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1
Diário do Congresso Nacional, suplemento, 30 abr. 1966, p. 15-17.
2
Abdias Nascimento, Carta aberta a Dacar, Tempo brasileiro, v. 4, n. 9/10, 2. trim., 1966, p. 97-106.
3
Abdias Nascimento, Open Letter to the First World Festival of Black Arts, Présence Africaine, Paris, v.
30, n. 58, 1966.
4
Abdias Nascimento, O Brasil na mira do pan-africanismo (Salvador: Editora da Universidade Federal
da Bahia, 2002), p. 321-332.
5
Carlos Moore, Abdias do Nascimento e o surgimento de um panafricanismo contemporâneo global. In:
Abdias Nascimento, O Brasil na Mira do Pan-Africanismo (Salvador: Editora da Universidade Federal da
Bahia, 2002), p. 17-32 (o trecho transcrito aqui é das páginas 18-19).
Césaire, Frantz Fanon, Léon Damas, Richard Wright, Cheikh Anta Diop, Léopold Sédar
Senghor e Alioune Diop.
O 1o Festival Mundial das Artes e das Culturas Negras de Dacar foi a primeira
cúpula de intelectuais pan-africanistas em terra africana; daí sua transcendência
simbólica. A declaração-manifesto de Abdias teve tal repercussão sobre os debates do
Colóquio do Festival que foi imediatamente publicada na revista Présence Africaine,
importante órgão do movimento pan-africano da Négritude, editada em Paris. A partir
daí as propostas e denúncias contidas nesse detalhado documento não parariam de rodar
e de incomodar. Cumpre ressaltar que, no momento desse manifesto, o Brasil estava sob
as botas de um regime militar que não vacilava em fazer desaparecer seus opositores.
Por isso, não surpreende que, apenas dois anos após sua corajosa denúncia da
“democracia racial” fardada, Nascimento tivesse de fugir do Brasil e se refugiar nos
Estados Unidos, onde morou no exílio até 1981.
A ideologia da brancura
Os exclusores do Itamarati
Este tem sido, meus irmãos, o trabalho que há mais de vinte anos vem realizando o
Teatro Experimental do Negro. Antes de nosso aparecimento, em 1944, negro não
pisava palco de teatro dramático. Quilombo, uma revista editada pelo TEN, certa vez
perguntou a Nelson Rodrigues, o nome mais importante da dramaturgia brasileira,
quais, a seu ver, as razões da ausência do negro em cena. Respondeu: "Acho, isto é,
tenho a certeza, de que é pura questão de desprezo. Desprezo em todos os sentidos, mas
físico, sobretudo". Após outras considerações, arrematou o branco autor de Anjo Negro
“... quando uma peça exige o elemento de cor, adota-se a seguinte solução: brocha-se
um branco. Branco pintado, eis o negro do teatro nacional". Tiveram bom êxito os
esforços do TEN nesse setor. Formou e lançou uma geração de artistas, intérpretes
dramáticos da melhor categoria, hoje integrados no teatro e cinema brasileiro. Também
dançarinos, coreógrafos, cantores, tamboristas, tendo já alguns deles, em companhias
independentes, excursionado em países da Europa. Inspiramos e estimulamos a criação
de uma literatura dramática para artistas de cor, e algumas peças figuram em nossa
antologia de teatro negro-brasileiro intitulada Dramas para negros e prólogo para
brancos. Nesses textos, a capacidade trágica e o lirismo do negro assumem papel
dominante. O negro é o protagonista, é o herói. Antes do TEN ele somente figurava em
papéis subalternos ou decorativos. Nós liquidamos com a fase do negro folclórico, do
negro exótico. Promovemos o 1o Congresso do Negro Brasileiro, conferências,
convenções, cursos, concurso de artes plásticas sobre o tema do Cristo Negro, tudo no
sentido de oferecer ao elemento afro-brasileiro oportunidades de conhecer seu papel na
sociedade brasileira, e a consciência de sua herança cultural africana, à qual somos fiéis
dentro de nossa brasilidade. Esforçamo-nos para a fixação de um tipo de beleza através
dos concursos da "Boneca de Pixe" e da "Rainha das Mulatas", com o senso pedagógico
de educação do gosto estético popular. A cantora da Ópera de Paris, nossa Maria
d'Aparecida, é um belo exemplo do alto nível desse concurso.
Sem nenhum contato, desligados materialmente, ignorando o que se fazia fora de
nosso país, mantivemo-nos fiéis ao apelo telúrico, ao chamado primitivo. Ao fermento
africano, à negritude, enfim, a qual, já o disse alguém, antes de um tema ou uma
abstração conceitual, é o nosso jeito de sermos homens, nossa ótica do mundo que nos
rodeia. E tudo o que jeito e ótica têm de mais profundo e intocável. Por isso, segundo
o poeta, nos reconhecemos mais pelo olhar que pelo idioma. Daí ser irrelevante o
argumento da língua diferente para justificar a exclusão de artistas dramáticos da
delegação oficial. Esqueceram-se da valiosa experiência do Teatro das Nações, em
Paris, ou subestimaram a sensibilidade e inteligência da plateia de Dacar.
Vamos enviar cópia desta carta aberta ao governo do Senegal, assim como
também cópias idênticas serão enviadas à UNESCO e à Sociedade Africana de Cultura
(SAC, Paris), também responsáveis pela organização do Festival.
Irmãos: