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A POÉTICA DO FOGO

AO ENCONTRO DAS ÁGUAS:

símbolos e arquétipos nos mitos de Xangô

Editora Universitária UFPB


João Pessoa
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
reitor

RÔMULO SOARES POLARI

vice-reitora

MARIA YARA CAMPOS MATOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA

diretor

JOSÉ LUIZ DA SILVA

vice-diretor

JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

divisão de produção

ALMIR CORREIA DE VASCONCELOS JUNIOR

2
WALLACE FERREIRA DE SOUZA

A POÉTICA DO FOGO
AO ENCONTRO DAS ÁGUAS:

símbolos e arquétipos nos mitos de Xangô

Editora Universitária UFPB


João Pessoa
2009

3
Todos os direitos reservados

Revisão: o autor

Capa: xxxx

Apresentação: Danielle Rocha Pitta

Organização: Fabricio Possebon

_________________________________________________________
S729p Souza, Wallace Ferreira.
A poética do fogo ao encontro das águas: símbolos e
arquétipos nos mitos de Xangô / Wallace Ferreira de Souza.-
João Pessoa, 2009.
xxx. : il.
ISBN: xxxxx
1. Ciências das Religiões. 2. Mitos afro-brasileiros. 3.
Elementos simbólicos. 4. Personagens míticos.

UFPB/BC CDU: 279.21(043)


_________________________________________________________

4
Feitiço Iorubá é faraimará.
Um beijo de Oxum,
Sabor de afurá.
Quartinha de Ode,
Dançado alujá [...]

A mesa de Nanã
Da muito o que falar;
inhame, peixe assado, ekó e acará.
Domingo de Outubro,
Iroco vai dançar
com Obá, a amazona [...]

Chamego Iorubá
o som de Ijexá.
Coroa de Xangô
na esteira de Oiá.
A força de Ogum,
nos olhos de Eua.
Um cheirinho, minha
preta, de dandá e
macacá.

Cléo Martins e Edil Pacheco, Feitiço Iorubá

Laroyê

5
6
AGRADECIMENTOS

Agradecer é sempre um momento de muita felicidade, pois


representa a confirmação do companheirismo e amizade dos que
lhes rodeiam.

Neste momento quero agradecer a meus pais que sempre


acreditaram em mim e torceram por mim deste o momento que
fui concebido, a minha esposa que tão pacientemente soube me
dividir com o fazer deste texto, e deu a base para que pudesse
caminhar despreocupado, e a minha irmã com sua torcida pelo
meu sucesso.

A minha Vó que partiu, mas deixou comigo a certeza de que na


vida nem sempre as coisas acontecem da forma que prevemos,
mas cedo ou mas tarde elas sempre acontecem, no seu tempo e do
seu jeito. Obrigado por estar sempre me abençoando e me
enchendo de carinho e afeto.

Aos meus amigos Socorro, André e Marileuza, que me


ensinaram, e contribuíram muito para que essa pesquisa
acontecesse. Suas amizades me deram momentos de grande
alegria e certezas que ter amigos é estar sempre num estado de
liberdade.

Ao meu amigo Profº Giovanni que teve um papel


importantíssimo, me orientar neste trabalho e que sempre teve a
paciência de entender meu tempo e a disponibilidade de estar
pronto a me ajudar.

Ao povo-de-santo que sempre me recebeu de braços abertos para


me ensinar as histórias dos orixás. O meu muito obrigado ao Ilê
Ajagunà Òdó Ti Fadacà na pessoa de Pai André, ao Terreiro
Ogum-Beira-Mar, na pessoa de Mãe Marinalva, ao Ilê Axé Oxum

7
Iabá Omindaê, na pessoa de Iyá Socorro, e ao Ilê Axé Babá
Kessí, na pessoa de Pai Mutumbá.

A minha turma de Mestrado por sua vontade de apreender, e


enfrentar o desafio de pesquisar as religiões.

Ao programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões por


proporcionar o espaço institucional para que essa pesquisa
acontecesse através de seu corpo docente que se disponibilizou a
contribuir na formação deste campo.

Ao grupo do Imaginário da Universidade Federal de Pernambuco,


na pessoa da Profª Danielle Rocha Pitta, que com paciência e
dedicação nos conduziu pelos caminhos do imaginário. Meu
muito obrigado.

Obrigado a todos pelo incentivo e por acreditarem na minha


proposta de pesquisa e por enfrentarem junto comigo os desafios
que ela trazia.

8
DEDICATÓRIA

A meus pais Fernando Ferreira de


Souza e Josileide Ferreira de Souza,
a minha esposa Tatiana Gomes
Ferreira de Souza, a minha irmã
Joely Ferreira de Souza.

E a minha vó Libania de Assis


Souza (In memoriam).

9
APRESENTAÇÃO

O olhar sobre o fenômeno religioso pode ter ângulos totalmente


divergentes: o econômico, o psicológico, o histórico, etc. Todos
contribuem para a compreensão de um fenômeno tão complexo. No
entanto pode-se questionar até que ponto um estudo deste fenômeno
que não leve em conta nem a transcendência, nem a fé, nem as
emoções, pode dar conta desta complexidade no nível de sua vivência
cotidiana. Daí, acreditamos, a necessidade de se debruçar sobre os
mitos e sobre o imaginário onde se encontram as raízes de todo viver
religioso.

Por este motivo o objetivo da pesquisa de Wallace Ferreira de Souza,


que é de conhecer os mitos afros referentes a quatro Orixás: Xangô;
Obá; Oxum; Iansã/Oiá, com a finalidade de contribuir para “fortalecer
o respeito à diversidade religiosa particularmente aos cultos afro-
brasileiros e contribuir com os estudos em torno da mitologia
africana e afro-brasileira”, nos parece pertinente e mesmo urgente. É
necessário mudar o olhar sobre as religiões para compreender o seu
papel na pós-modernidade.

A dinâmica de arquétipos e símbolos vai mostrar de que maneira se


articulam neste momento e no espaço dos cultos afros da Paraíba, a
figura masculina de Xangô com as três figuras femininas citadas.
Quando se sabe que todo indivíduo constrói a sua personalidade através

10
de modelos míticos, vê-se a importância de se entender não só as
dimensões simbólicas de Xangô que vão dar conta da sua essência, mas
dos modelos de relações estabelecidas com o sexo feminino em suas
várias vertentes visto que as três mulheres em pauta são bem diferentes.

O autor, com muito acerto, destaca o caráter poli-semântico dos orixás:


“Ao contrário das divindades Greco-romanas que assumem uma
Persona mais rígida e menos plástica, os orixás apresentam-se, nas
narrativas míticas, compostos por uma polissemia teatral”.

Como os orixás são os próprios elementos e energias da natureza, é


destacada também “a complementaridade funcional e semântica dos
elementos água e fogo”, relativos às quatro entidades míticas estudadas.
Wallace termina observando que “os símbolos femininos presentes na
constelação de imagens fornecidas pelo complexo mítico em análise
tende a compor uma ação onde os personagens míticos são
impulsionados arquetipalmente pelo feminino, tema que surge como
uma hipótese emergente, ou seja, a luta desempenhada pelos
personagens no cenário mítico colocado em evidência, na relação entre
Xangô e suas três esposas, deixa transparecer um imaginário afro-
brasileiro ligado às imagens da mãe que defende seus filhos”.

Este livro apresenta-se como estando inserido em uma corrente de


pensamento que responde à inquietação de Mircea Eliade já em 1949:
“em nosso caso, manifesta-se a velha convicção de que a filosofia
ocidental está perigosamente próxima de ‘provincializar-se’ (se nos for
permitida tal expressão): primeiro através do ciumento isolamento de si

11
mesma em sua própria tradição, ignorando, por exemplo, os problemas
e soluções apresentados no pensamento oriental; segundo, por sua
obstinada recusa em reconhecer quaisquer ‘situações’ que não aquelas
referentes ao homem das civilizações históricas, desafiando a
experiência do homem ‘primitivo’, do homem como membro das
sociedades tradicionais”. (Mito do Eterno Retorno – Ed. Mercuryo – p.
6)

Danielle Perin Rocha Pitta

12
13
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
xx

I: A TEORIA DO IMAGINÁRIO E O ESTUDO DOS


MITOS
xx

II: DA ÁFRICA AO BRASIL


xx

III: O TRAJETO METODOLÓGICO DA PESQUISA


xx

IV: O JARDIM DAS IMAGENS: E O ENCONTRO DO


FOGO COM AS ÁGUAS
xx

CONSIDERAÇÕES FINAIS
xx

REFERÊNCIAS
xx

APÊNDICES
xx

LISTA DAS FOTOS, FIGURAS, QUADROS, MAPAS E


DIAGRAMA
xx

14
INTRODUÇÃO

... os recortes epistemológicos (em


psicologia, sociologia, medicina,
história, literatura, estética, etc.) são
meramente circunstâncias, simples
pontos de vista sobre um objeto único:
o homo sapiens sapiens (DURAND,
1998, p.145).

A opção em trabalhar com a teoria do imaginário e a


metodologia proposta por Durand, dentro do campo das ciências
das religiões justifica-se pelo entendimento que temos a respeito
do sujeito da pesquisa, ou seja, a religiosidade afro-brasileira em
particular, e as demais religiões são compreendidas aqui como
espaços privilegiados das imagens, dos símbolos e dos mitos.
Entretanto, gostaríamos de ressaltar que a escolha pela
antropologia do imaginário é uma opção possível dentro dos
estudos que se preocupam com os mitos, com os símbolos e com
as imagens. Certamente, estes estudos guardam uma estreita
relação com as mudanças metodológicas propostas nos últimos
anos, ou como diz Durand: a “ressurgência dos métodos
simbólicos e das filosofias que gravitam à volta do símbolo, do
mito portanto, conduzem a uma modificação de perspectiva
epistemológica e metodológica” (1982, p.38). Sendo assim, os
“conceitos”1 e as funções dos mitos, dos símbolos e das imagens
vão variar a partir das escolhas teóricas que se façam. Se nos
definimos pela antropologia do imaginário, mas é preciso
compreender que sendo o ser humano constituído da função
imaginativa e, portanto da capacidade de atribuir significados, ou

1
A palavra aparece entre aspas para destacar que existe por parte da escola
teórica que ancora a discussão deste trabalho toda uma crítica ao modelo
conceitual de ciência baseado nos princípios cartesianos.

15
seja, de simbolizar, é evidente “que estudiosos das mais variadas
disciplinas tenham desde sempre se interessado por este nível de
expressão” (PITTA, 2005, p13-A), sinalizando os vastos estudos
e concepções a respeito do campo do simbólico como tema de
pesquisa da ciência.
O entendimento exposto anteriormente, qual seja, as
religiões como espaço privilegiado das imagens, dos símbolos e
dos mitos, ainda que não seja o único, remete-nos a um debate
feito por Durand no anexo II do seu livro “Portugual, tesouro
oculto da Europa” (2008), intitulado, O Homem religioso e os
seus símbolos. A relação do homo religiosus, para utilizar um
termo eliadiano, com os símbolos constitui ponto de debate em
Durand. As colocações feitas vão no sentido de nos (re)lembrar
esta simbiose e o esquecimento da mesma no ocidente: “até há
escassas décadas atrás as duas idéias que iremos tentar clarificar
aqui, e cuja relação pretendemos tornar patente, a de símbolo e a
de homem religioso [...] tem sido encarada com receio e excluídas
da epistema...” (DURAND, 2008, p. 219). Durand faz referência
a um corpo epistemológico baseado no iconoclasmo. Portanto, a
teoria do imaginário, opção teórica e metodologia tomada aqui
para analisar um “objeto” religioso propõem “uma reconciliação
que nunca se viu no ocidente entre os poderes da imagem e do
símbolo e os poderes do raciocínio (DURAND, 1982, p.64). E
essa conjugação, o autor denomina mitodologia.
Partimos da idéia defendida por Durand, na obra
anteriormente citada, de que o mundo simbólico e os fenômenos
religiosos guardam uma estreita relação, para daí afirmamos que
as Ciências das Religiões, campo disciplinar em busca de uma
identidade mais definida, pode extrair contribuições importantes
da proposta metodológica, ou mitodológica do imaginário, dentro
do que Durand nomeou de uma nova hermenêutica simbólica que
restaurou os valores do homo religiosus; restauração promovida
pelas reflexões de G. Dumézil, C.G Jung, H. Corbin e M. Eliade.

16
Portanto, trazer a teoria do imaginário, filha dos debates
do Círculo de Eranos, para nos servir de ancoragem teórico-
metodológica para pensar os mitos afro-brasileiros dentro do
campo disciplinar das ciências das religiões, significa procurar
novas possibilidades e assegurarmos a pluralidade necessária
promotora do diálogo acadêmico.

O Universo Religioso Afro-brasileiro e as Ciências das


Religiões

As ciências das religiões, como campo disciplinar, vêm


construindo desde o século XIX sua identidade nas cátedras
universitárias ao redor do mundo, e certamente vem ganhando
espaço nas instituições de ensino superior. As pesquisas em torno
do fenômeno religioso sempre arrebataram a atenção dos
pesquisadores das mais diferentes áreas, tais como antropólogos,
sociólogos, historiadores e psicólogos.
A religiosidade humana, nas suas mais diferentes
modalidades e características, é sem sombra de dúvida um espaço
que possibilita o encontro dos mais diversos saberes organizados
pelo “homo-sapiens” na tentativa de dar significado ao que lhe
rodeia e explicar o que lhe é exterior.
Mircea Eliade, no Prefácio do seu livro o “Sagrado e o
Profano”, apresentam-nos a história dos estudos de Ciência das
Religiões como disciplina autônoma no vasto mundo do saber do
século XIX, no entanto, o interesse pela história das religiões,
segundo Eliade, remonta a um passado, mais distante, na Grécia
Clássica, nitidamente a partir do século V antes da Era Comum.
Heródoto já apresentava estudos das religiões dos povos Egípcios
e Persas chamados por ele de exóticos e bárbaros. Os pensadores
pré-socráticos e os estudos acerca da natureza dos deuses e o
valor dos relatos míticos, fundam a crítica racionalista da religião
(ELIADE, 2001), exemplificando a tradição ocidental de estudos
das religiões.

17
A proposta das ciências das religiões no Brasil vem se
fortalecendo com a formação dos programas de pós-graduação na
área, e com as pesquisas voltadas para este sujeito-atuante e
múltiplo que são os fenômenos religiosos na sociedade brasileira.
A maturidade que estes estudos têm ganhado ao longo de dois
séculos nas cátedras européias, também possibilita diálogos
fundamentados metodologicamente. Se de início as ciências das
religiões caracterizavam-se como subárea da sociologia,
antropologia e da história, hoje estas são disciplinas auxiliadoras
na pesquisa do cientista das religiões que tem o desafio de
construir um fazer intelectual interdisciplinar, haja vista, seu
sujeito de pesquisa, as religiões, necessitar deste múltiplo olhar
teórico-metodológico.
O fortalecimento e consolidação deste campo disciplinar
têm sido possibilitado pelo crescente interesse no fenômeno
religioso como sujeito de pesquisas, crescimento que não é
recente, mas só agora tem ganhado visibilidade.
Se os estudos das religiões, como disciplina autônoma
no Brasil, só recentemente vêm ganhando corpo fora dos espaços
confessionais, é de suma importância que as religiões afro-
brasileiras sejam inseridas neste contexto de consolidação da
área, uma vez que, os estudos das religiões “não-cristãs”2, em
particular as afro-brasileiras, estejam compondo os
questionamentos desta pesquisa que ora se apresenta.
O estudo do fenômeno religioso afro-brasileiro tem
inicio com as pesquisas do médico maranhense Nina Rodrigues
amparadas por uma Antropologia criminal do médico italiano
Cesare Lombroso e, obviamente, do inicial positivismo

2
Muitos adeptos destas religiões se dizem cristãos e isso se deve aos
profundos processos de sincretismo pelos quais elas passaram. Não é
excepcionalidade encontrar correspondências entre o panteão afro-brasileiro e
o cristão nos diversos terreiros que visitamos, especialmente, os de umbanda.
Entretanto, hoje, vê-se generalizar, especialmente entre o povo de candomblé,
um discurso que procurar negar os elementos cristãos nos seus rituais.

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sociológico na área penal. Estes estudos ganham uma
sistematização com a publicação do livro: O animismo fetichista
dos negros da Bahia, no ano de 1900, e em 1932, Os africanos no
Brasil, ambos clássicos dos estudos etnográficos afro-brasileiros.
A busca pela caracterização do “fetichismo afro-baiano” é a
marca da obra do maranhense, e foi ele quem pela primeira vez,
considerou as práticas religiosas afro-baiana como reprodução do
fetichismo ioruba ou nagô (RAMOS, 2001).
As contribuições de Nina Rodrigues às pesquisas das
religiões dos orixás são seguidas por toda uma escola de
pesquisadores como Artur Ramos, Manuel Querino e Edson
Carneiro, que têm uma característica comum: suas obras têm um
caráter etnográfico em linhas gerais. Posteriormente a esse
primeiro grupo vamos ter as pesquisas de Roger Bastide, Pierre
Verger, Ruth Landes e Joana Elbein dos Santos. As obras desse
último grupo são marcadas por traços de análises sócio-
antropológicas. E por fim, aparecem os estudos mais recentes
ainda dentro das áreas da sociologia e/ ou antropologia. Nesta
perspectiva, nosso estudo aponta para um novo espaço de
reflexão a respeito das religiões afro-brasileiras, entendidas aqui
como um universo mítico-religioso predominantemente
imagético, gestual, simbólico, mágico. Nossas reflexões a cerca
deste universo se dá nas Ciências das Religiões, campo
disciplinar que vem ganhando fôlego nos últimos anos no Brasil.
O duplo S das Ciências das Religiões pressupõe uma
dupla pluralidade, uma metodológica e outra epistemológica.
Temos como âncora teórico-metodológica a teoria do imaginário,
proposta por Gilbert Durand e os teóricos que lhe antecederam
nesta empreitada, Bachelard, Jung e Eliade.
Os passos para construção da pesquisa e posteriormente
escrita da redação do texto dissertativo seguiu três momentos
fundamentais: 1) uma leitura sobre os marcos teóricos que
fundamentariam a discussão do texto; 2) uma revisão da literatura
antropológica, etnográfica e sociológica a cerca dos cultos afro-

19
brasileiros, leituras das obras de Roger Bastide, Manuel Querino,
Artur Ramos, Edson Carneiro, Nina Rodrigues, Pierre Verger,
entre outros. Tive, no entanto, o cuidado de não ver no campo um
tipo de candomblé e um corpo mítico, muitas vezes, só
encontrado na literatura escrita; 3) a realização de quatro
entrevistas que caracterizei como pertencente a dois grupos: 1)
umbanda com nagô; 2) nagô/ kêtu.3
O que pretendo estudar? Estou em busca da
identificação dos símbolos e arquétipos que constelam para forjar
o personagem-deus Xangô que se relaciona com três divindades
femininas, a qual tomara por esposa. Outra implicação que está
presente neste complexo mítico é a associação das personagens-
deuses com os elementos fogo e água. Xangô como o senhor do
fogo e suas esposas, as três Iabás – orixás femininos das águas.
Sendo assim, se coloca nesta relação um encontro mítico-
simbólico entre a poética do fogo e das águas.
A pergunta problema inicial se desdobra em três outras:
1) dentro deste complexo mítico, que estrutura do imaginário se
mostra mais presente? 2) a partir da identificação da
predominância estrutural, que dominantes reflexas podemos
identificar? 3) a qual regime das imagens está ligado este
complexo mítico?
Outra questão é a escolha do personagem-deus Xangô e
a relação deste com Oiá-Iansã, Oxum e Obá, para constituir o
foco da pesquisa. Temos basicamente duas situações que
justificam a escolha: 1) por se tratar de uma divindade fortemente
cultuada nos cultos afro-brasileiros, tanto que, as práticas e os
espaços religiosos de culto aos orixás são identificados como
Xangô; 2) numa entrevista realizada no ano de 2004 com uma
ialorixá para realização de um trabalho monográfico, a mesma em
conversa sinalizou que os meus orixás seriam Xangô e Oxum,

3
Mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos serão apresentados no
capítulo III desta dissertação.

20
aspecto que nos motivou, a saber, mais sobre estas personagens-
deuses e a pesquisar sobre a relação de Xangô com suas esposas.

O Corpo do Trabalho

Apresentamos a nossa pesquisa em quatro capítulos,


além desta introdução e das considerações finais. O capitulo I tem
como titulo: A Teoria do Imaginário e o Estudo dos Mitos estão
divididos em três tópicos: 1) Os estudos sobre o imaginário; 2) O
imaginário segundo Gilbert Durand; 3) “Noções chaves” do
imaginário durandiano. No primeiro, traçamos algumas
discussões sobre o conceito de imaginário com Jean Paul-Sartre,
Castoriadis e Laplantine. No segundo trazemos o debate em torno
do conceito de arquétipo, símbolo e mito, tomando os diálogos de
Durand com Gastón Bachelard, C. G. Jung e Mircea Eliade. No
terceiro tópico as noções chaves das estruturas do imaginário
durandiano, apresentado os conceitos de Regimes e Estruturas
das Imagens, Trajeto Antropológico e Bacia Semântica, que
caracterizam as narrativas míticas.
O capítulo II intitulado: Da África ao Brasil, é dividido
em três tópicos: 1) O fluxo africano; 2) Os Iorubás; 3) O reino de
Oiá e o Alafin Xangô. Esse capítulo faz uma contextualização do
universo mítico em análise. O primeiro tópico analisa o fluxo de
africanos da região da áfrica ocidental também conhecida como
costa dos escravos no Golfo da Guiné. O segundo apresenta os
povos Iorubas, sua localização territorial na África com seus
valores sócio-religiosos e posteriormente a reorganização desses
valores míticos-religiosos no Brasil, dando origem aos cultos
afro-brasileiros, caracterizados por uma acentuada plasticidade.
O capítulo III denominado Trajeto Metodológico da
Pesquisa está dividido em dois tópicos: 1) Encontros, que
caracteriza a amostra dos sujeitos participantes da pesquisa, três
sacerdotes do culto Nagô e uma sacerdotisa de um terreiro
Umbanda com Nagô. 2) Considerações sobre o Método define os

21
instrumentos metodológicos utilizados para analisar as narrativas
míticas. Essa caracterização apresenta os dois instrumentos
mitodológicos: a mitoanálise e a mitocrítica.
O capitulo IV em titulado: O Jardim das Imagens: e o
encontro do fogo com as águas, que está dividido em duas
seções: 1) O complexo mítico de Xangô, onde apresentamos as
conexões do personagens-deus com suas esposas e o par gerador
da divindade Oxalá e Iemanjá, concepção presente em alguns
mitos. Nosso entendimento é que existe algo de estruturante
nestas duas ligações, na construção do perfil mítico de Xangô.
Mas nos definimos pela análise de um par da relação estruturante,
a de Xangô com suas esposas; 2) Exercício Mitocrítico, no qual
aplicamos a mitocritica em dois corpus míticos, os referentes a
Xangô, tópico chamado por mim de Mitocrítica do Fogo, e os
referentes a Oiá-Iansã, Oxum e Obá nomeado de Mitocrítica das
Águas.

22
CAPÍTULO I

A TEORIA DO IMAGINÁRIO E O ESTUDO DOS MITOS

Neste capítulo trataremos de expor a relação da teoria


do imaginário proposta por Gilbert Durand e os estudos dos
mitos, entendidos como narrativas que constelam símbolos e
arquétipos. Para a teoria durandiana todo o fazer humano traz
subjacente um relato mítico que dá um sentido estrutural as
coisas. Portanto, os estudos do imaginário propõem a análise do
texto-social e literário tendo em vistas seus sentidos míticos.

