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Essa listinha não esgota todas as tarefas de preparadores e revisores, mas esse é um assunto
para outro curso. Por ora, vamos nos concentrar nas etapas de produção editorial e nos limites de
intervenção no texto – esses, sim, temas que têm tudo a ver com a questão da gramática.
AS ETAPAS DA PRODUÇÃO EDITORIAL
Para fazer um bom trabalho de revisão e preparação, é importante conhecer o processo
editorial e entender o papel de cada um de seus agentes. Preparadores e revisores servem aos
interesses – muitas vezes conflitantes – de três atores: o autor, o editor, o leitor. Nunca se esqueça
disso.
Muito resumidamente, o processo de produção de um livro é o seguinte: se a obra aprovada
para publicação foi escrita em uma língua estrangeira, providencia-se a tradução. A seguir vem
a preparação. No caso de originais nacionais, a preparação é a primeira etapa do trabalho editorial
depois das intervenções iniciais do editor. Em qualquer caso ela deve ser executada antes da
diagramação do livro. Às vezes é preciso fazer cotejo, a análise comparativa do original com a
tradução linha por linha, mas essa etapa é executada apenas esporadicamente, quando se desconfia
que a tradução tem muitos problemas. Depois de preparado, o texto é diagramado. Na sequência,
passa pela revisão de provas (duas provas pelo menos). Terminada a revisão, o arquivo é fechado e
um PDF é encaminhado para a gráfica que fará a impressão do livro.
O fluxo do texto na produção do livro
Se o livro em questão for um original técnico-científico, dependendo do caso ele poderá ainda
passar pela revisão técnica de um especialista.
Observe que a cada etapa de intervenção no texto corresponde uma etapa de controle. Esse é
um princípio fundamental do processo, que deve ser sempre respeitado para que o produto final saia
o mais próximo possível da perfeição.
Os profissionais que trabalham diretamente para o cliente, sem passar pela intermediação de
uma editora, talvez experimentem um processo menos esquemático. Para começar, nessa situação
todo trabalho de correção do texto é chamado de revisão, ainda que seja feito na tela de um
computador, com o texto não diagramado. O cliente é o coordenador e última instância de decisões.
No mercado editorial, porém, é bem clara a divisão de atribuições entre os preparadores e os
revisores.
A preparação
Como a preparação acontece antes da diagramação do livro, no texto digitalizado, é nessa fase
que devem ser feitas as correções substanciais.
O preparador deve cuidar dos aspectos gramaticais do texto (acentuação, ortografia,
vocabulário e sintaxe), e para isso ele precisa ter excelente domínio da gramática e de técnicas de
redação. O preparador deve cuidar também dos aspectos formais do texto (uma série de critérios de
padronização cujo objetivo é dar à obra uma apresentação racional e uniforme). Clareza, coerência,
consistência e correção são as metas a serem alcançadas.
A revisão
A revisão de provas é a leitura e a correção do texto quando ele já está diagramado. Ela pode
ser feita em papel, método ainda predominante no mercado, ou em arquivos PDF. A principal função
do revisor de texto é garantir a coerência da aplicação dos critérios de padronização e a correção
gramatical (sempre em alinhamento com o contexto específico de cada texto).
Em especial, o revisor não pode errar a ortografia e a acentuação. E nem deixar passar pastéis
(ou gralhas), que são os erros tipográficos. Com o livro já diagramado, é preciso pesar bem as
correções a fazer. Não é mais o momento de interferir profundamente no texto, sob pena de atrasar e
onerar o processo. Se o revisor considerar que a prova que tem nas mãos precisa de muitos reparos,
deve conversar com o editor antes de emendá-la.
Os limites de intervenção durante a preparação do texto
A grande dificuldade do preparador e do revisor iniciantes é determinar quanto podem intervir
em um texto que não é seu. Para muitos, essa dúvida é paralisante e fonte de muita angústia.
Embora não exista uma regra absoluta, que possa ser aplicada a 100% dos casos, é possível
estabelecer algumas balizas. A primeira delas está logo acima: na preparação são feitas as correções
substanciais; na revisão, a correção gramatical e dos erros tipográficos.
