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divisão de produção
2
WALLACE FERREIRA DE SOUZA
A POÉTICA DO FOGO
AO ENCONTRO DAS ÁGUAS:
3
Todos os direitos reservados
Revisão: o autor
Capa: xxxx
_________________________________________________________
S729p Souza, Wallace Ferreira.
A poética do fogo ao encontro das águas: símbolos e
arquétipos nos mitos de Xangô / Wallace Ferreira de Souza.-
João Pessoa, 2009.
xxx. : il.
ISBN: xxxxx
1. Ciências das Religiões. 2. Mitos afro-brasileiros. 3.
Elementos simbólicos. 4. Personagens míticos.
4
Feitiço Iorubá é faraimará.
Um beijo de Oxum,
Sabor de afurá.
Quartinha de Ode,
Dançado alujá [...]
A mesa de Nanã
Da muito o que falar;
inhame, peixe assado, ekó e acará.
Domingo de Outubro,
Iroco vai dançar
com Obá, a amazona [...]
Chamego Iorubá
o som de Ijexá.
Coroa de Xangô
na esteira de Oiá.
A força de Ogum,
nos olhos de Eua.
Um cheirinho, minha
preta, de dandá e
macacá.
Laroyê
5
6
AGRADECIMENTOS
7
Iabá Omindaê, na pessoa de Iyá Socorro, e ao Ilê Axé Babá
Kessí, na pessoa de Pai Mutumbá.
8
DEDICATÓRIA
9
APRESENTAÇÃO
10
de modelos míticos, vê-se a importância de se entender não só as
dimensões simbólicas de Xangô que vão dar conta da sua essência, mas
dos modelos de relações estabelecidas com o sexo feminino em suas
várias vertentes visto que as três mulheres em pauta são bem diferentes.
11
mesma em sua própria tradição, ignorando, por exemplo, os problemas
e soluções apresentados no pensamento oriental; segundo, por sua
obstinada recusa em reconhecer quaisquer ‘situações’ que não aquelas
referentes ao homem das civilizações históricas, desafiando a
experiência do homem ‘primitivo’, do homem como membro das
sociedades tradicionais”. (Mito do Eterno Retorno – Ed. Mercuryo – p.
6)
12
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
xx
CONSIDERAÇÕES FINAIS
xx
REFERÊNCIAS
xx
APÊNDICES
xx
14
INTRODUÇÃO
1
A palavra aparece entre aspas para destacar que existe por parte da escola
teórica que ancora a discussão deste trabalho toda uma crítica ao modelo
conceitual de ciência baseado nos princípios cartesianos.
15
seja, de simbolizar, é evidente “que estudiosos das mais variadas
disciplinas tenham desde sempre se interessado por este nível de
expressão” (PITTA, 2005, p13-A), sinalizando os vastos estudos
e concepções a respeito do campo do simbólico como tema de
pesquisa da ciência.
O entendimento exposto anteriormente, qual seja, as
religiões como espaço privilegiado das imagens, dos símbolos e
dos mitos, ainda que não seja o único, remete-nos a um debate
feito por Durand no anexo II do seu livro “Portugual, tesouro
oculto da Europa” (2008), intitulado, O Homem religioso e os
seus símbolos. A relação do homo religiosus, para utilizar um
termo eliadiano, com os símbolos constitui ponto de debate em
Durand. As colocações feitas vão no sentido de nos (re)lembrar
esta simbiose e o esquecimento da mesma no ocidente: “até há
escassas décadas atrás as duas idéias que iremos tentar clarificar
aqui, e cuja relação pretendemos tornar patente, a de símbolo e a
de homem religioso [...] tem sido encarada com receio e excluídas
da epistema...” (DURAND, 2008, p. 219). Durand faz referência
a um corpo epistemológico baseado no iconoclasmo. Portanto, a
teoria do imaginário, opção teórica e metodologia tomada aqui
para analisar um “objeto” religioso propõem “uma reconciliação
que nunca se viu no ocidente entre os poderes da imagem e do
símbolo e os poderes do raciocínio (DURAND, 1982, p.64). E
essa conjugação, o autor denomina mitodologia.
Partimos da idéia defendida por Durand, na obra
anteriormente citada, de que o mundo simbólico e os fenômenos
religiosos guardam uma estreita relação, para daí afirmamos que
as Ciências das Religiões, campo disciplinar em busca de uma
identidade mais definida, pode extrair contribuições importantes
da proposta metodológica, ou mitodológica do imaginário, dentro
do que Durand nomeou de uma nova hermenêutica simbólica que
restaurou os valores do homo religiosus; restauração promovida
pelas reflexões de G. Dumézil, C.G Jung, H. Corbin e M. Eliade.
16
Portanto, trazer a teoria do imaginário, filha dos debates
do Círculo de Eranos, para nos servir de ancoragem teórico-
metodológica para pensar os mitos afro-brasileiros dentro do
campo disciplinar das ciências das religiões, significa procurar
novas possibilidades e assegurarmos a pluralidade necessária
promotora do diálogo acadêmico.
17
A proposta das ciências das religiões no Brasil vem se
fortalecendo com a formação dos programas de pós-graduação na
área, e com as pesquisas voltadas para este sujeito-atuante e
múltiplo que são os fenômenos religiosos na sociedade brasileira.
A maturidade que estes estudos têm ganhado ao longo de dois
séculos nas cátedras européias, também possibilita diálogos
fundamentados metodologicamente. Se de início as ciências das
religiões caracterizavam-se como subárea da sociologia,
antropologia e da história, hoje estas são disciplinas auxiliadoras
na pesquisa do cientista das religiões que tem o desafio de
construir um fazer intelectual interdisciplinar, haja vista, seu
sujeito de pesquisa, as religiões, necessitar deste múltiplo olhar
teórico-metodológico.
O fortalecimento e consolidação deste campo disciplinar
têm sido possibilitado pelo crescente interesse no fenômeno
religioso como sujeito de pesquisas, crescimento que não é
recente, mas só agora tem ganhado visibilidade.
Se os estudos das religiões, como disciplina autônoma
no Brasil, só recentemente vêm ganhando corpo fora dos espaços
confessionais, é de suma importância que as religiões afro-
brasileiras sejam inseridas neste contexto de consolidação da
área, uma vez que, os estudos das religiões “não-cristãs”2, em
particular as afro-brasileiras, estejam compondo os
questionamentos desta pesquisa que ora se apresenta.
O estudo do fenômeno religioso afro-brasileiro tem
inicio com as pesquisas do médico maranhense Nina Rodrigues
amparadas por uma Antropologia criminal do médico italiano
Cesare Lombroso e, obviamente, do inicial positivismo
2
Muitos adeptos destas religiões se dizem cristãos e isso se deve aos
profundos processos de sincretismo pelos quais elas passaram. Não é
excepcionalidade encontrar correspondências entre o panteão afro-brasileiro e
o cristão nos diversos terreiros que visitamos, especialmente, os de umbanda.
Entretanto, hoje, vê-se generalizar, especialmente entre o povo de candomblé,
um discurso que procurar negar os elementos cristãos nos seus rituais.
18
sociológico na área penal. Estes estudos ganham uma
sistematização com a publicação do livro: O animismo fetichista
dos negros da Bahia, no ano de 1900, e em 1932, Os africanos no
Brasil, ambos clássicos dos estudos etnográficos afro-brasileiros.
A busca pela caracterização do “fetichismo afro-baiano” é a
marca da obra do maranhense, e foi ele quem pela primeira vez,
considerou as práticas religiosas afro-baiana como reprodução do
fetichismo ioruba ou nagô (RAMOS, 2001).
As contribuições de Nina Rodrigues às pesquisas das
religiões dos orixás são seguidas por toda uma escola de
pesquisadores como Artur Ramos, Manuel Querino e Edson
Carneiro, que têm uma característica comum: suas obras têm um
caráter etnográfico em linhas gerais. Posteriormente a esse
primeiro grupo vamos ter as pesquisas de Roger Bastide, Pierre
Verger, Ruth Landes e Joana Elbein dos Santos. As obras desse
último grupo são marcadas por traços de análises sócio-
antropológicas. E por fim, aparecem os estudos mais recentes
ainda dentro das áreas da sociologia e/ ou antropologia. Nesta
perspectiva, nosso estudo aponta para um novo espaço de
reflexão a respeito das religiões afro-brasileiras, entendidas aqui
como um universo mítico-religioso predominantemente
imagético, gestual, simbólico, mágico. Nossas reflexões a cerca
deste universo se dá nas Ciências das Religiões, campo
disciplinar que vem ganhando fôlego nos últimos anos no Brasil.
O duplo S das Ciências das Religiões pressupõe uma
dupla pluralidade, uma metodológica e outra epistemológica.
Temos como âncora teórico-metodológica a teoria do imaginário,
proposta por Gilbert Durand e os teóricos que lhe antecederam
nesta empreitada, Bachelard, Jung e Eliade.
Os passos para construção da pesquisa e posteriormente
escrita da redação do texto dissertativo seguiu três momentos
fundamentais: 1) uma leitura sobre os marcos teóricos que
fundamentariam a discussão do texto; 2) uma revisão da literatura
antropológica, etnográfica e sociológica a cerca dos cultos afro-
19
brasileiros, leituras das obras de Roger Bastide, Manuel Querino,
Artur Ramos, Edson Carneiro, Nina Rodrigues, Pierre Verger,
entre outros. Tive, no entanto, o cuidado de não ver no campo um
tipo de candomblé e um corpo mítico, muitas vezes, só
encontrado na literatura escrita; 3) a realização de quatro
entrevistas que caracterizei como pertencente a dois grupos: 1)
umbanda com nagô; 2) nagô/ kêtu.3
O que pretendo estudar? Estou em busca da
identificação dos símbolos e arquétipos que constelam para forjar
o personagem-deus Xangô que se relaciona com três divindades
femininas, a qual tomara por esposa. Outra implicação que está
presente neste complexo mítico é a associação das personagens-
deuses com os elementos fogo e água. Xangô como o senhor do
fogo e suas esposas, as três Iabás – orixás femininos das águas.
Sendo assim, se coloca nesta relação um encontro mítico-
simbólico entre a poética do fogo e das águas.
A pergunta problema inicial se desdobra em três outras:
1) dentro deste complexo mítico, que estrutura do imaginário se
mostra mais presente? 2) a partir da identificação da
predominância estrutural, que dominantes reflexas podemos
identificar? 3) a qual regime das imagens está ligado este
complexo mítico?
Outra questão é a escolha do personagem-deus Xangô e
a relação deste com Oiá-Iansã, Oxum e Obá, para constituir o
foco da pesquisa. Temos basicamente duas situações que
justificam a escolha: 1) por se tratar de uma divindade fortemente
cultuada nos cultos afro-brasileiros, tanto que, as práticas e os
espaços religiosos de culto aos orixás são identificados como
Xangô; 2) numa entrevista realizada no ano de 2004 com uma
ialorixá para realização de um trabalho monográfico, a mesma em
conversa sinalizou que os meus orixás seriam Xangô e Oxum,
3
Mais detalhes sobre os procedimentos metodológicos serão apresentados no
capítulo III desta dissertação.
20
aspecto que nos motivou, a saber, mais sobre estas personagens-
deuses e a pesquisar sobre a relação de Xangô com suas esposas.
O Corpo do Trabalho
21
instrumentos metodológicos utilizados para analisar as narrativas
míticas. Essa caracterização apresenta os dois instrumentos
mitodológicos: a mitoanálise e a mitocrítica.
O capitulo IV em titulado: O Jardim das Imagens: e o
encontro do fogo com as águas, que está dividido em duas
seções: 1) O complexo mítico de Xangô, onde apresentamos as
conexões do personagens-deus com suas esposas e o par gerador
da divindade Oxalá e Iemanjá, concepção presente em alguns
mitos. Nosso entendimento é que existe algo de estruturante
nestas duas ligações, na construção do perfil mítico de Xangô.
Mas nos definimos pela análise de um par da relação estruturante,
a de Xangô com suas esposas; 2) Exercício Mitocrítico, no qual
aplicamos a mitocritica em dois corpus míticos, os referentes a
Xangô, tópico chamado por mim de Mitocrítica do Fogo, e os
referentes a Oiá-Iansã, Oxum e Obá nomeado de Mitocrítica das
Águas.
