ...O
fracasso não é uma opção.
IV
O peixe e a travessa
Reno Martins
Havia, certa vez, uma receita de família muito apreciada por todos. Um
peixe escolhido a dedo, com bom tempero e guarnição caprichosa. A primeira
orientação da receita, seguida a risca por gerações, era remover o rabo antes
do preparo ir ao forno. Curioso a respeito deste procedimento, um primo
perguntou à mãe, que perguntou à avó, que perguntou à irmã, que no final das
contas descobriu que a bisavó, dona da receita, fazia aquilo não por motivos
culinários, mas porque o peixe ideal não cabia nas travessas usadas na época.
Recentemente, ouvi esse conto usado como pretensa analogia da futilidade da
tradição.
A falaciosa generalização é sustentada pela assunção implícita de duas
premissas – uma de método, outra de mérito. A premissa de método é a de
que é simples verificar a causa da tradição – ou seja, é fácil acessar a
memória, sem fantasia ou desacerto, de o que levou a bisavó a adotar o
procedimento. A premissa de mérito é assumir que a motivação inicial é
simplória, irrelevante ou não mais justificada. Caso se descobrisse que não
cortar o rabo do peixe estragaria o paladar do prato ou causaria câncer em
médio prazo, a conclusão inferida seria completamente diferente.
O ponto que merece mais destaque, contudo, é o referente à premissa de
método. É evidente que uma tradição pode, em virtude de uma série de
fatores, tornar-se irrelevante ou injustificada. Para concluir isso, contudo, o
entendimento de suas motivações iniciais é elemento fundamental. Até bem
pouco tempo, essa consciência era majoritária entre as pessoas letradas. Mas,
fazer isso raramente é tão simples quanto recolher a opinião de uma tia-avó.
A possibilidade de diferença entre o que alguém acredita ser o fundamentado
de uma tradição e o que realmente a fundamentou é grande, tendendo a ser
tanto maior quanto mais antiga for a tradição considerada. No mundo real,
esta conclusão só pode ser alcançável através de profunda pesquisa histórica,
reflexão lógica e contextualização cultural, para as quais a petulância, o
despreparo e a preguiça dos opinantes frequentemente são obstáculos.
Por exemplo, divulgar o hábito popular de criticar um vivo qualquer,
mas passar a falar bem dele depois de morto, como uma tradição desprezível
e prova de hipocrisia do povo é muito mais simples do que entender a busca
de qualidades no morto, por mais tênues e remotas que sejam, como uma
prova de amor cristão – um esforço em recolher elementos que possam ser
considerados por NS Jesus Cristo em seu julgamento, de modo a justificar o
perdão dos seus pecados e salvação da sua alma. Essa última conclusão
requer um conhecimento interno da tradição cristã que os críticos geralmente
não estão dispostos a obter. Não obstante, reputar como hipocrisia uma
tradição que expressa amor ao próximo (mesmo um próximo pouco
estimado) possui desdobramentos não desprezíveis do ponto de vista
psicológico e social.
Considerando que as tradições geralmente foram passadas adiante por
gente sensata, digna de ser tomada como referência, a interpretação
precipitada ou simplista delas é repleta de riscos. De fato, há mais sentido em
acusar como delirante e fantasiosa uma pessoa que questiona uma tradição de
maneira venal do que aquela que a segue, pois fantasias e desacertos já se
encontram filtrados na tradição, cuja eficiência é comprovada por sua própria
duração no tempo e pelo evidente sucesso das pessoas que puderam passá-la
adiante. Sem embargo, caso haja dúvida sobre o motivo de se cortar o rabo
do peixe – entre o tamanho da travessa, o sabor do prato ou evitar um câncer
– o mais sábio, certamente, é optar por seguir a tradição, enquanto se
investiga suas origens e motivações primitivas até se obter um grau de certeza
adequado.
Nem toda investigação histórica desse tipo é simples. Muitos casos –
como a eliminação do ensino de Latim nas escolas, comum desde o século
XIII até a década de 1960, ou a própria hipótese do câncer causado pelo rabo
do peixe – possuem desdobramentos que só podem ser identificados depois
de transcorrida uma geração ou mais. Esse é o motivo pelo qual os
conservadores olham com relutância alterações radicais, como bem destacou
Marcelo Hipólito no texto “O conservadorismo diante da mudança” (Coleção
Espírito Conservador Volume III).
Hábitos disfuncionais, supérfluos, recentes ou socialmente pouco
relevantes podem formar “tradições” efêmeras, com permanência no tempo
de poucos anos ou décadas, tais como algumas manifestações da moda ou
trotes em universidades. Esses hábitos, geralmente, têm origem e motivação
facilmente rastreável, permitindo uma análise suficiente de seu motivo e
impacto. Tradições duradouras, por outro lado, exigem muito mais do
analista. Essas devem ser respeitadas, se não por serem as soluções sociais
teoricamente mais eficientes para determinados problemas específicos, por se
mostrarem comprovadamente soluções eficazes para um conjunto deles,
como evidencia o fato de termos chegado até aqui.
V
Autores