1.1 - Os Estudos sobre o Imaginário

Todo fato psíquico é síntese, todo fato psíquico é


forma e possuí uma estrutura (SARTRE, 2008,
p.136).

Enfim, este isomorfismo dos schèmes, arquétipos


e símbolos no seio dos sistemas míticos ou de
constelações estáticas levar-nos-á a verificar a
existência de certos protocolos normativos das
representações imaginárias, bem definidas e
relativamente estáveis, agrupados em torno dos
schèmes originários e a que chamamos estruturas
(DURAND, 2002, p.63)

Os estudos sobre o imaginário não são pontos


pacíficos. A própria compreensão do conceito imaginário pode
exemplificar os debates teóricos em torno do tema. Como se vê
nas epígrafes que abrem este capítulo, os autores anunciam um
espaço de confluência, qual seja a tese da presença de uma
estrutura organizadora do imaginário. Este seria o ponto de
concordância entre as chamadas teorias substancialistas,
compostas por teóricos como Gilbert Durand, Paul Ricoeur,
Mircea Eliade e C. G. Jung, cujo conceito de imaginário está

23
estritamente ligado à noção de inconsciente. Estas correntes
teóricas, segundo Laplantine, constituem a continuidade da
tradição neoplatônica (LAPLANTINE, 1997).
Por outro lado, há as teorias funcionalistas e
estruturalistas, nas quais o imaginário está muito mais ligado às
percepções conscientes. Mas em ambos os casos, vamos
identificar a tese de uma estrutura do imaginário, mesmo que o
termo “estrutura” tenha algumas diferenças para ambas.
Neste caso, torna-se mais apropriado falar em
imaginários, na medida em que se trata de um conceito
perpassado por vários significados. Desta pluralidade posso
elencar, pelo menos, os quatro mais utilizados: 1) tudo o que não
existe, uma espécie de mundo oposto à realidade; 2) uma ilusão
fundamental para a constituição identitária do indivíduo; 3) uma
força criadora própria do psiquismo humano e 4) uma obra do
devaneio na produção de imagens fantásticas que possibilita o
escoamento das preocupações do cotidiano e o enfrentamento
diante da angústia da finitude da vida. (BARBIER, 1994).
Outro aspecto ressaltado por René Barbier que se
insere no debate a cerca do conceito de imaginário, é a tese das
três fases pelas quais teria passado o conceito:

a) A fase da sucessão: caracterizada pela atualização do


pensamento racional dentro do mundo grego, que pouco
a pouco impõe um dualismo entre o real e o imaginário
(BARBIER, 1994). Ou seja: “o universo intelectual do
filosofo grego, contrariamente ao dos pensadores
chineses ou indianos, supõe uma dicotomia radical entre
o ser e o vir a ser, o inteligível e o sensível”
(DÉTIENNE e VERNANT, 1978, p11 apud BARBIER,
1994, p.16);
b) A fase da subversão: distingue-se por uma atualização
do imaginário. Apresenta-se a compreensão da
impossibilidade de se desfazer do imaginário, levando

24
ao reconhecimento de seu valor positivo. Alternativa
adotada pelos românticos do século XIX, no entanto, as
ambigüidades permanecem: “oscila-se entre a
esperança, após o desvio provisório de uma
reconciliação final do imaginário e do real, e a recusa
definitiva de toda a realidade exterior para ouvir apenas
as obscuras vozes interiores” (SAISON, 1981, p. 31
apud BARBIER, 1994, p.18);
c) A fase da autorização: assinalar-se por um
reequilíbrio entre os pólos do imaginário e do
real/racional. Consiste no “‘Estado T’ onde uma semi-
atualização e uma semipotencialização imaginária-real-
racional tende para um equilíbrio” (BARBIER, 1994,
p.18). Esta seria a fase própria do fim do século XX,
sintetizada com a seguinte imagem: “o imaginário é o
perfume do real. Por causa do odor da rosa eu digo que
a rosa existe” (BABIER, 1994, p.21).

Nesta última fase, a da autorização, Barbier assinala o


pioneirismo de Gaston Bachelard com seus estudos que
valorizam a poética do devaneio, cuja dimensão do irreal é
extremamente valorizada e, entendida por ele como sendo tão
importante e tendo funções psiquicamente relevantes como o real.
Na linha de Bachelard encontramos Gilbert Durand teórico que
está ancorando as reflexões feitas aqui neste trabalho. Portanto
nos definimos pelo conceito de imaginário durandiano, que
posteriormente trataremos mais de perto.
Outras propostas que fazem parte desta terceira fase são
os estudos de Jean-Paul Sartre, Castoriadis, François Laplantine,
Joseph Campbell, Lévi-Strauss e tantos outros que têm como
campo de estudos a dimensão simbólica do homem.
Para Jean-Paul Sartre (2008) como também para
Castoriadis o imaginário constitui função e produto da
imaginação que acaba por congregar e recuperar o real, mediando

25
á realidade. Imagens e imaginação são percebidas como
faculdades de conhecimento e estado de conhecimentos
essenciais na direta relação com o mundo. O imaginário é o
objeto de reflexão que não pode ser excluído pela razão.
A definição de imaginário em Castoriadis, por exemplo,
é uma compreensão possível a cerca do termo. Para ele o
imaginário é a capacidade primeira e invencível de evocar uma
imagem, o poder originário de afirmar ou se dar a compreensão
sob a forma de representação. “O imaginário que falo” diz
Castoriadis “não é imagem de. É criação incessante e
essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de
figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível
falar-se de ‘alguma coisa’. Aquilo que determinamos ‘realidade’
e ‘racionalidade’ são seus produtos” (CASTORIADIS, 1991,
p.13). Segundo Keske “a proposta original de Castoriadis é a de
que toda a vida social (...) de suas múltiplas formas culturais,
políticas, econômicas e, principalmente sociais, seria o produto
de uma instituição imaginária” (2003, p.6). Outra noção chave em
Castoriadis é a do imaginário radical, entendido como “aquilo
que na psique-soma é posição, criação, fazer ser para psiquê-
soma (...)” (BARBIER, 1994, p.20).
Para Laplantine o imaginário é o “(...) mobilizador e
evocador de imagens, utiliza o simbólico para exprimir-se e
existir e por sua vez, o simbólico pressupõe a capacidade
imaginária (LAPLANTINE, 1997, p.23-24)”. O entendimento de
Laplantine diverge do apresentado por Castoriadis, no que tange a
concepção de imaginário e realidade.
Depois destas breves considerações sobre alguns autores
que se ocuparam com o estudo do imaginário, passarei, então a
apresentar o quadro teórico que sustenta esta pesquisa, ou seja, a
teoria do imaginário esboçado por Gilbert Durand.

26
1.2 – O Imaginário segundo Gilbert Durand

Com o tempo as palavras se desgastam como se o


sentido que lhes é atribuído, em tal local, em
momentos, variasse e abrisse campos de
experiência, até então desconhecidos. Talvez
fosse isso que Hegel denominava “astúcia da
razão”? Finalmente, “a imaginação, louca da
casa” conheceu o mesmo destino...
(DUVIGNAUD, 2005, p.15)

O tempo como nos lembra Jean Duvignaud, corrói as


estruturas dos conceitos, desgasta os sentidos atribuídos às
palavras e às coisas. O termo imaginário, imaginação e os que
conseqüentemente ligam-se a este âmbito do psiquismo humano,
como os símbolos e os mitos, foram corroídos pelo tempo
positivo, pela objetividade da ciência dura, marcada por um
racionalismo ativo (BACHELARD, 2005). Hoje, quando nos
referimos ao termo imaginário, a grande maioria das pessoas o
compreende como sinônimo de ilusão, de fantasia. Bachelard um
dos primeiros estudiosos de nosso tempo a considerar o elemento
simbólico como relevante para as reflexões filosóficas vai propor
estudar o homem na sua capacidade de devaneio (BACHELARD,
2006), e utiliza a poesia como instrumento necessário aos que
desejam refletir a respeito dos problemas colocados pela
imaginação poética (BACHELARD, 2005).

E o poder poético do símbolo define a liberdade


humana melhor do que qualquer especulação
filosófica: esta última obstina-se a ver na
liberdade uma escolha objetiva, quando na
experiência do símbolo demonstramos que a
liberdade é criadora de um sentido: ela é poética
de uma transcendência no seio do sujeito mais
objectivo, do mais implicado no acontecimento
concreto. Ela é o motor da simbólica. (DURAND,
1993, p33)

27
O Ocidente se (des)orientou, perdeu o poder da
poética, investiu e aprisionou-se na racionalidade dura, fria, na
consciência direta criadora do mito da objetividade absoluta
presente no empirismo escolástico de Leibniz e de Newton,
partícipes de um “vasto movimento de idéias que de Sócrates,
através do augustinismo, da escolástica, do cartesianismo e do
século das luzes (...) tem como conseqüência o “pôr de
quarentena” tudo o que considera férias da razão” (DURAND,
2002, p. 21). A trajetória do imaginário e os conceitos utilizados
por ele: imagens, símbolos, ídolos, alegorias, parábolas, mitos e
figuras, ou seja, o vocabulário do simbolismo particularmente
como o concebe Gilbert Durand é um caminho renegado pelo
ocidente. A escola duradiana vai ressaltar a importância e indicar
a necessidade de o Ocidente retomar esse caminho de
revalorização da imagem.
A crítica ao iconoclastismo ocidental, ao
iconoclastismo mais insidioso do que o Bizantino é uma presença
marcante na Antropologia de Durand que acusa o Ocidente de
valorizar o conceito em detrimento das imagens, de enterrar o
tripé do simbolismo “definido como pensamento sempre indireto,
como presença figurada da transcendência e como compreensão
epifânica (...) antípodas da pedagogia do saber tal como o
conhecimento foi instituído desde há dez séculos no ocidente”
(DURAND, 1993, p. 20). A pedagogia do conhecimento
ocidental elabora a tripla oposta inclinada à superioridade da
razão cientificamente comprovada. Na imaginação simbólica
encontraremos esse duelo do conhecimento que Durand vai
descrever da seguinte forma: “(...) o ocidente sempre opôs aos
três critérios” - pensamento indireto, presença figurativa da
transcendência, compreensão epifânica – “elementos pedagógicos
violentamente antagônicos: a presença epifânica da
transcendência as Igrejas irão opor dogmas e clericalismo; ao
pensamento indireto, o conceito (pensamento direto, grifo

28
nosso)... e finalmente, face à imaginação compreensiva, mestra
do erro e da falsidade, a ciência levantará longas (...) explicações
positivistas” (DURAND, 1993, p. 20).
As tendências que consideram o imaginário um “erro”
vão se agrupar em torno deste tripé da pedagogia violenta do
ocidente, tratando os mitos, as imagens, e tudo que lembre “o erro
de pensamento” como a infância da consciência, concepções
epistemológicas provenientes do aristotelismo e do cartesianismo
que, segundo Durand, foram quem retiraram o direito de
“cidadania” do simbolismo em filosofia. Estas concepções vão
ser, durante muito tempo, a concepção oficial das Universidades
ocidentais e como diria Durand “em especial da universidade
francesa, filha mais velha de Auguste Comte e neta de Descartes”
(DURAND, 1993, p. 22). A Antropologia do Imaginário
Duradiana vai germinar na margem oposta, constrói suas
teorizações partindo do principio de que o homem é produto das
imagens:

[...] a teorização de uma antropologia que coloque


como objetivo o estudo do homem como produto
de imagens, o qual não pode pensar nem criar
sem passar pelas imagens. Conhecer as imagens
que estruturam o homem é conhecer as imagens
que estruturam todas as suas obras [...] (PITTA,
2005, p. 102)

As imagens foram perdidas, passaram a compor a


seção das ilusões, do pensamento primitivo e simplório do
conhecimento humano, “miniaturas” mentais que não passam de
copiais das coisas objetivas” (DURAND, 2002, p. 21) não sendo,
portanto, objeto de estudo da ciência positiva e reveladora da
verdade subjacente das coisas. Essa desvalorização vai permear o
conhecimento ocidental ou se preferirem as ciências do ocidente,
da Filosofia à Psicologia, esta última buscando colocar em cena a
imaginação, vai fazê-la numa perspectiva reducionista. O

29
associacionismo e a idéia das ligações mecânicas das imagens, a
psicologia de Bergson que segundo Durand joga pela primeira
vez um “copo de água fria” no associacionismo, no entanto, não
conseguiu libertar a imagem do papel inferior, e Sartre que
mesmo fazendo critica às teorias clássicas termina coisificando as
imagens e subalternizando a sua função psicológica, como diz
Durand, “o grande, mal entendido da psicologia da imaginação é,
afinal, para os sucessores de Husserl e mesmo de Bergson, o
terem confundindo, através do vocabulário mal elaborado do
associacionismo, as imagens com a palavra” (DURAND, 2002, p.
28-29)
A filosofia francesa não escapou a este olhar
reducionista sobre o imaginário, e fortaleceu a subalternidade da
imagem, do imaginário e do mito, guardando-os na “velha mala
empoeirada” deixada no esquecimento, reforçando a posição
descartável que o imaginário tem na vida humana,
comercializando-o como produto de baixo preço, vendendo as
imagens por “quatro vinténs”.
O pensamento ocidental e especialmente a
filosofia francesa têm por constante tradição
desvalorizar ontologicamente a imagem e
psicologicamente a função da imaginação,
“fomentadora de erros e falsidades” (DURAND,
2002, p. 21).

A teoria do imaginário coloca em evidência uma outra


lógica, que se desloca da binariedade aristotélica do terceiro
excluído possibilitador de dois pontos/respostas opostos e
excludentes entre si, o sim e o não (0 ou 1, valores trabalhados na
lógica formal aristotélica). O Imaginário coloca em destaque a
“lógica contraditorial do terceiro não excluído (terceiro que põe
os dois outros em relação por meio de sua capacidade de
mediação [...]” (PITTA, 2005, p.104). Esta Antropologia é
gestada como instauradora de uma nova hermenêutica que leva

30
em consideração o homem na sua totalidade racional e
emocional, ou seja, filha de um novo espírito científico, que
Bachelard, Eliade, Jung e o próprio Gilbert Durand são
representantes, que nos trazem “pelo menos a convicção de que o
objeto não era independente do observador. Einstein já dizia; um
objeto não é independente do sistema que lhe comporta”
(DURAND, 1982, p. 46).
As reflexões que nascem com a valorização do
imaginário colocam em movimento uma epistemologia que
estava na inércia. E sua maturação e desenvolvimento (do
imaginário) só foram possíveis porque, segundo Durand,
emergem de uma “concepção simbólica da imaginação, quer
dizer, de uma concepção que postula o semantismo das imagens,
o fato de elas não serem signos, mas sim conterem materialmente,
de algum modo, o seu sentido” (DURAND, 2002, p. 59).
Para Durand, o imaginário não possui um caráter rígido
e determinista. As imagens, os símbolos e os mitos, ou seja, os
elementos da cultura estariam localizados dentro de uma
polaridade, concebida a partir de um trajeto antropológico
conceito chave da teoria do imaginário, apresentado como “...a
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as
pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que
emanam do meio cósmico e social” (DURAND, 2002, p. 41).
A tese defendida nas Estruturas Antropológicas do
Imaginário, titulo provavelmente mais conhecido da obra de
Gilbert Durand, propõe que o imaginário humano, “... não é mais
que esse trajeto no qual a representação do objeto se deixa
assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do
sujeito...”(DURAND, 2002, p.41). O imaginário humano se
definiria como “o conjunto de imagens e de relações de imagens
que constitui o capital pensado do ‘homo sapiens’ – nos aparece
como o grande denominador fundamental onde vêm se arrumar
(ranger) todos os procedimentos do espírito humano” (DURAND
apud PITTA, 2005, p.15).

31
Durand faz uso de elementos chaves que ordenam a
estrutura imaginal: Schèmes, arquétipos, símbolos e mitos. Os
Schèmes correspondem a uma tendência geral dos gestos e é
anterior à imagem. Este conceito inspira-se na reflexologia, e
cujos termos Durand vai buscar em Sartre, Burloud e Revanlt que
por sua vez inspiram-se na terminologia kantiana. Mas ao
contrário da função dada por Kant, na teoria do imaginário de
Gilbert Durand, os schèmes fazem a junção “entre os gestos
inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes
reflexas e as representações (DURAND, 2002, p. 60). São estes
Schèmes que constroem a estrutura dinâmica do imaginário.
Para Durand, cada gesto implica ao mesmo tempo uma
matéria e uma técnica, suscita um material imaginário
(DURAND, 2002). As dominantes reflexas, elementos
importantíssimos na constituição da dinâmica do imaginário são
três, como podemos observar no quadro:

Dominantes Caracterização Schèmes


Dominante Teremos “[...] as a) Verticalização
Postural matérias luminosas, ascendente
visuais e as técnicas de b) Divisão visual e
separação de material
purificação, de que as
armas, as flechas, os
gládios são símbolos
freqüentes”
(DURAND, 2002, p.
54).
Dominante Dominante da descida a) Descida
Digestiva distintiva, “implica as b) Acocoramento na
matérias da intimidade
profundidade [...] c) Engolimento
suscita os utensílios
continentes, as taças e
o cofre [...]”

32
(DURAND, 2002, p.
54).
Dominante Seria a dominante a) Cíclico
Sexual rítmica, a qual a b) Ritmo sexual
sexualidade é o modelo
perfeito. Os gestos se
materializam nos
ritmos sazonais “[...]
anexando todos os
substitutos técnicos do
ciclo [...]” (DURAND,
2002, p. 54)

Quadro 01 – Dominantes reflexas

A dominante postural abarca as imagens tecnológicas


das armas, a dinâmica sociológica do soberano que é o mago e o
guerreiro ao mesmo tempo. Os ritmos de elevação e da
purificação constituem imagens recorrentes, neste sentido, a
dominante postural estaria ligada ao regime diurno das imagens.
Já a dominante digestiva e cíclica, liga-se ao regime noturno das
imagens. Pois a primeira, a dominante digestiva inspira as
imagens continentes, valoriza o ato de alimentação e digestão, e a
segunda, a dominante cíclica perfaz os movimentos sazonais, os
calendários agrícolas. Teremos presentes nesta última dominante,
os símbolos naturais e até mesmo artificiais do retorno
(DURAND, 2002).
Neste sentido, podemos identificar aspectos do
imaginário africano, ganhando vida e materialidade em seus
símbolos e mitos. As máscaras, os corpos dos indivíduos e os
ornamentos rituais corporificam os schèmes, arquétipos, símbolos
e mitos. As fotos na seqüência nos dão esta dimensão da inter-
relação entre estes elementos na vida cotidiana.

33
(2)
Postural

(1) (3)
Aconchego
Ritmo/ sexual
Fonte: VERGER, Pierre. Orixás, deuses Iorubás na África e no
Novo Mundo. Salvador, Corrupio, 1997. Foto: (1) pág. 196;Foto (2)
pág. 108; Foto (3) pág. 83.

Os outros elementos (arquétipo, símbolo e o mito) serão


apresentados mais detalhadamente nas seções seguintes. O
arquétipo compreende a representação dos schèmes, sendo a
imagem primeira de caráter coletivo e inato; os símbolos
entendidos como o signo concreto que evoca algo ausente ou
impossível de ser percebido e, os mitos entendidos como um
sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e schèmes que tendem
a se compor em relatos.

1.2.1 – O arquétipo

Em cada silêncio do corpo identifica-se


a linha do sentido universal
que a forma breve e transitiva imprime
a solene marca dos deuses
e do sonho.

Carlos Drummond de Andrade

A noção de arquétipo presente na teoria do imaginário


de Gilbert Durand apresenta-se como sendo a representação dos

34
schèmes, é a imagem primeira de caráter coletivo e inato que tem
uma forte influência da psicologia profunda junguiana. Jung
define arquétipo como sendo as: “[...] imagens universais que
existem desde os tempos mais remotos” (JUNG, 2002, p. 16),
sendo este último aspecto, o dos tempos cosmogônicos, o que
mais me interessa, haja vista, estar extremamente ligado aos
estudos dos mitos.
Segundo Jung, o mito é expressão privilegiada onde os
arquétipos se fazem presentes, portanto, diferindo fortemente das
formas historicamente elaboradas (JUNG, 2002), pois “os mitos
são antes de mais nada manifestações da essência da alma, que
foi negado de modo absoluto até nossos dias”(JUNG, 2002, p.
17).
Os mitos são revelações originárias da
alma pré-consciente, pronunciamentos
involuntários acerca do acontecimento
anímico inconsciente e nada menos do que
alegorias de processos físicos (JUNG,
2002, p.156).

Os ensinamentos tribais das comunidades “primitivas”


seriam na compreensão junguiana o local onde poderíamos
encontrar os arquétipos já não mais como expressão do
inconsciente, mas transformados em “fórmulas conscientes,
transmitidas segundo a tradição, geralmente sob forma de
ensinamentos esotéricos” (JUNG, 2002, p.17). As comunidades
tradicionais, ou melhor, os agrupamentos humanos onde o fazer
coletivo, as vontades da coletividade representam uma expressão
valorativa forte no que concerne às tomadas de decisões do
grupo, estão vinculadas, segundo expressa Jung, a valores mais
universais e inconscientes, que seriam grandes modelos
arquetípicos da humanidade: 1) o arquétipo do herói; 2) o
arquétipo da grande mãe; 3) o arquétipo da criança.

35
O arquétipo representa essencialmente um
conteúdo inconsciente, o qual se modifica através
de sua conscientização e percepção, assumindo
matizes que variam de acordo com a consciência
individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.
17).

Para Durand, existe uma aproximação entre o conceito


de trajeto antropológico e a definição junguiana de arquétipo,
pois para Jung, diz Durand, “a imagem primordial deve
incontestavelmente estar em relação com certos processos
perceptíveis da natureza [...] mas por outro lado é igualmente
indubitável que ela diz respeito também a certas condições
interiores da vida do espírito [...]” (JUNG apud DURAND, 2002,
p. 60).
Como Jung preconiza, as imagens primordiais têm uma
identificação coletiva por excelência, dando a este substantivo
simbólico um caráter de estagio preliminar, ou seja, é a zona
matricial das idéias (DURAND, 2002). Destarte, na compreensão
durandiana, os arquétipos constituem o ponto de junção entre o
imaginário e os processos racionais.
Outro aspecto importante de ser ressaltado é que o
caráter instável dos arquétipos é o que possibilita a identificação
dos schèmes com imagens arquetipais dentro de uma estrutura
constante. Por exemplo, “[...] o schème da ascensão
correspondem imutavelmente aos arquétipos do cume, do chefe
[...]; o schème da descida do arquétipo do oco, da noite [...]”
(DURAND, 2002, p. 61-2). Sendo assim, poderemos afirmar que
a estabilidade dos arquétipos é o fator de diferenciação do mesmo
com o conceito de símbolo, haja vista, que este último possui
como característica básica a ambivalência de significados.

1.2.2 – O símbolo

Os objetos simbólicos, ainda mais que os


utensílios, não são nuca puros, mas constituem

36
tecidos onde várias dominantes podem imbricar-
se, a árvore, por exemplo, pode ser como
veremos, ao mesmo tempo símbolo do ciclo
sazonal e da ascensão vertical (...) (DURAND,
2002, p. 54).

Como nos referimos anteriormente, os símbolos


guardam uma ambivalência de significados, comportam um
sentido aberto, e também exprimem uma semanticidade.
Compreende-se por símbolos todos os signos concretos evocados
por uma relação natural, estes fazem aparecer um sentido secreto
(PITTA, 2005). A dinâmica simbólica pode ser entendida como o
movimento constelar de idéias, ou seja, “os símbolos constelam
porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetipal, porque
são variações sobre um arquétipo” (DURAND, 2002, p. 43).
Podemos perceber essa atitude constelar dos símbolos
dentro das narrativas míticas, por exemplo. Quando identificamos
no mito a predominância da dominante reflexa postural e dos
schèmes ascensionais, veremos sempre estes acompanhados por
símbolos luminosos, pois na hipótese considerada pela teoria do
imaginário, “existe uma estreita concomitância entre os gestos do
corpo, os centros nervosos e as representações simbólicas”
(DURAND, 2002, p. 51).
Esta inter-relação entre os gestos do corpo e as
representações simbólicas também presentes no mito,
pressupõem o juízo de que os símbolos extrapolam a natureza
lingüística e, conseqüentemente não se desenvolvem numa única
dimensão. Temos aqui anunciada a ambivalência dos elementos
simbólicos e em conseqüência de suas motivações também. Esta
observação durandiana desdobra-se a partir das reflexões
realizados por Bachelard em seus livros dedicados aos quatro
elementos da natureza: fogo, água, terra e ar.
Em Mircea Eliade o símbolo ganha a função de
prolongamento de uma hierofania, este representa uma forma
autêntica da revelação (ELIADE, 1998). Sem dúvida as

37
aproximações entre Eliade e Durand são perceptíveis, o
entendimento do conceito de símbolos e das funções que este
exerce na vida do homem é um exemplo. Podemos perceber na
obra de ambos, os pontos de contatos entre os dois. Em se
tratando do símbolo, estas aproximações se tornam ainda mais
presente, pois para Durand, “a virtude essencial do símbolo é
assegurar no seio do mistério pessoal a própria presença da
transcendência” (DURAND, 1993, p. 30)
Em suma, o símbolo é o material concreto que se
apresenta ao pesquisador. E tanto Durand como Eliade o
entendem como o elementos que materializa o sentido concreto
das coisas.

1.2.3 - O mito

O mito seria, de algum modo, o ‘modelo’


matricial de toda a narrativa, estruturada
pelos esquemas e arquétipos fundamentais
da psique do sapiens sapiens, a nossa.
(DURAND: 1998, p. 246)

A narrativa mítica na obra de Durand é entendida como


o modelo fundamental de toda a narrativa estruturada pelo
homem. Em si o mito representa “um esboço de racionalidade,
dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se
resolvem, em palavras e os arquétipos em idéias (DURAND,
2002, p. 63)”.
O conceito de mito apresentado pela teoria durandiana
do imaginário é tributária das concepções de Mircea Eliade e dos
debates do Círculo de Eranos. Vamos encontrar aproximações
entre as definições de Eliade e de Durand a cerca do mito. Para
Eliade, conforme diz Durand (2002, p. 13), “[...] a principal
função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de
todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a

38
alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte
ou a sabedoria”, estão atrelados a este modelo mítico exemplar.
Toda a narrativa mítica explicita um schème ou um
grupo de schème. Os mitos possuem um sentido pedagógico na
medida em que nos instruem com as histórias primeiras, que nos
fundam existencialmente e também se relacionam com todos os
elementos presentes em nossa existência.

1.3 – "Noções" chaves do imaginário durandiano

O estudo dos arquétipos, dos símbolos e dos mitos, fez


com que Durand chegasse a propor um quadro teórico sobre o
trajeto do imaginário. Nele são apresentadas idéias fundamentais
para o exercício daquilo que o próprio autor denominou
hermenêutica instauradora.
A partir do núcleo epistêmico do imaginário, o psicólogo
Yves Durand elaborou um teste projetivo o AT-9 que propõe
nove elementos para compor um micro universo mítico: 1)
Queda; 2) Espada; 3) Refúgio; 4) Monstro; 5) Alguma coisa
cíclica; 6) Personagem; 7) Água; 8) Animal; 9) Fogo. Estes
elementos dentro da análise do teste representam nove modelos
arquetípicos. E posteriormente a antropóloga Danielle Rocha
Pitta propôs o AT-10 que se apresenta como uma adaptação do
AT-9, visando apreender as diferenciações de gênero dentro de
um micro universo mítico.
Estas propostas formam um quadro teórico metodológico
dentro da teoria do imaginário durandiano, tendo como âncoras as
noções de: trajeto antropológico, bacia semântica e regimes e
estruturas das imagens, que passaremos a apresentar.

a) Trajeto antropológico: que compreende as trocas


simbólicas entre o meu subjetivo dos indivíduos de
uma dada cultura e às pulsões objetivas do meio que
lhe circunda. Movimento que constrói o imaginário

39
de um grupo. Em Durand vamos encontrar a seguinte
definição: “[...] é o incessante intercâmbio que existe,
ao nível do imaginário, entre as pulsões subjetivas e
assimiladoras e as intimações objetivas emanando do
meio cósmico e social” (DURAND, 2002, p. 41).
Proposta que já estaria implícita na obra de Gaston
Bachelard.

b) Bacia semântica: a noção de bacia semântica


contempla o espaço-tempo onde as ações culturais
acontecem, tendo em vista um núcleo mítico que rege
as ações de um grupo por um determinado período
que segundo Durand seria de 150 anos, quando
ocorreria a mudança desta bacia ocasionada pelos
“escorrimentos” das margens, ou seja, teríamos a
mudança do núcleo mítico propulsor do imaginário
do grupo. Ela constitui-se como um “conjunto
homogêneo de representações que manifestam o
imaginário sociocultural de uma época” (TEIXEIRA,
2000, p.18)

d) Regimes e estruturas das imagens: que são os


elementos de categorização das imagens, se
apresentando sobre uma polaridade imaginal
composta pelos regimes do simbolismo: regime
diurno e regime noturno. Que por sua vez se
dividem em três matizes chamadas de estruturas
do imaginário: 1) estrutura heróica que associa-se
ao regime diurno; 2) estrutura mística que compõe
o regime noturno; 3) estrutura sintética, também
do regime noturno. Esta terceira estrutura para
alguns autores como Maria Tereza Strongoli,
formaria um terceiro regime, o crepuscular.

40
Passaremos a apresentar estes elementos que dão a base
do quadro teórico em questão.
O imaginário na perspectiva durandiana apresenta duas
possibilidades de regimes de imagens compreendidas como dois
aspectos dos símbolos da libido (DURAND, 2002, p. 197):
diurno e noturno. O regime diurno, caracterizado como aquele em
que a imagem se divide em duas grandes partes antitéticas, a
primeira consagrada ao fundo das trevas e ao abismo sobre os
quais se desenha o brilho vitorioso da luz e a ascensão, a segunda
manifestando a reconquista antitética e metódica das valorizações
negativas da primeira (idem, p. 68). No regime noturno há a
inversão do conteúdo afetivo das imagens: “é então que, no seio
da própria noite, o espírito procura a luz e a queda se eufemiza
em descida e o abismo minimiza-se em taça, enquanto, no outro
caso, a noite não passa de propedêutica necessária do dia,
promessa indubitável da aurora” (idem, p. 198). Para Pitta, (2005,
p. 29) o regime noturno vai se empenhar em fundir e harmonizar.
Segundo Pitta, “esses dois regimes da imagem recobrem
três estruturas do imaginário (estrutura heróica, mística e
sintética) que dão resposta à questão fundamental do homem: sua
mortalidade” (2005, p. 23), criando mecanismo de defesa para
essa angústia. A resolução dessa angústia permite três soluções:
(1) pegar em armas e destruir o monstro, (2) criar um universo
harmonioso no qual ela não possa entrar; (3) ter uma visão cíclica
do tempo no qual toda morte é renascimento (CEMIN, 2002).
Estas estruturas correspondem aos seguintes aspectos
respectivamente.

c.1) estrutura heróica corresponde ao aspecto 1: a ação


e a linguagem heróica caracterizam-se pela
valorização da luta. Na sua representação encontramos
uma ênfase no personagem, na espada e no monstro.
Graficamente há predomínio de linhas retas;

41
c.2) estrutura mística corresponde ao aspecto 2: não
trata de conflito, mas da quietude e do gozo. Na
representação, a característica fundamental desta
estrutura é a eufemização e inversão dos significados
simbólicos. Graficamente há predomínio de linhas
curvas;
c.3) estrutura sintética corresponde ao aspecto 3: trata
do movimento cíclico do destino e da tendência
ascendente do progresso do tempo. A sua
representação é marcada pela dimensão temporal.
Graficamente há predomínio de linhas circulares.

Estas estruturas são matizadas, ou seja, sofrem


modificações de forma dinâmica dentro do movimento dialético
do trajeto antropológico dos sujeitos. A estrutura heróica divide-
se em: super heróica, heróica integrada, heróica impura e heróica
descontraída. A estrutura mística subdivide-se em: super mística,
mística integrada, mística impura e mística lúdica. Já a estrutura
sintética apresenta a seguinte divisão: sintética existencial e a
sintética simbólica. No caso da estrutura defeituosa, esta se
subdivide em três matizes: desestruturada, não-estruturada
simples e pseudo desestruturada.
Nos quadros que seguem, apresento de maneira
esquemática as divisões das estruturas referidas e as
características de cada uma.

Estrutura Heróica
Subestruturas
Super Heróica Hipervalorização da luta. O monstro é
hiperbólico. Os demais elementos não são
representados. Personagens lutam pela lutam.
Heróica Integrada A luta é valorizada, porém dentro de um
contexto. O Personagem luta por uma causa.

42
Heróica Impura Ainda há predominância, todavia já surgem
elementos da estrutura mística atuando de forma
não integrada
Heróica Adiamento da luta. O monstro e as armas estão
Descontraída presentes, mas sem serem acionados.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário. PE.
1995.

Quadro 2 - Estrutura Heróica

Estrutura Mística
Subestruturas
Super Mística Contexto de paz harmonia e calma. A
arma e o monstro ficam esquecidos.
Mística Integrada Predomínio da paz e da tranqüilidade.
O monstro e a armar são alegorizados,
porém integrados ao contexto.
Mística Impura O cenário permanece, porém ocorre a
presença do monstro e da arma como
elementos na estrutura heróica.
Mística Lúdica O cenário ainda permanece, embora a
arma e monstro se apresente
ludicamente.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário. PE.
1995.

Quadro 3 - Estrutura Mística

Estrutura Sintética
Subestruturas:
1 - Sintética Existencial
Diacrônica Alternância e sucessão das ações
envolvendo as estruturas mística e
heróica, independente da predominância
da estrutura. Ações sucessivas no tempo
Sincrônica Simultaneidade de ação das estruturas
heróica e mística.

43
2 - Sintética Simbólica
Diacrônica Predomínio da imagem do circulo
integrador. Dimensão cíclica ou a forma
progressiva. Tempo circular e tempo
linear.
Sincrônica Articulação de uma bipolarização dos
valores. Dualismo e mediação.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário.
PE. 1995.

Quadro 4 - Estrutura Sintética

Os quadros apresentam as principais características das


estruturas do imaginário e de como as mesmas estão subdivididas
em subestruturas que correspondem às variações sobre uma
mesma estrutura de imagens.

44
CAPITULO II
DA ÁFRICA AO BRASIL

Neste capitulo iremos pensar a relação entre a África


Ocidental ou África Atlântica e o Brasil. Levando em
consideração que os elementos da cultura africana,
particularmente os aspectos religiosos dos povos Iorubá e Fon,
foram no Brasil amalgamando-se a outros elementos míticos e
simbólicos que aqui já estavam ou vieram com os europeus. A
proposta é falar um pouco sobre o fluxo de africanos provenientes
da Nigéria e do atual estado do Benim, a chamada Yorubalândia,
e apresentar os povos Iorubá na sua organização religiosa na
África e no Brasil (SOUMONNI, 2001).
Temos a convicção de que é um exercício ousado, mas
não temos a pretensão de construir um texto enciclopédico, mas
de contextualizar os elementos míticos que iremos analisar no
capitulo IV, tendo em vista que a mitologia afro-brasileira com
suas particularidades promovidas pelos encontros cosmogônicos
África/Europa/Grupos indígenas brasileiros, possui uma grande
parcela de elementos míticos de populações da yorubalândia
(SOUMONNI, 2001).

2.1 – O Fluxo Africano

A África na sua dimensão territorial compõe uma


diversidade de histórias dentro de uma multiplicidade de
características naturais, estéticas, religiosas, lingüísticas e étnicas.
O fascínio em “revelar” essas muitas histórias, inventadas com
sonoridades lingüísticas diferentes, tem impulsionando
pesquisadores a moverem-se em busca da história da África e dos
elementos culturais e simbólicos que a diáspora negra plantou nas
Américas.
Este fascínio deu origem a uma tradição dos estudos
antropológicos e arqueológicos na Europa, particularmente na

45
França do século XIX. Este século foi marcado por mudanças no
cenário geopolítico mundial, é o período das conquistas
neocoloniais agenciadoras da assinatura, em 1885 do tratado de
Berlim que rege a partilha da África entre as potências européias
pondo fim às soberanias africanas. É nesse contexto que a
Antropologia ganha corpo.
A atual divisão política da África revela os vários
movimentos coloniais pelos quais passou. Os estados nacionais
surgidos após séculos de comércio entre europeus, africanos e
árabes, consolidou uma demarcação territorial baseada em
modelos europeus de estado nação. Muitos aspectos internos das
Áfricas, não foram levados em consideração. O principal é o seu
caráter continental e, portanto, a homogeneidade não perfaz uma
característica marcante. Os vários grupos étnicos certamente
sofreram uma mutilação Física através das muitas mortes
acontecidas neste processo de divisão política africana e também
simbólica no instante que muitas das cosmogonias destes grupos
percebem o ambiente natural como prolongamento da vida social
e grupal, seus ancestrais e divindades habitam a terra, a água, as
árvores, as pedras, ou seja, o espaço geográfico e seus
componentes são percebidos como parte da comunidade. As
cosmogonias desses povos, de norte a sul do continente, tecem
uma grande colcha de retalhos.
O tráfico transatlântico de populações das mais variadas
localidades da África entre os séculos XV e XIX, é marcado por
uma relação de idas e vindas entre os diferentes países das
Américas e Antilhas e os Portos negreiros africanos. As feitorias
coloniais estavam espalhadas por todo o litoral Atlântico
africano, no entanto em fins do século XVIII e durante todo o
século XIX, o Porto de Uidá, localizado no Benin atual e antigo
Império do Daomé, transformou-se no mais importante Porto do
comércio escravagista. O papel desempenhado pelo Porto de
Uidá fez com que a região do Golfo da Guiné ficasse conhecida
como a Costa dos Escravos. Neste sentido, Saumanni aponta que,

46
“[...] provavelmente, bem mais de um milhão de escravos tenham
sido embarcados nessa cidade, o que transformou Uidá no mais
importante porto negreiro da África Ocidental, se não da África
subsaariana” (2001, p. 37).
Os escravizados embarcados em Uidá eram
provenientes não só da região do Benin e da Nigéria, eram filhos
de outras regiões. Mary Del Priore (2004) indica que 90% dos
cativos traficados no período colonial eram provenientes da
África Atlântica nos seus mais diferentes pontos, como
demonstra o mapa.

MAPA 1: ORIGEM APROXIMADA DOS ESCRAVIZADOS


AFRICANOS TRAFICADOS ENTRE OS SÉCULOS XV E XIX

Fonte: THOMAS, Hugh apunh PRIORE: 2004, p.


37)

A respeito da filiação étnica dos cativos chegados ao


Brasil, a literatura vai organizá-los em três grupos

47
prioritariamente: os bantos, ewe-fons/ jejes e os nagô-iorubá. Os
bantos teriam sido os primeiros africanos chegados em terras
brasileiras, por volta de fins do século XVI provenientes da
África ao sul do equador, na altura do Congo e de Angola. Os
povos ewe-fons conhecidos pelo termo jeje, que segundo Bastide
(2001) seria um termo yorubá para designar o estrangeiro, e os
povos de língua yorubá, ambos da chamada Costa dos Escravos
na região do Golfo da Guiné, chegaram ao Brasil entre os séculos
XVIII e XIX, provenientes do antigo reino do Daomé, Togo e
Nigéria. A esse respeito diz Verger:

O tráfico de escravos fez-se para o conjunto do


Brasil, nós séculos dezesseis e dezessete
principalmente a partir das costas da áfrica
situadas ao sul do equador (Congo e Angola),
povoadas de negros Bantos. No século dezoito e
no decurso da primeira metade do século
dezenove, esse tráfico se fez também a partir da
chamada Costa dos Escravos, ao Norte da linha
equinocial, onde as etnias eram diferentes (1992,
p. 97).

Os dois últimos grupos étnicos aqui referidos


constituem povos da chamada Yorubalândia, região que ganha
expressão dentro do tráfico negreiro após o enfraquecimento do
Reino de Oyo no século XIX, importante centro político, que
segundo relatos míticos um de seus primeiros reis teria sido
Xangô, o senhor da justiça. No entanto, nos lembra Soumonni
que “os escravos provenientes da yorubalândia não eram apenas
de origem Iorubá, mas vinham também de outros grupos étnicos
[...] como os aja-fons, os haússas ou os nupés” (2001, p. 8).
Estas ligações étnicas anunciadas anteriormente darão
origem às nações de candomblés no Brasil, conceito delicado e
extremamente plástico no caso dessas filiações étnicas dos
terreiros.

48
Muitos dos cativos que chegaram ao Brasil entre os
séculos XVI a XIX foram identificados pelos negreiros como
pertencentes a uma determinada nação africana e que em muitos
casos esta filiação era equivocada; um exemplo disso é que no
século XIX na sua totalidade, os escravizados eram identificados
como sendo de origem, Iorubá, pois a identificação fazia-se a
partir do porto negreiro onde eram embarcados. Levando-nos a
considerar que estes pertencimentos étnicos são pontos polêmicos
dentro dos estudos afro-brasileiros devido a sua não precisão.

MAPA 2: PRINCIPAIS REGIÕES DE ONDE VIERAM OS


AFRICANOS PARA O BRASIL

Fonte: www.pousadadascores.com.br/.../negro.htm. acesso


em: 20/11/08

Os nagô-iorubá povos de origem sudanesa, constituem o


foco da minha pesquisa, ou mais precisamente, os elementos
míticos deste grupo presente nas narrativas afro-brasileiras que
vamos analisar; que segundo Pierre Verger, chegaram ao Brasil
no último ciclo do tráfico negreiro, “[...] o Ciclo da Baia de

49
Benim entre 1770 e 1850 estando incluído aí o período do tráfico
clandestino” (1997, p. 9). Esta posterior chegada dos nagô-iorubá
levantou entre os pesquisadores como Nina Rodrigues (2005), a
tese da superioridade cultural deste grupo étnico em detrimento
dos bantos. Ramos ressalta o pioneirismo de Nina Rodrigues ao
identificar que a “grossa massa da população negra, é identificada
como sendo de procedência sudanesa: iorubá, jeje, haussás, minas
[...] e desses negros sudaneses, os mais importantes foram os
iorubás ou nagôs e os jejes (ewes ou daimeanos) [...]” (RAMOS,
2001, p. 26).
Para Artur Ramos a impressão de Nina Rodrigues em
relação à superioridade iorubá frente aos bantos, deveu-se à
presença marcante e numerosa dos primeiros na Bahia, aspectos
que conduziu as pesquisas de Rodrigues a ver esta superioridade
dentro de seus estudos. No entanto, para Ramos os elementos
míticos e simbólicos dos povos de origem banto “existem
deturpados e transformados nos candomblés e nas macumbas de
várias partes do Brasil” (2001, p.86).
Por conseguinte, o fluxo de africanos para o Brasil se
deu das várias partes da África, mas em grande medida da África
Atlântica. E nos últimos anos do tráfico, em pleno século XIX, a
região do Golfo da Guiné tornou-se um importante ponto de
embarque e captura de escravizados. Destarte, há de se considerar
as muitas influências que este fluxo promoveu na constituição da
religiosidade afro-brasileira.

2.2 – Os Iorubá

Nossa finalidade neste tópico é apresentar considerações


a respeito dos povos de língua iorubá e o seu pertencimento
territorial na África e de como os elementos míticos religiosos
dos mesmos são vivenciados no Brasil. Os iorubá, em particular,
tinham um complexo e sofisticado sistema cultural, baseado na

50
hierarquia e nas influências recíprocas de suas principais cidades:
Benin, Oio e Ifé, estas duas últimas cidades constantemente
referenciadas nos mitos africanos e afro-brasileiros.
O termo Iorubá é utilizado atualmente para designar
além de um grupo lingüístico também um grupo étnico. A
aplicação do termo somado ao nome nagô no Brasil, está
associado às grandes casas de candomblés da cidade de Salvador
amplamente estudadas por pesquisadores como Nina Rodrigues,
Artur Ramos, Manuel Quirino, Edson carneiro e Pierre Verger.
Os iorubá segundo S. O. Biobaku citado por Verger,
coloca que se trata de um “(...) grupo lingüístico de vários
milhões de indivíduos. Ele acrescenta que, além da linguagem
comum os Yorubás estão unidos por uma mesma cultura e
tradições de sua origem comum na cidade de Ifé (...)” (1997,
p.11), amplamente referenciada nas narrativas míticas.

Conta o mito que:

No começo, o mundo era todo pantanoso e cheio


d’água, um lugar inóspito, sem nenhuma
serventia. Acima dele havia o Céu, onde viviam
Olorum e todos os orixás, que às vezes desciam
para brincar nos pântanos insalubres. Desciam
por teias de aranhas penduradas no vazio. Ainda
não havia terra firme, nem homem existia. Um
dia Olorum chamou à sua presença Orixanlá, o
grande Orixá. Disse-lhe que queria criar terra
firme lá embaixo e pediu-lhe que realizasse tal
tarefa. Para a missão, deu-lhe uma concha
marinha com terra, uma pomba e uma galinha
com pés de cinco dedos. Orixanlá desceu ao
pântano e depositou a terra na concha. Sobre a
terra pôs a pomba e a galinha e ambas
começaram a ciscar. Foram assim firme
espalhando a terra que viera na concha até que a
terra firme se formou por toda parte. Orixanlá
voltou a Olorum e relatou-lhe o sucedido. Olorum
enviou um camaleão para inspecionar a obra de

51
Oxalá e ele não pôde andar sobre o solo que ainda
não era firme. O camaleão voltou dizendo que a
terra era ampla, mas ainda não suficientemente
seca. Numa segunda viagem o camaleão trouxe a
noticia que a terra era ampla e suficientemente
sólida, podendo-se agora viver em sua superfície.
O lugar mais tarde foi chamado Ifé, que quer
dizer ampla morada. Depois Olorum mandou
Orixanlá de volta a Terra para plantar árvores e
dar alimentos e riquezas ao homem. E veio a
chuva para regar as árvores. Foi assim que tudo
começou. Foi ali, em Ifé, durante uma semana de
quatro dias, que Orixá Nlá criou o mundo e tudo
o que existe nele. (PRANDI, 2001, p. 503)

Eis a importância de Ifé para os iorubá. A cidade divide


seu valor mítico e histórico com a cidade de Oyó. Para os Iorubá
Ifé se destaca por ser, dentro da tradição oral, o centro do mundo
e Oyó está ligada a aspectos políticos e militares. Oyó seria a
capital política, cuja relevância e força militar é demonstrada pelo
fato de “se manter fora da influência européia direta até o século
XIX” (PRIORE, 2004, p.126). A história da cidade liga-se de
forma preponderante à imagem do deus Xangô, afinidade
destacada por Verger: “como personagem histórico Xangô teria
sido o terceiro Aláàfin Òyó, Rei de Oyó, filho de Oranian e
Torosi, a filha de Elempê, rei dos Tapas [...]” (1997, p.134).
Neste sentido, as narrativas míticas também reafirmam esta
contigüidade entre Xangô4 e Oyó, relação que trataremos com
mais atenção adiante.