22
CAPÍTULO I
23
estritamente ligado à noção de inconsciente. Estas correntes
teóricas, segundo Laplantine, constituem a continuidade da
tradição neoplatônica (LAPLANTINE, 1997).
Por outro lado, há as teorias funcionalistas e
estruturalistas, nas quais o imaginário está muito mais ligado às
percepções conscientes. Mas em ambos os casos, vamos
identificar a tese de uma estrutura do imaginário, mesmo que o
termo “estrutura” tenha algumas diferenças para ambas.
Neste caso, torna-se mais apropriado falar em
imaginários, na medida em que se trata de um conceito
perpassado por vários significados. Desta pluralidade posso
elencar, pelo menos, os quatro mais utilizados: 1) tudo o que não
existe, uma espécie de mundo oposto à realidade; 2) uma ilusão
fundamental para a constituição identitária do indivíduo; 3) uma
força criadora própria do psiquismo humano e 4) uma obra do
devaneio na produção de imagens fantásticas que possibilita o
escoamento das preocupações do cotidiano e o enfrentamento
diante da angústia da finitude da vida. (BARBIER, 1994).
Outro aspecto ressaltado por René Barbier que se
insere no debate a cerca do conceito de imaginário, é a tese das
três fases pelas quais teria passado o conceito:
24
ao reconhecimento de seu valor positivo. Alternativa
adotada pelos românticos do século XIX, no entanto, as
ambigüidades permanecem: “oscila-se entre a
esperança, após o desvio provisório de uma
reconciliação final do imaginário e do real, e a recusa
definitiva de toda a realidade exterior para ouvir apenas
as obscuras vozes interiores” (SAISON, 1981, p. 31
apud BARBIER, 1994, p.18);
c) A fase da autorização: assinalar-se por um
reequilíbrio entre os pólos do imaginário e do
real/racional. Consiste no “‘Estado T’ onde uma semi-
atualização e uma semipotencialização imaginária-real-
racional tende para um equilíbrio” (BARBIER, 1994,
p.18). Esta seria a fase própria do fim do século XX,
sintetizada com a seguinte imagem: “o imaginário é o
perfume do real. Por causa do odor da rosa eu digo que
a rosa existe” (BABIER, 1994, p.21).
25
á realidade. Imagens e imaginação são percebidas como
faculdades de conhecimento e estado de conhecimentos
essenciais na direta relação com o mundo. O imaginário é o
objeto de reflexão que não pode ser excluído pela razão.
A definição de imaginário em Castoriadis, por exemplo,
é uma compreensão possível a cerca do termo. Para ele o
imaginário é a capacidade primeira e invencível de evocar uma
imagem, o poder originário de afirmar ou se dar a compreensão
sob a forma de representação. “O imaginário que falo” diz
Castoriadis “não é imagem de. É criação incessante e
essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de
figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível
falar-se de ‘alguma coisa’. Aquilo que determinamos ‘realidade’
e ‘racionalidade’ são seus produtos” (CASTORIADIS, 1991,
p.13). Segundo Keske “a proposta original de Castoriadis é a de
que toda a vida social (...) de suas múltiplas formas culturais,
políticas, econômicas e, principalmente sociais, seria o produto
de uma instituição imaginária” (2003, p.6). Outra noção chave em
Castoriadis é a do imaginário radical, entendido como “aquilo
que na psique-soma é posição, criação, fazer ser para psiquê-
soma (...)” (BARBIER, 1994, p.20).
Para Laplantine o imaginário é o “(...) mobilizador e
evocador de imagens, utiliza o simbólico para exprimir-se e
existir e por sua vez, o simbólico pressupõe a capacidade
imaginária (LAPLANTINE, 1997, p.23-24)”. O entendimento de
Laplantine diverge do apresentado por Castoriadis, no que tange a
concepção de imaginário e realidade.
Depois destas breves considerações sobre alguns autores
que se ocuparam com o estudo do imaginário, passarei, então a
apresentar o quadro teórico que sustenta esta pesquisa, ou seja, a
teoria do imaginário esboçado por Gilbert Durand.
26
1.2 – O Imaginário segundo Gilbert Durand
27
O Ocidente se (des)orientou, perdeu o poder da
poética, investiu e aprisionou-se na racionalidade dura, fria, na
consciência direta criadora do mito da objetividade absoluta
presente no empirismo escolástico de Leibniz e de Newton,
partícipes de um “vasto movimento de idéias que de Sócrates,
através do augustinismo, da escolástica, do cartesianismo e do
século das luzes (...) tem como conseqüência o “pôr de
quarentena” tudo o que considera férias da razão” (DURAND,
2002, p. 21). A trajetória do imaginário e os conceitos utilizados
por ele: imagens, símbolos, ídolos, alegorias, parábolas, mitos e
figuras, ou seja, o vocabulário do simbolismo particularmente
como o concebe Gilbert Durand é um caminho renegado pelo
ocidente. A escola duradiana vai ressaltar a importância e indicar
a necessidade de o Ocidente retomar esse caminho de
revalorização da imagem.
A crítica ao iconoclastismo ocidental, ao
iconoclastismo mais insidioso do que o Bizantino é uma presença
marcante na Antropologia de Durand que acusa o Ocidente de
valorizar o conceito em detrimento das imagens, de enterrar o
tripé do simbolismo “definido como pensamento sempre indireto,
como presença figurada da transcendência e como compreensão
epifânica (...) antípodas da pedagogia do saber tal como o
conhecimento foi instituído desde há dez séculos no ocidente”
(DURAND, 1993, p. 20). A pedagogia do conhecimento
ocidental elabora a tripla oposta inclinada à superioridade da
razão cientificamente comprovada. Na imaginação simbólica
encontraremos esse duelo do conhecimento que Durand vai
descrever da seguinte forma: “(...) o ocidente sempre opôs aos
três critérios” - pensamento indireto, presença figurativa da
transcendência, compreensão epifânica – “elementos pedagógicos
violentamente antagônicos: a presença epifânica da
transcendência as Igrejas irão opor dogmas e clericalismo; ao
pensamento indireto, o conceito (pensamento direto, grifo
28
nosso)... e finalmente, face à imaginação compreensiva, mestra
do erro e da falsidade, a ciência levantará longas (...) explicações
positivistas” (DURAND, 1993, p. 20).
As tendências que consideram o imaginário um “erro”
vão se agrupar em torno deste tripé da pedagogia violenta do
ocidente, tratando os mitos, as imagens, e tudo que lembre “o erro
de pensamento” como a infância da consciência, concepções
epistemológicas provenientes do aristotelismo e do cartesianismo
que, segundo Durand, foram quem retiraram o direito de
“cidadania” do simbolismo em filosofia. Estas concepções vão
ser, durante muito tempo, a concepção oficial das Universidades
ocidentais e como diria Durand “em especial da universidade
francesa, filha mais velha de Auguste Comte e neta de Descartes”
(DURAND, 1993, p. 22). A Antropologia do Imaginário
Duradiana vai germinar na margem oposta, constrói suas
teorizações partindo do principio de que o homem é produto das
imagens:
29
associacionismo e a idéia das ligações mecânicas das imagens, a
psicologia de Bergson que segundo Durand joga pela primeira
vez um “copo de água fria” no associacionismo, no entanto, não
conseguiu libertar a imagem do papel inferior, e Sartre que
mesmo fazendo critica às teorias clássicas termina coisificando as
imagens e subalternizando a sua função psicológica, como diz
Durand, “o grande, mal entendido da psicologia da imaginação é,
afinal, para os sucessores de Husserl e mesmo de Bergson, o
terem confundindo, através do vocabulário mal elaborado do
associacionismo, as imagens com a palavra” (DURAND, 2002, p.
28-29)
A filosofia francesa não escapou a este olhar
reducionista sobre o imaginário, e fortaleceu a subalternidade da
imagem, do imaginário e do mito, guardando-os na “velha mala
empoeirada” deixada no esquecimento, reforçando a posição
descartável que o imaginário tem na vida humana,
comercializando-o como produto de baixo preço, vendendo as
imagens por “quatro vinténs”.
O pensamento ocidental e especialmente a
filosofia francesa têm por constante tradição
desvalorizar ontologicamente a imagem e
psicologicamente a função da imaginação,
“fomentadora de erros e falsidades” (DURAND,
2002, p. 21).
30
em consideração o homem na sua totalidade racional e
emocional, ou seja, filha de um novo espírito científico, que
Bachelard, Eliade, Jung e o próprio Gilbert Durand são
representantes, que nos trazem “pelo menos a convicção de que o
objeto não era independente do observador. Einstein já dizia; um
objeto não é independente do sistema que lhe comporta”
(DURAND, 1982, p. 46).
As reflexões que nascem com a valorização do
imaginário colocam em movimento uma epistemologia que
estava na inércia. E sua maturação e desenvolvimento (do
imaginário) só foram possíveis porque, segundo Durand,
emergem de uma “concepção simbólica da imaginação, quer
dizer, de uma concepção que postula o semantismo das imagens,
o fato de elas não serem signos, mas sim conterem materialmente,
de algum modo, o seu sentido” (DURAND, 2002, p. 59).
Para Durand, o imaginário não possui um caráter rígido
e determinista. As imagens, os símbolos e os mitos, ou seja, os
elementos da cultura estariam localizados dentro de uma
polaridade, concebida a partir de um trajeto antropológico
conceito chave da teoria do imaginário, apresentado como “...a
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as
pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que
emanam do meio cósmico e social” (DURAND, 2002, p. 41).
A tese defendida nas Estruturas Antropológicas do
Imaginário, titulo provavelmente mais conhecido da obra de
Gilbert Durand, propõe que o imaginário humano, “... não é mais
que esse trajeto no qual a representação do objeto se deixa
assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do
sujeito...”(DURAND, 2002, p.41). O imaginário humano se
definiria como “o conjunto de imagens e de relações de imagens
que constitui o capital pensado do ‘homo sapiens’ – nos aparece
como o grande denominador fundamental onde vêm se arrumar
(ranger) todos os procedimentos do espírito humano” (DURAND
apud PITTA, 2005, p.15).
31
Durand faz uso de elementos chaves que ordenam a
estrutura imaginal: Schèmes, arquétipos, símbolos e mitos. Os
Schèmes correspondem a uma tendência geral dos gestos e é
anterior à imagem. Este conceito inspira-se na reflexologia, e
cujos termos Durand vai buscar em Sartre, Burloud e Revanlt que
por sua vez inspiram-se na terminologia kantiana. Mas ao
contrário da função dada por Kant, na teoria do imaginário de
Gilbert Durand, os schèmes fazem a junção “entre os gestos
inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes
reflexas e as representações (DURAND, 2002, p. 60). São estes
Schèmes que constroem a estrutura dinâmica do imaginário.
Para Durand, cada gesto implica ao mesmo tempo uma
matéria e uma técnica, suscita um material imaginário
(DURAND, 2002). As dominantes reflexas, elementos
importantíssimos na constituição da dinâmica do imaginário são
três, como podemos observar no quadro:
32
(DURAND, 2002, p.
54).
Dominante Seria a dominante a) Cíclico
Sexual rítmica, a qual a b) Ritmo sexual
sexualidade é o modelo
perfeito. Os gestos se
materializam nos
ritmos sazonais “[...]
anexando todos os
substitutos técnicos do
ciclo [...]” (DURAND,
2002, p. 54)
33
(2)
Postural
(1) (3)
Aconchego
Ritmo/ sexual
Fonte: VERGER, Pierre. Orixás, deuses Iorubás na África e no
Novo Mundo. Salvador, Corrupio, 1997. Foto: (1) pág. 196;Foto (2)
pág. 108; Foto (3) pág. 83.
1.2.1 – O arquétipo
34
schèmes, é a imagem primeira de caráter coletivo e inato que tem
uma forte influência da psicologia profunda junguiana. Jung
define arquétipo como sendo as: “[...] imagens universais que
existem desde os tempos mais remotos” (JUNG, 2002, p. 16),
sendo este último aspecto, o dos tempos cosmogônicos, o que
mais me interessa, haja vista, estar extremamente ligado aos
estudos dos mitos.
Segundo Jung, o mito é expressão privilegiada onde os
arquétipos se fazem presentes, portanto, diferindo fortemente das
formas historicamente elaboradas (JUNG, 2002), pois “os mitos
são antes de mais nada manifestações da essência da alma, que
foi negado de modo absoluto até nossos dias”(JUNG, 2002, p.
