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Análise de Classe

Marxista e Austríaca
Hans-Hermann Hoppe
P
retendo fazer o seguinte neste paper:
primeiro apresentar as teses que cons-
tituem o núcleo da teoria marxista da
história. Meu ponto é que todas elas são es-
sencialmente corretas. Então eu demonstrarei
como essas teses verdadeiras são derivadas no
marxismo de um ponto de partida falso. Final-
mente, eu demonstrarei como o austrianismo,
na tradição Mises-Rothbard, pode fornecer uma
explicação correta mas categoricamente dife-
rente da validade delas.
Deixe-me começar com o núcleo central do
credo marxista:1
(1) “A história da humanidade é a história
∼ 16de abril de 2017. Discussão em AncapChannel. □
1 Sobre o seguinte, veja K. Marx e F. Engels, Manifesto Comunista
(1848); K. Marx, Das Kapital, 3 vols. (1867; 1885; 1894); dos marxis-
tas contemporâneos, E. Mandel, Marxist Economic Theory (Londres:
Merlin, 1962); idem, Late Capitalism (londres: New Left Books,
1975); P. Baran e P. Sweezy, Monopoly Capital (Nova York: Monthly
Review Press, 1966); para uma perspectiva não-marxista, L. Kola-
kowski, Main Currents of Marxism, G. Wetter, Sovietideologie heute
(Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 1; W. Leonhard, Sovietideologie
heute (Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 2. □
das lutas de classes.”2 É a história das lutas entre
uma classe dominante relativamente pequena e
uma classe maior de explorados. A forma primá-
ria de exploração é econômica: A classe domi-
nante expropria parte da produção dos explora-
dos ou, como os marxistas dizem, “se apropriam
do produto de uma mais-valia social” e a usa
para seus próprios propósitos de consumo.
(2) A classe dominante é unificada por seu
interesse comum em manter sua posição explo-
ratória e maximizar sua mais-valia apropriada.
Ela nunca deliberadamente abandona o poder
ou a renda advinda da exploração. Em vez disso,
qualquer perda de poder ou renda precisa ser re-
cuperada através de conflitos, cujos resultados
em última análise depende da consciência de
classe dos explorados, i.e., se os explorados es-
tão, e em qual medida, cientes das suas próprias
condições e se estão deliberadamente unidos
com os outros membros da sua classe em co-
mum oposição à exploração.
2 Manifesto Comunista, seção 1. □
(3) O domínio de classe se manifesta prima-
riamente em arranjos específicos com relação à
estipulação dos direitos de propriedade ou, na
terminologia marxista, em específicas “relações
de produção”. Para proteger esses arranjos ou
relações de produção, a classe dominante forma
e está no comando do estado como o aparato de
compulsão e coerção. O estado aplica e ajuda a
reproduzir uma dada estrutura de classes atra-
vés da administração de um sistema de “justiça
de classe”, e ajuda na criação e no suporte de
uma superestrutura ideológica criada para dar
legitimidade à existência do domínio de classe.
(4) Internamente, o processo de competição
dentro da classe dominante gera uma tendên-
cia de crescente concentração e centralização.
Um sistema multipolar de exploração é gradual-
mente suplantado por um sistema oligárquico
ou monopolista. Menos e menos centros de ex-
ploração continuam em operação, e aqueles que
continuam são cada vez mais integrados numa
ordem hierárquica. E, externamente, e.g., den-
tro do sistema internacional, esse processo de
centralização interna levará (e mais intensa-
mente quanto mais avançado estiver) a guerras
imperialistas entre estados e à expansão terri-
torial do domínio explorador.
(5) Finalmente, com a centralização e ex-
pansão do domínio explorador gradualmente
se aproximando do seu limite de dominação
global, o domínio de classe se tornará cada vez
mais incompatível com um maior desenvolvi-
mento e avanço das “forças produtivas”. Es-
tagnação econômica e crises se tornam mais
e mais características e criam as “condições
objetivas” para a emergência da consciência
de classe revolucionária dos explorados. A si-
tuação se torna propícia ao estabelecimento
de uma sociedade sem classes, para o “desapa-
recimento do estado”, para “a substituição do
governo do homem sobre o homem pela ad-
ministração das coisas”3 e, como resultado, de
3 Manifesto Comunista, seção 2, últimos dois parágrafos; F. Engels,
Von der Autoritaet in: Marx e Engels, Ausgewaehlte Schriften, 2 vols.
(Berlim Ocidental: Dietz, 1953), vol. 1, p. 606; idem, Die Entwicklung
des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft, idem, vol. 2, p. 139.
prosperidade econômica nunca antes vista.
Todas essas teses são perfeitamente justi-
ficáveis, como eu demonstrarei. Infelizmente,
no entanto, foi o marxismo, que subscreve a
todas elas, que fez mais do que qualquer ou-
tro sistema ideológico para desacreditar suas
validades por derivá-las de uma teoria de explo-
ração patentemente absurda.
Qual é essa teoria marxista da exploração?
De acordo com Marx, os sistemas sociais pré-
capitalistas, como a escravidão e o feudalismo,
são caracterizados pela exploração. Não há dis-
puta quanto a isso. Afinal, o escravo não é um
trabalhador livre e não pode se dizer que ele
ganha por estar escravizado. Ao contrário, sua
escravização reduz sua utilidade em favor de
um aumento na riqueza apropriada pelo escra-
vizador. O interesse do escravo e do dono de
escravos é de fato antagônico. O mesmo é ver-
dadeiro quanto aos interesses do senhor feudal
que extrai impostos sobre a terra do camponês

que se apropriou originalmente dela. Os ganhos
do senhor são as perdas do camponês. E tam-
bém não há disputa quanto ao fato de que tanto
a escravidão quanto o feudalismo impedem o
desenvolvimento das forças produtivas. Nem o
escravo nem o servo são tão produtivos quanto
seriam sem a escravidão ou a servidão.
Mas a idéia genuinamente nova do mar-
xismo é a de que essencialmente nada é mudado
com relação à exploração sob o capitalismo, i.e.,
se o escravo se torna um trabalhador livre, ou se
o camponês decide cultivar a terra apropriada
por outra pessoa e paga o aluguel da terra em
troca disso. Para ser preciso, Marx, no famoso
vigésimo quarto capítulo do primeiro volume
de seu Kapital, intitulado “A Chamada Acumu-
lação Original”, fornece uma descrição histórica
da emergência do capitalismo que aponta que
muitas, ou mesmo que a maior parte, das propri-
edades capitalistas são resultado de saques, ane-
xações e conquistas. Similarmente, no capítulo
25, sobre a “Moderna Teoria do Colonialismo”,
o papel da força e da violência na exportação
do capitalismo ao que — como diríamos hoje
em dia — Terceiro Mundo é fortemente enfati-
zado. Admitidamente, tudo isso é geralmente
correto, e assim não pode haver disputa na rotu-
lação desse capitalismo como explorador. Mas
se deve estar atento ao fato de que aqui Marx
está executando um truque. Ao fazer investiga-
ções históricas e instigar a indignação do leitor
quanto às brutalidades subjacentes à formação
de muitas fortunas capitalistas, ele põe de lado
a questão que tinha em mãos, evitando o fato
de que sua tese é na verdade inteiramente dife-
rente: a saber, que mesmo sob um capitalismo
“limpo”, por assim dizer, i.e., sob um sistema
no qual a apropriação original do capital foi
resultado de nada mais que homesteading, tra-
balho e poupança, o capitalista que contratou o
trabalho para empregar com seu capital estaria
mesmo assim envolvido em exploração. De fato,
Marx considerava a prova desta tese como sua
mais importante contribuição à análise econô-
mica.