4
Esse estreitamento mítico-histórico de personagens-deuses com localidades
no sentido de serem percebidos como antepassados que foram divinizados por
seus feitos, segundo Eliade é lugar recorrente: “A idéia de que certos deuses
eram reis ou heróis divinizados pelos serviços que haviam prestado à
humanidade abria caminho desde Heródoto. Mas foi Evêmero (c. 330-c. 260)

52
Antes de se tornar rei de Oió, Xangô foi consultar
o oráculo. O adivinho lhe disse que fizesse um
sacrifício. Que oferecesse búzios, dois galos, duas
galinhas e dois pombos. Xangô Afonjá devia
oferecer também a roupa que estava usando e dar
alguma coisa para seus parentes e amigos. Ele
assim o fez, todos se reuniram para comer e beber
do sacrifício. Todos se fartaram e cantaram. Então
se perguntou: ‘Quem escolheremos para o nosso
rei?’. ‘Que tal o homem em cuja casa comemos e
bebemos?’, alguém propôs. ‘Quem, senão Afonjá?
Só pode ser Afonjá!’, aclamou a multidão em
coro. ‘Quem mais pode ser feito rei?’ ‘Só temos
Afonjá’, alguém propôs. ‘Que seja Afonjá’,
aclamou a multidão em coro. E escolheram Afonjá
e o fizeram rei de Oió. E Xangô reinou em Oió
(PRANDI, 2001, p.244).

Geograficamente os Iorubá estão localizados no delta do


rio Níger. Estes vivem “(...) no que é hoje o sudoeste da Nigéria e
sudeste da República do Benin (...)” (PRIORE, 2004, p. 124).
Para alguns pesquisadores, estes efetivam a ligação entre a África
ocidental e a África banto (PRIORE, 2004).
Outro contexto proeminente é a concentração dos
estudos e pesquisas sobre os Iorubá que territorialmente estão em
terras definidas como nigerianas e a desconsideração dos Iorubá
na região do Benin e Togo. Este fato evoca a questão do
pertencimento identitário deste grupo étnico, dividido pelas
barreiras dos estados nações constituídos com a Partilha da
África. Consistir em uma divisão arbitrária organizada pela elite
neocolonial européia, dividindo a experiência cultural do grupo.
Tem-se com essa divisão o entendimento por parte de muitas

que popularizou essa interpretação pseudo-histórica da mitologia em seu livro


‘A Inscrição Sagrada’” (ELIADE, 2001: p.5).

53
pesquisas da história dos Iorubá que este grupo é naturalmente
nigeriano, desconsiderando a presença Iorubá no Benin e no
Togo.

MAPA 3/4: LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS IORUBÁS NA


ÁFRICA

Fonte: Adaptado de OLIC, Fonte:http://www.bitacoracubana.c


Nelson Basic. CANEPA, om/angel/sincretismo/archives/afri
Beatriz. África: Terra, ca.gif . Acesso: 21/11/2008
sociedade e conflitos. São
Paulo. Moderna, 2004.

Essa tendência é percebida por A. I. Asiwaju5,


advertindo que apesar de todos saberem que a área cultural iorubá
se estende até o Daomé e o Togo, surpreendentemente, poucos
estudos têm considerado esta feição.

5
Ver: A. I. ASIWAJU (ed.), West African Transformations: Comparative
Impacts of French and British Colonialism. Ikeja: Malthouse Press; Oxford:
African Books Collective, 2001.

54
2.2.1 – Imaginário religioso africano

As populações de língua iorubá em território africano


estiveram organizadas até fins do século XVIII em Estados
independentes, esta característica política reflete profundamente
na experiência religiosa destes povos, pois o culto as divindades
chamadas por eles de Òrisà (orixás), são cultos de caráter
nacionais.
Léo Frobenius em seu livro Mitologias Atlânticas
declara em 1910 que “a religião dos Iorubá tal como se apresenta
atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua
uniformidade é o resultado de adaptações e amálgamas
progressivos de crenças vindas de várias direções” (FROBENIUS
apud VERGER, 1997, p.17). No entanto, Verger nos coloca que
em plena década de oitenta, ou seja, setenta anos depois das
considerações de Frobenius, “[...] ainda não há em todos os
pontos do território chamado Iorubá, um panteão dos orixás bem
hierarquizados, único e idêntico” (1997, p. 17).
A existência de uma crença regionalizada dos deuses
demonstra-nos uma outra realidade do culto aos orixás diferente
da encontrada no Brasil e em Cuba. Um exemplo dessa diferença
pode ser encontrado nesta citação:
O culto de Xangô, que ocupa o primeiro lugar em
Oyó, é oficialmente inexistente em Ifá, onde um
deus local, Oramfé, está em seu lugar com o
poder do trovão. Oxum, cujo culto é muito
marcante na região de Ijexá, é totalmente ausente
na região de Egbá. Iemanjá, que é soberana na
região Egbá, não é se quer conhecida na região de
Ijexá (VERGER, 1997, p. 17).

O culto de certa divindade em detrimento de outra numa


região dá-se pela filiação ancestral do soberano daquela
localidade. Esse fato evidencia uma coalescência entre o poder

55
divino e a soberania material do poder civil exercida por um
chefe político local e cujo deus familiar é cultuado como
divindade nacional. Nas fotos podemos identificar essa relação
entre o chefe local e o culto nacional dos orixás na África.

Foto 4: Verger: 1997, p. 272. Foto 5: Verger: 1997, p. 181.


Foto 240 – Elejigbô, rei Foto 150 – Ao centro o rei de
descendente de Oxaguiã Oxogbô – Ataojá, localidade de
culto a deusa Oxum.

Essa ligação de ancestralidade assumida pelas


divindades pressupõe a noção de família que congrega os vivos e
os mortos. A concepção é que “o orixá seria, em princípio um
ancestral divinizado, que em vida estabelecera vínculos que lhe
garantiam um controle, sobre certas forças da natureza, com o
trovão, o vento, as águas doces ou salgadas [...]” (VERGER,
1997, p. 18). Essa divinização se dá através de momentos de
grandes feitos ou acontecimentos excepcionais.
A respeito da divinização do personagem Xangô e de
sua três mulheres Oiá-Iansã, Oxum e Obá, os mitos nos contam
que

56
Xangô era um Rei muito poderoso. Vivia com
suas esposas Iansã, Obá e Oxum. Sempre
preocupado em fazer a guerra, estava à procura
de uma nova magia para derrotar os inimigos.
Um dia, pensado ter descoberto finalmente uma
fórmula muito poderosa, Xangô subiu numa
colina e lançou seu experimento. Era o raio, que
maravilha, que poder! Mas foi muito grande sua
decepção. Com rumor terrível, a invenção
precipitou-se sobre seu palácio e o destruiu,
incendiando também a cidade e matando grande
parte de seus súditos. Desesperado, Xangô fugiu
para a terra dos vizinhos tapas, seguindo por
Iansã. Refugiou-se depois na cidade de Cossô.
Mas a dor não o deixava em paz. Não suportou
mais a tristeza que sentia pelo ato impensado,
Xangô bateu fortemente os pés no chão,
desaparecendo terra adentro. Foi para o Orum.
Iansã o acompanhou e faz o mesmo na cidade de
Irá, sendo seguida por Oxum e Obá. Desde então
Xangô está vivo no trovão, enquanto Iansã,
Oxum e Obá como rios. Assim surgiram novos
orixás (PRANDI, 2001, p. 260-1).

Todas as divindades possuem tanto na África como no


Brasil, objetos que se tornam sagrados com a divinização do
ancestral familiar. Esse objeto-fetiche liga-se “ao caráter do deus,
quer por ser dele uma emanação como a pedra de raio, èdùn ara,
de Sàngó, ou um seixo do fundo de um riacho, ota, de Òsun, Oya
ou Yemojá, quer seja um símbolo com as ferramentas de Ògùn ou
o arco e a flecha de Òsóòsì” (VERGER, 1997, p. 19).
Na concepção dos crentes, o orixá é uma energia
percebida pela comunidade quando do momento da incorporação
do deus em um de seus descendentes, o Elégun do orixá. A essa
força dá-se o nome de Àse (Axé), que quer dizer “o conteúdo
mais precioso do ‘terreiro’ [...] é a força que assegura a existência
dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé, a

57
existência estaria paralisada, desprovida de toda possibilidade de
realização (SANTOS, 1977, p. 39). Princípio também presente
nos terreiros brasileiros.

2.2.2 – Imaginário religioso afro-brasileiro

Os cultos aos orixás no Brasil têm diferenças em


relação à África, e isso se deve aos “encontros” com outras
tradições. No caso do Brasil, estes encontros ocorrem
circunstanciados inicialmente pelo contexto da “escravização” de
populações africanas trazidas pelos traficantes portugueses.
Como já nos referimos anteriormente, os cativos eram
provenientes de várias regiões do continente africano, fator que
de certa forma produziu um encontro das diferentes Áfricas e,
particularmente a África Atlântica com ela mesma e com matrizes
culturais européias e dos nativos ameríndios, em terras
brasileiras.
A composição do xirê6 afro-brasileiro incorpora
elementos da cultura banto, iorubá e Fon, este último conhecido
como os povos jeje, constituindo um complexo religioso múltiplo
e rico simbolicamente.
Outra questão a notar é o contato dessas cosmogonias
africanas com os elementos do cristianismo português. Este
aspecto aqui destacado serve para pensarmos as recriações
simbólicas de uma África fora do continente africano, sentido que
ganha força enquanto discurso político na formação de uma
identidade própria para as religiões afro-brasileiras a partir da
década de 80. Esse entendimento, qual seja, as religiões afro-
brasileiras como um fenômeno religioso de vários elementos
mítico-simbólicos africanos e não africanos é um debate vivo nos
estudos dessas religiosidades.

6
Ordem em que são tocadas, cantadas e dançadas as invocações aos orixás, no
inicio das cerimônias festivas ou internas. (CACCIATORE, 1998, p. 251)

58
As imagens apontam essa presença de elementos
simbólicos africanos, o circulo como uma forma de integração da
comunidade, e os não africanos presentes nas imagens dos santos
católicos.

Fotos 6/7: Festa de Ogum, Terreiro Ogum-Beira-Mar, João Pessoa,


20/04/2008. Acervo do autor.

Dentro dos estudos da antropologia, da sociologia e de


uma etno-história, as religiões africanas sempre foram olhadas
como espaços interessantes para as pesquisas. A África tornou-se
no século XIX um “sítio arqueológico”, onde tudo era alvo dos
debates e das pesquisas das grandes universidades européias.
Com esse advento dos estudos africanistas, o Brasil também entra
na roda dessa “arqueologia africana”. As pesquisas desdobram-se
nos estudos afro-brasileiros, particularmente os que estavam
preocupados com as manifestações religiosas dos pretos, como
eram conhecidos os africanos e seus descendestes no Brasil até o
século XIX.
Os primeiros estudos dessas manifestações religiosas no
Brasil apresentaram esse universo mítico-simbólico como
fortemente influenciado pelos povos nagô/ketu de língua ioruba,
nitidamente na Bahia e Pernambuco. Portanto muito do que
reside nos terreiros de candomblé baianos e nos Xangôs de

59
Pernambuco seriam recriações simbólicas dos povos provenientes
do território iorubá.
Outra particularidade dos cultos aos orixás no Brasil
está na constituição de uma hierarquia divina entre os deuses e a
presença de divindades ameríndias. Os orixás deixam de ser
deuses nacionais e passam a compor um grupo, cultuados todos
juntos por uma comunidade-terreiro. O pertencimento a uma
família ancestral representada pelo orixá como modelo exemplar,
não toma mais o soberano nacional, ou chefe local como
referência como ocorrido na África, mas as divindades assumem
um caráter personalista. Numa mesma comunidade-terreiro temos
filhos de Ogum, de Xangô, de Oxalá, de Oxum e de Oiá-Iansã
por exemplo.
A mitologia africana presente nestes rituais religiosos se
(re) atualiza e (re) inventa constantemente demonstrando a
dinamicidade dos elementos culturais e simbólicos. A paisagem
cultural brasileira é um caldeirão em constante ebulição. Neste
sentido Durand nos aponta que “os atos mais quotidianos, os
costumes, as relações sociais, estão sobrecarregados de símbolos,
são acompanhados no seu mais íntimo pormenor por todo um
cortejo de valores simbólicos” (1993, p. 44), valores pontuados
no caso brasileiro de uma simbólica africana, recriada na
diáspora.
Trazendo uma discussão feita por Bastide em
Candomblé da Bahia, a respeito da estrutura do mundo percebido
pelos adeptos dos cultos afro-brasileiros, onde ele indica a inter-
relação entre os postos sacerdotais e a organização do mundo. Ele
nos coloca um dado empírico e suas reflexões a respeito do
mesmo, qual seja, a existência de sacerdotes diferentes
desempenhando funções litúrgicas também diferentes mais que
ao mesmo tempo são complementares e necessários para que a
estrutura do sagrado aconteça, indicando que “o mundo se divide
em certo número de compartimentos e porque cada espécie de
sacerdote preside a um ou outro desses domínios” (BASTIDE,

60
2001, p. 112), e conclui que para “compreender a concepção do
mundo, formulada pelos descendentes de africanos na Bahia, é
preciso partir do estudo do sacerdócio” (Idem).
A idéia colocada por Bastide apresenta uma estrutura
sacerdotal quaternária: 1) os babalorixás e ialorixás que presidem
o culto dos orixás; 2) os babalaôs sacerdotes que presidem o culto
de Ifá; 3) os babalossains sacerdotes que governam o culto de
Ossaim, o senhor das folhas; 4) os babaojés que presidem o culto
dos eguns, estando os mesmo ligados a própria concepção de
estrutura quádrupla do mundo: os deuses, os homens, a natureza e
os mortos.
Podemos considerar que as vivências religiosas afro-
brasileiras são múltiplas, o modelo descrito por Bastide não é o
único. Ou seja, temos uma variedade de experiências religiosas
dentro do que chamamos religiões afro-brasileiras: o candomblé,
o xangô, o batuque, o xangô-umbandizado, as macumbas, o
catimbó-jurema, o tambor de mina e tantos outros. Portanto falar
dessas religiosidades é perceber a sua plasticidade e mobilidade.
As fotos abaixo demonstram essa plasticidade dos cultos, de um
lado a presença de entidades como os pretos velhos e caboclos e
do outro o orixá.

Foto 8: Festa dos Pretos Velhos, Foto 9: Rum de Oxalá, Ilê


Templo de Iemanjá Sabá, João Ajagunà Òdò Ti Fadacá, João
Pessoa, 18/10/2008. Acervo do Pessoa, 26/10/2008. Acervo do
autor. autor.

61
O contexto brasileiro é formado basicamente por 16
divindades cada uma tem características próprias, uns mais
cultuados do que outra, a exemplo de Ewá, Orumilá/Ifá e Obá
que pouco se ver nos terreiros. O quadro que segue traz alguns
dados sobre cada divindade.

ORIXÁS CARATERISTICAS GERAIS


Exu É um orixá ou um eboró7 de múltiplos e
contraditórios aspectos [...] de caráter irascível, ele
gosta de suscitar dissensões e disputas, de promover
acidentes e calamidades públicas e privadas.
(VERGER, 1997, p76). E o ser da comunicação, seu
lugar é as encruzilhadas. A segunda-feira é o dia da
semana consagrado a ele. As pessoas que procuram
a sua proteção usam colares de contas pretas e
vermelhas. (Idem, Ibidem, p.79). Sua saudação é:
Laroyê!
Ogum Ogum, como personagem histórico, teria sido o
filho mais velho de Odùduà, o fundador de Ifé. Era
um temível guerreiro que brigava sem cessar contra
os reinos vizinhos (Idem, Ibidem, p. 86). As pessoas
consagradas a Ogum usam colares de contas de
vidro azul-escuro e, algumas vezes, verde. Terça-
feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Como
na África, ele é representado por sete instrumentos
de ferro [...]. (Idem, Ibidem, p. 94). Sua saudação é:
Ogunhê
Oxossi/ Oxossi, o deus dos caçadores, teria sido o irmão
Odé caçula ou filho de Ogum. (Idem, Ibidem, p. 112). O
culto de Oxossi encontra-se quase existo na África,
mas bastante difundido no novo mundo, tanto em
Cuba como no Brasil. Na Bahia, chega-se mesmo a
dizer que ele foi rei de Kêtu, onde era outrora
cultuado. No Brasil, seus iniciados usam colares de
contas azul-esverdeados e quinta-feira é o dia da

7
Referências feitas aos orixás masculinos.

62
semana que lhe é consagrado. Seu símbolo é, como
na África, um arco e flecha em ferro forjado. (Idem,
Ibidem, p. 113). Sua saudação é: O Kiarô!
Ossaim Ossain é a divindade das plantas medicinais e
litúrgicas. O nome das plantas, a sua utilização e as
palavras (ofò), cuja força desperta seus poderes, são
os elementos mais secretos do ritual no culto aos
deuses iorubas, cuja responsabilidade é de Ossain.
O símbolo de Ossain é uma haste de ferro, tendo, na
extremidade superior, um pássaro em ferro [...]
(Idem, Ibidem, p. 122). No Brasil, as pessoas
dedicadas a Ossain usam colares de contas verdes e
brancas. Sábado é o dia da semana consagrado a ele.
Saúda-se o deus das folhas e das ervas gritando:
Ewê Ô! (Idem, Ibidem, p.123)
Omolú/ Obalúayé ou Omolu são os nomes geralmente dados
Obalúayé a Sànpònná, deus da varíola e das doenças
contagiosas, cujo nome é perigoso de ser
pronunciado. (Idem, Ibidem, p.212). No Brasil [...]
Xapanã é prudentemente chamado Obaluaê ou
Omolu. As pessoas que lhes são consagradas usam
dois tipos de colores: o lagidiba, feito de
pequeninos discos pretos enfiados, ou o colar de
contas marrons com listas pretas. Quando o deus se
manifesta sobre um de seus iniciados, ele é acolhido
pelo grito Atotô! Suas iaôs dançam inteiramente
revestidas de palha da costa. (Idem, Ibidem, p. 216)
Xangô O culto de Xangô é muito popular no Brasil [...] No
Recife (e em boa parte do nordeste oriental também,
a exemplo da Paraíba, grifo nosso), seu nome serve
mesmo para designar o conjunto de cultos [...]
(Idem, Ibidem, p.139). Seus fies usam colares de
contas vermelhas e brancas, como na África.
Quarta-feira é o dia da semana consagrado a ele.
Assim que Xangô aparece manifestado em um de
seus iniciados, as pessoas o saúdam, gritando:
Kawó-Kabiyésílé! (Idem, Ibidem, p.140). Imperial e

63
prestigioso é o orixá cujo comando está nas rochas,
principalmente as que foram destruídas por um raio.
Oxalá/ Órìsànlá ou Obàtálá, o grande orixá ou o rei do pano
Orixalá/ branco. Foi o primeiro a ser criado pó Olodumaré
Obatalá [...] (Idem, Ibidem, p.252). É da família dos orixás
funfun, [...] os orixás brancos, é daqueles que
utilizam o efun (giz branco) para enfeitar o corpo.
(Idem, Ibidem, p.254). Oxalá é considerado o maior
dos orixás, mais venerável e o mais venerado. Seus
adeptos usam colares de contas brancas e vestem-se,
geralmente de branco. Sexta-feira é o dia da semana
consagrado a ele. (Idem, Ibidem, p. 259). Sua
saudação é: Êpa, baba!
Nanã Nana Buruku é uma divindade muita antiga. (Idem,
Ibidem, p.236). Nanã Buruku é conhecida no Brasil
como em Cuba, como a mãe de Obaluaô-Xapanã.
Os colares de contas usados por aqueles que lhe são
consagrados, são na cor branca com listas azuis (em
alguns terreiros roxos e o marrom, grifo nosso).
Segundo uns, seu dia é a segunda-feira, juntamente
com seu filho Obaluaê; segundo outros adeptos é o
sábado, ao lado das outras divindades das águas.
Quando Nana se manifesta numa de suas iniciadas é
saudade pelos gritos de Salúba! (Idem, Ibidem,
p.240)
Iemanjá Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé Omo ejá (Mãe
cujos filhos são peixes), é o orixá dos Egbá, uma
nação ioruba estabelecida outrora na região entre Ifé
e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemoja. (Idem,
Ibidem, p.190). Iemanjá é uma divindade muito
popular no Brasil [...]. Seu axé é assentado sobre
pedras marinhas e conchas, guardadas numa
porcelana azul. O sábado é o dia da semana que lhe
é consagrado, juntamente com outras divindades
femininas. Seus adeptos usam colares de contas
transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-
claro. (Idem, Ibidem, p.191). Sua saudação é: Ô

64
doiá!
Oxum Oxum é a divindade do rio de mesmo nome que
corre na Nígeria, em Ijexá e Ijebu. Era segundo
dizem, a segunda mulher de Xangô, tendo vivido
antes com Ogum, Orumilá e Oxossi. (Idem, Ibidem,
p.174). No Brasil, os adeptos de Oxum usam
colares de contas de cor amarelo-ouro [...]. o dia da
semana consagrado a ela é o sábado e é saudada,
como na África, pela expressão Ore Yèyé o! (Idem,
Ibidem, p.176)
Oiá/ Iansã Oyá (Oiá) é a divindade dos ventos, das
tempestades e do rio Níger que, em ioruba, chama-
se Odò Oya. Foi à primeira mulher de Xangô [...]
(Idem, Ibidem, p.168). As pessoas dedicadas a
Iansã, nome sob o qual é mais conhecido no Brasil,
usam colares de contas grená8. A quarta-feira é o
dia da semana consagrado a ela [...] Seus símbolos
são como na África: os chifres de búfalo e um alfaje
[...]. (Idem, Ibidem, p.170). Sua saudação é: Ê
parrei!
Obá Obá, divindade do rio de mesmo nome, foi à
terceira mulher de Xangô. (Idem, Ibidem, p.186).
No Brasil, assim que Obá aparece num candomblé,
manifestada em uma de suas iniciadas, ata-se um
turbante em sua cabeça a fim de esconder uma de
suas orelhas [...] A dança de Obá é guerreira: ela
branda com um sabre com uma das mãos e leva
escudo na outra. (Idem, Ibidem, p.187). Sua
saudação: Obá Xirê!
Ewá Orixá feminino, ninfa do rio e da logoa Iewá, na
Nigéria. Em alguns terreiros é considerada irmã de
Iansã, em outros é cobra-fêmea, esposa de

8
O grená (do francês grenat, da cor da granada) é uma variação de tom da cor
vermelha, um pouco mais claro que o bordô.

65
Oxumaré, representando a faixa branca do arco-iris.
Quando dança leva o arpão na mão esquerda e na
direita uma espada. Seu dia é o sábado. Usa fios de
contas vermelho e amarelo ou vermelha translúcida,
sua saudação é: Rirô. (CACCIATORE, 1988,
p.117)
Ibêji O orixá Ibeji [...] divindade tutelar dos gemeis entre
os nagôs [...] irmãs de Xangô. Essa aproximação
com Xangô observa-se na Bahia, onde são
cultuados dois orixás Erê, tidos como filhos de
Xangô. (RAMOS, 2001, pp.303-304). Principio da
dualidade, representado pelos gêmeos na África [...]
o domingo é o dia da semana consagrado a ele. Seus
colares de conta têm as cores vermelha e verde ou
cores diversas. Saudação: Bejé eró!
(CACCIATORE, Ibidem, p.141)
Ifá/ Orumilá é na tradição de Ifé o primeiro
Orumilá companheiro e “chefe conselheiro” de Odùduà
quando de sua chegada a Ifé [...] Os Babalaôs, “pais
do segredo”, são os porta-vozes, de Orumilá [...]
Orumilá é consultado em caso de dúvida, quando as
pessoas têm uma decisão importante a tomar a
respeito de uma viagem, de um casamento [...]
(VERGER, Ibidem, p.126).
Oxumaré Oxumaré é a serpente-arco-iris [...] diz-se que ele é
um servidor de Xangô e que seu trabalho consiste
em recolher a água caída sobre a terra, durante a
chuva, e levá-la de volta às nuvens (Idem, Ibidem,
p.206). No Brasil, as pessoas dedicadas a Oxumaré
usam colares amarelos e verdes, a terça-feira é o dia
da semana consagrado a ele. Durante suas danças,
suas iaôs apontam alternadamente para o céu e para
a terra. As pessoas gritam: Aoboboí! (Idem, Ibidem,
p.207)
Quadro 5 – Os orixás e suas principais características

66
CAPÍTULO III

O TRAJETO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Neste Capítulo faremos uma exposição sobre os passos


metodológicos da pesquisa. Inicialmente caracterizando os
sujeitos entrevistados e os procedimentos utilizados por mim nas
entrevistas e posteriormente na segunda seção expondo as bases
da mitodologia durandiana que propõe uma abordagem cientifica
que considerar os elementos espirituais de uma coletividade na
concretude da realidade. Têm como foco a identificação dos
núcleos arquetípicos presentes no texto-mítico no caso da
mitocrítica e, as recorrências/ permanências no texto-social destes
mesmos elementos arquetípicos buscando os sentidos
sociológicos ou psicológicos dos mesmos.