Marcelo Hipólito é um escritor brasileiro,


nascido em São Paulo. Residente em Brasília, pai de dois filhos, é autor de
três romances diversos contos, sendo coautor de diversos contos publicados
em língua inglesa, nos EUA, Reino Unido e Espanha, tendo um deles sido
indicado para melhor conto nos EUA, em 2003. Também realiza palestras em
eventos, foi diretor de três filmes de curta-metragem de ficção, roteirista de
cinema e produtor de teatro. Integra o Instituto Conservador de Brasília.
Reno Martins, nascido no Rio Grande do
Norte, é católico, mestre em economia e professor. Casado, pai de dois filhos
e chefe escoteiro, Reno desenvolve estudos nas áreas de filosofia politica e
religião, com especial atenção para guerra cultural e tradição cristã no Brasil.
Além disso, dedica-se à prosa poética e assuntos pouco usuais, tais como
ufologia e alquimia.
[1]
Ver: Foucault, M. (2016). Microfísica do Poder. São Paulo: Paz & Terra.
[2]
Ver Supremo Tribunal Federal. Acesso em 25/07/2017.
[3]Ver: Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, “Historiadora de Santos”, citado por Márcia Campelo, “Sarau à
Quintino de Lacerda”. Publicado no Diário Oficial do Município de Santos em 09/07/1989. Disponível em
Afrodescendente. Acesso em 12/07/2017.
[4]
Ver Wikipédia. Acesso em 25/07/2017.
[5]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[6]
Ver Supremo Tribunal Federal. Acesso em 25/07/2017.
[7]
Ver: Carmen Silvia Garcia. “Pattápio Silva - Flautista virtuose, pioneiro da belle époque brasileira”. Dissertação de
mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Musicologia da escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, 2006.
[8]
Ver E-Biografia. Acesso em 25/07/2017.
[9]
Ver Negros Geniais de Rogério de Moura. Acesso idem.
[10]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[11]
Ver Itaú Cultural. Acesso idem.
[12]
Ver: Margarida Drumond de Assis. Padre Antonio de Urucânia, a Sua Benção. Rio d eJaneiro: Educam, 2010. 5ª
edição. E também Santuário Urucânia, Acesso em 25/07/2017..
[13]
Ver: Tadeu Luis Maciel Rodrigues. Hemetério José dos Santos: Educador, Homem de Letras e sua Obra.
Departamento de Educação II/UFMA, s.d. Disponível em Sociedade Brasileira de História e Educação. Acesso idem.
[14]
Ver Geledés. Acesso idem.
[15]
Ver: Sérgio Cabral. Pixinguinha: Vida e Obra. Lumiar: 1997.
[16]
Ver Colégio Web. Acesso em 25/07/2017.
[17]
Ver Universo Online. Acesso em 12/07/2017.
[18]
Ver Wikipédia. Acesso em 25/07/2017.
[19]
Ver Info Escola. Acesso idem.
[20]
Ver BLOG OALLEONI. Acesso idem.
[21]
Ver Negros Geniais de Rogério de Moura. Acesso idem.
[22]
Ver TRT 15. Acesso idem.
[23]
Ver OAB-SP. Acesso idem.
[24]
Ver Palmares Fundação Cultural. Acesso idem.
[25]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[26]
Ver Mulheres do Cinema Brasileiro. Acesso idem.
[27]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[28]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[29]
Ver Wikipédia. Acesso idem.
[30]
Ver Museu Afro Brasil.
[31]
Ver Wikipédia. Acesso idem.

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