Sua prova do caráter explorador de um capi-
talismo limpo consiste na observação de que os
fatores de produção, em particular dos salários
pagos aos trabalhadores pelos capitalistas, são
mais baixos que os preços da produção. Ao tra-
balhador, por exemplo, é pago um salário que
representa os bens de consumo que podem ser
produzidos em três dias, mas ele na verdade tra-
balhou cinco dias por seu salário e produz bens
de consumo que excedem em valor o que ele
recebe como remuneração. A produção de dois
dias extras, a mais-valia na terminologia mar-
xista, é apropriada pelo capitalista. Portanto, de
acordo com Marx, existe exploração.4
4 VejaK. Marx, Das Kapital, vol. 1; a apresentação mais curta é seu
Lohn, Preis, Profit (1865). Na verdade, para provar a tese marxista
mais específica de que exclusivamente o dono do trabalho é ex-
plorado (mas não o dono de outro fator de produção originário: a
terra), outro argumento seria necessário. Pois se fosse verdadeiro
que a discrepância entre o preço dos fatores e da produção constitui
uma relação exploratória, isso apenas mostraria que o capitalista
que contrata serviços de trabalho de um trabalhador e serviços da
terra de um dono de terras exploraria ou o trabalho, ou a terra, ou
ambos simultaneamente. É a teoria do valor-trabalho, é claro, que
tem que prover o elo perdido aqui ao tentar estabelecer o trabalho
como a única fonte do valor. Eu me pouparei da tarefa de refutar
essa teoria. Poucos restam hoje em dia, mesmo entre aqueles que
O que há de errado com essa análise?5 A res-
posta se torna óbvia uma vez que se pergunta
por que o trabalhador possivelmente concorda-
ria com esse arranjo! Ele concorda porque seu
pagamento salarial representa bens presentes
— ao passo que seus serviços de trabalho repre-
sentam apenas bens futuros — e ele valora mais
os bens presentes. Afinal, ele poderia também
decidir não vender seus serviços ao capitalista
se dizem marxistas, que não reconheçam o erro da teoria do valor-
trabalho. Em vez disso, eu aceitarei, para argumentar, a sugestão
feita, por exemplo, pelo auto-proclamado “marxista analítico” J.
Roemer em A General Theory of Exploitation and Class (Cambridge:
Harvard University Press, 1982); e Value, Exploitation and Class
(Londres: Harwood Academic Publishers, 1985), de que a teoria da
exploração pode ser separada analiticamente da teoria do valor-tra-
balho; e que uma “teoria geral da exploração da mercadoria” [N.T.:
“generalized commodity exploitation theory”] pode ser formulada
e justificada mesmo que a teoria do valor-trabalho não seja correta.
Eu pretendo demonstrar que a teoria marxista de exploração não
tem sentido mesmo se fôssemos absolver seus proponentes de ter
que provar a teoria do valor-trabalho e, de fato, mesmo que a teoria
do valor-trabalho fosse verdadeira. Mesmo uma teoria geral da
exploração de mercadoria não fornece escapatória da conclusão de
que a teoria da exploração marxista está errada. □
5 Sobre o seguinte, veja E. v. Böhm-Bawerk, The Exploitation Theory
of Socialism-Communism (South Holland: Libertarian Press, 1962).

e assim ganhar o “valor total” de sua produção
ele mesmo. Mas isso, é claro, implicaria que
ele teria que esperar mais tempo por quaisquer
bens de consumo para que ficassem disponíveis
para ele. Ao vender seu trabalho, ele demons-
tra que prefere uma menor quantidade de bens
de consumo agora a uma quantidade possivel-
mente maior no futuro. Por outro lado, por que
o capitalista quereria selar um acordo com o
trabalhador? Por que ele quereria abrir mão
de bens presentes (dinheiro) para o trabalhador
em troca de serviços que trazem frutos somente
mais tarde? Obviamente, ele não quereria pagar,
por exemplo, $100 agora se ele fosse receber a
mesma quantia no tempo de um ano. Nesse
caso, por que não simplesmente ficar com o di-
nheiro por um ano e receber o benefício extra
de tê-lo sob controle durante todo o tempo?
Em vez disso, ele precisa esperar receber uma
soma maior que $100 no futuro para abrir mão
dos $100 agora na forma de salário pago para
o trabalhador. Ele precisa esperar ser capaz de
auferir lucro, ou mais corretamente um retorno
de juros. E ele é constrangido pela preferên-
cia temporal, i.e., pelo fato de que um agente
prefere invariavelmente bens mais cedo do que
mais tarde. Pois se se puder obter uma maior
soma no futuro sacrificando uma soma menor
no presente, por que então o capitalista não
poupa mais do que está poupando? Por que ele
não contrata mais trabalhadores do que con-
trata, se cada um deles promete um retorno de
juro adicional? A resposta novamente deve ser
óbvia, porque o capitalista é um consumidor
também, e não pode não ser um. A quantia de
sua poupança e de seus investimentos é restrin-
gida pela necessidade que ele, também, como
o trabalhador, requer uma oferta de produtos
presentes “grande o suficiente para assegurar
a satisfação de todos aqueles desejos que são
considerados mais urgentes durante o tempo de
espera que as vantagens que um período ainda
maior de produção poderia prover”6 .
6 L.
v. Mises, Human Action (chicago: Regnery, 1966), p. 407; veja
também M. N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles:
Nash, 1970), pp. 300-01. □
O que há de errado com a teoria da explo-
ração de Marx, então, é que ele não entende o
fenômeno da preferência temporal como uma
categoria universal da ação humana.7 Que o tra-
balhador não receba seu “valor total” não tem
nada a ver com exploração, mas meramente
reflete o fato de que é impossível para o ho-
mem trocar bens futuros por bens presentes
a não ser com um desconto. Ao contrário do
caso do escravo e do dono de escravos, onde o
último se beneficia às expensas do primeiro, o
relacionamento entre o trabalhador livre e o ca-
pitalista é mutuamente benéfico. O trabalhador
entra no acordo porque, dada sua preferência
temporal, ele prefere uma menor quantidade de
bens presentes a uma quantidade maior no fu-
turo; e o capitalista entra nele porque, dada sua
preferência temporal, ele tem uma preferência
de ordem reversa e avalia melhor uma quanti-
7 Sobre a teoria do juro da preferência temporal, em adição aos
trabalhos citados nas notas 5 e 6, veja também F. Fetter, Capital,
Interest, and Rent (Kansas City: Sheed Andrews and Mcmeel, 1977).