3.1 – Encontros

Enquanto permanecermos com visões


mineralizadas não podemos ver o outro nem
nos ver [...] nem ousar ler mais que um
simples descrever, que é menos que ver e
menos que sentir (CALDAS: 1999, p. 19).

Este é um texto sobre encontros. Para organizar estes


encontros tratei de cultivar vínculos de amizade e confiança com
as pessoas com quem me encontrei para falar sobre Xangô e de
suas três mulheres: Oxum, Oia-Iansã e Obá. O registro dos
encontros materializa uma memória pessoal, mas também social,
familiar e grupal (BOSI, 2004). Quando denominamos este texto
de “Encontros” foi por um simples motivo, o de concordar com
Ecléa Bosi, que a “pesquisa é um compromisso afetivo, um
trabalho ombro a ombro com o sujeito da pesquisa. E ela será

67
tanto mais válida se o observador não fizer excursões saltuárias
na situação do observado, mas de participar de sua vida” (BOSI,
2004, p.38). Esse foi o compromisso metodológico, fazer parte
das situações dos sujeitos com que me encontrei. No entanto, não
sei afirmar se consegui cumprir este compromisso, mas uma coisa
posso afirmar, continuo tentando.
O motivo da pesquisa foi explicado aos sujeitos. Foram
esclarecidos que sua participação era voluntária e, portanto eles
(as) não estariam obrigados a fornecer as informações e/ ou
colaborar com a pesquisa. Realizaram-se quatro gravações todas
devidamente autorizadas pelos sujeitos através de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, sempre impresso em duas
vias, uma destinada ao pesquisador e a outra ao participante.
A primeira gravação foi realizada no dia 11 de março de
2008 com o babalorixá do terreiro Ilê Ajagunà Òdò Ti Fadacà,
localizado no bairro do Valentina de Figueiredo. A segunda no
dia 27 de março de 2008 com a ialalorixá do terreiro Ogum
Beira-Mar, no bairro do Castelo Branco. A terceira, no dia 20 de
junho de 2008, com a ialalorixá do terreiro Ilê Axé Oxum Iabá
Omimdaê, localizado no Bairro das Indústrias. A quarta no dia 30
de agosto de 2008, com o babalorixá do terreiro Ilê Axé Babá
Kessí. Os três primeiros terreiros estão localizados em João
Pessoa e o quarto na Ilha de Itaparica no estado da Bahia. A
última entrevista com o babalorixá do Ilê Axé Babá Kessí foi
feita na casa de uma neta-de-santo sua, no bairro de Manguabeira
em João Pessoa, pela ocasião de sua festa de 14 anos de feitura.
Dividimos as entrevistas em dois grupos: 1) os terreiros
que se identificaram como sendo de tradição nagô-kêtu, que no
universo de quatro entrevistas três se identificaram neste grupo;
2) e um terreiro identificado como sendo Umbanda com nagô.
As entrevistas foram guiadas por temas geradores, que
objetivavam a construção de um roteiro para o pesquisador na
hora das entrevistas e não uma seqüência de perguntas objetivas
que deveriam ser respondidas pelos sujeitos. Basicamente

68
utilizamos seis temas geradores: 1) caracterização geral de Xangô
e de suas três esposas; 2) as vestimentas; 3) a alimentação; 4) a
dança; 5) a inter-relação de Xangô com outros orixás; 6) a
identificação dos orixás e os elementos da natureza. Este modelo
baseou-se na idéia de entrevistas semi-estruturadas.

3.2 – Considerações sobre o Método Durandiano

A teoria do imaginário, tal como é preconizada por Durand,


faz-se acompanhar de uma proposta metodológica que se divide
em dois momentos, distintos, porém interligados. São chamados
mitocrítica e mitoanálise compondo a mitodologia que é “uma
tentativa de abordagem cientifica que considere o elemento
espiritual e coletivo na concretude da realidade” (MELLO, 1994,
p. 44). A mitocrítica e a mitoanálise configuram-se como duas
formas de análise que compõem a mitodologia e constituem-se
como “um método válido para qualquer mensagem que emana do
homem e não apenas para a mensagem ‘literária’ enquadrada no
código de uma língua natural” (DURAND, 1998, p.145). O
pressuposto fundamental desta abordagem metodológica está
ancorada nos pressupostos teóricos que embasam o pensamento
hermenêutico durandiano, ou seja, a crença na existência de uma
natureza humana específica, que serve de sustentação para a
“programação de uma ‘estrutura antropológica’ para a totalidade
das representações do sapiens sapiens” (Idem, 1998, p. 147).
A proposta construída por Durand estabelece um método
pragmático e relativista de convergência, deixando delimitadas as
diferenças conceituais entre analogia, entendida como o
reconhecimento de semelhanças entre relações diferentes, e a
convergência, base do método que busca a incidência de
constelações de imagens diferentes de um mesmo pensamento.
Portanto, segundo o próprio Durand, a convergência seria na
verdade uma homologia com base fundamentalmente na
equivalência morfológica e, portanto estrutural dos símbolos e

69
das imagens e não uma correspondência funcional destes
elementos, e é neste sentido que ele afirma que “... os símbolos
constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema
arquetipal, porque são variações sobre um arquétipo” (DURAND,
2002, p. 31).
Nesta medida, a mitocrítica e a mitoanálise representam a
trajetória metodológica da Antropologia do Imaginário na busca
dos conjuntos, das constelações de imagens que concorrem em
torno de núcleos organizadores.

3.2.1 – A Mitanálise

Um dos métodos da teoria do imaginário, a mitanálise,


nasce tendo como modelo a psicanálise e tendo por objetivo a
análise cientifica dos mitos, buscando os sentidos sociológicos ou
psicológicos dos mesmos. A análise de caráter sociológico dentro
do modelo metodológico mitanalítico durandiano leva em conta
os grandes mitos diretores dos momentos históricos, ou seja, está
em busca dos mitos em tensão em certa sociedade.
A mitanálise tenta observar “o jogo dinâmico pelo qual um
agrupamento humano ligado por um destino cultural agencia seus
temores e seus desejos, suas metas e suas visões do mundo, para
constituir a alma pela qual se identifica e sobrevive como tal
através dos avatares e das vicissitudes do devir” (DURAND
apud, PITTA, 1995, p. 65).
No jogo dinâmico dos agenciamentos constituído pela
tensão entre o mito ascendente e o descendente, num dado
período e cultura, cabe aos pesquisadores identificar o “mito
ideal”, síntese de todos os mitemas constelados sob uma mesma
apelação semântica.
Durand propõe a mitanálise como método de interpretação
de um campo mais largo que a narrativa literária, que seria o
espaço das instituições ou das práticas sociais, ou seja, ela se
constituiria como uma abordagem do terreno do sociólogo,

70
segundo Durand, pois ele compreende que a ciências sociológicas
para ser perpetrada pressupõem um aparato analítico global. A
este respeito ele diz que,

...um político Frances da Revolução que dia


dizia a propósito dos imigrantes: “não se leva
pátria na sola dos sapatos”, em sociologia
passa-se o contrário, leva-se sempre a
sociedade na sola dos sapatos, na pronúncia da
língua, na mentalidade, no modo de se vestir
(DURAND, 1982, p. 88).

Pode-se dizer que a mitanálise é uma mitocrítica,


conseqüentemente os procedimentos que se utiliza na análise são
os o do método mitocrítico voltado a “um texto fluido, um texto
que não tem a facilidade literária, linear unidimensional da
escrita, mas um texto que se refere a todo o conteúdo
antropológico de uma sociedade [...]” (Idem, Ibidem, p.89).
Os mitologemas equivalem aos resumos de uma situação
mitológica, ao esqueleto da obra, do discurso em analise,
constituem a “pedra-de-toque” da mitanálise, que “consiste,
portanto, em examinar ou determinar num segmento de duração
social os grandes esquemas míticos [...] a partir de índices
mitémicos [...] quer seja um estilo de pintura quer seja uma
atitude social [...]” (Idem, Ibidem, p.97). Por conseguinte, a
mitanálise está em busca do perfil mitológico de um conjunto de
obras de um determinado autor, ou de um dado período histórico
de um grupo.
Destas duas formas, é a mitocrítica a mais apropriada para
este estudo, pois o mesmo pressupõe um corpus analítico mais
particular. Contudo a mitocrítica pode ser entendida como uma
etapa anterior ao empreendimento mitanalítico do múltiplo-
universo simbólico e mítico afro-brasileiro, que no momento
oportuno daremos continuidade. A seguir, passo a apresentar as
características da mitocrítica como instrumento analítico.

71
3.2.2 – A Mitocrítica

A base da análise mitocrítica é a compreensão de que todo


o texto possui um núcleo mítico e, portanto, a mitocrítica busca
colocar em evidência o que está por trás do texto, ou seja, os
modelos míticos que nos olham, haja vista que a literatura, os
discursos não são inocentes, pois possuem um ser de natureza
mítica, portanto, “... um texto olha-nos e é o que num texto nos
olha que é o seu núcleo. E esse núcleo [...] pertence ao domínio
do mítico” (DURAND, 1982, p. 66).
A mitocrítica carece necessariamente de um texto-
cultural, que pode ser oral ou escrito, no entanto, deve ser
passível de ser escrito. O método mitocrítico define-se como
sendo um instrumento analítico para o texto literário
principalmente. Neste âmbito “o discurso literário está muito
próximo do mito pelo fio diacrônico na narrativa que apresenta,
por uma necessidade de redundância, através da temporalidade e
pela facilidade da predição. A linguagem mítica é, pois uma
linguagem literária” (MELLO, 1994, p. 46), confluência que
Mircea Eliade vai chamar de coalescência entre o mito e a
literatura.
Para que a análise mitocrítica se realize devemos observar
os mitemas redundantes que permitem a apreciação sincrônica do
discurso. Um mitema pode ser uma situação dramática, um
cenário mítico, um motivo, um emblema, um tema que se repete.
Estes mitemas são tão significativos para a crítica, quanto seu
volume de repetição, que também proporciona ao discurso um
sentido pedagógico. Os mitos e mitemas abrem-se “a uma enorme
diversidade de variantes, a partir de um padrão de mito clássico,
que dão conta da diversidade e particularidades culturais”
(MELLO, 1994, p. 46).
Estes mitemas podem atuar dentro da alocução de duas
formas distintas: 1) de caráter latente, ou seja, sua redundância

72
está implícita através da intencionalidade dos elementos no
discurso; 2) de caráter patente, quando as redundâncias são
explicitas e de conteúdo homólogo, ou seja, uma equivalência
morfológica.
A respeito dos procedimentos mitocríticos, podemos
organizá-los em três etapas: 1) levantamento dos temas; 2)
análise das situações; 3) abordagem diacrônica, conforme
esquematizado no quaro abaixo:

ETAPAS PROCEDIMENTOS
1) Levantamento dos temas • O levantamento dos temas dentro da
narrativa textual deve levar em
consideração a repetição, as redundâncias
de certas imagens, pois são estas que vão
possibilitar ao pesquisador perceber os
significados básicos da obra. Estes temas
recorrentes indicam a estrutura do
imaginário que está subjacente ao
discurso.

2) Análise das situações • A análise das situações efetua o


levantamento das ações e combinações de
ações do personagem dentro do micro-
universo mítico criado na narrativa, e
objetiva perceber quais atitudes o sujeito-
autor utiliza na resolução do conflito
mítico: a) a luta; b) a eufemização ou c) o
diálogo.
3) Abordagem diacrônica • A abordagem diacrônica trata do
levantamento dos mitemas na seqüência
em que aparecem e de como dentro de
uma narrativa as suas variações se
constelam em torno de um núcleo
arquetipal.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos
do Imaginário. PE. 1995.
Quadro 6 – Procedimentos Mitocrítico

73
A composição do corpus para minha análise mitocrítica
foi realizada com a junção das quatro entrevistas feitas com os
informantes, mães e pais de santo num único texto-cultural. Num
primeiro momento, as falas foram submetidas a uma prévia
análise, onde se detectou núcleos significantes/ relevantes ou
mesmo alguns mitemas, ou seja, busquei perceber os núcleos
redundantes através dos símbolos, cenários/ lugares, conjunto de
situações presentes no corpo da narrativa. Num segundo
momento, a partir do que foi categorizado nas entrevistas,
procurei fazer as ancoragens dos temas das entrevistas nas
narrativas míticas conhecidas do universo religioso afro-brasileiro
e já compilados em livros e outros documentos, especialmente a
compilação feita por Reginaldo Prandi no seu livro, Mitologia
dos Orixás, e a que foi produzida por Pierre Fatumbi Verger.
O primeiro momento da análise teve como instrumento
o Quadro mitocrítico, que foi elaborado pelo autor a partir das
indicações feitas por Gilbert Durand na terceira parte de seu texto
Mito, Símbolo e Mitodologia, dedicado a mitocrítica, conforme
modelo a seguir:

74
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES

Símbolos Cenários/ Conj. de


Lugares Situações

1–

2-

Análise Horizontal - Diacrônica

Adaptado de: Durand, Gilbert. Mito, Símbolo e Mitodologia. Lisboa, Editorial


Presença, 1982.

A análise e interpretação dos dados levantados foram


feitas a partir da tabela mitocrítica que compõe o quadro mítico
dos personagesns-deuses em questão: Xangô, Oiá-Iansã, Oxum e
Obá, buscando a resposta à pergunta inicial: Quais símbolos e
arquétipos constelam em torno do complexo mítico, Xangô e suas
três esposas? A partir da pergunta identificamos os núcleos
redundantes, e identificamos as imagens arquetipais
predominantes nas narrativas míticas.
A partir desse enquadramento, passamos a identificar os
regimes das imagens e as estruturas envolvidas na formação da
narrativa sobre Xangô e a sua relação com suas três mulheres-
esposas. Levando em consideração que essa relação coloca em
cena dois elementos da natureza, o fogo e a água. Portanto, a
análise também estará percebendo a dinâmica arquetipal do
encontro do fogo, representada por Xangô e as águas
representadas pelas três divindades femininas, Oiá-Iansã, Oxum e

75
Obá. Questões que apontam para uma possível temática
genealógica, a relação entre o céu e a terra, o fogo do céu e a água
da terra, mas também que teve sua origem no céu. Aspecto que
poderá compor outro estudo.

76
CAPITULO IV

O JARDIM DAS IMAGENS E O ENCONTRO


DO FOGO COM AS ÁGUAS

A imaginação material une a água a terra, une a


água ao seu contrário, o fogo, une a terra e o
fogo, vê por vezes no vapor e nas brumas a união
do ar e da águas (BACHELARD, 1998, p.99).

A água termal é, pois imaginada antes de tudo


como a composição direta da água e do fogo [...]
(BACHELARD, 1998, p.101).

O termo “O Jardim das Imagens” dando título a este


capítulo é outra forma de nos referimos à idéia de constelação. O
jardim como metáfora do espaço que congrega, e neste caso,
reúne as imagens mítico-simbólicas do encontro do fogo com as
águas, ou seja, de Xangô e suas três esposas compondo um
cenário mítico. Estas imagens formam um jardim de flores
variadas, pois os mitos afro-brasileiros têm muitas cores.

4.1 – O Complexo Mítico de Xangô

A cosmogonia afro-brasileira, termo que evoca a


relação entre os deuses iorubanos e sua reorganização no Brasil,
tornou-se conceito corrente nos debates que trazem à tona às
influências culturais e religiosas dos africanos na construção do
plástico universo religioso brasileiro. As divindades africanas
tornam-se afro-brasileiras, encontram aqui solo fértil para
organizar a sua família ancestral, que vai arrumar-se a partir do
terreiro como território sagrado e privilegiado do encontro com
os deuses.
O espaço do terreiro não é qualquer espaço, deixa de
ser o local ordinário das atividades cotidianas para constituir-se

77
no território do extraordinário, como diria Mircea Eliade (2001) o
homo religiosus percebe o espaço de uma forma heterogênea. A
comunidade de santo estaria para o Brasil como a aldeia para as
comunidades tradicionais da África ocidental, ou seja, o local de
convivência dos filhos dos deuses.
Este discurso é comumente pronunciado pela
comunidade de santo que situa seu marco de fundação no
continente africano, o ventre que gerou os orixás e, portanto sua
morada sagrada, como bem revela Roger Bastide quando fala da
importância dos tambores, juntamente com Exu, e sua função de
intermediário entre os homens e os orixás: “Eis por que, uma vez
terminado o padê9 de Exu, a cerimônia prossegue com o toque
musical dos tambores que, sozinhos, sem acompanhamento de
cânticos ou de danças, falam aos orixás e pedem-lhes que venham
da África para o Brasil” (BASTIDE, 2001, p.35).
As fotos nos dão essa dimensão, o som e o ritmo como
elementos fundamentais nos cultos aos orixás. O corpo participa
da cerimônia inteiro. Uma característica marcante na experiência
religiosa afro-brasileira certamente é a relação
corpo/natureza/divindade aspecto que merece uma atenção
especial que em outro momento poderá nos servir de
problemática.

9
Ritual propiciatório, com oferenda a Exu, realizado antes do inicio de toda
cerimônia pública ou privada dos cultos afro-brasileiros. Também “despacho
de Exu”. Sua finalidade é pedir ao mensageiro – elemento dinâmico e de
comunicação – que proteja a cerimônia a realizar, vá levar as oferendas e
encontrar os deuses para chamá-los (CACCIATORE, 1998, p. 205 – verbete:
Padê).

78
Fotos 10/ 11: Rum de Oxalá. Ilê Ajagunà Òdò Ti Fadacà. João
Pessoa, 26/10/2008. Acervo do autor.

Em dia de Candomblé o barracão é ornamentado para o


Xirê, a festa pública de confraternização da comunidade. Eis o
momento que os deuses vêm festejar com seus filhos e
reconhecer as oferendas recebidas, e neste momento diz Bastide
que

Os rostos metamorfosearam-se em máscaras,


perderam as rugas do trabalho cotidiano,
desapareceram os estigmas desta vida de todos os
dias, feitas de preocupações e de miséria; Ogum
guerreiro brilha no fogo da cólera, Oxum é toda
feita de volúpia carnal. Por um momento
confundiram-se África e Brasil; aboliu-se o
oceano, apagou-se o tempo da escravidão (2001,
p.39).

A tese de uma continuidade da África no Brasil é


reiterada no fragmento acima, e está presente nos estudos
clássicos de Nina Rodrigues e Artur Ramos a respeito das
sobrevivências religiosas africanas no Brasil particularmente na
Bahia. Aspectos, com certas reservas, também presentes na obra
O Candomblé da Bahia de Roger Bastide.

79
Aqui, partimos da concepção de uma estrutura
organizadora das imagens mítico-simbólicas, e não de uma
transposição de mitos e símbolos africanos para o Brasil. No meu
entendimento, as religiões afro-brasileiras se compõem a partir de
bricolagens de elementos simbólicos.
Dentro do contexto mítico-religioso afro-brasileiro
minha observação gira em torno da figura de Xangô. Percebo um
complexo mítico que orbita em torno desse personagem-deus, se
mostrado estruturante na construção das características
simbólicas do mesmo.
Um dos elementos integrantes deste complexo mítico
é a relação de Xangô com Iemanjá, a “Mãe cujos filhos são
peixes” (VERGER, 1997) que segundo os mitos, teria gerado o
trovão que se desloca com a chuva e revela seus segredos
(VERGER, 1997), ou seja, gerou o próprio Xangô, e Oxalá, que
dentro da mitologia é considerado o grande orixá, o Rei do Pano
Branco (idem) é muito relevante, pois constituem o par
progenitor do personagem-deus.
Para o povo de santo, Oxalá foi o primeiro a ser criado
por Olodumaré, foi encarregado por ele da criação do mundo, e
por não ter feito as oferendas a Exu, este lhe pregou uma peça10,

10
Òrìsànlá pôs-se a caminhar apoiado num grande cajado de estanho, seu òpá
osorò ou paxorô, o cajado para fazer as cerimônias. No momento de
ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que, entre as suas múltiplas
obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu,
descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas,
vingou-se fazendo sentir uma sede intensa. Òrìsànlá, para matar sua sede, não
teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um
dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele
bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia mais onde estava e
caio adormecido. Veio então Olófin-Odùduà, criado por Olodumaré depois de
Òrísànlá e o maior rival deste. Vendo o Grande Orixá odormecido, roubou-lhe
o “saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu
achado e lhe contar em que estado se encontrava Òrìnsàlá. Olodumaré
exclamou: “se ele está nesse estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!”
Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada

80
ficando a criação do mundo com Odùdua e cabendo a Oxalá a
modelagem dos homens, e “por essa razão Oxalá é também
chamado de Alámòrere, o proprietário da boa argila” (VERGER,
1997, p. 253).
Iemanjá, segundo as crenças dos filhos de santo, foi
gerada por Olóokum a deusa do mar, e cujos domínios, no Brasil,
passaram a pertencer a própria Iemanjá, pois Olóokum é
praticamente desconhecida aqui. Associada ao mar, às vezes se
confundindo com ele, Iemanjá tem como seus fetiches ou
assentamentos, as pedras marinhas e as cochas. Os dois, Oxalá e
Iemanjá, formam o par gerador de Xangô segundo alguns mitos.
A outra teia desse complexo mítico é a relação de
Xangô com suas três mulheres. Minha análise vai se restringir a
este diálogo dentro das narrativas que constituem o complexo de
Xangô. Sua três mulheres dão vida à dinâmica simbólica do
encontro da água e do fogo, aspectos que ganham relevo dentro
das narrativas referentes a Xangô, Oiá-Iansã, Oxum e Obá.
Sentido que levar-nos a indicar que Xangô é filho e marido das
águas.
Esse quadrado amoroso se constitui da seguinte
forma:

• Xangô é Oiá-Iansã: Oiá seria a primeira mulher do Rei


Xangô, mas primeiramente Oiá foi casada com Ogum, o
senhor do ferro. Segundo um dos mitos, Xangô cansou-se
de não ter nada para fazer na monotonia de sua corte e saiu
em busca de aventuras. Foi parar em Irê, morada de Ogum.
Ele vivia em Irê com Iansã. Xangô gostava de ver o
trabalho de Ogum na forja, e todos os dias ele ia apreciar

de água. Deixou cair a substância marron contida no “saco da criação”. Era


terra. Formou-se, então, um montículo que ultrapassou a superfície das águas.
Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garras. Esta começou a
arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas [...] (VERGER, 1997,
p. 252).