17).
Os mitos são revelações originárias da
alma pré-consciente, pronunciamentos
involuntários acerca do acontecimento
anímico inconsciente e nada menos do que
alegorias de processos físicos (JUNG,
2002, p.156).
35
O arquétipo representa essencialmente um
conteúdo inconsciente, o qual se modifica através
de sua conscientização e percepção, assumindo
matizes que variam de acordo com a consciência
individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.
17).
1.2.2 – O símbolo
36
tecidos onde várias dominantes podem imbricar-
se, a árvore, por exemplo, pode ser como
veremos, ao mesmo tempo símbolo do ciclo
sazonal e da ascensão vertical (...) (DURAND,
2002, p. 54).
37
aproximações entre Eliade e Durand são perceptíveis, o
entendimento do conceito de símbolos e das funções que este
exerce na vida do homem é um exemplo. Podemos perceber na
obra de ambos, os pontos de contatos entre os dois. Em se
tratando do símbolo, estas aproximações se tornam ainda mais
presente, pois para Durand, “a virtude essencial do símbolo é
assegurar no seio do mistério pessoal a própria presença da
transcendência” (DURAND, 1993, p. 30)
Em suma, o símbolo é o material concreto que se
apresenta ao pesquisador. E tanto Durand como Eliade o
entendem como o elementos que materializa o sentido concreto
das coisas.
1.2.3 - O mito
38
alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte
ou a sabedoria”, estão atrelados a este modelo mítico exemplar.
Toda a narrativa mítica explicita um schème ou um
grupo de schème. Os mitos possuem um sentido pedagógico na
medida em que nos instruem com as histórias primeiras, que nos
fundam existencialmente e também se relacionam com todos os
elementos presentes em nossa existência.
39
de um grupo. Em Durand vamos encontrar a seguinte
definição: “[...] é o incessante intercâmbio que existe,
ao nível do imaginário, entre as pulsões subjetivas e
assimiladoras e as intimações objetivas emanando do
meio cósmico e social” (DURAND, 2002, p. 41).
Proposta que já estaria implícita na obra de Gaston
Bachelard.
40
Passaremos a apresentar estes elementos que dão a base
do quadro teórico em questão.
O imaginário na perspectiva durandiana apresenta duas
possibilidades de regimes de imagens compreendidas como dois
aspectos dos símbolos da libido (DURAND, 2002, p. 197):
diurno e noturno. O regime diurno, caracterizado como aquele em
que a imagem se divide em duas grandes partes antitéticas, a
primeira consagrada ao fundo das trevas e ao abismo sobre os
quais se desenha o brilho vitorioso da luz e a ascensão, a segunda
manifestando a reconquista antitética e metódica das valorizações
negativas da primeira (idem, p. 68). No regime noturno há a
inversão do conteúdo afetivo das imagens: “é então que, no seio
da própria noite, o espírito procura a luz e a queda se eufemiza
em descida e o abismo minimiza-se em taça, enquanto, no outro
caso, a noite não passa de propedêutica necessária do dia,
promessa indubitável da aurora” (idem, p. 198). Para Pitta, (2005,
p. 29) o regime noturno vai se empenhar em fundir e harmonizar.
Segundo Pitta, “esses dois regimes da imagem recobrem
três estruturas do imaginário (estrutura heróica, mística e
sintética) que dão resposta à questão fundamental do homem: sua
mortalidade” (2005, p. 23), criando mecanismo de defesa para
essa angústia. A resolução dessa angústia permite três soluções:
(1) pegar em armas e destruir o monstro, (2) criar um universo
harmonioso no qual ela não possa entrar; (3) ter uma visão cíclica
do tempo no qual toda morte é renascimento (CEMIN, 2002).
Estas estruturas correspondem aos seguintes aspectos
respectivamente.
41
c.2) estrutura mística corresponde ao aspecto 2: não
trata de conflito, mas da quietude e do gozo. Na
representação, a característica fundamental desta
estrutura é a eufemização e inversão dos significados
simbólicos. Graficamente há predomínio de linhas
curvas;
c.3) estrutura sintética corresponde ao aspecto 3: trata
do movimento cíclico do destino e da tendência
ascendente do progresso do tempo. A sua
representação é marcada pela dimensão temporal.
Graficamente há predomínio de linhas circulares.
Estrutura Heróica
Subestruturas
Super Heróica Hipervalorização da luta. O monstro é
hiperbólico. Os demais elementos não são
representados. Personagens lutam pela lutam.
Heróica Integrada A luta é valorizada, porém dentro de um
contexto. O Personagem luta por uma causa.
42
Heróica Impura Ainda há predominância, todavia já surgem
elementos da estrutura mística atuando de forma
não integrada
Heróica Adiamento da luta. O monstro e as armas estão
Descontraída presentes, mas sem serem acionados.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário. PE.
1995.
Estrutura Mística
Subestruturas
Super Mística Contexto de paz harmonia e calma. A
arma e o monstro ficam esquecidos.
Mística Integrada Predomínio da paz e da tranqüilidade.
O monstro e a armar são alegorizados,
porém integrados ao contexto.
Mística Impura O cenário permanece, porém ocorre a
presença do monstro e da arma como
elementos na estrutura heróica.
Mística Lúdica O cenário ainda permanece, embora a
arma e monstro se apresente
ludicamente.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário. PE.
1995.
Estrutura Sintética
Subestruturas:
1 - Sintética Existencial
Diacrônica Alternância e sucessão das ações
envolvendo as estruturas mística e
heróica, independente da predominância
da estrutura. Ações sucessivas no tempo
Sincrônica Simultaneidade de ação das estruturas
heróica e mística.
43
2 - Sintética Simbólica
Diacrônica Predomínio da imagem do circulo
integrador. Dimensão cíclica ou a forma
progressiva. Tempo circular e tempo
linear.
Sincrônica Articulação de uma bipolarização dos
valores. Dualismo e mediação.
Adaptado de: Rocha Pitta, D. Imaginário, Cultura e Comunicação: Métodos do Imaginário.
PE. 1995.
44
CAPITULO II
DA ÁFRICA AO BRASIL
45
França do século XIX. Este século foi marcado por mudanças no
cenário geopolítico mundial, é o período das conquistas
neocoloniais agenciadoras da assinatura, em 1885 do tratado de
Berlim que rege a partilha da África entre as potências européias
pondo fim às soberanias africanas. É nesse contexto que a
Antropologia ganha corpo.
A atual divisão política da África revela os vários
movimentos coloniais pelos quais passou. Os estados nacionais
surgidos após séculos de comércio entre europeus, africanos e
árabes, consolidou uma demarcação territorial baseada em
modelos europeus de estado nação. Muitos aspectos internos das
Áfricas, não foram levados em consideração. O principal é o seu
caráter continental e, portanto, a homogeneidade não perfaz uma
característica marcante. Os vários grupos étnicos certamente
sofreram uma mutilação Física através das muitas mortes
acontecidas neste processo de divisão política africana e também
simbólica no instante que muitas das cosmogonias destes grupos
percebem o ambiente natural como prolongamento da vida social
e grupal, seus ancestrais e divindades habitam a terra, a água, as
árvores, as pedras, ou seja, o espaço geográfico e seus
componentes são percebidos como parte da comunidade. As
cosmogonias desses povos, de norte a sul do continente, tecem
uma grande colcha de retalhos.
O tráfico transatlântico de populações das mais variadas
localidades da África entre os séculos XV e XIX, é marcado por
uma relação de idas e vindas entre os diferentes países das
Américas e Antilhas e os Portos negreiros africanos. As feitorias
coloniais estavam espalhadas por todo o litoral Atlântico
africano, no entanto em fins do século XVIII e durante todo o
século XIX, o Porto de Uidá, localizado no Benin atual e antigo
Império do Daomé, transformou-se no mais importante Porto do
comércio escravagista. O papel desempenhado pelo Porto de
Uidá fez com que a região do Golfo da Guiné ficasse conhecida
como a Costa dos Escravos. Neste sentido, Saumanni aponta que,
46
“[...] provavelmente, bem mais de um milhão de escravos tenham
sido embarcados nessa cidade, o que transformou Uidá no mais
importante porto negreiro da África Ocidental, se não da África
subsaariana” (2001, p. 37).
Os escravizados embarcados em Uidá eram
provenientes não só da região do Benin e da Nigéria, eram filhos
de outras regiões. Mary Del Priore (2004) indica que 90% dos
cativos traficados no período colonial eram provenientes da
África Atlântica nos seus mais diferentes pontos, como
demonstra o mapa.
47
prioritariamente: os bantos, ewe-fons/ jejes e os nagô-iorubá. Os
bantos teriam sido os primeiros africanos chegados em terras
brasileiras, por volta de fins do século XVI provenientes da
África ao sul do equador, na altura do Congo e de Angola. Os
povos ewe-fons conhecidos pelo termo jeje, que segundo Bastide
(2001) seria um termo yorubá para designar o estrangeiro, e os
povos de língua yorubá, ambos da chamada Costa dos Escravos
na região do Golfo da Guiné, chegaram ao Brasil entre os séculos
XVIII e XIX, provenientes do antigo reino do Daomé, Togo e
Nigéria. A esse respeito diz Verger:
48
Muitos dos cativos que chegaram ao Brasil entre os
séculos XVI a XIX foram identificados pelos negreiros como
pertencentes a uma determinada nação africana e que em muitos
casos esta filiação era equivocada; um exemplo disso é que no
século XIX na sua totalidade, os escravizados eram identificados
como sendo de origem, Iorubá, pois a identificação fazia-se a
partir do porto negreiro onde eram embarcados. Levando-nos a
considerar que estes pertencimentos étnicos são pontos polêmicos
dentro dos estudos afro-brasileiros devido a sua não precisão.
49
Benim entre 1770 e 1850 estando incluído aí o período do tráfico
clandestino” (1997, p. 9). Esta posterior chegada dos nagô-iorubá
levantou entre os pesquisadores como Nina Rodrigues (2005), a
tese da superioridade cultural deste grupo étnico em detrimento
dos bantos. Ramos ressalta o pioneirismo de Nina Rodrigues ao
identificar que a “grossa massa da população negra, é identificada
como sendo de procedência sudanesa: iorubá, jeje, haussás, minas
[...] e desses negros sudaneses, os mais importantes foram os
iorubás ou nagôs e os jejes (ewes ou daimeanos) [...]” (RAMOS,
2001, p. 26).
Para Artur Ramos a impressão de Nina Rodrigues em
relação à superioridade iorubá frente aos bantos, deveu-se à
presença marcante e numerosa dos primeiros na Bahia, aspectos
que conduziu as pesquisas de Rodrigues a ver esta superioridade
dentro de seus estudos. No entanto, para Ramos os elementos
míticos e simbólicos dos povos de origem banto “existem
deturpados e transformados nos candomblés e nas macumbas de
várias partes do Brasil” (2001, p.86).
Por conseguinte, o fluxo de africanos para o Brasil se
deu das várias partes da África, mas em grande medida da África
Atlântica. E nos últimos anos do tráfico, em pleno século XIX, a
região do Golfo da Guiné tornou-se um importante ponto de
embarque e captura de escravizados. Destarte, há de se considerar
as muitas influências que este fluxo promoveu na constituição da
religiosidade afro-brasileira.
2.2 – Os Iorubá
50
hierarquia e nas influências recíprocas de suas principais cidades:
Benin, Oio e Ifé, estas duas últimas cidades constantemente
referenciadas nos mitos africanos e afro-brasileiros.
O termo Iorubá é utilizado atualmente para designar
além de um grupo lingüístico também um grupo étnico. A
aplicação do termo somado ao nome nagô no Brasil, está
associado às grandes casas de candomblés da cidade de Salvador
amplamente estudadas por pesquisadores como Nina Rodrigues,
Artur Ramos, Manuel Quirino, Edson carneiro e Pierre Verger.
Os iorubá segundo S. O. Biobaku citado por Verger,
coloca que se trata de um “(...) grupo lingüístico de vários
milhões de indivíduos. Ele acrescenta que, além da linguagem
comum os Yorubás estão unidos por uma mesma cultura e
tradições de sua origem comum na cidade de Ifé (...)” (1997,
p.11), amplamente referenciada nas narrativas míticas.