dade maior de bens futuros que uma quantidade
menor de bens presentes. Seus interesses não
são antagônicos, mas harmônicos. Sem a expec-
tativa do capitalista de um retorno de juro, o
trabalhador estaria numa situação pior porque
teria que esperar mais tempo do que deseja; e
sem a preferência do trabalhador por bens pre-
sentes, o capitalista estaria numa situação pior
porque ele teria que recorrer a métodos com
menos estágios e menos eficientes de produção
que aqueles que deseja adotar. Nem o sistema
salarial capitalista pode ser considerado como
um impedimento ao desenvolvimento das for-
ças de produção, como Marx pretende. Se o
trabalhador não pudesse vender seus serviços
de trabalho e se o capitalista não os pudesse
comprar, a produção não seria maior, mas me-
nor, porque a produção teria que se dar com
níveis relativamente reduzidos de acumulação
de capital.
Sob um sistema de produção socializado, ao
contrário das proclamações de Marx, o desen-
volvimento das forças produtivas não alcança-
ria novas alturas, mas, em vez disso, afundaria
dramaticamente.8 Porque, obviamente, a acu-
mulação de capital precisa ser feita por indiví-
duos definidos em pontos definidos do tempo
e do espaço através de apropriação, produção
ou poupança. Em cada caso, ela é levada a cabo
com a esperança de que trará um aumento da
produção de bens futuros. O valor que um agente
atribui a seu capital reflete o valor que ele atri-
bui a todas as rendas futuras atribuíveis a sua
cooperação descontada pela sua taxa de pre-
ferência temporal. Se, no caso dos fatores de
produção de propriedade coletiva, a um agente
não é mais garantido o controle exclusivo so-
bre seu capital acumulado e, portanto, sobre a
renda futura a ser derivada de seu emprego, mas
o controle parcial, ao invés disso, é dado aos
não-apropriadores originais, não-produtores e
não-poupadores, o valor para ele da renda espe-
8 Sobre
o seguinte, veja H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and
Capitalism (Boston: Kluwer, 1988); idem, “Why Socialism Must Fail”,
Free Market, Julho 1988; idem, “The Economics and Sociology of
Taxation”, in: Taxation: An Austrian View, editado por Lew Rockwell
(Auburn: Mises Institute, 1990). Prestes a ser publicado. □
rada e portanto da de bens de capital é reduzida.
Sua taxa efetiva de preferência temporal subirá.
Haverá menos apropriação original de recursos
cuja escassez é reconhecida e menos poupança
para a manutenção de capitais existentes e para
a produção de novos bens de capital. O período
de produção, o número de estágios da estru-
tura de produção, será diminuído e um relativo
empobrecimento resultará.
Se a teoria de Marx da exploração capita-
lista e suas idéias sobre como acabar com a ex-
ploração e estabelecer prosperidade universal
são falsas a ponto de serem ridículas, fica claro
que qualquer teoria da história que for derivada
dela deve ser falsa. Ou, se estiver correta, ela
tem que ter sido derivada incorretamente. Em
vez de embarcar na penosa tarefa de explicar to-
dos os erros no argumento marxista derivados
de sua teoria de exploração capitalista e termi-
nando em sua teoria de história como eu des-
crevi anteriormente, eu tomarei um atalho. Eu
agora delinearei, de forma mais breve possível
a correta — austríaca, misesiana-rothbardiana
— teoria da exploração; farei um esboço expli-
cativo de como essa teoria faz sentido a partir
da teoria de classes da história; e enfocarei, no
caminho, algumas diferenças-chave entre esta
teoria de classes e a teoria marxista e também
apontarei algumas afinidades intelectuais entre
o austrianismo e o marxismo advindas de suas
convicções comuns de que há de fato algo como
exploração e uma classe dominante.9
9 As contribuições de Mises à teoria da exploração e de classe não
são sistemáticas. No entanto, através de seus escritos, ele apresenta
interpretações históricas e sociológicas que são análises de classe,
mesmo que implicitamente. Digna de nota aqui é a sua aguda aná-
lise da colaboração entre o governo e a elite bancária em destruir
o padrão-ouro para aumentar seus poderes inflacionários como
meio de redistribuição de renda e riqueza fraudulenta e explorato-
riamente em favor deles próprios. Veja, por exemplo, seu Monetary
Stabilization e Cyclical Policy (1928) in: idem, On the Manipulation
of Money and Credit, editado por B. Greaves (Dobbs Ferry: Free Mar-
ket Books, 1978); veja também seu Socialism (Indianapolis: Liberty
Fund, 1981), capítulo 20; The Clash of Group Interests and Other
Essays, Occasional Paper no. 7 (Nova York: Center for Libertarian
Studies, 1978). Contudo, Mises não fornece um status sistemático
à análise de classe e à teoria da exploração porque ele em última
análise incorretamente concebe exploração como um mero erro
intelectual, que a análise econômica correta pode dissipar. Ele falha
em reconhecer completamente que a exploração é também, e prova-
velmente bem mais, um problema de motivação moral que existe a
O ponto de partida para a teoria da explora-
ção austríaca é claro e simples, como deve ser.
Na verdade, ele já foi estabelecido através da
análise da teoria marxista: a exploração caracte-
rizava o relacionamento entre escravo e mestre
e entre servo e senhor feudal. Mas nenhuma
exploração foi possível encontrar sob um capi-
despeito de toda análise econômica. Rothbard adiciona este insight
à estrutura misesiana da economia austríaca e torna a análise do
poder e das elites de poder uma parte integral da teoria econômica
e das explicações históricas-sociológicas; e ele sistematicamente
expande o argumento austríaco contra a exploração para incluir a
ética em adição à teoria econômica, i.e., uma teoria de justiça lado a
lado de uma teoria de eficiência, pois assim a classe dominante pode
também ser atacada como imoral. Para a teoria do poder, classe e
exploração de Rothbard, veja em particular seu Power and Market
(Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977); For a New Liberty
(New York: McMillan, 1978); The Mystery of Banking (Nova York:
Richardson and Snyder, 1983); America’s Great Depression (Kansas
City: Shjeed and Ward, 1975). Sobre os importantes precursores
da análise de classe austríaca, veja L. Liggio, “Charles Dunoyer e
o Liberalismo Clássico Francês”, Journal of Libertarian Studies 1,
no. 3, 1977; R. Raico, “Classical Liberal Exploitation Theory”, idem;
M. Weinburg, “The Social Analysis of Three Early 19th Century
French Liberals: Say, Comte, and Dunoyer”, Journal of Libertarian
Studies 2, no.1, 1978; J. T. Salerno, “Comment on the French Liberal
School”, Idem; D. M. Hart, “Gustave de MOlinari and the Anti-Sta-
tist Liberal Tradition”, 3 partes, Journal of Libertarian Studies 5, nos.