Preparação de obras brasileiras
Em obras de ficção, o preparador deve se restringir a corrigir a ortografia e a acentuação, a
menos que tenha sido orientado pelo editor a efetuar alterações substanciais. A pontuação e as
pequenas incorreções de sintaxe devem ser mantidas, uma vez que são os autores nacionais que
introduzem na linguagem escrita formas novas, que a gramática normativa poderá um dia assimilar.
Mas vamos fazer um parêntese para falar dos autores de ficção autopublicados. Autopublicar-
se é uma possibilidade cada vez mais comum graças às novas tecnologias, e pode ser que um autor
assim decida contratar o serviço de um revisor ou preparador. Um texto de ficção que não passou
pelo crivo e pelas sugestões de um editor pode precisar de muito mais do que correções de
acentuação e ortografia. O que fazer? Conversar com o autor, explicar a ele quais são as
possibilidades de intervenção (veja “Os níveis de intervenção no texto”, abaixo), fazer o seu
julgamento e aguardar a decisão dele. Como, aliás, fazem os profissionais que trabalham com teses e
dissertações.
Em obras de não ficção, o preparador tem mais liberdade. Aqui o elemento mais importante é
o conteúdo informativo, e nesse caso fica tácito que, desde que não altere o conteúdo da obra, o
preparador pode melhorar o texto. Porém, mesmo neste caso é importante que o preparador procure
respeitar ao máximo a voz do autor. Não é incomum encontrarmos autores com uma voz bastante
própria cujo texto apresenta muitos problemas de sintaxe. Nossa função é manter a voz e corrigir os
problemas. Sim, é possível. Por outro lado, há um tipo de autor de livros de não ficção que tem um
estilo tão próprio que deve ser tratado como os autores de ficção. Pense em um Ruy Castro, um
Fernando Morais, uma Lya Luft, por exemplo.
No entanto, o estado em que a obra chegará às mãos do preparador sempre dependerá da
estrutura e do porte da editora que encomendou o serviço. Editoras grandes, mais estruturadas, em
geral trabalham mais o texto antes de enviá-lo à preparação. Por isso é muito importante que o
preparador procure saber exatamente o que esperam dele em cada livro.
Preparação de obras traduzidas
Além de corrigir os erros de ortografia, acentuação e sintaxe, é dever do preparador procurar
sanar os eventuais defeitos de tradução. Porém, é preciso cuidado para não desfigurar uma tradução
de caráter eminentemente pessoal. Cada tradutor tem seu estilo, e, desde que haja coerência e o
trabalho esteja bem-feito, ele deve ser respeitado. Em casos assim, emendas isoladas apenas
atrapalham o resultado final. Corrigir erros de sintaxe, sanar problemas pontuais, eliminar
ambiguidades, adequar uma ou outra palavra – funções do preparador – não tem nada a ver com
reescrever completamente o texto ou fazer opções de estilo.
Os desvios da norma-padrão da língua devem ser corrigidos, mas sem extremismos. Por
exemplo, não é porque a gramática não aceita a próclise do pronome oblíquo em início de oração que
vamos usar a mesóclise em uma obra contemporânea, especialmente em um diálogo, que dessa
forma soaria muito artificial. Em casos assim, o preparador deve buscar soluções menos radicais.
Mais sobre este tópico na próxima aula.
Os níveis de intervenção no texto
A profundidade das correções a serem feitas em um texto deve ser discutida com o editor. Se
você estiver trabalhando diretamente para o cliente/autor, esses parâmetros deverão ser
estabelecidos com ele.
Com o tempo, todo preparador desenvolve uma espécie de intuição que lhe diz quando intervir
e quando deixar pra lá. O que não significa que vamos acertar sempre ou deixar autores e editores
felizes 100% do tempo. O importante é que o trabalho tenha consistência.
A tabela a seguir resume os tipos de intervenção que podemos fazer em um texto. Ela foi
criada pela Amy Einsohn e resume muito bem o trabalho editorial no que diz respeito ao texto:
Padronização
Verificação da correlação entre as partes do livro
Edição da linguagem
Edição do conteúdo
Hierarquização
Não se esqueça de que em textos de ficção de autor nacional a margem de interferência pode ser
mínima.