81
Ogum modelando o ferro. Mas sempre que o ferreiro
desviava o olhar Xangô olhava para a bela Iansã, que estava
encantada com o porte real de Xangô. E um dia, os dois
fugiram de Irê em direção a Oió, deixando para traz o
ferreiro Ogum. (PRANDI, 2001).

• Xangô e Oxum: A rainha das águas doces ocupa a posição


de segunda mulher de Xangô. Uma das narrativas, conta
que ele teria conseguido a permissão de Orunmilá o pai de
Oxum, para casar-se com ela, após ter enganado Exu.
Xangô vivia se metendo em confusão. Uma certa manhã,
quando passava com seu cavalo, passou em frente do
palácio de Orunmilá e viu Oxum. Xangô se apaixonou
perdidamente por ela, mas a entrada do palácio estava
protegida por Exu, que não permitia a entrada de ninguém
sem a ordem de Orunmilá. Xangô, no entanto, movido pelo
amor engana Exu e se encontra com a bela Oxum. Orunmilá
não aprovava o casamento de sua única filha com Xangô, e
deu ordens a Exu que não permitisse que ele entrasse no
palácio e encontrasse Oxum. Mas Xangô muito esperto
esconde-se atrás de uma porta, e quando Exu vem a sua
procura, ele o pega de surpresa e o prende. Xangô então vai
ao encontro de Oxum. Quando Orunmilá é informado do
ocorrido já é tarde, Xangô e Oxum já estavam se amando.
Orunmilá, então, consente o casamento da filha (PRANDI,
2001).

• Xangô e Obá: Obá seria a terceira mulher de Xangô. Alguns


mitos se referem a ela como a irmã mais velha de Oiá-Iansã.
Ambas teriam sido mulheres de Ogum antes de se casarem
com Xangô, que as conquista do ferreiro. Dentre as esposas
de Xangô Obá seria a que menos tem a atenção do marido
que desdenha de sua esposa, mas também morre de medo de
Obá, pois ela seria uma grande feiticeira.

82
A seguir apresentamos um diagrama, que demonstra essa
construção simbólica dentro do “jardim das imagens” que se
forma a partir do encontro desses personagens-deuses. O
complexo mítico representado pelo diagrama suscita uma ativa
complementaridade entre os elementos simbólicos. Xangô
congrega em si fragmentos dos deuses que compõe sua
constelação de imagens. Como exemplo, poderíamos citar a
presença da cor branca diluindo a força do fogo, valor dos orixás
funfun, representados por Oxalá. Relação justificada dentro da
narrativa mítica.

Xangô foi um filho rebelde, saía pelo mundo


fazendo o que queria. Se pai Obatalá era
informado de seus atos, recebendo muitas queixas
pelas artes do filho. Obatalá justificava os atos de
Xangô, alegando que ele não havia sido criado
perto dele. Mas esperando o dia em que Xangô e
ele se submeteria. Uma ocasião, Xangô estava na
casa de uma de suas mulheres. Havia deixado o
cavalo amarrado à porta da casa. Obatalá e
Odudua passaram por lá e levaram o cavalo.
Xangô percebeu o roubo e saiu em busca do
animal. Foi informado de que dois velhos que por
ali passaram haviam levado o cavalo. Xangô saiu
em seu encalço e na perseguição encontrou
Obatalá. Quis enfrentar Obatalá, que não se
intimidou diante do rapaz, exigindo respeito e
submissão. Obatalá ordenou: Kunlé! Foribalé!’.
“Ajoelhe-se” Prostre-se no chão aos meus pé!”.E
Xangô, desarmado, atirou-se ao solo. Xangô
estava dominado por Obatalá. Xangô já tinha
consigo seu colar de contar vermelhas e então
Obatalá desfez o colar de Xangô e alterou as
contas encarnadas de Xangô com as contas
brancas de seu próprio colar. Obatalá entregou a
Xangô o novo colar vermelho e branco. Agora
todos saberiam que aquele era seu filho
(PRANDI, 2001, pp. 261-262)

83
Desta forma como anteriormente nos referimos existem
algo de estruturante nas relações míticas apresentadas. O
diagrama abaixo vai demonstrar essas inter conexões destes
personagens-deuses na formação do perfil mítico de Xangô.

Oxalá

Oxum Iemanjá

Xangô

Oiá Obá

Diagrama 1 - Complexo Mítico de Xangô

4.2. – Exercício Mitocrítico

Nesta seção aplicaremos uma das técnicas da


mitodologia, a mitocrítica. Elemento analítico que busca
identificar o núcleo mítico colocando em evidência os elementos
simbólicos e arquetipais que compõe uma narrativa, ou seja,
objetiva a caracterização dos elementos por trás do texto que são
os modelos míticos que nos olham.

84
Pontualmente nossa análise está voltada para os textos
referentes ao orixá Xangô representado como o elemento fogo e
as três divindades das águas apontadas nos mitos como sendo
esposas do mesmo: Oiá-Iansã, Oxum e Obá. Dividimos esta
seção em dois tópicos: a mitocrítica do fogo e o orixá Xangô e a
mitocrítica das águas e as três esposas de Xangô.

4.2.1 – A mitocrítica do fogo e o orixá Xangô

Passaremos a apresentar Xangô como personagem


mítico e os símbolos que constelam entorno de um núcleo
arquetipal para forja a Persona deste orixá. Posteriormente
tratarmos do elemento fogo principal símbolos deste personagem,
dando ênfase às possibilidades semânticas que este elemento
possui.

a)Xangô

Quem é Xangô? Qual a sua importância?


A respeito de Xangô duas representações são recorrentes,
o seu ser histórico e outro divino. Em se tratando do personagem
histórico, Xangô teria sido o terceiro Aláàfin Óyò, e sob sua face
divina, ele é o senhor da Justiça, um ancestral divinizado, dono
do fogo que tem três divindades como esposas: Oíá, Oxum e Obá
(VERGER, 1997).
A sua importância nos cultos Afro-Brasileiros e
particularmente nas roças pernambucanas saltam aos olhos, haja
vista, seu nome ser identificado como o próprio culto. A seu
respeito, o Babalorixá do terreiro Ilè Ajagunà Òdò Ti Fádaká,
relata: “Xangô, segundo os antigos e segundo a própria religião
de matriz africana, Xangô é um ancestral, foi o rei de Oyó, ele foi
um grande rei, é sincretizado com uns santos Católicos quem
têm! Mas, hoje em dia a gente não usa mais isso dentro do
Candomblé! Xangô é o raio, o trovão. Xangô é o fogo, mas é o

85
fogo da construção, é o fogo da justiça. É a justiça que promove
e a justiça que constrói, e não o fogo da destruição. Xangô está
associado a tudo isso, e também é um ancestral. É um ancestral,
pois têm relatos que realmente Xangô viveu, Xangô viveu na
África, Xangô realmente foi ser humano, depois divinizado. Foi
um dos grandes reis da cidade de Oyó...” (entrevista:
11/02/2008).
Para os crentes esta divindade carrega como
responsabilidade a justiça, executando-a com firmeza e
austeridade. Suas vestes trazem a cor vermelha e branca. Xangô,
diz um dos informantes, “geralmente a cor dele é associado ao
vermelho e ao branco devido à violência, ao fogo, essa coisa de
[...] dizem que ele usa a cor branca que é para apaziguar, que é
justamente Oxalá, que é para apaziguar toda a violência do fogo,
toda a violência da questão da chama que consome de uma certa
forma” (entrevista: 11/02/2008).
As cores assumidas como pertencente a cada orixá é uma
importante referência simbólica, que na compreensão dos filhos-
de-santo fazem referência à intensidade da energia que emana da
divindade. Segundo Tavares, “a dualidade vida/morte, aspectos
da antropomorfização do estático/dinâmico se expressa através da
cor, da terminologia dos sangues vermelho, preto e branco, os
três princípios ativadores do candomblé, como lembra Mestre
Didi” (2005, p. 122).
A figura exemplifica os símbolos materiais envolvidos na
composição do personagem-deus: O machado duplo, o xerê11, e o
fogo. Temos também representado a sua encenação mítica. Na
fala de um dos nossos entrevistados aparece a seguinte descrição:
“sempre quando ele vem o pé-de-dança dele é um pé-de-dança
diferente, o pé-de-dança diferente! Ele é uma dança, mesmo
dentro da nossa Umbanda com nagô [...] mas ele cultua muito o

11
Instrumento musical usado no culto de Xangô. É uma cabaça especial cheia
de sementes. Agitando, o instrumento produz um ruído (CACCIATORE, 1988,
p.251). O ruído produzido pelo xerê, a semelha se a chuva.

86
pé no chão e o outro no ar. Ai desce um e outro voando, desce
um e o outro voando. Dar-se o nome de Alojá. Quando bate o
Alojá pra ele, principalmente o Ilú12 [...]” (entrevista:
27/03/2008).

Fig. 1: Xangô. CARIBÉ apud


VERGER: 1992, p. 34

A cor vermelha de Xangô representa a sua altivez, força e


realeza, valores que estão ligados aos símbolos de ascensão e à
idéia da soberania dos deuses uranianos. Então, diz o informante:
“Xangô ele é rei, como ele é rei ele usa coroa, usa coroa usa o
xerê. Que o xerê é como ele está ligado ao elemento da
tempestade e do raio, ele também estaria ligado a chuva, e o xerê
é justamente um símbolo de Xangô, mas também era usado para
se rezar para se chamar a chuva. Tem o Oxé que é o machado

12
Denominação genérica de atabaque. Nome dado, por alguns, ao rum,
atabaque maior dos candomblés (Idem, Ibidem, p.145).

87
duplo que é justamente a justiça, e as duas vertentes da justiça”
(entrevista: 11/03/2008).
Sobre as divindades caracterizadas dentro da constelação
uraniana Mircea Eliade os define como, “seres dotados de uma
presciência e de uma sabedoria infinita; as leis morais e
freqüentemente rituais do clã foram por eles instauradas durante a
sua breve permanência na terra; velam pela observância das leis e
todo aquele que se lhes opõe é fuminado (ELIADE, 1998, p. 39).
Deste modo, Xangô está dentro desta constelação de
imagens uranianas, que fazem parte o deus grego Zeus, e nórdico
Thor. No exercício mitocrítico, identificamos os seguintes
núcleos mitêmicos:

MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES

Símbolos Cenários/ Conjunto. de


Lugares Situações

1 - Xangô Coroa; Machado Reino de Xangô derrota


Rei duplo; Branco Oió seu irmão e é
Coroado

2 - Xangô Fogo; Pedra; Palácio Xangô julga os


Juiz Raio; Trovão ladrões de seu
reino

3 - Xangô Fogo; Vermelho Casa de Xangô conquista


Amante Ogum Oiá

Adaptado de: Durand, Gilbert. Mito, Símbolo e Mitodologia. Lisboa,


Editorial Presença, 1982.

Quadro 8 – Levantamento Mitocrítico de Xangô

88
Outro elemento simbólico presente é a pedra
proveniente do raio. Os relatos falam de uma ritualização do
mito, no qual Xangô para fazer justiça lança pedras de fogo.
“Xangô faz sempre uma encenação como se ele estivesse
lançando pedras, lançando coriscos. Na dança dele, ele
demonstra sempre como se ele estivesse tirando de uma bolsa,
Alabá um negócio assim [...] ele tira de dentro da bolsa, como se
estivesse fazendo a encenação que estivesse jogando essas
pedras, que é justamente a encenação do que é o relâmpago, do
que é o fogo, é justamente isso, o corisco que tá ligado a Xangô”
(entrevista: 11/03/2008), comenta um dos meus entrevistados.
Outro elemento relacionado com Xangô é a pedra,
como símbolos de firmeza. Eliade apregoa esse caráter de firmeza
e resistência das cratofanias líticas: “antes de mais nada, a pedra
é. Ela permanece sempre igual a si própria e subsiste [...] ele (o
homem, grifo nosso) verifica assim sua rudeza, sua rudeza, seu
poder” (ELIADE, 1998, 175).
A afinidade de Xangô com a pedra é proveniente da
capacidade desta gerar o fogo. Referência encontrada nas
entrevistas: “O iporí13 de Xangô é o fogo. Outra coisa que eu não
me referi, mas que é importante falar, outra questão! Uma
ligação muito forte de xangô com as pedreiras, né! Não é a pedra
em si, mas a possibilidade dela gerar, o que? O fogo, num é!”
(entrevista: 20/06/2008).

SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Grande Rei “O homem cuja natureza procede do céu, é dotado
desta virtude que ele tira de si mesmo.
(CHEVALIER, 2007, p. 774) [...] o rei está quase

13
É a essência divina que, individualizada e desprendida do deus de origem,
habita cada um de nós. Iporí teria por sede a cabeça, o Ori, na linguagem
iorubá.

89
no limite do sacerdócio, e sua cor simbólica é [...] o
branco (Idem, Ibidem, p.775) [...] o rei é, como o
herói, o santo, o pai, o sábio, o arquétipo da
perfeição humana, e ele mobiliza todas as energias
espirituais para se realizar (Idem, Ibidem, p.776).
[...] o rei simboliza também, segundo as crenças
africanas, o detentor de toda a vida, humana e
cósmica [...] os emblemas de seu poder são o bastão
de comando, o cetro, o globo, o trono, o pálio”
(Idem, Ibidem, p.776).
“[...] o raio é uma energia explosiva não acumulada
Raio/ [...] o raio é a criação que surge do nada em estado
Relâmpago ainda caótico, ou que se anula num incêndio
apocalíptico [...] os raios simbolizam uma
emanação luminosa que se propaga a partir de um
centro (sol, santo, herói, gênio) sobre outros seres
[...] Poderá esquentar, estimular e fecundar, ou, ao
contrario, queimar, secar, esterilizar [...]” (Idem,
Ibidem, p.767).
Trovão “O trovão manifesta o poder de Jeová, e
especialmente sua justiça [...] o trovão simboliza o
comando supremo, que passou da terra para o céu
[...] entendido como um instrumento do castigo
(Idem, Ibidem, p.912) [...] Segundo Mircea Eliade,
o trovão é o atributo essencial das divindades
uranianas [...] em muitos mitos (Austrália,
América), o trovão e o relâmpago são ligados à
Grande Mãe mítica e aos primeiros heróis gêmeos
[...] o trovão abate as árvores com suas flechas, mas
que mata os seres vivos com o fogo. Essa função de
justiceiro, atribuído ao trovão, é encontrada entre
muitos povos [...]” (Idem, Ibidem, p.913).
Machado “Ele fere e corta, vivo como o relâmpago, com
duplo ruído e às vezes, soltando faísca. [...] vem associado
ao raio e, em conseqüência, à chuva. O que leva aos
símbolos da fertilidade [...] o machado de pedra é
chamado pedra-de-raio [...] é um machado que o

90
deus das águas e da fecundidade lança do céu sobre
a terra [...] o machado, sendo a arama da
tempestade, é emblema de força. Fende a casca da
árvore: é um símbolo, ai, de penetração espiritual
(até o coração do mistério) bem como um
instrumento da libertação” (Idem, Ibidem, p.576).
Pedra de “A pedra e o homem apresentam um movimento
raio/ corisco duplo de subida e de descida. As pedras não são
massas inertes; pedras vivas caídas do céu, elas
continuam tendo vida depois da queda. O caso da
pedra de raio é símbolo do próprio raio e, portanto
da atividade celeste, não de sua presença ou do seu
efeito (no mesmo sentido, machado de pedra de
Parashu-Rama e o martelo de pedra de Thor)”
(Idem, Ibidem, p.696).
Vermelho “[...] símbolo fundamental do principio de vida,
com sua força, seu poder e seu brilho, o vermelho,
cor do fogo e do sangue, possui a mesma
ambivalência simbólicas destes últimos. O
vermelho-claro, brilhante, centrifugo, é diurno,
macho, tônico, incitando a ação [...] o vermelho
escuro, bem ao contrario, é noturno, fêmea, secreto
e, em última análise, centrípeto, representa não a
expressão, mas o mistério da vida” (Idem, Ibidem,
p.944).
Branco “Assim como o negro, sua contracor, o branco pode
situar-se nas duas extremidades da gama cromática
[...] ele significa ora a ausência, ora a soma das
cores [...] é uma cor de passagem, no sentido a que
nos referimos ao falar dos ritos de passagem”
(Idem, Ibidem, p.141).
Coroa “[...] separa o terrestre do celestial, o humano do
divino. A coroa é uma promessa de vida imortal [...]
a palavra “coroa” é originalmente, muito próxima
da palavra corno e exprime a mesma idéia: a de
elevação, poder, iluminação Uma e outra se elevam
acima da cabeça e são insígnias do poder e da luz”

91
(Idem, Ibidem, p.289).

Quadro 9 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de


Xangô

Os símbolos encontrados como fazendo parte do


“jardim das imagens” que compõem o quadro de símbolos
encontrados nos mitos de Xangô constelam em torno do
arquétipo do grande homem. Verger atribui o arquétipo de Xangô
àquelas “[...] pessoas voluntariosas e enérgicas, altivas e
conscientes de sua importância real ou suposta. Das pessoas que
podem ser grandes senhores, corteses, mas que não toleram a
menor contradição [...]” (VERGER, 1997, p. 140).

b) Fogo

O fogo como elemento simbólico pode relacionar-se


com as três dominantes reflexas. O fogo do cozimento que
prepara a alimentação para nutrir, fogo necessário para realizar a
digestão e o fogo do acolhimento do aconchego materno, estaria
intimamente ligado à dominante digestiva. As imagens
simbólicas geradas a partir desses schèmes são a da descida, do
acocoramento e do engolimento.
Já o fogo da guerra, da luta e da purificação é o fogo que
faz a justiça sem ver a quem, por outro lado, liga-se à dominante
postural geradora das imagens de verticalidade e divisão tanto
material como visual. E por fim, o fogo sexual, gerado a partir do
ritmo de fricção, causador das imagens simbólicas do cíclico e da
rítmica sexual.
O choque entre as pedras, símbolos do orixá Xangô,
lançadas por ele do céu produz faísca, uma imagem mítica que
nos remete para as imagens simbólicas do fogo.

92
O fogo é, portanto, um fenômeno privilegiado
que pode explicar tudo. [...] Entre todos os
fenômenos, é ele realmente o único que pode
aceitar as duas valorizações opostas: o bem e o
mal. Brilha no Paraíso. Arde no Inferno. É doçura
e tortura. É cozinha e apocalipse.
(BACHELARD, 1938, p. 21).

O fogo consome, ilumina, aquece, mas também pode


trazer morte e dor, pode ainda representar iluminação espiritual,
sexualidade, fertilidade, nascimento e ressurreição. O simbolismo
do fogo liga-se, segundo Jung, às transformações, pois está ligado
às emoções; para Freud ele é a expressão da libido,
particularmente dos impulsos sexuais ligados aos amores e
paixões proibidas. E para Durand, o “[...] simbolismo do fogo
aglutina os sentidos divergentes e antinômicos do fogo
purificador. Do fogo sexual, do fogo demoníaco e infernal”
(1993, p.12).
Nas reflexões de Bachelard, o simbolismo do fogo
aparece num dos seus livros dedicados aos quatro elementos da
natureza, para ele este simbolismo existe a partir de três espécies
de fogo: 1) o fogo natural – “[...] é o fogo masculino, o principal
agente [...]” (BACHELARD, 1938, p.95); 2) o não natural – “[...]
é o fogo feminino, e o dissolvente universal, que nutre os corpos
[...]” (Idem, 1938, p. 95) e, 3) o fogo contra natureza - “[...] é
aquele que corrompe o composto e que é o primeiro a possuir o
poder de dissolver o que a natureza unira fortemente [...]” (Idem,
1938, p. 95).
A simbologia do fogo está ligada ao simbolismo solar e
à purificação, princípio que é complementar à purificação pela
águas, no entanto, distingue-se dela no aspecto da purificação
pela compreensão (CHEVALIER, 2007). As formas simbólicas
ligadas ao fogo, ou seja, “o isomorfismo do fogo aproxima-o do
isomorfismo do pássaro, símbolo uraniano” (Idem, 2007, p. 442).

93
Aspecto que podemos relacionar, ou seja, a existência de uma
homologia entre fogo e água, que se coaduna com as idéias
recorrentes em muitas religiões, do batismo pela água e o do
batismo pelo fogo.
Destarte, nosso exercício é mitocríticar as narrativas
míticas do deus Xangô, sendo este reconhecido pelo povo-de-
santo como o dono do fogo, e que segundo as narrativas orais
teria sido a divindade que ensinou o homem a como fazer o fogo
para cozinhar.

Em épocas remotas, havia um homem a quem


Olorum e Exu ensinaram todos os segredos do
mundo, para que pudesse fazer o bem e o mal,
como bem entendesse. Os deuses que
governavam o mundo, Obatalá, Xangô e Ifá,
determinaram que, por ter se tornado feiticeiro
tão poderoso, o homem deveria oferecer uma
grande festa para os deuses, mas eles estavam
fartos de comer comida crua e fria. Queriam coisa
diferente: comida quente, comida cozida. Mas
naquele tempo nenhum homem sabia fazer fogo e
muito menos cozinhar. Reconhecendo a própria
incapacidade de satisfazer os deuses, o homem
foi até a encruzilhada e pediu ajuda de Exu.
Esperou três dias e três noites sem nenhum sinal,
até que ouviu uns estalos na mata. Eram as
árvores que pareciam estar rindo dele, esfregando
seus galhos umas nas outras. Ele não gostou nada
dessa brincadeira e invocou Xangô, que o ajudou
lançando uma chuva de raios sobre as árvores.
Alguns galhos incendiaram e foram decepados e
lançados no chão, onde queimaram até restarem
só as brasas. O homem apanhou algumas brasas e
as cobriu com gravetos e abafou tudo colocando
terra por cima. Algum tempo depois, ao descobrir
o montinho, o homem viu pequenas lascas pretas.
Era carvão. O homem dispôs os pedaços de
carvão entre pedras e os acendeu com a brasa que
restara. Depois soprou até ver flamejar o fogo e

94
no fogo cozinhar os alimentos. Assim, inspirado e
protegido por xangô, o homem inventou o fogão
e pôde satisfazer as ordens dos três grandes
orixás. Os orixás comeram comidas cozidas e
gostaram muito. E permitiram ao homem comer
delas também. (PRANDI, 2001, p. 257-8).