3 e 4, 1981. □
talismo limpo. Qual é a diferença em princípio
entre os dois casos? A resposta é: o reconhe-
cimento ou não do princípio do homesteading
[N.T.: Isto é, o princípio pelo qual os recursos
naturais podem ser apropriados originalmente
colocando-os em uso ou, nas palavras de John
Locke, “misturando-se trabalho” a eles]. O cam-
ponês sob o feudalismo é explorado porque ele
não tem controle exclusivo sobre a terra de que
se apropriou originalmente, e o escravo porque
ele não tem controle exclusivo sobre seu pró-
prio corpo apropriado. Se, por um lado, todos
têm controle exclusivo sobre os próprios cor-
pos (se for um trabalhador livre, isto é) e age de
acordo com o princípio do homesteading, não
pode haver exploração. É logicamente absurdo
dizer que uma pessoa que se apropria de bens
previamente não apropriados por ninguém, ou
que emprega esses bens na produção de bens
futuros, ou que poupa os bens presentemente
apropriados ou produzidos para aumentar a fu-
tura oferta de bens, poderia dessa forma explo-
rar alguma pessoa. Nada pode ser tirado de nin-
guém nesse processo, e bens adicionais na ver-
dade foram criados. E seria igualmente absurdo
dizer que um acordo entre diferentes homestea-
ders, poupadores e produtores em relação a seus
bens ou serviços não-exploratoriamente apro-
priados pode possivelmente conter qualquer
exploração. Ao invés disso, a exploração acon-
tece quando ocorre algum desvio do princípio
do homesteading. A exploração ocorre quando
quer que uma pessoa se consegue o controle
parcial ou total sobre recursos de que ela não
se apropriou original, não poupou nem produ-
ziu e que não adquiriu contratualmente de um
prévio proprietário-produtor. A exploração é a
expropriação dos homesteaders, produtores e
poupadores por não-homesteaders, não-produ-
tores, não-poupadores e não-contratantes que
chegaram mais tarde; é a expropriação de pes-
soas cujas reclamações de propriedade são base-
adas no trabalho e no contrato por pessoas com
reclamações derivadas do nada e que desconsi-
deram o trabalho e os contratos dos outros.10
Não é necessário dizer que a exploração as-
sim definida é, de fato, uma parte integral da
história humana. Se pode adquirir e aumentar a
própria riqueza tanto através do homesteading,
da produção, da poupança ou de contratos ou
expropriando homesteaders, produtores, pou-
padores ou contratantes. Não há outras formas.
Ambos os métodos são naturais à humanidade.
Junto com a apropriação original, a produção e
a contratação, sempre houveram aquisições de
propriedade não-produtivas e não-contratuais.
E no curso do desenvolvimento econômico, as-
sim como os produtores e contratantes podem
formar firmas, empreendimentos e corporações,
também os exploradores podem criar empreen-
dimentos, governos e estados exploradores em
larga escala. A classe dominante (que pode ser
novamente estratificada) é inicialmente com-
10 Sobreisso, veja também H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and
Capitalism; idem “The Justice of Economic Efficiency”, Austrian
Economics Newsletter, 1, 1988; idem, “The Ultimate Justification of
the Private Property Ethics”, Liberty, Setembro 1988. □
posta dos membros dessa firma exploradora. E
com uma classe dominante estabelecida sobre
um dado território e ocupando-se de expropriar
os recursos econômicos de uma classe de pro-
dutores explorados, o centro de toda a história
de fato se torna a luta entre os exploradores e
os explorados. A história, então, corretamente
contada, é essencialmente a história das vitórias
e derrotas dos dominadores em sua tentativa
de maximizar suas rendas exploratoriamente
adquiridas e dos dominados em suas tentativas
de resistir e reverter essa tendência. É nessa
abordagem da história que os austríacos e os
marxistas concordam e por que uma notável
afinidade intelectual entre as investigações his-
tóricas austríacas e marxistas existe. Ambas
as tendências se opõem a uma historiografia
que reconhece apenas ação ou interação, econô-
mica e moralmente no mesmo nível; e ambas
se opõem a uma historiografia que, em vez de
adotar uma posição neutra, pensa que se pode
inserir os julgamentos de valor subjetivos do
historiador para fornecer o mote para suas nar-
rativas histórias. Em vez disso, a história precisa
ser contada em termos de liberdade e explora-
ção, parasitismo e empobrecimento econômico,
propriedade privada e sua destruição — do con-
trário é contada falsamente.11
Enquanto os empreendimentos produtivos
vão e vêm por causa do suporte voluntário (ou
de sua ausência) dos consumidores, uma classe
dominante nunca chega ao poder porque há
uma demanda por ela, nem abdica quando a ab-
dicação é demonstradamente demandada. Não
se pode dizer, nem se se esticar muito a imagi-
nação, que os homesteaders, produtores, pou-
padores e contratantes demandaram suas pró-
prias expropriações. Eles devem ser coagidos a
aceitá-la, e isso prova conclusivamente que a
firma exploradora não é demandada de forma
alguma. Também não se pode dizer que uma
classe dominante pode ser trazida abaixo pela
11 Vejasobre esse tema também Lord (John) Action, Essays in the
History of Liberty (Indianapolis: Liberty Fund, 1985), F. Oppenhei-
mer, System der Soziologie, Vol. II: Der Staat (Stuttgart: G. Fischer,
1964); A. Ruestow, Freedom and Domination (Princeton: Princeton
University Press, 1986). □
abstenção das transações com ela da mesma
forma que se pode trazer abaixo um empre-
endimento produtivo. Pois a classe dominante
adquire sua renda através de transações não-
produtivas e não-contratuais e assim não é afe-
tada por boicotes. Em vez disso, o que torna
o nascimento de uma firma exploratória pos-
sível, e o que pode sozinha trazê-la abaixo, é
o estado específico da opinião pública ou, na
terminologia marxista, um específico estado de
consciência de classe.
Um explorador cria vítimas e vítimas são ini-
migos potenciais. É possível que essa resistên-
cia seja quebrada pela força, como, por exemplo,
no caso de um grupo de homens explorando
outro grupo mais ou menos do mesmo tama-
nho. Entretanto, mais que força é necessária
para expandir a exploração sobre uma popula-
ção de muitas vezes o seu tamanho. Para que
isso aconteça, uma firma precisa também ter
suporte do público. A maioria da população pre-
cisa aceitar as ações exploratórias como legíti-
mas. Essa aceitação pode variar do entusiasmo
ativo à resignação passiva. Mas ela precisa ser
uma aceitação no sentido em que uma maio-
ria precisa ter deixado de lado a idéia de ativa
ou passivamente resistir a qualquer tentativa
de aquisição de propriedade não-produtiva ou
contratualmente. A consciência de classe pre-
cisa estar baixa, subdesenvolvida e vaga. So-
mente enquanto esse estado de coisas existir
haverá espaço para uma firma exploradora pros-
perar, mesmo se nenhuma demanda verdadeira
por ela existir. Somente se os explorados e ex-
propriados desenvolverem uma idéia clara de
suas próprias situações e se unirem com outros
membros da própria classe através de um mo-
vimento ideológico que dê expressão à idéia de
uma sociedade sem classes onde toda explora-
ção é abolida, o poder da classe dominante pode
ser quebrado. Somente se a maioria do público
explorado se tornar integrado deliberadamente
em tal movimento e, de acordo, se mostrar ul-
trajado com todas as aquisições de propriedade
não-produtivas e não-contratuais, demonstrar
um desprezo comum por todos que se envol-
vem nesses atos e deliberadamente não con-
tribui com nada para fazê-los vitoriosos (sem
mencionar ativamente tentar obstruí-los), pode
aquele poder vir abaixo.