51
Oxalá e ele não pôde andar sobre o solo que ainda
não era firme. O camaleão voltou dizendo que a
terra era ampla, mas ainda não suficientemente
seca. Numa segunda viagem o camaleão trouxe a
noticia que a terra era ampla e suficientemente
sólida, podendo-se agora viver em sua superfície.
O lugar mais tarde foi chamado Ifé, que quer
dizer ampla morada. Depois Olorum mandou
Orixanlá de volta a Terra para plantar árvores e
dar alimentos e riquezas ao homem. E veio a
chuva para regar as árvores. Foi assim que tudo
começou. Foi ali, em Ifé, durante uma semana de
quatro dias, que Orixá Nlá criou o mundo e tudo
o que existe nele. (PRANDI, 2001, p. 503)
4
Esse estreitamento mítico-histórico de personagens-deuses com localidades
no sentido de serem percebidos como antepassados que foram divinizados por
seus feitos, segundo Eliade é lugar recorrente: “A idéia de que certos deuses
eram reis ou heróis divinizados pelos serviços que haviam prestado à
humanidade abria caminho desde Heródoto. Mas foi Evêmero (c. 330-c. 260)
52
Antes de se tornar rei de Oió, Xangô foi consultar
o oráculo. O adivinho lhe disse que fizesse um
sacrifício. Que oferecesse búzios, dois galos, duas
galinhas e dois pombos. Xangô Afonjá devia
oferecer também a roupa que estava usando e dar
alguma coisa para seus parentes e amigos. Ele
assim o fez, todos se reuniram para comer e beber
do sacrifício. Todos se fartaram e cantaram. Então
se perguntou: ‘Quem escolheremos para o nosso
rei?’. ‘Que tal o homem em cuja casa comemos e
bebemos?’, alguém propôs. ‘Quem, senão Afonjá?
Só pode ser Afonjá!’, aclamou a multidão em
coro. ‘Quem mais pode ser feito rei?’ ‘Só temos
Afonjá’, alguém propôs. ‘Que seja Afonjá’,
aclamou a multidão em coro. E escolheram Afonjá
e o fizeram rei de Oió. E Xangô reinou em Oió
(PRANDI, 2001, p.244).
53
pesquisas da história dos Iorubá que este grupo é naturalmente
nigeriano, desconsiderando a presença Iorubá no Benin e no
Togo.
5
Ver: A. I. ASIWAJU (ed.), West African Transformations: Comparative
Impacts of French and British Colonialism. Ikeja: Malthouse Press; Oxford:
African Books Collective, 2001.
54
2.2.1 – Imaginário religioso africano
55
divino e a soberania material do poder civil exercida por um
chefe político local e cujo deus familiar é cultuado como
divindade nacional. Nas fotos podemos identificar essa relação
entre o chefe local e o culto nacional dos orixás na África.
56
Xangô era um Rei muito poderoso. Vivia com
suas esposas Iansã, Obá e Oxum. Sempre
preocupado em fazer a guerra, estava à procura
de uma nova magia para derrotar os inimigos.
Um dia, pensado ter descoberto finalmente uma
fórmula muito poderosa, Xangô subiu numa
colina e lançou seu experimento. Era o raio, que
maravilha, que poder! Mas foi muito grande sua
decepção. Com rumor terrível, a invenção
precipitou-se sobre seu palácio e o destruiu,
incendiando também a cidade e matando grande
parte de seus súditos. Desesperado, Xangô fugiu
para a terra dos vizinhos tapas, seguindo por
Iansã. Refugiou-se depois na cidade de Cossô.
Mas a dor não o deixava em paz. Não suportou
mais a tristeza que sentia pelo ato impensado,
Xangô bateu fortemente os pés no chão,
desaparecendo terra adentro. Foi para o Orum.
Iansã o acompanhou e faz o mesmo na cidade de
Irá, sendo seguida por Oxum e Obá. Desde então
Xangô está vivo no trovão, enquanto Iansã,
Oxum e Obá como rios. Assim surgiram novos
orixás (PRANDI, 2001, p. 260-1).
57
existência estaria paralisada, desprovida de toda possibilidade de
realização (SANTOS, 1977, p. 39). Princípio também presente
nos terreiros brasileiros.
6
Ordem em que são tocadas, cantadas e dançadas as invocações aos orixás, no
inicio das cerimônias festivas ou internas. (CACCIATORE, 1998, p. 251)
58
As imagens apontam essa presença de elementos
simbólicos africanos, o circulo como uma forma de integração da
comunidade, e os não africanos presentes nas imagens dos santos
católicos.
59
Pernambuco seriam recriações simbólicas dos povos provenientes
do território iorubá.
Outra particularidade dos cultos aos orixás no Brasil
está na constituição de uma hierarquia divina entre os deuses e a
presença de divindades ameríndias. Os orixás deixam de ser
deuses nacionais e passam a compor um grupo, cultuados todos
juntos por uma comunidade-terreiro. O pertencimento a uma
família ancestral representada pelo orixá como modelo exemplar,
não toma mais o soberano nacional, ou chefe local como
referência como ocorrido na África, mas as divindades assumem
um caráter personalista. Numa mesma comunidade-terreiro temos
filhos de Ogum, de Xangô, de Oxalá, de Oxum e de Oiá-Iansã
por exemplo.
A mitologia africana presente nestes rituais religiosos se
(re) atualiza e (re) inventa constantemente demonstrando a
dinamicidade dos elementos culturais e simbólicos. A paisagem
cultural brasileira é um caldeirão em constante ebulição. Neste
sentido Durand nos aponta que “os atos mais quotidianos, os
costumes, as relações sociais, estão sobrecarregados de símbolos,
são acompanhados no seu mais íntimo pormenor por todo um
cortejo de valores simbólicos” (1993, p. 44), valores pontuados
no caso brasileiro de uma simbólica africana, recriada na
diáspora.
Trazendo uma discussão feita por Bastide em
Candomblé da Bahia, a respeito da estrutura do mundo percebido
pelos adeptos dos cultos afro-brasileiros, onde ele indica a inter-
relação entre os postos sacerdotais e a organização do mundo. Ele
nos coloca um dado empírico e suas reflexões a respeito do
mesmo, qual seja, a existência de sacerdotes diferentes
desempenhando funções litúrgicas também diferentes mais que
ao mesmo tempo são complementares e necessários para que a
estrutura do sagrado aconteça, indicando que “o mundo se divide
em certo número de compartimentos e porque cada espécie de
sacerdote preside a um ou outro desses domínios” (BASTIDE,
60
2001, p. 112), e conclui que para “compreender a concepção do
mundo, formulada pelos descendentes de africanos na Bahia, é
preciso partir do estudo do sacerdócio” (Idem).
A idéia colocada por Bastide apresenta uma estrutura
sacerdotal quaternária: 1) os babalorixás e ialorixás que presidem
o culto dos orixás; 2) os babalaôs sacerdotes que presidem o culto
de Ifá; 3) os babalossains sacerdotes que governam o culto de
Ossaim, o senhor das folhas; 4) os babaojés que presidem o culto
dos eguns, estando os mesmo ligados a própria concepção de
estrutura quádrupla do mundo: os deuses, os homens, a natureza e
os mortos.
Podemos considerar que as vivências religiosas afro-
brasileiras são múltiplas, o modelo descrito por Bastide não é o
único. Ou seja, temos uma variedade de experiências religiosas
dentro do que chamamos religiões afro-brasileiras: o candomblé,
o xangô, o batuque, o xangô-umbandizado, as macumbas, o
catimbó-jurema, o tambor de mina e tantos outros. Portanto falar
dessas religiosidades é perceber a sua plasticidade e mobilidade.
As fotos abaixo demonstram essa plasticidade dos cultos, de um
lado a presença de entidades como os pretos velhos e caboclos e
do outro o orixá.
61
O contexto brasileiro é formado basicamente por 16
divindades cada uma tem características próprias, uns mais
cultuados do que outra, a exemplo de Ewá, Orumilá/Ifá e Obá
que pouco se ver nos terreiros. O quadro que segue traz alguns
dados sobre cada divindade.
7
Referências feitas aos orixás masculinos.
62
semana que lhe é consagrado. Seu símbolo é, como
na África, um arco e flecha em ferro forjado. (Idem,
Ibidem, p. 113). Sua saudação é: O Kiarô!
Ossaim Ossain é a divindade das plantas medicinais e
litúrgicas. O nome das plantas, a sua utilização e as
palavras (ofò), cuja força desperta seus poderes, são
os elementos mais secretos do ritual no culto aos
deuses iorubas, cuja responsabilidade é de Ossain.
O símbolo de Ossain é uma haste de ferro, tendo, na
extremidade superior, um pássaro em ferro [...]
(Idem, Ibidem, p. 122). No Brasil, as pessoas
dedicadas a Ossain usam colares de contas verdes e
brancas. Sábado é o dia da semana consagrado a ele.
Saúda-se o deus das folhas e das ervas gritando:
Ewê Ô! (Idem, Ibidem, p.123)
Omolú/ Obalúayé ou Omolu são os nomes geralmente dados
Obalúayé a Sànpònná, deus da varíola e das doenças
contagiosas, cujo nome é perigoso de ser
pronunciado. (Idem, Ibidem, p.212). No Brasil [...]
Xapanã é prudentemente chamado Obaluaê ou
Omolu. As pessoas que lhes são consagradas usam
dois tipos de colores: o lagidiba, feito de
pequeninos discos pretos enfiados, ou o colar de
contas marrons com listas pretas. Quando o deus se
manifesta sobre um de seus iniciados, ele é acolhido
pelo grito Atotô! Suas iaôs dançam inteiramente
revestidas de palha da costa. (Idem, Ibidem, p. 216)
Xangô O culto de Xangô é muito popular no Brasil [...] No
Recife (e em boa parte do nordeste oriental também,
a exemplo da Paraíba, grifo nosso), seu nome serve
mesmo para designar o conjunto de cultos [...]
(Idem, Ibidem, p.139). Seus fies usam colares de
contas vermelhas e brancas, como na África.
Quarta-feira é o dia da semana consagrado a ele.
Assim que Xangô aparece manifestado em um de
seus iniciados, as pessoas o saúdam, gritando:
Kawó-Kabiyésílé! (Idem, Ibidem, p.140). Imperial e
63
prestigioso é o orixá cujo comando está nas rochas,
principalmente as que foram destruídas por um raio.
Oxalá/ Órìsànlá ou Obàtálá, o grande orixá ou o rei do pano
Orixalá/ branco. Foi o primeiro a ser criado pó Olodumaré
Obatalá [...] (Idem, Ibidem, p.252). É da família dos orixás
funfun, [...] os orixás brancos, é daqueles que
utilizam o efun (giz branco) para enfeitar o corpo.
(Idem, Ibidem, p.254). Oxalá é considerado o maior
dos orixás, mais venerável e o mais venerado. Seus
adeptos usam colares de contas brancas e vestem-se,
geralmente de branco. Sexta-feira é o dia da semana
consagrado a ele. (Idem, Ibidem, p. 259). Sua
saudação é: Êpa, baba!
Nanã Nana Buruku é uma divindade muita antiga. (Idem,
Ibidem, p.236). Nanã Buruku é conhecida no Brasil
como em Cuba, como a mãe de Obaluaô-Xapanã.
Os colares de contas usados por aqueles que lhe são
consagrados, são na cor branca com listas azuis (em
alguns terreiros roxos e o marrom, grifo nosso).
Segundo uns, seu dia é a segunda-feira, juntamente
com seu filho Obaluaê; segundo outros adeptos é o
sábado, ao lado das outras divindades das águas.
Quando Nana se manifesta numa de suas iniciadas é
saudade pelos gritos de Salúba! (Idem, Ibidem,
p.240)
Iemanjá Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé Omo ejá (Mãe
cujos filhos são peixes), é o orixá dos Egbá, uma
nação ioruba estabelecida outrora na região entre Ifé
e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemoja. (Idem,
Ibidem, p.190). Iemanjá é uma divindade muito
popular no Brasil [...]. Seu axé é assentado sobre
pedras marinhas e conchas, guardadas numa
porcelana azul. O sábado é o dia da semana que lhe
é consagrado, juntamente com outras divindades
femininas. Seus adeptos usam colares de contas
transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-
claro. (Idem, Ibidem, p.191). Sua saudação é: Ô
64
doiá!