4.2.2 – Mitocrítica das Águas e as três esposas de Xangô

Nesta seção apresentaremos as características


simbólicas das três mulheres de Xangô e suas interconexões com
o elemento água, que se mostra multifacetado. Das águas calmas
as águas revoltas. A mesma água que é símbolo de fertilidade e
nutrição, também pode ser símbolo de destruição e revolta. As
águas guardem em si uma semântica bivalente, aspecto que
podemos perceber transpassando a construção da narrativa mítica
referentes às três divindades femininas que trata a seção.

a) Oiá-Iansã

Dentro dos cultos Afro-Brasileiros, Oiá é muito mais


conhecida como o nome de Iansã, a mãe dos nove filhos,
qualificação justificada pelo relato mítico onde encontraremos a
seguinte narrativa:

Oía desejava ter filhos, mas não podia conceber.


Oiá foi consultar um babalaô e ele mandou que
ela fizesse um ebó. Ela deveria oferecer um
carneiro, um aguntã14, muitos búzios e muitas
roupas coloridas. Oiá faz o sacrifio e teve nove
filhos. Quando ela passava, indo em direção ao
mercado, o povo diziz: “Lá vai Iansã”. Lá ai
Iansã, quer quer dizer mãe nove vezes. E lá ia ela
orgulhosa ao mercado vender azeite-de-dendê.

14
Ovelha, animal votivo de Yemanjá em alguns candomblés (CACCIATORE,
Ibidem, p.43).

95
Oiá não podia ter filhos, mas teve nove, depois de
sacrificar um carneiro. E em sinal de respeito, por
ter o pedido atendido, Iansã, a mãe dos nove
filhos, nunca mais comeu carneiro. (PRANDI,
2001, p. 294-295).

Oiá, das três esposas de Xangô é a que mais se


aproxima dele simbolicamente. Além disso, conjuga em si três
elementos: o fogo, a água e o ar. Pelo fogo se aproxima de seu
esposo Xangô, lembrando as imagens do fogo da sexualidade e
da guerra. O mito conta que, inicialmente, Iansã não dominava o
fogo, este pertencia apenas a Xangô que pediu a ela que fosse
buscar um feitiço.

Um dia Oiá foi enviada por Xangô às terrras dos


baribas. De lá traria uma poção mágica, cuja
ingestão permitia cuspir fogo pela boca e nariz.
Oía, sempre curiosa, usou também a fómula, e
desde então passiu o mesmo poder de seu marido.
(Idem, Ibidem, p.308).

Oiá liga-se ao elemento água, princípio feminino e


materno das Iabás – as senhoras das águas, orixás femininos -
através das chuvas, das tempestades e também pelas águas dos
rios, pois, em África Iansã é associada ao rio Níger. Esta relação
foi mencionada por um dos meus entrevistados: “[...] toda Iabá
em si encera-se na água. Toda Iabá ela rege a água. Porque Iabá
é o orixá feminino, todo orixá feminino ele está ligado à
gestação, à fertilidade, à maternidade, e a água é vida, a água é
o elemento que predomina em toda vida do mundo [...]”
(entrevista: 11/03/2008).
O outro elemento é o ar, princípio que evoca o
movimento constante, ligado à divindade Oiá pela sua autonomia
e impetuosidade. A esse repeito vamos encontrar a seguinte
consideração: “É Oiá-Iansã por si só ela já é guerreira, Oiá é os
simbolos [...] algumas se vestem de vermelho outras se vestem de

96
branco. Oiá, ela é o tufão ele é o vendaval, Oiá ela tem a espada;
os elementos de Oiá são feitos de cobre, que é um condutor de
energia, ela está ligada justamente à tempestade, ao raio, a essas
questões, ao vento” (entrevista: 11/02/2008).
É inegável a relação de Oiá com os símbolos da luta.
Estamos sempre encontrando, entre os filhos-de-santo, a idéia de
que Oiá é orixá guerreiro, atributo que faz desaparecer outras
características como a maternidade. Sua coragem é sempre
motivo de exaltação entre os filhos dedicados a esta divindade.
Um exemplo dessa coragem fica patente quando a comunidade
fala de sua relação com Egúngun15.
Na foto que segue podemos visualizar Oiá-Iansã com
seus instrumentos cerimoniais, a espada e o iruexim16 com que
domina os eguns. A respeito de Iansã e sua ligação com os eguns
e o número nove, comenta um de nossos informantes: “ela é uma
mulher que se preocupou a vida inteira em criar seus noves

15
Espíritos, almas dos mortos ancestrais que voltam à Terra em determinadas
cerimônias rituais. O único orixá que aparece nesse culto aos mortos, pois não
os teme, antes os domina, é Iansã, chamada, nesse caso, “Iansã de Bale” ou
“Rainha de Bale” [...] (CACCIATORE, Ibidem, p. 108).
16
Instrumento simbólico de hierarquia, usado na África pelos reis, príncipes,
chefes [...] Iansã usa instrumento igual, porém de rabo de cavalo, chamado de
então iruexim. Símbolo de poder [...] uma espécie de chibata cerimonial
utilizado por Iansã [...] a qual ela fustiga os eguns. (Idem, Ibidem, p. 151).

97
filhos. Por isso se dá o odú17 de Iansã por nove. Ela se tornou
nove eguns, que são muito importantes na vida espiritual da
gente” (entrevista: 30/08/2008).

17
Sinal indicando o tipo de queda do colar de Ifá ou dos búzios com os quais
se faz a adivinhação. 2. São considerados filhos de Ifá, nasceram uns após os
outros, e os mais velhos são tidos, por isso como mais fortes que os mais
jovens [...] 1- Ogbê-meji; 2- Oiecu-meji; 3-Iourim-meji; 4- Odi-meji; 5-
Irossum-meji; 6- Ouorim-meji; 7- Obará-meji; 8- Ocanrã-meji; 10- Ossá-meji;
11- Icá-meji; 12- Oturopon-meji; 13- Oturá-meji; 14- Iretê-meji; 15- Oxé-meji;
16- Ofum-meji, todos referentes ao jogo no Opelê. Em se tratando do jogo com
de búzios de Exu o edilogum temos a seguinte ordem: 1 aberto e 15 fechados =
Ocanuã: Exu fala; 2 abertos e 14 fechados = Ejiocô: os Ibêjis falam; 3 abertos
e 13 faichados = Etaogundá: Ogum fala; 4 abertos e 12 fechados = Irossum:
Xangô fala; 5 abertos e 11 fechados = Oxé: Iemanjá e Ogum falam, 6 abertos e
10 fechados = Obará: Iansã fala; 7 abertos e 9 fechados = Odi: Exu fala; 8
abertos e 8 fechados = Ejionilê: Oxalá fala; 9 abertos e 7 fechados = Ossá:
Iemanjá fala; 10 abertos e 6 fechados = Ofum: Oxalá fala; 11 abertos e 5
fechados = Ouorim: Exu fala; 12 abertos e 4 fechados = Ejila Xeborá: Xangô
fala; 13 abertos e 3 fechados = Eji Ologum: Obetegunda fala; 14 abertos 2
fechados = Icá: Oxumaré fala; 15 abertos 1 fechado: Obatalá fala e 16 abertos
ou 16 fechados: a jogada é nula, é preciso recomeçar.

98
Foto 12: Oiá-Iansã. VERGER: 1997, p. 173
– foto 139

Oiá-Iansã Igbalè ou Iansã de balé, segundo os filhos-de-


santo, é a responsável pelo culto aos mortos. Em suas
manifestações, vistas nos rituiais dedicagos a Egungun, ela dança
como se expulsando as almas errantes (VERGER, 1997).
Encontramos também a explicação dessa afinidade de Oiá com
Egungun a partir da idéia de maternidade, ela seria sua mãe, e
devido a isso, no culto a egungun a presença de Iansã Igbalé é
imprescindível.

Oiá não podia ter filhos. Procurou o conselho de


um babalaô. Ele revelou-lhe que somente teria
filhos quando fosse possuída por um homem com
violência. Um dia Xangô a possuiu assim e dessa
relação Oiá teve nove filhos. Desses filhos, oito
nasceram mudos. Oiá procurou novamente o
babalaô. Ele recomendou que ela fizesse
oferendas. Tempos depois nasceu um filho que

99
não era mudo, mas tinha uma voz estranha, rouca,
profunda, cavernosa. Esse filho foi Egungun, o
antepassado que fundou cada família. Foi
Egungun, o ancestral que fundou cada cidade.
Hoje, quando Egungun volta para dançar entre
seus descendentes, usando suas máscaras e
roupas coloridas, somente diante de uma mulher
ele se curva. Somente diante de Oiá se curva
Egungun. (PRANDI, 2001, p. 309).

Outra explicação está no mito que narra o momento em


que Obaluaê dá de presente o reino dos mortos a Oiá.

Certa vez houve uma festa com todas as


divindades presentes. Omolu-Obaluaê chegou
vestindo seu capuz de palha. Ninguém o podia
reconhecer sob o disfarce e nenhuma mulher quis
dançar com ele. Só Oiá, corajosa, atirou-se na
dança com o senhor da Terra. Tanto girava Oiá na
sua dança que provocava o vento. E o vento de
Oiá levantou as palhas e descobriu o corpo de
Obaluaê. Para surpresa geral, era um belo
homem. O povo o aclamou por sua beleza.
Obaluaê ficou mais que contente com a festa,
ficou grato. E, em recompensa, dividiu com ela
seu reino. Rainha que Oiá Igbalè, a condutora dos
eguns. Oiá então dançou e dançou de alegria.
Para mostar todo seu poder sobre os mortos,
quando ela dança agora, agita no ar o irruquerê18,
o espanta-mosca com que afasta os eguns para o
outro mundo. Rainha Oiá Igbalè, a condutora dos
espiritos. Rainha que foi sempre a grande paixão
de Omolu. (Idem, Ibidem, p.308).

Segundo os relatos orais coletados e os já catalogados


por pesquisadores das religiões afro-brasileiras, Oiá-Iansã é a

18
O mesmo que iruexim.

100
primeira esposa da divindade Xangô, que a seduziu com seu
garbo e a conquistou de Ogum o ferreiro, fato que segundo os
filhos-de-santo vem justificar as disputas que muitas vezes
acontece entre os filhos de Xangô e os de Ogum dentro dos
terreiros.
Outro tema a ser lembrado, é a relação de Oiá-Iansã
com o elemento água, aspectos de extrema relevância para minha
pesquisa, pois em grande parte, na caracterização dessa deusa
encontramos os ventos como elemento central, mas como já nos
referimos todas as iabás estão ligadas ao elemento água, e no caso
de Oiá seu nome provém da idéia de espalhar as águas.

Quanto [...] ao nome Oyá, há uma lenda que faz


alusão a sua origem [...] nela se conta como a
cidade chamada Ipô estava ameaçada de
destruição invadida pelos guerreiros Tapás. Para
preservá-la foi feita uma oferenda das roupas do
rei dos Ipôs [...] este prestigioso traje foi rasgado
(ya) em dois para sevir de almofada, de apoio às
cabaças de oferendas. Apareceu então
misteriosamente, uma água que se espalhou (ya)
inundando os arredores da cidade e afogando os
agressores [...] quando os habitantes de Ipô
prucuraram um nome para este rio que surgiu e se
espalhou, ya, quando as roupas foram ragadas,
ya, deciriram chamá-lo Odó Oya. (VERGER,
1997, p.169).

Num contexto geral, Oiá-Iansã seria a divindade das


águas que se espalham com os ventos e trazem em sim a fúria do
fogo, dando origem às tempestades violentas que não pedem
licença para passar. Um dos meus informantes relata que Oiá-
Iansã: “realmente representa a deusa do fogo também, que ela foi
mulher de Xangô, e ela gosta muito de fogo, ela adora comida
seca. Também comida azeda como Xangô gosta, umas comidas

101
que Xangô gosta ela gosta. E ela traz uma força do corisco, do
trovão, a chuva. Ela é que domina aquela parte todinha, aqueles
raios, aquelas coisas, está muito entre ela e Xangô!
Nessa parte eles se comunicam muito, principalmente Iansã que
ela é quem [...] aquela focalização de cima, aquilo ali é ela que
traz. Por sinal a ferramenta dela é uma espada como um corisco,
ela é assim [...] ela não é reta, ela é assim. O corisco quando
você vê, quando ele desce, ele é assim [...] trazendo um S. É por
isso que ela adora trovejar e relampear, aquilo ali é festa dela”
(entrevista: 27/03/2008).

SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Espada Em primeiro lugar, a espada é símbolo do estádio
militar e de sua virtude, a bravura, bem como de
sua função, o poderio. A espada é também a luz e
o relâmpago. A espada, além de ser o relâmpago é
o fogo é também um raio do sol. (CHEVALIER,
2007, p. 392).
Raio/ “[...] o raio é uma energia explosiva não
Relâmpago acumulada [...] o raio é a criação que surge do
nada em estado ainda caótico, ou que se anula
num incêndio apocalíptico [...] os raios
simbolizam uma emanação luminosa que se
propaga a partir de um centro (sol, santo, herói,
gênio) sobre outros seres [...] Poderá esquentar,
estimular e fecundar, ou, ao contrario, queimar,
secar, esterilizar [...]” (Idem, Ibidem, p.767).
A cor vermelha Vermelho: “[...] símbolo fundamental do principio
de vida, com sua força, seu poder e seu brilho, o
vermelho, cor do fogo e do sangue, possui a
mesma ambivalência simbólica destes últimos. O
vermelho-claro, brilhante, centrifugo, é diurno,
macho, tônico, incitando a ação [...] o vermelho
escuro, bem ao contrario, é noturno, fêmea,
secreto e, em última análise, centrípeto, representa

102
não a expressão, mas o mistério da vida” (Idem,
Ibidem, p 944).

Chicote “Símbolo do poder judiciário e de seu direito de


infligir castigos. Em geral, o chicote é um símbolo
do raio. Tal como o raio, o látego é um símbolo de
energia criadora” (Idem, Ibidem, p.233).
Coroa “[...] separa o terrestre do celestial, o humano do
divino. A coroa é uma promessa de vida imortal
[...] a palavra “coroa” é originalmente, muito
próxima da palavra corno e exprime a mesma
idéia: a de elevação, poder, iluminação Uma e
outra se elevam acima da cabeça e são insígnias do
poder e da luz” (Idem, Ibidem, p.289).
Búfalo “[...] o búfalo, precioso auxiliar do homem [...] o
búfalo é mais rústico, mais pesado mais selvagem
[...] no Tibete o espírito da morte tem cabeça de
búfalo” (Idem, Ibidem, p.137).
Túmulo “Como um monte de proporções pequenas ou
elevando-se em direção ao céu como uma
pirâmide, o túmulo lembra o simbolismo da
montanha. Cada túmulo é uma réplica modesta
dos montes sagrados, reservatórios, da vida. C.G.
Jung associa o túmulo ao arquétipo feminino,
como tudo o que envolve ou enlaça. É o lugar da
segurança, do nascimento, do crescimento, da
doçura, o túmulo é o lugar da metamorfose do
corpo em espírito [...]” (Idem, Ibidem, p.915).
Chifre “O chifre tem o sentido de eminência, de elevação.
Seu simbolismo é o do poder” (Idem, Ibidem,
p.233).
Quadro 11 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de
Oiá-Iansã.

103
A partir dessa caracterização posso identificar os
seguintes mitemas e núcleos redundantes nos mitos referentes a
Oiá-Iansã.
Os núcleos redundantes presentes nos relatos a cerca de
Oiá-Iansã, temos os símbolos expostos no quadro mitocrítico. Os
elementos simbólicos mais recorrentes são: a espada, o vendaval,
a tempestade, o raio, o fogo, a cor vermelha, o chicote, o
cemitério, a cabra, a coroa, o número nove, a água e o búfalo.
Todos esses símbolos constelam em torno de um núcleo
arquetipal, o feminino noturno de mulher fatal. A partir do
dicionário de símbolos, podemos identificar algumas
significações para estes elementos simbólicos e contextualizá-los
dentro da dinâmica afro-brasileira.
Podemos concluir que os mitos de Oiá-Iansã ligam-se
tanto aos símbolos da divisão representados pela sua espada
como também aos símbolos da intimidade através do túmulo e do
cemitério. Oiá é a senhora dos mortos e a morte é vista como o
retorno ao berço; os eguns como espíritos dos mortos ancestrais,
ou seja, a morte se torna um retorno ao lar.
Na leitura de Verger “o arquétipo de Oiá-Iansã é o das
mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias [...]” (VERGER,
1997, p. 170). Mas vamos perceber também nesta mulher forte a
partir das entrevistas que sua grande preocupação é a
sobrevivência dos seus nove filhos: “[...] ela nunca se curvou aos
homens. Também porque ela sempre achou que tinha que ser
uma mulher autoritária e que não deveria estar debaixo dos pés
de homem nenhum. Ela queria viver para cuidar de seus filhos.
então ela deixava essas crianças e sai pelo mundo afora para
procurar o alimento e trazer para eles [...]” (entrevista:
30/08/2008).

104
b) Oxum

A divindade Oxum correntemente associa-se ao


elemento água. O domínio de Oxum, no entanto não é qualquer
água. Os rios, córregos e lagos são concebidos da matéria
emanada da divindade, as águas doces que se associam às águas
claras, primaveris.
Nos terreiros de candomblé e umbanda por todo Brasil,
ela “representa a grande mãe ancestral que rege a fertilidade das
mulheres, não apenas na dimensão da gestação, mas também em
termos de abundância, riqueza e prosperidade” (LIMA, 2007, p.
27). Sua ligação com a fertilidade, segundo os adeptos dos cultos
aos orixás no Brasil, lhe dá a responsabilidade sobre o parto e a
criança, aspectos que é retratado em músicas populares.

Nessa cidade todo mundo é d'oxum/ homem,


menino, menina, mulher/ toda essa gente irradia
magia/ presente na água doce presente n'água
salgada/ e toda cidade brilha/ seja tenente ou filho
de pescador/ ou importante desembargador/ se
der presente é Tudo uma coisa só/ a força que
mora n'água/ não faz distinção de cor/ e toda a
cidade é d'oxum/ é d'oxum, é d'oxum, é d'oxum/
eu vou navegar,/ eu vou navegar/ nas ondas do
mar,/ eu vou navegar/ é d'oxum, é d'oxum (É
d’Oxum, Gerônimo / Vevé Calazans).

A conexão desta divindade do panteão afro-brasileiro


com o parto e o útero, miticamente oponta para a cabaça, símbolo
de fertilidade entre muitos povos.
As representações simbólicas assumidas pela cabaça,
entre algumas etnias africanas está associada a este aspecto
feminino. Entre os Bambaras, por exemplo, povos que vivem no
oeste da África, principalmente no Mali mas também na Guiné e
no Senegal, a cabaça é o “simbolo do ovo cósmico, da gestação,
do útero em que se elabora a vida manifestada. Os Bambaras

105
chamam ao cordão umbilical a corda da cabaça [...]”
(CHEVALIER, 2007, p.151).
A imagem de Caribé traz essa dimensão de Oxum como
guardião do parto. As mães estariam confortavelmente ninadas
junto com seus bebês pelo movimento das águas.

Fig. 2: Oxum. CARIBÉ


apud VERGER: 1992, p. 43.

A respeito da ligação de Oxum com a fertilidade das


mulheres vamos encontrar nos relatos orais várias passagens que
indicam essa unicidade da personagem-deusa. Para um de nossos
oralistas a essência maior de Oxum é maternidade: “ a essência
da água de Oxum vai tá a onde? No ventre, na gestação, será que
é facil você entender isso. A essência, ta o maior fundamento de
Oxum [...] a essência do poder de Oxum está no ventre, na
gestação, alí já. A criança é gerada no liquido. E isso vai muito
fundo [...]” (entrevista: 20/06/2008).

106
Conta o mito que:

Logo que o mundo foi criado, todos os orixás


vieram para Terra e começaram a tomar decisões
e dividir encargos entre eles, em conciliábulos
nos quais somente os homens poderiam
participar. Oxum não se conformou com essa
situação. Ressentida pela exclusão, ela vingou-se
dos orixás masculinos. Condenou todas as
mulheres à esterilidade, de sorte que qualquer
iniciativa masculina no sentido da fertilidade era
fadada ao fracasso. Por isso, os homens foram
consultar Olodumare. Estavam, muito alardeados
e não sabiam o que fazer sem filhos para criar,
nem herdeiros para quem deixar suas posses, sem
novos braços para criar novas riquezas e fazer as
guerras e sem descendentes para não deixar
morrer suas memórias. Olodumare soube, então,
que Oxum fora excluída das reuniões. Ele
aconselhou os orixás a convidá-la, e às outras
mulheres, pois sem Oxum e seu poder sobre a
fecundidade nada poderia ir adiante. Os orixás
seguiram os sábios conselhos de Olodumare e
assim suas iniciativas voltaram a ter sucesso. As
mulheres tornaram a gerar filhos e a vida na Terra
prosperou. (PRANDI, 2001, p. 345).

Na maioria dos relatos, Oxum está relacionada à


docilidade feminina, mas em alguns mitos vamos encontrá-la
associada a símbolos da guerra. Oxum deixa o espelho e
empunha a espada. Para os filhos-de-santo, essa “qualidade”
assumida pela deusa tem relação com seu antigo marido o
guerreiro Ogum.
A seguir vejamos como fica a organização dos
elementos simbólicos de Oxum, no quadro a seguir.

107
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES

Símbolos Cenários/ Conjuntos.


Lugares de Situações
1 – Oxum Ventre Palácio de Oyó Oxum cria
Mãe Água os filhos de
Iansã
2 – Oxum Espelho Cachoeiras Oxum limpa
Vaidosa Amarelo seus colares
de ouro
3 – Oxum Ouro Encruzilhada Oxum deita-
Amante/ Amarelo se com Exu
sedutora Água para
aprender o
jogo de
Búzios
4 – Oxum Espada A casa de Ogum Oxum vai à
Guerreira Cachoeira guerra

Adaptado de: Durand, Gilbert. Mito, Símbolo e Mitodologia. Lisboa,


Editora Presença, 1982.
Quadro 12 – Levantamento Mitocrítico de Oxum

Temos em linhas gerais, uma simbologia ligada às


imagens de inversão: a simbólica da mater, presentes nos mitos
das Grandes Mães. As divindades que apresentam uma
constelação de imagens ligadas a esta simbologia apresentam as
Grandes Mães com grandes cabelos como que representando os
movimentos das águas. Há um “[...] simbolismo oscilando entre o
aquático e o telúrico, confundindo as virtudes aquáticas e as
terrestres” (PITTA, 2005, p. 31).
Conta o mito que Xangô adora estar com Oxum nas
horas de descanso. As águas de Oxum aplacam a cólera do fogo

108
de Xangô. Podemos indicar que existe uma relação de aconchego
entre a água e o fogo.

SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Mãe “O simbolismo da Mãe está ligado ao do mar, na
medida em que eles são ambos, receptáculos e
matrizes da vida [...] Encontra-se nesse símbolo
da mãe a mesma ambivalência que nos da terra e
do mar: a vida e a morte são correlatas. A mãe é
a segurança do abrigo, do calor, da ternura e da
alimentação” (CHEVALIER, 2007, p. 580).
Ouro “O ouro é o metal perfeito. Seria o produto da
gestação lenta de um embrião, ou da
transformação, do aperfeiçoamento de metais
vulgares. É o filho dos desejos da natureza. O
ouro é em geral símbolo do conhecimento”
(Idem, Ibidem, p.669).
Amarelo “O amarelo é a mais quente, mais expansiva, a
mais ardente das cores [...] O amarelo é a cor da
terra fértil [...] o amarelo se detém sobre esta
terra, a meio caminho entre o muito alto e o
muito baixo [...] O amarelo está ligado ao
adultério, quando se desfazem os laços sagrados
do casamento” (Idem, Ibidem, pp.40-1).
Cachoeira “A cascata é o símbolo da impermanência oposto
ao da imutabilidade. Embora, como entidade, a
cachoeira permaneça, ela não é, entretanto,
jamais a mesma [...] esse símbolo é também o da
permanência da forma, apesar da mutação da
matéria” (Idem, Ibidem, p. 160).
Espelho “[...] o espelho é do mesmo modo relacionado
com a revelação da verdade e não menos com a
purificação [...] O espelho, do mesmo modo que
a superfície da água é utilizado para a
adivinhação” (Idem, Ibidem, p. 394-5).