A gradual abolição do domínio feudal e ab-
solutista e o nascimento de sociedades crescen-
temente capitalistas na Europa Ocidental e nos
Estados Unidos — acompanhada por um cres-
cimento econômico e crescente população —
foi resultado de uma crescente consciência de
classe entre os explorados, que foram ideologi-
camente moldados juntos através das doutrinas
dos direitos naturais e do liberalismo. Nisso
os austríacos e os marxistas concordam.12 Eles
discordam, contudo, quanto a se inverso desse
processo de liberalização e se os níveis rapida-
mente aumentados de exploração nessas soci-
edades desde o último terço do século XIX, e
particularmente pronunciados desde a Primeira
12 Sobreisso, veja M. N. Rothbard, “Left and Right: The Prospects
for Liberty” in: idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature
and Other Essays (Washington, D. C.: Libertarian Review Press,
1974). □
Guerra Mundial, são resultado de uma perda
da consciência de classe. Na verdade, na visão
austríaca, o marxismo precisa aceitar muito da
culpa por esse desenvolvimento por mal-dire-
cionar a atenção do correto modelo de explo-
ração do homesteader-produtor-poupador-con-
tratante versus o não-homesteader-produtor-
poupador-contratante para o falacioso modelo
do trabalhador assalariado versus o capitalista,
assim confundindo as coisas.13
13 Apesarde toda a propaganda socialista em contrário, a falsidade
da descrição marxista dos capitalistas e trabalhadores como classes
antagônicas também vem a carregar certas observações empíricas:
logicamente falando, as pessoas podem ser divididas em classes
de maneiras infinitamente diferentes. De acordo com a metodolo-
gia ortodoxa positivista (a qual eu considero falsa, mas pretendo
aceitar aqui para argumentar), o melhor sistema de classficação é
aquele que nos ajuda a prever melhor. Contudo, a classifciação de
pessoas como capitalistas e trabalhadores (ou como representantes
de variados graus da condição de capitalista ou da condição de
trabalhador) é praticamente inútil para prever qual posição uma
pessoa vai tomar sobre as questões políticas, sociais ou econô-
micas fundamentais. Ao contrário disso, a correta classificação
de pessoas como produtores de impostos e regulados vs. consu-
midores de impostos e reguladores (ou como representativos de
variados graus da condição de produtores ou consumidores de
impostos) é de fato um poderoso previsor. Sociólogos têm quase
O estabelecimento de uma classe dominante
sobre uma classe explorada de muitas vezes o
seu tamanho pela coerção e pela manipulação
da opinião pública, i.e., um baixo grau de cons-
ciência de classe entre os explorados, encon-
tra sua expressão institucional mais básica na
criação de um sistema de direito público sobre-
posto ao do direito privado. A classe dominante
se dissocia e protege sua posição como classe
dominante adotando uma constituição para as
operações de sua própria firma. Por um lado, ao
formalizar as operações internas dentro do apa-
rato do estado e suas relações com a população
explorada, uma constituição cria algum grau de
estabilidade legal. Quanto mais familiar e po-
sempre negligenciado isso por causa dos preconceitos marxistas
quase que universalmente dividos entre eles. Mas a experiência
cotidiana corrobora esmagadoramente minha tese: descubra se
alguém é um funcionário público ou não (e sua posição e salário),
e se a renda e a riqueza de uma pessoa é determinada, e em qual
medida, pelas compras do setor público e/ou pelas ações regula-
tórias — as pessoas sistematicamente diferirão na sua resposta
às questões políticas fundamentais, dependendo de suas classifi-
cações como consumidores diretos ou indiretos de impostos ou
como produtores de impostos! □
pular as noções de direito privado estiverem in-
corporadas na constituição e no direito público,
mais favoravelmente disposto estará o público
a aceitar a existência do estado. Por outro lado,
qualquer constituição e direito público também
formaliza o status imune da classe dominante
em relação ao princípio do homesteading. Ela
formaliza o direito dos representantes do estado
de se envolverem em aquisições de propriedade
não-produtivas e não-contratuais e a subordina-
ção última do direito privado ao direito público.
A justiça de classe, i.e., um conjunto de leis para
os governantes e outro para os governados, vem
a sustentar esse dualismo do direito público e
privado e a dominação e infiltração do direito
público sobre e dentro do direito privado. Não
é por que os direitos de propriedade privada
são reconhecidos pela lei, como os marxistas
pensam, que a justiça de classe é estabelecida.
Na verdade, a justiça de classe surge precisa-
mente quando uma distinção legal existe entre
uma classe de pessoas agindo sob e sendo pro-
tegida pelo direito público e outra classe agindo
sob e sendo protegida por um direito privado
subordinado. Mais especificamente então, a pro-
posição básica da teoria marxista do estado, em
particular, é falsa. O estado não é explorador
porque protege os direitos de propriedade dos
capitalistas, mas porque ele próprio está isento
da restrição de ter que adquirir propriedade
produtiva ou contratualmente.14
14 F. Oppenheimer, System der Soziologie, vol. 2, pp. 322-23, apresenta
a questão dessa forma: “A norma básica do estado é poder. Isto é,
visto pelo lado de sua origem: violência transformada em poder.
Violência é uma das forças mais poderosas para moldar a socie-
dade, mas não é em si uma forma de interação social. Ela precisa se
tornar lei no sentido positivo deste termo, isto é, sociologicamente
falando, ela precisa permitir o desenvolvimento de um sistema
de ’reciprocidade subjetiva’; e isso só é possível através de um
sistema de restrições auto-impostas quanto ao uso de violência
e com a presunção de certas obrigações por seus arrogados di-
reitos. Neste sentido, a violência é transformada em poder e um
relacionamento de dominação emerge que não é aceito somente
pelos governantes, mas, sob circunstâncias não tão severamente
opressivas, também pelos sujeitos, como expressando uma ’justa
reciprocidade’. A partir dessa norma básica, normas secundárias e
terciárias emergem como implícitas nela: normas de direito pri-
vado, de herança, de direito criminal, obrigacional e constitucional,
as quais carregam a marca da norma básica de poder e dominação
e que são todas designadas para influenciar a estrutura do estado
de tal forma que aumente a exploração econômica ao seu nível
Apesar desse erro fundamental, contudo,
o marxismo, porque corretamente interpreta
o estado como explorador (ao contrário, por
exemplo, da escola escolha pública [N.T.: Public
Choice School], que o vê como uma firma nor-
mal entre outras15 ), nos fornece alguns insights
importantes com relação à lógica das operações
do estado. Por exemplo, ele reconhece a estraté-
gica função das políticas estatais redistributivas.