Oxum Oxum é a divindade do rio de mesmo nome que
corre na Nígeria, em Ijexá e Ijebu. Era segundo
dizem, a segunda mulher de Xangô, tendo vivido
antes com Ogum, Orumilá e Oxossi. (Idem, Ibidem,
p.174). No Brasil, os adeptos de Oxum usam
colares de contas de cor amarelo-ouro [...]. o dia da
semana consagrado a ela é o sábado e é saudada,
como na África, pela expressão Ore Yèyé o! (Idem,
Ibidem, p.176)
Oiá/ Iansã Oyá (Oiá) é a divindade dos ventos, das
tempestades e do rio Níger que, em ioruba, chama-
se Odò Oya. Foi à primeira mulher de Xangô [...]
(Idem, Ibidem, p.168). As pessoas dedicadas a
Iansã, nome sob o qual é mais conhecido no Brasil,
usam colares de contas grená8. A quarta-feira é o
dia da semana consagrado a ela [...] Seus símbolos
são como na África: os chifres de búfalo e um alfaje
[...]. (Idem, Ibidem, p.170). Sua saudação é: Ê
parrei!
Obá Obá, divindade do rio de mesmo nome, foi à
terceira mulher de Xangô. (Idem, Ibidem, p.186).
No Brasil, assim que Obá aparece num candomblé,
manifestada em uma de suas iniciadas, ata-se um
turbante em sua cabeça a fim de esconder uma de
suas orelhas [...] A dança de Obá é guerreira: ela
branda com um sabre com uma das mãos e leva
escudo na outra. (Idem, Ibidem, p.187). Sua
saudação: Obá Xirê!
Ewá Orixá feminino, ninfa do rio e da logoa Iewá, na
Nigéria. Em alguns terreiros é considerada irmã de
Iansã, em outros é cobra-fêmea, esposa de
8
O grená (do francês grenat, da cor da granada) é uma variação de tom da cor
vermelha, um pouco mais claro que o bordô.
65
Oxumaré, representando a faixa branca do arco-iris.
Quando dança leva o arpão na mão esquerda e na
direita uma espada. Seu dia é o sábado. Usa fios de
contas vermelho e amarelo ou vermelha translúcida,
sua saudação é: Rirô. (CACCIATORE, 1988,
p.117)
Ibêji O orixá Ibeji [...] divindade tutelar dos gemeis entre
os nagôs [...] irmãs de Xangô. Essa aproximação
com Xangô observa-se na Bahia, onde são
cultuados dois orixás Erê, tidos como filhos de
Xangô. (RAMOS, 2001, pp.303-304). Principio da
dualidade, representado pelos gêmeos na África [...]
o domingo é o dia da semana consagrado a ele. Seus
colares de conta têm as cores vermelha e verde ou
cores diversas. Saudação: Bejé eró!
(CACCIATORE, Ibidem, p.141)
Ifá/ Orumilá é na tradição de Ifé o primeiro
Orumilá companheiro e “chefe conselheiro” de Odùduà
quando de sua chegada a Ifé [...] Os Babalaôs, “pais
do segredo”, são os porta-vozes, de Orumilá [...]
Orumilá é consultado em caso de dúvida, quando as
pessoas têm uma decisão importante a tomar a
respeito de uma viagem, de um casamento [...]
(VERGER, Ibidem, p.126).
Oxumaré Oxumaré é a serpente-arco-iris [...] diz-se que ele é
um servidor de Xangô e que seu trabalho consiste
em recolher a água caída sobre a terra, durante a
chuva, e levá-la de volta às nuvens (Idem, Ibidem,
p.206). No Brasil, as pessoas dedicadas a Oxumaré
usam colares amarelos e verdes, a terça-feira é o dia
da semana consagrado a ele. Durante suas danças,
suas iaôs apontam alternadamente para o céu e para
a terra. As pessoas gritam: Aoboboí! (Idem, Ibidem,
p.207)
Quadro 5 – Os orixás e suas principais características
66
CAPÍTULO III
3.1 – Encontros
67
tanto mais válida se o observador não fizer excursões saltuárias
na situação do observado, mas de participar de sua vida” (BOSI,
2004, p.38). Esse foi o compromisso metodológico, fazer parte
das situações dos sujeitos com que me encontrei. No entanto, não
sei afirmar se consegui cumprir este compromisso, mas uma coisa
posso afirmar, continuo tentando.
O motivo da pesquisa foi explicado aos sujeitos. Foram
esclarecidos que sua participação era voluntária e, portanto eles
(as) não estariam obrigados a fornecer as informações e/ ou
colaborar com a pesquisa. Realizaram-se quatro gravações todas
devidamente autorizadas pelos sujeitos através de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, sempre impresso em duas
vias, uma destinada ao pesquisador e a outra ao participante.
A primeira gravação foi realizada no dia 11 de março de
2008 com o babalorixá do terreiro Ilê Ajagunà Òdò Ti Fadacà,
localizado no bairro do Valentina de Figueiredo. A segunda no
dia 27 de março de 2008 com a ialalorixá do terreiro Ogum
Beira-Mar, no bairro do Castelo Branco. A terceira, no dia 20 de
junho de 2008, com a ialalorixá do terreiro Ilê Axé Oxum Iabá
Omimdaê, localizado no Bairro das Indústrias. A quarta no dia 30
de agosto de 2008, com o babalorixá do terreiro Ilê Axé Babá
Kessí. Os três primeiros terreiros estão localizados em João
Pessoa e o quarto na Ilha de Itaparica no estado da Bahia. A
última entrevista com o babalorixá do Ilê Axé Babá Kessí foi
feita na casa de uma neta-de-santo sua, no bairro de Manguabeira
em João Pessoa, pela ocasião de sua festa de 14 anos de feitura.
Dividimos as entrevistas em dois grupos: 1) os terreiros
que se identificaram como sendo de tradição nagô-kêtu, que no
universo de quatro entrevistas três se identificaram neste grupo;
2) e um terreiro identificado como sendo Umbanda com nagô.
As entrevistas foram guiadas por temas geradores, que
objetivavam a construção de um roteiro para o pesquisador na
hora das entrevistas e não uma seqüência de perguntas objetivas
que deveriam ser respondidas pelos sujeitos. Basicamente
68
utilizamos seis temas geradores: 1) caracterização geral de Xangô
e de suas três esposas; 2) as vestimentas; 3) a alimentação; 4) a
dança; 5) a inter-relação de Xangô com outros orixás; 6) a
identificação dos orixás e os elementos da natureza. Este modelo
baseou-se na idéia de entrevistas semi-estruturadas.
69
das imagens e não uma correspondência funcional destes
elementos, e é neste sentido que ele afirma que “... os símbolos
constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema
arquetipal, porque são variações sobre um arquétipo” (DURAND,
2002, p. 31).
Nesta medida, a mitocrítica e a mitoanálise representam a
trajetória metodológica da Antropologia do Imaginário na busca
dos conjuntos, das constelações de imagens que concorrem em
torno de núcleos organizadores.
3.2.1 – A Mitanálise
70
segundo Durand, pois ele compreende que a ciências sociológicas
para ser perpetrada pressupõem um aparato analítico global. A
este respeito ele diz que,
71
3.2.2 – A Mitocrítica
72
está implícita através da intencionalidade dos elementos no
discurso; 2) de caráter patente, quando as redundâncias são
explicitas e de conteúdo homólogo, ou seja, uma equivalência
morfológica.
A respeito dos procedimentos mitocríticos, podemos
organizá-los em três etapas: 1) levantamento dos temas; 2)
análise das situações; 3) abordagem diacrônica, conforme
esquematizado no quaro abaixo:
ETAPAS PROCEDIMENTOS
1) Levantamento dos temas • O levantamento dos temas dentro da
narrativa textual deve levar em
consideração a repetição, as redundâncias
de certas imagens, pois são estas que vão
possibilitar ao pesquisador perceber os
significados básicos da obra. Estes temas
recorrentes indicam a estrutura do
imaginário que está subjacente ao
discurso.
73
A composição do corpus para minha análise mitocrítica
foi realizada com a junção das quatro entrevistas feitas com os
informantes, mães e pais de santo num único texto-cultural. Num
primeiro momento, as falas foram submetidas a uma prévia
análise, onde se detectou núcleos significantes/ relevantes ou
mesmo alguns mitemas, ou seja, busquei perceber os núcleos
redundantes através dos símbolos, cenários/ lugares, conjunto de
situações presentes no corpo da narrativa. Num segundo
momento, a partir do que foi categorizado nas entrevistas,
procurei fazer as ancoragens dos temas das entrevistas nas
narrativas míticas conhecidas do universo religioso afro-brasileiro
e já compilados em livros e outros documentos, especialmente a
compilação feita por Reginaldo Prandi no seu livro, Mitologia
dos Orixás, e a que foi produzida por Pierre Fatumbi Verger.
O primeiro momento da análise teve como instrumento
o Quadro mitocrítico, que foi elaborado pelo autor a partir das
indicações feitas por Gilbert Durand na terceira parte de seu texto
Mito, Símbolo e Mitodologia, dedicado a mitocrítica, conforme
modelo a seguir:
74
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES
1–
2-
75
Obá. Questões que apontam para uma possível temática
genealógica, a relação entre o céu e a terra, o fogo do céu e a água
da terra, mas também que teve sua origem no céu. Aspecto que
poderá compor outro estudo.
76
CAPITULO IV
77
no território do extraordinário, como diria Mircea Eliade (2001) o
homo religiosus percebe o espaço de uma forma heterogênea. A
comunidade de santo estaria para o Brasil como a aldeia para as
comunidades tradicionais da África ocidental, ou seja, o local de
convivência dos filhos dos deuses.
Este discurso é comumente pronunciado pela
comunidade de santo que situa seu marco de fundação no
continente africano, o ventre que gerou os orixás e, portanto sua
morada sagrada, como bem revela Roger Bastide quando fala da
importância dos tambores, juntamente com Exu, e sua função de
intermediário entre os homens e os orixás: “Eis por que, uma vez
terminado o padê9 de Exu, a cerimônia prossegue com o toque
musical dos tambores que, sozinhos, sem acompanhamento de
cânticos ou de danças, falam aos orixás e pedem-lhes que venham
da África para o Brasil” (BASTIDE, 2001, p.35).
As fotos nos dão essa dimensão, o som e o ritmo como
elementos fundamentais nos cultos aos orixás. O corpo participa
da cerimônia inteiro. Uma característica marcante na experiência
religiosa afro-brasileira certamente é a relação
corpo/natureza/divindade aspecto que merece uma atenção
especial que em outro momento poderá nos servir de
problemática.
9
Ritual propiciatório, com oferenda a Exu, realizado antes do inicio de toda
cerimônia pública ou privada dos cultos afro-brasileiros. Também “despacho
de Exu”. Sua finalidade é pedir ao mensageiro – elemento dinâmico e de
comunicação – que proteja a cerimônia a realizar, vá levar as oferendas e
encontrar os deuses para chamá-los (CACCIATORE, 1998, p. 205 – verbete:
Padê).
78
Fotos 10/ 11: Rum de Oxalá. Ilê Ajagunà Òdò Ti Fadacà. João
Pessoa, 26/10/2008. Acervo do autor.
79
Aqui, partimos da concepção de uma estrutura
organizadora das imagens mítico-simbólicas, e não de uma
transposição de mitos e símbolos africanos para o Brasil. No meu
entendimento, as religiões afro-brasileiras se compõem a partir de
bricolagens de elementos simbólicos.
Dentro do contexto mítico-religioso afro-brasileiro
minha observação gira em torno da figura de Xangô. Percebo um
complexo mítico que orbita em torno desse personagem-deus, se
mostrado estruturante na construção das características
simbólicas do mesmo.
Um dos elementos integrantes deste complexo mítico
é a relação de Xangô com Iemanjá, a “Mãe cujos filhos são
peixes” (VERGER, 1997) que segundo os mitos, teria gerado o
trovão que se desloca com a chuva e revela seus segredos
(VERGER, 1997), ou seja, gerou o próprio Xangô, e Oxalá, que
dentro da mitologia é considerado o grande orixá, o Rei do Pano
Branco (idem) é muito relevante, pois constituem o par
progenitor do personagem-deus.
Para o povo de santo, Oxalá foi o primeiro a ser criado
por Olodumaré, foi encarregado por ele da criação do mundo, e
por não ter feito as oferendas a Exu, este lhe pregou uma peça10,
10
Òrìsànlá pôs-se a caminhar apoiado num grande cajado de estanho, seu òpá
osorò ou paxorô, o cajado para fazer as cerimônias. No momento de
ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que, entre as suas múltiplas
obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu,
descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas,
vingou-se fazendo sentir uma sede intensa. Òrìsànlá, para matar sua sede, não
teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um
dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele
bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia mais onde estava e
caio adormecido. Veio então Olófin-Odùduà, criado por Olodumaré depois de
Òrísànlá e o maior rival deste. Vendo o Grande Orixá odormecido, roubou-lhe
o “saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu
achado e lhe contar em que estado se encontrava Òrìnsàlá. Olodumaré
exclamou: “se ele está nesse estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!”
Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada
80
ficando a criação do mundo com Odùdua e cabendo a Oxalá a
modelagem dos homens, e “por essa razão Oxalá é também
chamado de Alámòrere, o proprietário da boa argila” (VERGER,
1997, p. 253).
Iemanjá, segundo as crenças dos filhos de santo, foi
gerada por Olóokum a deusa do mar, e cujos domínios, no Brasil,
passaram a pertencer a própria Iemanjá, pois Olóokum é
praticamente desconhecida aqui. Associada ao mar, às vezes se
confundindo com ele, Iemanjá tem como seus fetiches ou
assentamentos, as pedras marinhas e as cochas. Os dois, Oxalá e
Iemanjá, formam o par gerador de Xangô segundo alguns mitos.
A outra teia desse complexo mítico é a relação de
Xangô com suas três mulheres. Minha análise vai se restringir a
este diálogo dentro das narrativas que constituem o complexo de
Xangô. Sua três mulheres dão vida à dinâmica simbólica do
encontro da água e do fogo, aspectos que ganham relevo dentro
das narrativas referentes a Xangô, Oiá-Iansã, Oxum e Obá.
Sentido que levar-nos a indicar que Xangô é filho e marido das
águas.
Esse quadrado amoroso se constitui da seguinte
forma:
81
Ogum modelando o ferro. Mas sempre que o ferreiro
desviava o olhar Xangô olhava para a bela Iansã, que estava
encantada com o porte real de Xangô. E um dia, os dois
fugiram de Irê em direção a Oió, deixando para traz o
ferreiro Ogum. (PRANDI, 2001).
82
A seguir apresentamos um diagrama, que demonstra essa
construção simbólica dentro do “jardim das imagens” que se
forma a partir do encontro desses personagens-deuses. O
complexo mítico representado pelo diagrama suscita uma ativa
complementaridade entre os elementos simbólicos. Xangô
congrega em si fragmentos dos deuses que compõe sua
constelação de imagens. Como exemplo, poderíamos citar a
presença da cor branca diluindo a força do fogo, valor dos orixás
funfun, representados por Oxalá. Relação justificada dentro da
narrativa mítica.
83
Desta forma como anteriormente nos referimos existem
algo de estruturante nas relações míticas apresentadas. O
diagrama abaixo vai demonstrar essas inter conexões destes
personagens-deuses na formação do perfil mítico de Xangô.
Oxalá
Oxum Iemanjá
Xangô
Oiá Obá
84
Pontualmente nossa análise está voltada para os textos
referentes ao orixá Xangô representado como o elemento fogo e
as três divindades das águas apontadas nos mitos como sendo
esposas do mesmo: Oiá-Iansã, Oxum e Obá. Dividimos esta
seção em dois tópicos: a mitocrítica do fogo e o orixá Xangô e a
mitocrítica das águas e as três esposas de Xangô.
a)Xangô
85
fogo da construção, é o fogo da justiça. É a justiça que promove
e a justiça que constrói, e não o fogo da destruição. Xangô está
associado a tudo isso, e também é um ancestral. É um ancestral,
pois têm relatos que realmente Xangô viveu, Xangô viveu na
África, Xangô realmente foi ser humano, depois divinizado. Foi
um dos grandes reis da cidade de Oyó...” (entrevista:
11/02/2008).
Para os crentes esta divindade carrega como
responsabilidade a justiça, executando-a com firmeza e
austeridade. Suas vestes trazem a cor vermelha e branca. Xangô,
diz um dos informantes, “geralmente a cor dele é associado ao
vermelho e ao branco devido à violência, ao fogo, essa coisa de
[...] dizem que ele usa a cor branca que é para apaziguar, que é
justamente Oxalá, que é para apaziguar toda a violência do fogo,
toda a violência da questão da chama que consome de uma certa
forma” (entrevista: 11/02/2008).
As cores assumidas como pertencente a cada orixá é uma
importante referência simbólica, que na compreensão dos filhos-
de-santo fazem referência à intensidade da energia que emana da
divindade. Segundo Tavares, “a dualidade vida/morte, aspectos
da antropomorfização do estático/dinâmico se expressa através da
cor, da terminologia dos sangues vermelho, preto e branco, os
três princípios ativadores do candomblé, como lembra Mestre
Didi” (2005, p. 122).
A figura exemplifica os símbolos materiais envolvidos na
composição do personagem-deus: O machado duplo, o xerê11, e o
fogo. Temos também representado a sua encenação mítica. Na
fala de um dos nossos entrevistados aparece a seguinte descrição:
“sempre quando ele vem o pé-de-dança dele é um pé-de-dança
diferente, o pé-de-dança diferente! Ele é uma dança, mesmo
dentro da nossa Umbanda com nagô [...] mas ele cultua muito o
11
Instrumento musical usado no culto de Xangô. É uma cabaça especial cheia
de sementes. Agitando, o instrumento produz um ruído (CACCIATORE, 1988,
p.251). O ruído produzido pelo xerê, a semelha se a chuva.
86
pé no chão e o outro no ar. Ai desce um e outro voando, desce
um e o outro voando. Dar-se o nome de Alojá. Quando bate o
Alojá pra ele, principalmente o Ilú12 [...]” (entrevista:
27/03/2008).
12
Denominação genérica de atabaque. Nome dado, por alguns, ao rum,
atabaque maior dos candomblés (Idem, Ibidem, p.145).
87
duplo que é justamente a justiça, e as duas vertentes da justiça”
(entrevista: 11/03/2008).
Sobre as divindades caracterizadas dentro da constelação
uraniana Mircea Eliade os define como, “seres dotados de uma
presciência e de uma sabedoria infinita; as leis morais e
freqüentemente rituais do clã foram por eles instauradas durante a
sua breve permanência na terra; velam pela observância das leis e
todo aquele que se lhes opõe é fuminado (ELIADE, 1998, p. 39).
Deste modo, Xangô está dentro desta constelação de
imagens uranianas, que fazem parte o deus grego Zeus, e nórdico
Thor. No exercício mitocrítico, identificamos os seguintes
núcleos mitêmicos:
88
Outro elemento simbólico presente é a pedra
proveniente do raio. Os relatos falam de uma ritualização do
mito, no qual Xangô para fazer justiça lança pedras de fogo.
“Xangô faz sempre uma encenação como se ele estivesse
lançando pedras, lançando coriscos. Na dança dele, ele
demonstra sempre como se ele estivesse tirando de uma bolsa,
Alabá um negócio assim [...] ele tira de dentro da bolsa, como se
estivesse fazendo a encenação que estivesse jogando essas
pedras, que é justamente a encenação do que é o relâmpago, do
que é o fogo, é justamente isso, o corisco que tá ligado a Xangô”
(entrevista: 11/03/2008), comenta um dos meus entrevistados.
Outro elemento relacionado com Xangô é a pedra,
como símbolos de firmeza. Eliade apregoa esse caráter de firmeza
e resistência das cratofanias líticas: “antes de mais nada, a pedra
é. Ela permanece sempre igual a si própria e subsiste [...] ele (o
homem, grifo nosso) verifica assim sua rudeza, sua rudeza, seu
poder” (ELIADE, 1998, 175).
A afinidade de Xangô com a pedra é proveniente da
capacidade desta gerar o fogo. Referência encontrada nas
entrevistas: “O iporí13 de Xangô é o fogo. Outra coisa que eu não
me referi, mas que é importante falar, outra questão! Uma
ligação muito forte de xangô com as pedreiras, né! Não é a pedra
em si, mas a possibilidade dela gerar, o que? O fogo, num é!”
(entrevista: 20/06/2008).
SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Grande Rei “O homem cuja natureza procede do céu, é dotado
desta virtude que ele tira de si mesmo.
(CHEVALIER, 2007, p. 774) [...] o rei está quase
13
É a essência divina que, individualizada e desprendida do deus de origem,
habita cada um de nós. Iporí teria por sede a cabeça, o Ori, na linguagem
iorubá.
89
no limite do sacerdócio, e sua cor simbólica é [...] o
branco (Idem, Ibidem, p.775) [...] o rei é, como o
herói, o santo, o pai, o sábio, o arquétipo da
perfeição humana, e ele mobiliza todas as energias
espirituais para se realizar (Idem, Ibidem, p.776).
[...] o rei simboliza também, segundo as crenças
africanas, o detentor de toda a vida, humana e
cósmica [...] os emblemas de seu poder são o bastão
de comando, o cetro, o globo, o trono, o pálio”
(Idem, Ibidem, p.776).
“[...] o raio é uma energia explosiva não acumulada
Raio/ [...] o raio é a criação que surge do nada em estado
Relâmpago ainda caótico, ou que se anula num incêndio
apocalíptico [...] os raios simbolizam uma
emanação luminosa que se propaga a partir de um
centro (sol, santo, herói, gênio) sobre outros seres
[...] Poderá esquentar, estimular e fecundar, ou, ao
contrario, queimar, secar, esterilizar [...]” (Idem,
Ibidem, p.767).
Trovão “O trovão manifesta o poder de Jeová, e
especialmente sua justiça [...] o trovão simboliza o
comando supremo, que passou da terra para o céu
[...] entendido como um instrumento do castigo
(Idem, Ibidem, p.912) [...] Segundo Mircea Eliade,
o trovão é o atributo essencial das divindades
uranianas [...] em muitos mitos (Austrália,
América), o trovão e o relâmpago são ligados à
Grande Mãe mítica e aos primeiros heróis gêmeos
[...] o trovão abate as árvores com suas flechas, mas
que mata os seres vivos com o fogo. Essa função de
justiceiro, atribuído ao trovão, é encontrada entre
muitos povos [...]” (Idem, Ibidem, p.913).
Machado “Ele fere e corta, vivo como o relâmpago, com
duplo ruído e às vezes, soltando faísca. [...] vem associado
ao raio e, em conseqüência, à chuva. O que leva aos
símbolos da fertilidade [...] o machado de pedra é
chamado pedra-de-raio [...] é um machado que o
90
deus das águas e da fecundidade lança do céu sobre
a terra [...] o machado, sendo a arama da
tempestade, é emblema de força. Fende a casca da
árvore: é um símbolo, ai, de penetração espiritual
(até o coração do mistério) bem como um
instrumento da libertação” (Idem, Ibidem, p.576).
Pedra de “A pedra e o homem apresentam um movimento
raio/ corisco duplo de subida e de descida. As pedras não são
massas inertes; pedras vivas caídas do céu, elas
continuam tendo vida depois da queda. O caso da
pedra de raio é símbolo do próprio raio e, portanto
da atividade celeste, não de sua presença ou do seu
efeito (no mesmo sentido, machado de pedra de
Parashu-Rama e o martelo de pedra de Thor)”
(Idem, Ibidem, p.696).
Vermelho “[...] símbolo fundamental do principio de vida,
com sua força, seu poder e seu brilho, o vermelho,
cor do fogo e do sangue, possui a mesma
ambivalência simbólicas destes últimos. O
vermelho-claro, brilhante, centrifugo, é diurno,
macho, tônico, incitando a ação [...] o vermelho
escuro, bem ao contrario, é noturno, fêmea, secreto
e, em última análise, centrípeto, representa não a
expressão, mas o mistério da vida” (Idem, Ibidem,
p.944).
Branco “Assim como o negro, sua contracor, o branco pode
situar-se nas duas extremidades da gama cromática
[...] ele significa ora a ausência, ora a soma das
cores [...] é uma cor de passagem, no sentido a que
nos referimos ao falar dos ritos de passagem”
(Idem, Ibidem, p.141).