109
Espada “Em primeiro lugar, a espada é símbolo do
estádio militar e de sua virtude, a bravura, bem
como de sua função, o poderio. A espada é
também a luz e o relâmpago. A espada, além de
ser o relâmpago é o fogo é também um raio do
sol” (Idem, Ibidem, p. 392).
Quadro 13 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de
Oxum

O simbolismo de Oxum em linhas gerais liga-se a


imagem arquetípica da grande mãe nutridora que acolhe os filhos.
Seriam segundo Verger, o arquétipo “[...] das mulheres graciosas
e elegantes, com paixão pelas jóias [...]” (VERGER, 1997, p.
176). No entanto, esta mesma mulher símbolo da graciosidade
também troca seu espelho pela espada, como nos referimos
anteriormente, simbolizando a luta.

c) Obá

Diferentemente de Xangô, Oiá-Iansã e Oxum que são


divindades do panteão afro-brasileiro mais conhecidas pelos
pesquisadores, haja vista, seus cultos no Brasil serem mais
difundidos, a deusa Obá – a amazona belicosa – quase não é
cultuada. Esse fato representou em nossa pesquisa uma
dificuldade: encontrar em João Pessoa relatos a respeito de Obá.
Portanto, as referências feitas a este orixá foram encontradas em
menor proporção.
Obá, a exemplo de Oxum e Oiá, também é uma
divindade das águas. Foi a terceira mulher de Xangô. Uma
característica marcante desta divindade é o seu caráter enérgico,
tendo uma estrutura física mais forte que muitos orixás
masculinos (VERGER, 1997). Nos mitos, Obá aparece como
“[...] uma mulher vigorosa e cheia de coragem. [...] Mas ela não
temia ninguém no mundo. Seu maior prazer era a luta. Seu vigor

110
era tal que escolheu a luta e o pugilato como profissão”
(VERGER, 1992, p. 47).
Seu vigor e sua força foram vencidos pela astúcia de
Oxum. Obá querendo agradar seu marido, vai perguntar a Oxum
o porque ele fica boa patir de seu tempo com ela. Oxum então lhe
responde: porque sou uma boa cosinheira. Faço um preparado
com orelha, que posso lhe ensinar. Então Obá aprende a receita
de Oxum, e prepara uma sopa com sua orelha esquerda.Mas
Xangô nada nada dessa idéia. A velha Obá cairá no truque da
jovem Oxum. Essa passagem mitica vem justificar o por que as
filhas de Obá quando recebem a sua divindade levan a mão a
orelha esquerda, ritualizando a narrativa. Na foto apresentada por
Prandi (2001) visualizamos esta retualização.

Foto 13: Obá. PRANDI,


2001. foto 19

111
Seu caráter destemido a faz assumir o papel de mulher
de temperamento apaixonado e irascível. Obá tem o dom de se
disfarçar e, de acordo com o humor do momento, assume a
aparência de uma mulher idosa, ranzinza e implicante, ou o
aspecto de uma amazona guerreira, destemida e belicosa
(MARTINS, 2002). Figura como líder de uma importante
coletividade de mulheres, a sociedade Elecô, “[...] que é formada
por guerreiras feiticeiras ambidestras que não têm os polegares.
Esta maçonaria reúne as mulheres guerreiras [...] as guerreiras,
membro da sociedade, manejam quaisquer armas [...]” (idem,
Ibidem, p.79).
Dentro dos discursos dos adeptos, Obá e Xangô formam
o par da justiça. Para o povo de santo, ela é a imagem do ser justo
a exemplo de seu marido Xangô, e ambos abominam quaisquer
tipos de injustiça. Esta relação de Obá com os elementos da
guerra e da justiça sinalizam para uma constelação de imagens
que valoriza os símbolos de potência.
As representações míticas de Obá estão ligadas às águas
revoltas. As oferendas dessa divindade devem ser levadas para o
encontro do rio com o mar, ato reiterado por um de nossos
entrevistados: “Obá está ligada às águas revoltas, os rios de
águas revoltadas, ao fenômeno da pororoca. Diz-se que ela está
ligada a tudo que é revolta [...]” (entrevista:11/03/2008).
Alguns elementos simbólicos aparecem nas narrativas a
respeito de Obá. A constelação destes símbolos ocorre em torno
do arquétipo da mulher guerreira. A que faz da luta o objeto de
seu desejo, conforme se descreve no quadro abaixo:

112
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES

Símbolos Cenários/ Conjunto de


Lugares Situações
1 – Obá Escudo Pedreira Obá luta com
Guerreira Espada Ogum
Cobre
Águas revoltas

2 – Obá Pato Castelo Obá faz comida


Esposa Cabra pra seu marido
Orelha Xangô

Adaptado de: Durand, Gilbert. Mito, Símbolo e Mitodologia. Lisboa, Editorial


Presença, 1982.
Quadro 14 – Levantamento Mitocrítico de Obá

Para as narrativas sobre Obá os símbolos mais


recorrentes são a espada, o escudo, as águas revoltas e o metal
cobre. Todas estas representações simbólicas apontam para o que
Durand vai chamar de símbolos da divisão ou diairéticos, trata-se
da separação pelo corte da espada, ela mesma teve a sua orelha
decepada, auto-decepada.
Os elementos mais presentes na construção do tipo
mítico da divindade Obá são símbolos de poder: a espada e o
escudo. Até mesmo a água que está associada à maternidade, no
caso de Obá, ganha o qualificativo de revolto, as águas
indomáveis que suscitam “os reflexos de defesa [...], os reflexos
que o homem prepara, burila, mantém em alerta, são atos que
defendem atacando. São constantemente dinamizados por um

113
querer-atacar” (BACHELARD, 1998, p. 167). Obá seria as águas
estéreis, ela é masculinizada.
Deste modo, o mitema de Obá como esposa e mulher do
lar é abafado pelo mitema que apresenta Obá como a guerreira.
Temos desta forma a supressão dos elementos noturnos da
intimidade e do aconchego materno, pois nas narrativas ela
aparece como uma divindade estéril. Uma representação ligada à
esterilidade de Obá e sua sexualidade feminina diluída, está no
mito em que Oxum a engana e a faz cortar sua própria orelha,
símbolo da sexualidade para os povos Dogons e os Bambaras
(CHEVALIER, 2007).

SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Escudo “O escudo (broquel) é o símbolo da arma passiva,
defensiva, protetora, embora às vezes possa ser
também, mortal. Efetivamente, o escudo é em muitos
casos uma representação do universo, como se o
guerreiro a usá-lo opusesse o cosmo ao seu
adversário [...]” (CHEVALIER, 2007, p. 387).
Cobre “Representa fundamentalmente o elemento água,
principio vital de todas as coisas; mas também a luz
que irradia [...] sendo símbolo da água, o cobre
vermelho o é, também, da vegetação [...] os raios
solares, acobreados, são os caminhos da água [...] o
Cobre vem do quinto céu, o céu vermelho, terra do
sangue, do fogo, da guerra e da justiça divina” (Idem,
Ibidem, p.261).
Orelha “[...] as orelhas longas, são sinal de sabedoria e
imortalidade [...] Na África, a orelha simboliza
sempre a animalidade. Para os Dogons e os Bambaras
do Mali, a orelha é um duplo símbolo sexual: o
pavilhão representando um pênis, e o conduto
auditivo, uma vagina [...]” (Idem, Ibidem, p.661).
Quadro 15 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de
Obá

114
Os símbolos apresentados no quadro se apresentam
como participantes do núcleo arquetipal da guerra, do herói ou
heroína que luta pelo prazer da luta. Temos uma composição
arquetípica “das mulheres valorosas e incompreendidas. Suas
tendências um pouco viris fazem-nas freqüentemente voltar-se
para o feminino ativo” (VERGER, 1997, p. 186).
d) As águas

A água, como se diz nos antigos livros de


química, ‘tempera os outros elementos’.
Destruindo a secura – a obra do fogo – ela
é vencedora do fogo; tira do fogo uma
paciente desforra; aplaca o fogo; em nós,
ela abranda a febre. Mas que o martelo, ela
aniquila as terras, amolece as substancias.
(BACHELARD, 1998, p. 109).

As imagens simbólicas relacionadas à água comumente


aglutinam-se em torno do significado de emoções e sensibilidade.
A água representa amplamente características, qualidades e traços
do feminino, está associada ao nascimento, fertilidade, nutrição e
pureza. Sobre este aspecto, Bachelard afirma que “quando
tivermos compreendido que toda combinação dos elementos
materiais é, para o inconsciente, um casamento poderemos
perceber o caráter quase sempre feminino atribuído à água pela
imaginação ingênua e pela imaginação poética” (BACHELARD,
1998, p. 15).
Sobre as águas e suas muitas formas de SER, Bachelard
vai classificá-las em: 1) As águas claras, primaveris, correntes e
as águas amorosas; 2) As águas profundas, dormentes, mortas e
as águas pesadas; 3) as águas compostas.
O simbolismo da água liga-se também aos símbolos
narcísicos, o espelho das águas tem a utilidade de naturalizar a
nossa imagem, “[...] para devolver um pouco de inocência e de
naturalidade ao orgulho da nossa contemplação íntima”

115
(BACHELARD, 1998, p. 23). O espelho de Oxum representa este
refletir das águas. As águas dos rios evocam, segundo Bachelard,
a nudez feminina, e conclui dizendo que: “o ser que sai da água é
um reflexo que aos poucos se materializa: é uma imagem antes de
ser um ser, é um desejo antes de ser uma imagem”
(BACHELARD, 1998, p. 36).

Portanto, diz Bachelard:

[...] a água é a senhora da linguagem fluida, da


linguagem sem brusquidão, da linguagem
contínua, continuada, da linguagem que abranda
o ritmo, que proporciona uma matéria uniforme a
ritmos diferentes. (1998, p. 193).

As águas, no complexo mítico em análise estão


associadas as três mulheres de Xangô, que evocam essas muitas
formas de SER das águas. As três personagens-deusas das águas
guardam em si essa multivalência do simbolismo aquático. Para
Mircea Eliade, o simbolismo aquático é o “princípio do
indiferenciado e do virtual, fundamento de toda a manifestação
cósmica, receptáculo de todos os germes, as águas simbolizam a
substância primordial de que nascem todas as formas [...]” (1998,
p. 153).
A partir dessa caracterização dos elementos e dos
personagens-deuses vem a pergunta: onde acontece a poética do
fogo ao encontro das águas? A relação amorosa estabelecida entre
os quatro personagens é perpassada por intrigas, ciúmes, desejos
e cumplicidades. As oposições entre as águas e o fogo se
desfazem na múltipla semântica assumida pelos deuses. As
mulheres-esposas, as águas, representam uma complementaridade
do personagem masculino. Xangô vai à busca do que lhe falta: a
docilidade e fecundidade de Oxum, a destreza e os feitiços da
líder da sociedade Gueledê, a velha e guerreira Obá, os domínios

116
sobre os mortos e a volúpia de Oiá-Iansã. E por outro lado
Xangô, o fogo complementa os personagens femininos naquilo
que lhe falta. As águas se aquecem, tornam se águas mornas.

117
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toma as espadas rútilas, guerreiro,


E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração – estranho carniceiro!

Não podes? Chama então presto o primeiro


E o mias possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pode domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.


Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem


E não pode domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

Augusto dos Anjos, Vencedor

Toda pesquisa é fruto de uma pergunta-problema e


respondê-la é o motor que move os sujeitos a pesquisar. Com este
trabalho não foi diferente, ao iniciarmos as primeiras linhas na
página dez, introduzindo o nosso tema e contextualizado-o,
tínhamos em mente a pergunta: quais símbolos e arquétipos
constelam para forjar o personagem-deus Xangô que se relaciona
com três divindades femininas, a quais tomara por esposa?
Vários aspectos foram sendo desdobrados com a
pesquisa: 1) o caráter poli-semântico das divindades chamadas de
orixás; 2) a oposição complementar entre os dois elementos da
natureza envolvidos na construção das cenas míticas; 3) a
predominância de símbolos heróicos circunstanciados por uma
condição de sobrevivência e uma mentalidade ocidental percebida
nos discursos de nossos entrevistados; 4) a presença de símbolos

118
femininos perpassando todos os mitemas através dos símbolos
constelados.
Deste modo, nossa pergunta inicial fez eclodir quatro
tipologias para o complexo mítico em questão.
A primeira tipificação evidenciada foi o caráter poli-
semântico dos orixás. Ao contrário das divindades Greco-
romanas que assumem uma Persona mais rígida e menos plástica,
os orixás apresentam-se nas narrativas míticas compostos por
uma polissemia teatral. Xangô por exemplo tem como símbolo
de virilidade o machado, símbolo do universo uraniano, com o
qual exerce sua autoridade de Juiz implacável, instrumento que
aponta para a simbólica diurna ascensional, no entanto, este
mesmo machado se interconecta com a chuva, símbolo de
fertilidade, relacionado com as imagens noturnas da nutrição.
Esse duplo ESTAR, por sua vez não causa conflitos semânticos,
mas define a mobilidade dessas divindades.
O outro aspecto é a complementaridade funcional e
semântica dos elementos água e fogo. Um fator funcional
complementar relacionado nas narrativas míticas é a simbologia
assumida pelo fogo e pela água na qualidade de instrumentos de
purificação. O fogo de Xangô purifica seu reino contra as
injustiças, as águas de Obá lavam os injustos. E a sua
complementaridade semântica é demonstrada pelos significados
integrados que estes elementos assumem no complexo mítico de
Xangô e suas três esposas, Oiá-Iansã, Oxum e Obá. Ambos os
elementos são identificados como princípios hierofânicos dos
deuses.
A terceira tipificação surge a partir da relação do texto
mítico com o contexto definido pelo trajeto antropológico afro-
brasileiro, ou seja, a predominância de símbolos assumindo um
cárter heróico dentro da caracterização dos personagens-deuses, e
deixando em estado de latência símbolos provocados pelas
dominantes reflexas da nutrição e da rítmica sexual, levanta duas
hipóteses: 1) é promovido por um imaginário ainda muito

119
presente na sociedade brasileira da escravidão, e por isso a
necessidade da defesa e da luta pela liberdade; 2) pode estar
relacionado com uma formação ocidental, ou melhor, uma
estrutural racional ocidentalizada muito presente nos discursos
dos nossos entrevistados. Feição que torna os símbolos heróicos
os elementos mais recorrentes nas falas.
Já os símbolos femininos presentes na constelação de
imagens fornecidas pelo complexo mítico em análise tende a
compor uma ação onde os personagens míticos são
impulsionados arquetipalmente pelo feminino, tema que surge
como uma hipótese emergente, ou seja, a luta desempenhada
pelos personagens no cenário mítico colocado em evidência na
relação entre Xangô e suas três esposas, deixa transparecer um
imaginário afro-brasileiro ligado as imagens da mãe que defende
seus filhos. Portanto vamos encontrar uma sincronicidade entre
os elementos heróicos e místicos.
Com essas colocações passemos a responder as
perguntas problemas que são geradas a partir da problemática
inicial: 1) dentro deste complexo mítico, que estrutura do
imaginário se mostra mais presente; 2) a partir da identificação da
predominância estrutural que dominantes reflexas podemos
identificar; 3) e a qual regime das imagens está ligado este
complexo mítico.
A respeito da predominância estrutural, podemos
apontar a estrutura sintética em sua subdivisão sintética
existencial sincrônica, onde vamos encontrar a presença de uma
simultaneidade de ação das estruturas heróica e mística. Essa
identificação parte das duas últimas tipificações, quando
identificamos a presença de elementos heróicos representados
pelos símbolos da guerra, a espada, o escudo, o machado e
elementos místicos representados pelo próprio encontro
complementar entre o fogo e água e os símbolos femininos.
A partir desta identificação consideramos que existe
uma simultaneidade das três dominantes reflexas na constituição

120
deste complexo mítico. Conclusão que se coaduna com o caráter
poli-semântico dos personagens míticos em análise. E por fim
concluímos que se trata de um corpo mítico do regime noturno
das imagens dentro de uma formatação onde o principio é fundir
e harmonizar as oposições.
Por fim gostaríamos de colocar as dificuldades
encontradas na pesquisa. A principal delas foi encontrar relatos a
respeito de Obá, uma das três esposas envolvidas na construção
do complexo mítico de Xangô. A outra foi apropriar-me dos
elementos epistemológicos da teoria do imaginário do Gilbert
Durand. Trajeto que me tomou uma boa parte de tempo, mas que
certamente me possibilitou novos questionamentos.
Concluímos tendo um caminho a percorrer em nossa
frente e, portanto as considerações aqui levantadas tornam-se
pontos de partida para novas reflexões.

121
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ZACHARIAS, José Jorge de Morais. Orí Axé, a dimensão
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125
APÊNDICE A

ROTEIRO DA ENTREVISTA

Universidade Federal da Paraíba


Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões–
Mestrado

Pesquisa: A Poética do Fogo ao encontro das Águas: símbolos e


arquétipos nos mitos de Xangô

Roteiro de Entrevista
Geral:
• Qual a relação dos Orixás com a natureza?

Xangô:
1- Quem é Xangô?
2- Como ele se veste?
3- Qual a alimentação de Xangô?
4- Como é a dança de Xangô?
5- Como é a relação de Xangô com suas três esposas?

Oxum:
6- Quem é Oxum?
7- Como ela se veste?
8- Qual a alimentação de Oxum?
9- Como é a dança de Oxum?

Oiá-Iansã:
10- Quem é Oiá-Iansã?
11- Como ela se veste?
12- Qual a alimentação de Oiá-Iansã?
13- Como é a dança de Oiá-Iansã?

126
Obá:
14- Quem é Obá?
15- Como ela se veste?
16- Qual a alimentação de Obá?
17- Como é a dança de Obá?

127
APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO

Prezado (a) Senhor (a)


Esta pesquisa é sobre mitos afro-brasileiros, intitulada: A
Poética do Fogo ao encontro das Águas: símbolos e arquétipos
nos mitos de Xangô. Está sendo desenvolvida por Wallace
Ferreira de Souza, aluno do Curso de Pós-graduação em
Ciências das religiões - Mestrado da Universidade Federal da
Paraíba, sob a orientação do Profº (a) Dr. Antonio Giovanni
Boaes Gonçalves.

O objetivo do estudo é conhecer os mitos afros


particularmente os referentes a quatro Orixás: J) Xangô; 2)
Obá; 3) Oxum; 4) Iansã- Oiá.

A finalidade deste trabalho é contribuir para fortalecer o


respeito à diversidade religiosa particularmente aos cultos afro-
brasileiros e contribuirmos com os estudos em torno da
mitologia africana e afro-brasileira.

Solicitamos a sua colaboração para entrevistá-lo (a),


como também sua autorização para apresentar os resultados deste
estudo em eventos da área de Ciências Humanas e Sociais,
publicar em revistas científicas e utilizar em nossa dissertação de
mestrado. Por ocasião da publicação dos resultados, seu nome
será mantido em sigilo se assim o desejar.

Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária


e, portanto, senhor (a) não é obrigado(a) a fornecer as
informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo
Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver

128
a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum
dano, ficando o senhor (a) livre para participar ou não.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer
esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da
pesquisa.
Diante do exposto declaro que fui devidamente
esclarecido (a) e dou o meu consentimento para participar da
pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que
receberei uma cópia desse documento.

Assinatura do Participante da Pesquisa ou Responsável Legal

Assinatura da Testemunha

Contato com o Pesquisador (a) Responsável: Luiza Dantas de


Medeiros, 261 - Bloco: S; Ap: 304, Cond. Residencial José Américo
III, Água Fria, 58073-040. Caso necessite de maiores informações
sobre o presente estudo. favor ligar para o (a) pesquisador (a): resid.:
(OR3) 3238-6483 : celular: (083) 8803-3363: e-mail:
wallace.ferreiradesouza@gmail.com.
Endereço (Setor de Trabalho): Universidade Federal da Paraíba -
UFPB - Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões.
Telefone: (083) 3216 - 7716

Atenciosamente

Wallace Ferreira de Souza


Pesquisador Responsável
Mestrando em Ciências das Religiões - UFPB

129
LISTA DAS FOTOS, FIGURAS, QUADROS, MAPAS E
DIAGRAMA

FOTOGRAFIAS:

1: VERGER, 1997, p. 196 pág. 29


2: VERGER, 1997, p. 108 pág. 29
3: VERGER, 1997, p. 83 pág. 29
4: VERGER, 1997, p.272 pág. 49
5: VERGER, 1997, p.18 pág. 49
6/ Festa de Ogum, Terreiro Ogum-Beira- pág. 52
7: Mar, João Pessoa, 20/04/2008. Acervo
do autor
8: Festa dos Pretos Velhos, Templo de pág. 54
Iemanjá Sabá, João Pessoa, 18/10/2008.
Acervo do autor
9: Rum de Oxalá, Ilê Ajagunà Òdò Ti pág. 54
Fadacá, João Pessoa, 26/10/2008.
Acervo do autor
10/ Rum de Oxalá. Ilê Ajagunà Òdò Ti pág. 70
11: Fadacà. João Pessoa, 26/10/2008.
Acervo do autor
12: VERGER: 1997, p.173 pág. 86
13: Obá, PRANDI: 2001. foto 19 pág. 97

FIGURAS:

1: CARIBÉ apud VERGER: 1992, p.34 pág. 77


2: CARIBÉ apud VERGER: 1992, p.43 pág. 93

130
QUADROS:

Quadro 1: Dominantes Reflexas pág.


28-9
Quadro 2: Estrutura Heróica pág.
37-8
Quadro 3: Estrutura Mística pág. 38
Quadro 4: Estrutura Sintética pág.
38-9
Quadro 5: Os orixás e suas principais pág.
características 54-8
Quadro 6: Procedimentos Mitocrítico pág. 65
Quadro 7: Modelo de caracterização mitocrítica pág. 66
Quadro 8: Levantamento Mitocrítico de Xangô pág. 78
Quadro 9: Significados atribuídos aos símbolos pág.78-
encontrados nos mitos de Xangô 9
Quadro 10: Levantamento Mitocrítico de Oxum pág. 89
Quadro 11: Significados atribuídos aos símbolos
encontrados nos mitos de Oxum pág.91
Quadro 12: Levantamento Mitocrítico de Oiá- pág.
Iansã 94-5
Quadro 13: Significados atribuídos aos símbolos pág.
encontrados nos mitos de Oiá-Iansã 95-6
Quadro 14: Levantamento Mitocrítico de Obá pág. 99
Quadro 15: Significados atribuídos aos símbolos pág.
encontrados nos mitos de Obá 100

MAPAS:

Mapa 1: Origem aproximada dos escravizados pág. 42


africanos traficados entre os séculos XV e XIX
Mapa 2: Principais regiões de onde vieram os pág. 44
africanos para o Brasil
Mapa 3: Localização geográfica dos iorubás na pág. 48

131
África
Mapa 4: Localização geográfica dos iorubás na pág. 48
África

DIAGRAMA:

Diagrama 1: Complexo Mítico de Xangô pág. 74

132

Você também pode gostar