Como uma firma exploratória, o estado precisa
a todos os momentos estar interessado num
baixo grau de consciência de classe entre os do-
minados. A redistribuição de propriedade e de
máximo, o que é compatível com a continuação da dominação
legalmente regulada”. O insight fundamental é o de que “a lei
nasce de duas raízes essencialmente diferentes (. . . ): por um lado,
a partir da lei da associação dos iguais, que pode ser chamada
de direito ’natural’, mesmo que não seja um ’direito natural’, e
por outro lado, a partir da lei da violência transformada em poder
regulado, a lei dos desiguais”.
Sobre a relação entre o direito privado e público, veja também F. A.
Hayek, Law, Legislation, and Liberty, 3 vols. (Chicago: University
of Chicago Press, 1973-79), esp. vol. 1, cap. 6 e vol. 2, pp. 85-88. □
15 Veja J. Buchanan e G. Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1965), p. 19. □
renda é a forma pela qual o estado pode criar
uma divisão entre o público e destruir a for-
mação de uma consciência de classe unificada
entre os explorados. Além disso, a redistribui-
ção de poder estatal em si, através da demo-
cratização da constituição estatal, da abertura
de todas posições de governo para todos e da
concessão a todos do direito de participar na
determinação dos empregados e das políticas
do estado, é um meio de reduzir a resistência
à exploração como tal. Ademais, o estado é, de
fato, como os marxistas o vêem, o grande centro
de propaganda ideológica e mistificação: explo-
ração é liberdade; impostos são de fato contri-
buições voluntárias; relações não-contratuais
são na verdade “conceitualmente” contratuais;
ninguém é governado por ninguém, mas nós
todos governamos nós mesmos; sem o estado
não haveria lei nem segurança; e os pobres mor-
reriam, etc. Tudo isso é parte da superestrutura
ideológica desenhada para legitimar uma base
subjacente de exploração econômica.16 E final-
mente, os marxistas também estão certos em
perceberem a próxima associação entre o es-
tado e os negócios, especialmente com a elite
bancária — embora a explicação deles para isso
seja incorreta. A razão não é que o establish-
ment burguês veja e apóie o estado como pro-
tetor dos direitos de propriedade privada e do
contratualismo. Pelo contrário, o establishment
corretamente percebe o estado como a antítese
da propriedade privada e tem interesse nele
por essa razão. Quanto mais bem sucedido for
um negócio, maior o perigo potencial da explo-
ração governamental, mas também maior são
os potenciais ganhos que podem ser auferidos
se ele puder conseguir a proteção especial do
governo e ficar isento do peso total da com-
petição capitalista. A elite dominante, por seu
lado, tem interesse na cooperação com o esta-
blishment dos negócios por causa de seu poder
16 Veja H. H. Hoppe, Eigentum, Anarchie und Staat (Opladen: West-
deutscher Verlag, 1987); idem, A Theory of Socialism and Capita-
lism. □
financeiro. Em particular, a elite bancária é de
interesse porque, como uma firma exploratória,
o estado naturalmente deseja possuir completa
autonomia para falsificar moeda [N.T.: “coun-
terfeiting”, o estado quer ter autonomia para
expandir a base monetária sem restrições.]. Ao
se oferecer para incluir a elite bancária em suas
próprias maquinações falsificadoras e ao per-
mitir que eles falsifiquem moeda em adição às
suas próprias notas falsificadas sob um regime
bancário de reserva fracionária, o estado pode
facilmente alcançar seu objetivo e estabelecer
um sistema estatal de moeda monopolizada e de
bancos cartelizados controlados pelo banco cen-
tral. E através dessa direta conexão falsificadora
com o sistema bancário e por extensão com os
maiores clientes dos bancos, a classe dominante
de fato se estende muito além do aparato do es-
tado até os nervos centrais da sociedade civil —
não muito diferente, pelo menos em aparência,
da imagem que os marxistas gostam de retratar
da cooperação entre bancos, elites empresariais
e o estado.17
Competição dentro da classe dominante e
entre diferentes classes dominantes traz uma
tendência de crescente concentração. O mar-
xismo está certo neste ponto. No entanto, sua
incorreta teoria da exploração novamente o
leva a localizar a causa dessa tendência no local
errado. O marxismo vê essa tendência como
inerente na competição capitalista. Contudo, é
precisamente enquanto as pessoas estão envol-
vidas num capitalismo limpo que a competição
não é uma forma de interação de soma-zero. O
homesteader, o produtor, o poupador e o contra-
tante não ganham às expensas dos outros. Os
ganhos deles ou deixam as possessões físicas
dos outros completamente inalteradas ou im-
plicam ganhos mútuos (como no caso de todas
as trocas contratuais). Pode-se dizer então que
o capitalismo aumenta a riqueza absoluta. Mas
sob seu regime, nenhuma tendência sistemá-
17 Veja H. H. Hoppe, “Banking, Nation States and International Poli-
tics”, Review of Austrian Economics vol. 4, 1989; M. N. Rothbard,
The Mystery of Banking, caps. 15-16. □
tica rumo a uma concentração relativa pode se
dizer que existe.18 Em vez disso, interações de
soma-zero caracterizam não somente o relacio-
namento entre o governante e o governado, mas
também entre governantes que competem entre
si. A exploração, definida como aquisições de
propriedade não-produtivas e não-contratuais,
só é possível enquanto houver o que apropriar.
Entretanto, se houvesse competição livre no
ramo da exploração, não haveria nada restante
para expropriar. Assim, a exploração requer um
monopólio sobre um dado território e sua popu-
lação; e a competição entre os exploradores é,
por sua própria natureza, eliminatória e precisa
desencadear uma tendência à relativa concen-
tração de firmas exploratórias assim como uma
tendência à centralização em cada uma dessas
firmas. O desenvolvimento de estados em vez
de firmas capitalistas provê a maior ilustração
dessa tendência: há agora um número signifi-
18 Sobre isso em particular, M. N. Rothbard, Man, Economy, and State,
cap. 10, esp. a seção “The Problem of One Big Cartel”; também L.