Coroa “[...] separa o terrestre do celestial, o humano do
divino. A coroa é uma promessa de vida imortal [...]
a palavra “coroa” é originalmente, muito próxima
da palavra corno e exprime a mesma idéia: a de
elevação, poder, iluminação Uma e outra se elevam
acima da cabeça e são insígnias do poder e da luz”
91
(Idem, Ibidem, p.289).
b) Fogo
92
O fogo é, portanto, um fenômeno privilegiado
que pode explicar tudo. [...] Entre todos os
fenômenos, é ele realmente o único que pode
aceitar as duas valorizações opostas: o bem e o
mal. Brilha no Paraíso. Arde no Inferno. É doçura
e tortura. É cozinha e apocalipse.
(BACHELARD, 1938, p. 21).
93
Aspecto que podemos relacionar, ou seja, a existência de uma
homologia entre fogo e água, que se coaduna com as idéias
recorrentes em muitas religiões, do batismo pela água e o do
batismo pelo fogo.
Destarte, nosso exercício é mitocríticar as narrativas
míticas do deus Xangô, sendo este reconhecido pelo povo-de-
santo como o dono do fogo, e que segundo as narrativas orais
teria sido a divindade que ensinou o homem a como fazer o fogo
para cozinhar.
94
no fogo cozinhar os alimentos. Assim, inspirado e
protegido por xangô, o homem inventou o fogão
e pôde satisfazer as ordens dos três grandes
orixás. Os orixás comeram comidas cozidas e
gostaram muito. E permitiram ao homem comer
delas também. (PRANDI, 2001, p. 257-8).
a) Oiá-Iansã
14
Ovelha, animal votivo de Yemanjá em alguns candomblés (CACCIATORE,
Ibidem, p.43).
95
Oiá não podia ter filhos, mas teve nove, depois de
sacrificar um carneiro. E em sinal de respeito, por
ter o pedido atendido, Iansã, a mãe dos nove
filhos, nunca mais comeu carneiro. (PRANDI,
2001, p. 294-295).
96
branco. Oiá, ela é o tufão ele é o vendaval, Oiá ela tem a espada;
os elementos de Oiá são feitos de cobre, que é um condutor de
energia, ela está ligada justamente à tempestade, ao raio, a essas
questões, ao vento” (entrevista: 11/02/2008).
É inegável a relação de Oiá com os símbolos da luta.
Estamos sempre encontrando, entre os filhos-de-santo, a idéia de
que Oiá é orixá guerreiro, atributo que faz desaparecer outras
características como a maternidade. Sua coragem é sempre
motivo de exaltação entre os filhos dedicados a esta divindade.
Um exemplo dessa coragem fica patente quando a comunidade
fala de sua relação com Egúngun15.
Na foto que segue podemos visualizar Oiá-Iansã com
seus instrumentos cerimoniais, a espada e o iruexim16 com que
domina os eguns. A respeito de Iansã e sua ligação com os eguns
e o número nove, comenta um de nossos informantes: “ela é uma
mulher que se preocupou a vida inteira em criar seus noves
15
Espíritos, almas dos mortos ancestrais que voltam à Terra em determinadas
cerimônias rituais. O único orixá que aparece nesse culto aos mortos, pois não
os teme, antes os domina, é Iansã, chamada, nesse caso, “Iansã de Bale” ou
“Rainha de Bale” [...] (CACCIATORE, Ibidem, p. 108).
16
Instrumento simbólico de hierarquia, usado na África pelos reis, príncipes,
chefes [...] Iansã usa instrumento igual, porém de rabo de cavalo, chamado de
então iruexim. Símbolo de poder [...] uma espécie de chibata cerimonial
utilizado por Iansã [...] a qual ela fustiga os eguns. (Idem, Ibidem, p. 151).
97
filhos. Por isso se dá o odú17 de Iansã por nove. Ela se tornou
nove eguns, que são muito importantes na vida espiritual da
gente” (entrevista: 30/08/2008).
17
Sinal indicando o tipo de queda do colar de Ifá ou dos búzios com os quais
se faz a adivinhação. 2. São considerados filhos de Ifá, nasceram uns após os
outros, e os mais velhos são tidos, por isso como mais fortes que os mais
jovens [...] 1- Ogbê-meji; 2- Oiecu-meji; 3-Iourim-meji; 4- Odi-meji; 5-
Irossum-meji; 6- Ouorim-meji; 7- Obará-meji; 8- Ocanrã-meji; 10- Ossá-meji;
11- Icá-meji; 12- Oturopon-meji; 13- Oturá-meji; 14- Iretê-meji; 15- Oxé-meji;
16- Ofum-meji, todos referentes ao jogo no Opelê. Em se tratando do jogo com
de búzios de Exu o edilogum temos a seguinte ordem: 1 aberto e 15 fechados =
Ocanuã: Exu fala; 2 abertos e 14 fechados = Ejiocô: os Ibêjis falam; 3 abertos
e 13 faichados = Etaogundá: Ogum fala; 4 abertos e 12 fechados = Irossum:
Xangô fala; 5 abertos e 11 fechados = Oxé: Iemanjá e Ogum falam, 6 abertos e
10 fechados = Obará: Iansã fala; 7 abertos e 9 fechados = Odi: Exu fala; 8
abertos e 8 fechados = Ejionilê: Oxalá fala; 9 abertos e 7 fechados = Ossá:
Iemanjá fala; 10 abertos e 6 fechados = Ofum: Oxalá fala; 11 abertos e 5
fechados = Ouorim: Exu fala; 12 abertos e 4 fechados = Ejila Xeborá: Xangô
fala; 13 abertos e 3 fechados = Eji Ologum: Obetegunda fala; 14 abertos 2
fechados = Icá: Oxumaré fala; 15 abertos 1 fechado: Obatalá fala e 16 abertos
ou 16 fechados: a jogada é nula, é preciso recomeçar.
98
Foto 12: Oiá-Iansã. VERGER: 1997, p. 173
– foto 139
99
não era mudo, mas tinha uma voz estranha, rouca,
profunda, cavernosa. Esse filho foi Egungun, o
antepassado que fundou cada família. Foi
Egungun, o ancestral que fundou cada cidade.
Hoje, quando Egungun volta para dançar entre
seus descendentes, usando suas máscaras e
roupas coloridas, somente diante de uma mulher
ele se curva. Somente diante de Oiá se curva
Egungun. (PRANDI, 2001, p. 309).
18
O mesmo que iruexim.
100
primeira esposa da divindade Xangô, que a seduziu com seu
garbo e a conquistou de Ogum o ferreiro, fato que segundo os
filhos-de-santo vem justificar as disputas que muitas vezes
acontece entre os filhos de Xangô e os de Ogum dentro dos
terreiros.
Outro tema a ser lembrado, é a relação de Oiá-Iansã
com o elemento água, aspectos de extrema relevância para minha
pesquisa, pois em grande parte, na caracterização dessa deusa
encontramos os ventos como elemento central, mas como já nos
referimos todas as iabás estão ligadas ao elemento água, e no caso
de Oiá seu nome provém da idéia de espalhar as águas.
101
que Xangô gosta ela gosta. E ela traz uma força do corisco, do
trovão, a chuva. Ela é que domina aquela parte todinha, aqueles
raios, aquelas coisas, está muito entre ela e Xangô!
Nessa parte eles se comunicam muito, principalmente Iansã que
ela é quem [...] aquela focalização de cima, aquilo ali é ela que
traz. Por sinal a ferramenta dela é uma espada como um corisco,
ela é assim [...] ela não é reta, ela é assim. O corisco quando
você vê, quando ele desce, ele é assim [...] trazendo um S. É por
isso que ela adora trovejar e relampear, aquilo ali é festa dela”
(entrevista: 27/03/2008).
SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Espada Em primeiro lugar, a espada é símbolo do estádio
militar e de sua virtude, a bravura, bem como de
sua função, o poderio. A espada é também a luz e
o relâmpago. A espada, além de ser o relâmpago é
o fogo é também um raio do sol. (CHEVALIER,
2007, p. 392).
Raio/ “[...] o raio é uma energia explosiva não
Relâmpago acumulada [...] o raio é a criação que surge do
nada em estado ainda caótico, ou que se anula
num incêndio apocalíptico [...] os raios
simbolizam uma emanação luminosa que se
propaga a partir de um centro (sol, santo, herói,
gênio) sobre outros seres [...] Poderá esquentar,
estimular e fecundar, ou, ao contrario, queimar,
secar, esterilizar [...]” (Idem, Ibidem, p.767).
A cor vermelha Vermelho: “[...] símbolo fundamental do principio
de vida, com sua força, seu poder e seu brilho, o
vermelho, cor do fogo e do sangue, possui a
mesma ambivalência simbólica destes últimos. O
vermelho-claro, brilhante, centrifugo, é diurno,
macho, tônico, incitando a ação [...] o vermelho
escuro, bem ao contrario, é noturno, fêmea,
secreto e, em última análise, centrípeto, representa
102
não a expressão, mas o mistério da vida” (Idem,
Ibidem, p 944).
103
A partir dessa caracterização posso identificar os
seguintes mitemas e núcleos redundantes nos mitos referentes a
Oiá-Iansã.
Os núcleos redundantes presentes nos relatos a cerca de
Oiá-Iansã, temos os símbolos expostos no quadro mitocrítico. Os
elementos simbólicos mais recorrentes são: a espada, o vendaval,
a tempestade, o raio, o fogo, a cor vermelha, o chicote, o
cemitério, a cabra, a coroa, o número nove, a água e o búfalo.
Todos esses símbolos constelam em torno de um núcleo
arquetipal, o feminino noturno de mulher fatal. A partir do
dicionário de símbolos, podemos identificar algumas
significações para estes elementos simbólicos e contextualizá-los
dentro da dinâmica afro-brasileira.
Podemos concluir que os mitos de Oiá-Iansã ligam-se
tanto aos símbolos da divisão representados pela sua espada
como também aos símbolos da intimidade através do túmulo e do
cemitério. Oiá é a senhora dos mortos e a morte é vista como o
retorno ao berço; os eguns como espíritos dos mortos ancestrais,
ou seja, a morte se torna um retorno ao lar.
Na leitura de Verger “o arquétipo de Oiá-Iansã é o das
mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias [...]” (VERGER,
1997, p. 170). Mas vamos perceber também nesta mulher forte a
partir das entrevistas que sua grande preocupação é a
sobrevivência dos seus nove filhos: “[...] ela nunca se curvou aos
homens. Também porque ela sempre achou que tinha que ser
uma mulher autoritária e que não deveria estar debaixo dos pés
de homem nenhum. Ela queria viver para cuidar de seus filhos.
então ela deixava essas crianças e sai pelo mundo afora para
procurar o alimento e trazer para eles [...]” (entrevista:
30/08/2008).
104
b) Oxum
105
chamam ao cordão umbilical a corda da cabaça [...]”
(CHEVALIER, 2007, p.151).
A imagem de Caribé traz essa dimensão de Oxum como
guardião do parto. As mães estariam confortavelmente ninadas
junto com seus bebês pelo movimento das águas.
106
Conta o mito que:
107
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES
108
de Xangô. Podemos indicar que existe uma relação de aconchego
entre a água e o fogo.
SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Mãe “O simbolismo da Mãe está ligado ao do mar, na
medida em que eles são ambos, receptáculos e
matrizes da vida [...] Encontra-se nesse símbolo
da mãe a mesma ambivalência que nos da terra e
do mar: a vida e a morte são correlatas. A mãe é
a segurança do abrigo, do calor, da ternura e da
alimentação” (CHEVALIER, 2007, p. 580).
Ouro “O ouro é o metal perfeito. Seria o produto da
gestação lenta de um embrião, ou da
transformação, do aperfeiçoamento de metais
vulgares. É o filho dos desejos da natureza. O
ouro é em geral símbolo do conhecimento”
(Idem, Ibidem, p.669).
Amarelo “O amarelo é a mais quente, mais expansiva, a
mais ardente das cores [...] O amarelo é a cor da
terra fértil [...] o amarelo se detém sobre esta
terra, a meio caminho entre o muito alto e o
muito baixo [...] O amarelo está ligado ao
adultério, quando se desfazem os laços sagrados
do casamento” (Idem, Ibidem, pp.40-1).