v. Mises, Socialism, caps. 22-26. □
cativamente menor de estados com controle
exploratório sobre territórios muito maiores
que nos séculos anteriores. E dentro de cada
aparato estatal, houve de fato uma constante
tendência de aumento dos poderes do governo
central às expensas de suas subdivisões regio-
nais e locais. No entanto, fora do aparato estatal
uma tendência de relativa concentração tam-
bém se tornou aparente pela mesma razão —
não, como deve estar claro agora, por conta de
qualquer característica inerente ao capitalismo,
mas porque a classe dominante expandiu seu
domínio para a sociedade civil através da cria-
ção de uma aliança de estados-bancos-empresas
e, em particular, através do estabelecimento de
um sistema de banco central. Se uma concen-
tração e centralização do poder estatal toma
lugar, é apenas natural que seja acompanhada
por um processo paralelo de relativa concen-
tração e cartelização do sistema bancário e da
indústria. Junto com maiores poderes estatais,
aumentam os poderes dos bancos e das empre-
sas do establishment de eliminar ou de colocar
os competidores em desvantagem por meio de
expropriações não-produtivas e não-contratu-
ais. A concentração nos negócios é o reflexo de
uma “estatização” da vida econômica.19
Os meios primários para a expansão dos po-
deres do estado e para a eliminação de centros
de exploração rivais é a guerra e a dominação
militar. Competição interestados implica uma
tendência à guerra e ao imperialismo. Como
centros de exploração, seus interesses são por
natureza antagonísticos. Além disso, com cada
um deles — internamente — em comando do
instrumento de taxação e de absolutos pode-
res de falsificação de moeda, é possível para as
classes dominantes fazerem os outros pagarem
por suas guerras. Naturalmente, se uma pessoa
não tem que pagar ela própria pelos próprios
empreendimentos arriscados, mas pode forçar
19 Sobre isso, veja, G. Kolko, The Triumph of Conservatism (Chicago:
Free Press, 1967); J. Winstein, The Corporate Ideal in the Liberal
State (Boston: Beacon Press, 1968); R. Radosh e M. N. Rothbard,
eds. A New History of Leviathan (Nova York: Dutton, 1972); L.
Liggio e J. J. Martin, eds., Watershed of Empire (Colorado Springs:
Ralph Myles, 1976). □
os outros a fazê-lo, ela tenderá a assumir mais
riscos e a ser mais beligerante do que de ou-
tra forma seria.20 O marxismo, ao contrário de
muitas das chamadas ciências sociais burgue-
sas, apreende corretamente os fatos: há de fato
uma tendência ao imperialismo operando na
história; e os maiores poderes imperialistas são
de fato as nações capitalistas mais avançadas.
Contudo, a explicação novamente é incorreta.
É o estado, como uma instituição isenta das re-
gras capitalistas de aquisições de propriedade,
que é por sua natureza agressivo. E a evidência
histórica de uma correlação próxima entre o
capitalismo e o imperialismo apenas aparente-
mente contradiz isso. Ela encontra sua explica-
ção, facilmente, no fato de que para suceder nas
guerras interestados, um estado precisa ter co-
mando de suficientes recursos econômicos (em
20 Sobre o relacionamento entre o estado e a guerra, veja E. Krp-
pendorff, Staat un Krieg (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); C. Tilly,
“War Making and State Making as Organized Crime”, in P. Evans
et al., eds. Bringing the State Back In (Cambridge: Cambridge Uni-
versity Press, 1985); também R. Higgs, Crisis and Leviathan (Nova
York: Oxford University Press, 1987). □
termos relativos). Tudo o mais constante, o es-
tado com mais amplos recursos vencerá. Como
uma firma exploradora, o estado é por natu-
reza destrutivo da riqueza e da acumulação de
capital. A riqueza é produzida exclusivamente
pela sociedade civil; e quanto mais fracos os
poderes estatais de exploração, mais riqueza
e capital a sociedade acumula. Assim, parado-
xal como possa parecer, quanto mais fraco ou
mais liberal um estado for internamente, mais
o capitalismo se desenvolve; extrair recursos de
uma economia capitalista desenvolvida torna
o estado mais rico; e um estado mais rico em-
preende mais e mais bem sucedidas guerras
expansionistas. É esse relacionamento que ex-
plica por que inicialmente foram os estados da
Europa Ocidental, e em particular a Grã-Breta-
nha, as maiores potências imperialistas, e por
que no século XX esse papel foi assumido pelos
Estados Unidos.
E uma explicação similarmente direta, em-
bora novamente totalmente não-marxista, existe
para a freqüente observação marxista de que o
establishment bancário e empresarial está usu-
almente entre os mais ardentes apoiadores da
força militar e do expansionismo imperial. Esse
suporte não ocorre porque a expansão dos mer-
cados capitalistas requer exploração, mas por-
que a expansão dos negócios protegidos e pri-
vilegiados pelo estado requer que tal proteção
seja estendida também aos países estrangeiros e
que os competidores externos sejam impedidos
através de aquisições de propriedade não-con-
tratuais e não-produtivas, da mesma forma ou
mais pronunciadamente que na competição in-
terna. Especificamente, o establishment apóia
o imperialismo se esse suporte promete levar a
uma posição de domínio militar do estado ali-
ado sobre outro estado. Porque, então, a partir
de uma posição de força militar, se torna pos-
sível estabelecer um sistema do que se pode
chamar de imperialismo monetário. O estado
dominante usará seu poder superior para apli-
car uma política de inflação internacionalmente
coordenada. Seu próprio banco central estabe-
lece o ritmo do processo de falsificação de mo-
eda e os bancos centrais dos estados dominados
são obrigados a usar sua moeda como suas pró-
prias reservas e causar inflação a partir delas.
Assim, junto com o estado dominante e sendo
os primeiros recebedores das reservas de moeda
falsificadas, o establishment bancário e empre-
sarial pode se envolver em expropriações quase
que sem custos de propriedades estrangeiras e
de produtores de riqueza. Uma dupla camada de
exploração de um estado estrangeiro e uma elite
estrangeira sobre o estado e a elite nacionais é
imposta sobre a classe explorada dos territórios
dominados, causando prolongada dependência
econômica da nação dominadora e relativa es-
tagnação econômica em relação à ela. É essa
situação — altamente não-capitalista — que ca-
racteriza o status dos Estados Unidos e do dólar
americano e que dá ensejo às — corretas — acu-
sações em relação à exploração econômica dos
Estados Unidos e do imperialismo do dólar.21
21 Para uma versão mais elaborada desta teoria de imperialismo
militar e monetário, veja H. H. Hoppe, “Banking, Nation States
and International Politics”, Review of Austrian Economics, vol. 4,
Finalmente, a crescente concentração e cen-
tralização de poderes exploratórios leva a uma
estagnação econômica e assim cria as condições
objetivas para a destruição final desses poderes
e para o estabelecimento de uma sociedade sem
classes capaz de produzir uma prosperidade
econômica jamais vista.
Ao contrário do que dizem os marxistas,
essa sociedade não será o resultado de nenhuma
lei histórica. De fato, não existem tais leis his-
tóricas inexoráveis, como os marxistas conce-
bem.22 Também não será o resultado de uma
tendência de queda da taxa de lucros com um
aumento da composição orgânica do capital
(um aumento na proporção de capital constante
em relação ao variável, isto é), como Marx pen-
sava. Assim como a teoria do valor-trabalho
é irreparavelmente falsa, também o é a lei da
tendência de queda da taxa de lucros, a qual é
baseada nela. A fonte do valor, o juro, e o lucro
1990. □
22 Sobre
isso, veja em particular L. v. Mises, Theory and History
(Auburn: Mises Institute, 1985), esp. parte 2. □
não são exclusivamente advindos do gasto de
trabalho, mas de algo muito mais geral: da ação,
i.e., do emprego de meios escassos na busca por
fins pelos agentes que são constrangidos pela
preferência temporal e pela incerteza (conhe-
cimento imperfeito). Não há razão para supor,
então, que as mudanças na composição orgâ-
nica do capital devessem ter qualquer relação
sistemática com as mudanças no juro e no lucro.
Em vez disso, a probabilidade de crises que
estimulem o desenvolvimento de um maior grau
de consciência de classe (i.e., as condições sub-
jetivas para a derrubada da classe dominante)
aumenta por causa — para usar um dos termos
favoritos de Marx — da “dialética” da explora-
ção sobre a qual eu falei anteriormente: a explo-
ração é destruidora da formação de riqueza. Por-
tanto, na competição de firmas exploratórias,
estados menos exploradores tendem a ocupar
o lugar dos mais exploradores porque têm co-
mando de recursos mais amplos. O processo de
imperialismo inicialmente tem um efeito relati-
vamente liberador nas sociedades ficando sob
seu controle. Um modelo relativamente mais
capitalista é exportado para sociedades menos
capitalistas (mais exploradoras). O desenvolvi-
mento das forças produtivas é estimulado; a
integração econômica é aumentada, a divisão
do trabalho é estendida e um genuíno mercado
mundial é estabelecido. A população aumenta
em resposta e as expectativas sobre o futuro
econômico aumentam para alturas nunca an-
tes vistas.23 Com o domínio exploratório assu-
23 Pode-senotar aqui que Marx e Engels, mais pronunciadamente
no Manifesto Comunista, defenderam o caráter historicamente
progressivo do capitalismo e elogiaram fortemente suas conquis-
tas sem precedentes, De fato, revisando as passagens relevantes
do Manifesto, J. A. Schumpeter conclui: “Nunca, eu repito, e em
particular por nenhum moderno defensor da civilização burguesa,
nada como isso foi escrito, nada foi composto dessa forma em
favor da classe empresarial com uma compreensão tão profunda
e extensa de quais foram suas conquistas e o que elas significa-
ram para a humanidade.” “The Communist Manifesto in Sociology
and Economics”, em Essays of J. A. Schumpeter, editado por R. V.
Clemence (Port Washington, N. Y.: Kennikat Press, 1951), p. 293.
Dada essa visão do capitalismo, Marx foi tão longe a ponto de
defender a conquista britânica da Índia, por exemplo, como um
desenvolvimento historicamente progressivo. Veja as contribui-
ções de Marx ao New York Daily Tribune de 25 de junho de 1853,
11 de julho de 1853, 8 de agosto de 1853 (Marx e Engels, Werke,
mindo o controle e a competição interestados
reduzida ou mesmo eliminada num processo
de expansionismo imperialista, entretanto, as
limitações externas sobre o poder do estado
dominante de exploração interna e expropri-
ação gradualmente desaparece. A exploração
interna, a taxação e a regulação começam a au-
mentar quanto mais perto a classe dominante
chega ao seu objetivo final de dominação global.
A estagnação econômica se estabelece e as ex-
pectativas — mundiais — maiores são frustradas.
E isso — as grandes expectativas e uma reali-
dade econômica cada vez mais as frustrando —
é a clássica situação para a emergência de um
potencial revolucionário.24 Uma necessidade
desesperada por soluções ideológicas para as
vol. 9 [Berlim Ocidental: Dietz, 1960]). Para um marxista contem-
porâneo tomando uma posição similar quanto ao imperialismo,
veja B. Warren, Imperialism: Pioneer of Capitalism (Londres: New
Left Books, 1981). □
24 Veja sobre a teoria da revolução, em particular, Charles Tilly, From
Mobilization to Revolution (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1978);
idem, As Sociology Meets History (New York: Academic Press, 1981).

crises emergentes aumenta, junto com um mais
disseminado reconhecimento do fato de que
o domínio estatal, a taxação e a regulação —
longe de oferecerem uma solução — na ver-
dade constituem o real problema que precisa
ser superado. Se nessa situação de estagnação
econômica, crises e desilusão ideológica25 uma
solução positiva é oferecida na forma de uma
sistemática e compreensiva filosofia libertária
aliada à sua contraparte econômica, a Escola
Austríaca de economia, e se essa ideologia for
propagada por um movimento ativista, então os
prospectos de dar ignição ao potencial revolu-
cionário ao ativismo se tornam altamente posi-
tivos e promissores. As pressões anti-estatistas
aumentarão e trarão uma tendência irresistível
25 Para uma abordagem neo-marxista da era presente do “capitalismo
tardio” caracterizado por uma “nova desorientação ideológica” tra-
zida à tona pela permanente estagnação econômica e exaustão dos
poderes legitimantes do conservadorismo e da social-democracia
(i.e., “liberalismo” na terminologia americana), veja J. Habermas,
Die Neue Unvebersichtlichkeit (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985);
também idem, Legitimation Crisis (Boston: Beacon Press, 1975); C.
Offe, Strukturprobleme des kapitalistischen Staates (Frankfurt/M.:
Suhrkamp, 1972). □
ao desmonte do poder da classe dominante e do
estado como seu instrumento de exploração.26
Se isso acontecer, contudo, isso não resul-
tará — ao contrário do modelo marxista — na
propriedade social dos meios de produção. Na
verdade, a propriedade coletiva é não apenas
economicamente ineficiente, como já foi ex-
plicado, mas incompatível com a idéia de que
o estado vai “desaparecer”.27 Pois se os meios
de produção são de propriedade coletiva, e se
for realisticamente assumido que nem todas as
idéias sobre como empregar esses meios coin-
cidem (como se por milagre), então são preci-
samente os meios de produção de propriedade
social que requerem ações estatais contínuas,
i.e., uma instituição coercitivamente impondo
26 Para uma abordagem austríaca-libertária do caráter de crise do
capitalismo tardio e sobre os prospectos para o nascimento de
uma consciência de classe libertária revolucionária, veja M. N.
Rothbard, “Left and Right”, idem, For a New Liberty, cap. 15; idem,
Ethics of Liberty (Atlantic Highlands: Humanities Press, 1982),
parte 5. □
27 Sobre as inconsistências internas da teoria marxista do estado,
veja também H. Kelsen, Sozialismus und Staat (Wien, 1965). □
a vontade de uma pessoa sobre outra. Em vez
disso, o desaparecimento do estado, e com isso
o fim da exploração e o início da liberdade e
de uma prosperidade econômica jamais vista,
significa o estabelecimento de uma sociedade
puramente privada, regulada por nada mais que
o direito privado. ■

∼ Discussão em AncapChannel. Texto retirado de Libertyzine. □

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