Cachoeira “A cascata é o símbolo da impermanência oposto
ao da imutabilidade. Embora, como entidade, a
cachoeira permaneça, ela não é, entretanto,
jamais a mesma [...] esse símbolo é também o da
permanência da forma, apesar da mutação da
matéria” (Idem, Ibidem, p. 160).
Espelho “[...] o espelho é do mesmo modo relacionado
com a revelação da verdade e não menos com a
purificação [...] O espelho, do mesmo modo que
a superfície da água é utilizado para a
adivinhação” (Idem, Ibidem, p. 394-5).
109
Espada “Em primeiro lugar, a espada é símbolo do
estádio militar e de sua virtude, a bravura, bem
como de sua função, o poderio. A espada é
também a luz e o relâmpago. A espada, além de
ser o relâmpago é o fogo é também um raio do
sol” (Idem, Ibidem, p. 392).
Quadro 13 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de
Oxum
c) Obá
110
era tal que escolheu a luta e o pugilato como profissão”
(VERGER, 1992, p. 47).
Seu vigor e sua força foram vencidos pela astúcia de
Oxum. Obá querendo agradar seu marido, vai perguntar a Oxum
o porque ele fica boa patir de seu tempo com ela. Oxum então lhe
responde: porque sou uma boa cosinheira. Faço um preparado
com orelha, que posso lhe ensinar. Então Obá aprende a receita
de Oxum, e prepara uma sopa com sua orelha esquerda.Mas
Xangô nada nada dessa idéia. A velha Obá cairá no truque da
jovem Oxum. Essa passagem mitica vem justificar o por que as
filhas de Obá quando recebem a sua divindade levan a mão a
orelha esquerda, ritualizando a narrativa. Na foto apresentada por
Prandi (2001) visualizamos esta retualização.
111
Seu caráter destemido a faz assumir o papel de mulher
de temperamento apaixonado e irascível. Obá tem o dom de se
disfarçar e, de acordo com o humor do momento, assume a
aparência de uma mulher idosa, ranzinza e implicante, ou o
aspecto de uma amazona guerreira, destemida e belicosa
(MARTINS, 2002). Figura como líder de uma importante
coletividade de mulheres, a sociedade Elecô, “[...] que é formada
por guerreiras feiticeiras ambidestras que não têm os polegares.
Esta maçonaria reúne as mulheres guerreiras [...] as guerreiras,
membro da sociedade, manejam quaisquer armas [...]” (idem,
Ibidem, p.79).
Dentro dos discursos dos adeptos, Obá e Xangô formam
o par da justiça. Para o povo de santo, ela é a imagem do ser justo
a exemplo de seu marido Xangô, e ambos abominam quaisquer
tipos de injustiça. Esta relação de Obá com os elementos da
guerra e da justiça sinalizam para uma constelação de imagens
que valoriza os símbolos de potência.
As representações míticas de Obá estão ligadas às águas
revoltas. As oferendas dessa divindade devem ser levadas para o
encontro do rio com o mar, ato reiterado por um de nossos
entrevistados: “Obá está ligada às águas revoltas, os rios de
águas revoltadas, ao fenômeno da pororoca. Diz-se que ela está
ligada a tudo que é revolta [...]” (entrevista:11/03/2008).
Alguns elementos simbólicos aparecem nas narrativas a
respeito de Obá. A constelação destes símbolos ocorre em torno
do arquétipo da mulher guerreira. A que faz da luta o objeto de
seu desejo, conforme se descreve no quadro abaixo:
112
MITEMAS NÚCLEOS REDUNDANTES
113
querer-atacar” (BACHELARD, 1998, p. 167). Obá seria as águas
estéreis, ela é masculinizada.
Deste modo, o mitema de Obá como esposa e mulher do
lar é abafado pelo mitema que apresenta Obá como a guerreira.
Temos desta forma a supressão dos elementos noturnos da
intimidade e do aconchego materno, pois nas narrativas ela
aparece como uma divindade estéril. Uma representação ligada à
esterilidade de Obá e sua sexualidade feminina diluída, está no
mito em que Oxum a engana e a faz cortar sua própria orelha,
símbolo da sexualidade para os povos Dogons e os Bambaras
(CHEVALIER, 2007).
SÍMBOLOS SIGNIFICADOS
Escudo “O escudo (broquel) é o símbolo da arma passiva,
defensiva, protetora, embora às vezes possa ser
também, mortal. Efetivamente, o escudo é em muitos
casos uma representação do universo, como se o
guerreiro a usá-lo opusesse o cosmo ao seu
adversário [...]” (CHEVALIER, 2007, p. 387).
Cobre “Representa fundamentalmente o elemento água,
principio vital de todas as coisas; mas também a luz
que irradia [...] sendo símbolo da água, o cobre
vermelho o é, também, da vegetação [...] os raios
solares, acobreados, são os caminhos da água [...] o
Cobre vem do quinto céu, o céu vermelho, terra do
sangue, do fogo, da guerra e da justiça divina” (Idem,
Ibidem, p.261).
Orelha “[...] as orelhas longas, são sinal de sabedoria e
imortalidade [...] Na África, a orelha simboliza
sempre a animalidade. Para os Dogons e os Bambaras
do Mali, a orelha é um duplo símbolo sexual: o
pavilhão representando um pênis, e o conduto
auditivo, uma vagina [...]” (Idem, Ibidem, p.661).
Quadro 15 – Significados atribuídos aos símbolos encontrados nos mitos de
Obá
114
Os símbolos apresentados no quadro se apresentam
como participantes do núcleo arquetipal da guerra, do herói ou
heroína que luta pelo prazer da luta. Temos uma composição
arquetípica “das mulheres valorosas e incompreendidas. Suas
tendências um pouco viris fazem-nas freqüentemente voltar-se
para o feminino ativo” (VERGER, 1997, p. 186).
d) As águas
115
(BACHELARD, 1998, p. 23). O espelho de Oxum representa este
refletir das águas. As águas dos rios evocam, segundo Bachelard,
a nudez feminina, e conclui dizendo que: “o ser que sai da água é
um reflexo que aos poucos se materializa: é uma imagem antes de
ser um ser, é um desejo antes de ser uma imagem”
(BACHELARD, 1998, p. 36).
116
sobre os mortos e a volúpia de Oiá-Iansã. E por outro lado
Xangô, o fogo complementa os personagens femininos naquilo
que lhe falta. As águas se aquecem, tornam se águas mornas.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
118
femininos perpassando todos os mitemas através dos símbolos
constelados.
Deste modo, nossa pergunta inicial fez eclodir quatro
tipologias para o complexo mítico em questão.
A primeira tipificação evidenciada foi o caráter poli-
semântico dos orixás. Ao contrário das divindades Greco-
romanas que assumem uma Persona mais rígida e menos plástica,
os orixás apresentam-se nas narrativas míticas compostos por
uma polissemia teatral. Xangô por exemplo tem como símbolo
de virilidade o machado, símbolo do universo uraniano, com o
qual exerce sua autoridade de Juiz implacável, instrumento que
aponta para a simbólica diurna ascensional, no entanto, este
mesmo machado se interconecta com a chuva, símbolo de
fertilidade, relacionado com as imagens noturnas da nutrição.
Esse duplo ESTAR, por sua vez não causa conflitos semânticos,
mas define a mobilidade dessas divindades.
O outro aspecto é a complementaridade funcional e
semântica dos elementos água e fogo. Um fator funcional
complementar relacionado nas narrativas míticas é a simbologia
assumida pelo fogo e pela água na qualidade de instrumentos de
purificação. O fogo de Xangô purifica seu reino contra as
injustiças, as águas de Obá lavam os injustos. E a sua
complementaridade semântica é demonstrada pelos significados
integrados que estes elementos assumem no complexo mítico de
Xangô e suas três esposas, Oiá-Iansã, Oxum e Obá. Ambos os
elementos são identificados como princípios hierofânicos dos
deuses.
A terceira tipificação surge a partir da relação do texto
mítico com o contexto definido pelo trajeto antropológico afro-
brasileiro, ou seja, a predominância de símbolos assumindo um
cárter heróico dentro da caracterização dos personagens-deuses, e
deixando em estado de latência símbolos provocados pelas
dominantes reflexas da nutrição e da rítmica sexual, levanta duas
hipóteses: 1) é promovido por um imaginário ainda muito
119
presente na sociedade brasileira da escravidão, e por isso a
necessidade da defesa e da luta pela liberdade; 2) pode estar
relacionado com uma formação ocidental, ou melhor, uma
estrutural racional ocidentalizada muito presente nos discursos
dos nossos entrevistados. Feição que torna os símbolos heróicos
os elementos mais recorrentes nas falas.
Já os símbolos femininos presentes na constelação de
imagens fornecidas pelo complexo mítico em análise tende a
compor uma ação onde os personagens míticos são
impulsionados arquetipalmente pelo feminino, tema que surge
como uma hipótese emergente, ou seja, a luta desempenhada
pelos personagens no cenário mítico colocado em evidência na
relação entre Xangô e suas três esposas, deixa transparecer um
imaginário afro-brasileiro ligado as imagens da mãe que defende
seus filhos. Portanto vamos encontrar uma sincronicidade entre
os elementos heróicos e místicos.
Com essas colocações passemos a responder as
perguntas problemas que são geradas a partir da problemática
inicial: 1) dentro deste complexo mítico, que estrutura do
imaginário se mostra mais presente; 2) a partir da identificação da
predominância estrutural que dominantes reflexas podemos
identificar; 3) e a qual regime das imagens está ligado este
complexo mítico.
A respeito da predominância estrutural, podemos
apontar a estrutura sintética em sua subdivisão sintética
existencial sincrônica, onde vamos encontrar a presença de uma
simultaneidade de ação das estruturas heróica e mística. Essa
identificação parte das duas últimas tipificações, quando
identificamos a presença de elementos heróicos representados
pelos símbolos da guerra, a espada, o escudo, o machado e
elementos místicos representados pelo próprio encontro
complementar entre o fogo e água e os símbolos femininos.
A partir desta identificação consideramos que existe
uma simultaneidade das três dominantes reflexas na constituição
120
deste complexo mítico. Conclusão que se coaduna com o caráter
poli-semântico dos personagens míticos em análise. E por fim
concluímos que se trata de um corpo mítico do regime noturno
das imagens dentro de uma formatação onde o principio é fundir
e harmonizar as oposições.
Por fim gostaríamos de colocar as dificuldades
encontradas na pesquisa. A principal delas foi encontrar relatos a
respeito de Obá, uma das três esposas envolvidas na construção
do complexo mítico de Xangô. A outra foi apropriar-me dos
elementos epistemológicos da teoria do imaginário do Gilbert
Durand. Trajeto que me tomou uma boa parte de tempo, mas que
certamente me possibilitou novos questionamentos.
Concluímos tendo um caminho a percorrer em nossa
frente e, portanto as considerações aqui levantadas tornam-se
pontos de partida para novas reflexões.
121
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125
APÊNDICE A
ROTEIRO DA ENTREVISTA
Roteiro de Entrevista
Geral:
• Qual a relação dos Orixás com a natureza?
Xangô:
1- Quem é Xangô?
2- Como ele se veste?
3- Qual a alimentação de Xangô?
4- Como é a dança de Xangô?
5- Como é a relação de Xangô com suas três esposas?
Oxum:
6- Quem é Oxum?
7- Como ela se veste?
8- Qual a alimentação de Oxum?
9- Como é a dança de Oxum?
Oiá-Iansã:
10- Quem é Oiá-Iansã?
11- Como ela se veste?
12- Qual a alimentação de Oiá-Iansã?
13- Como é a dança de Oiá-Iansã?
126
Obá:
14- Quem é Obá?
15- Como ela se veste?
16- Qual a alimentação de Obá?
17- Como é a dança de Obá?
127
APÊNDICE B
128
a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum
dano, ficando o senhor (a) livre para participar ou não.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer
esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da
pesquisa.
Diante do exposto declaro que fui devidamente
esclarecido (a) e dou o meu consentimento para participar da
pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente que
receberei uma cópia desse documento.
Assinatura da Testemunha
Atenciosamente
129
LISTA DAS FOTOS, FIGURAS, QUADROS, MAPAS E
DIAGRAMA
FOTOGRAFIAS:
FIGURAS:
130
QUADROS:
MAPAS:
131
África
Mapa 4: Localização geográfica dos iorubás na pág. 48
África
DIAGRAMA:
132