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CISSY I'~II!

II
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LETRAS E C1ENCIAS HUMANAS
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A tradução da apresentação do livro foi feita por: Rosalba Facchinetti

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Novembro 2002
© Copyrighr 2002 by Sónia Maria de Freitas

Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia,


Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

F866 Freitas, Sónia Maria de


História oral: possibilidades e procedimentos I Sónia "Dirás o que puderes lembrar. Trabalho
Maria de Freitas. - São Paulo: Humanitas I FFLCH I
USP: Imprensa Oficial do Estado, 2002.
com fragmentos de episódios, restos de acon-
tecimentos, e tiro disso tudo uma história,
145 p.
tecida num desenho providencial. Quando
ISBN 85-7506-082-1 (Humanitas)
ISBN 85-7060-124-7 (Imprensa Olicial do Estado)
me salvaste, tu me deste o pouco futuro que
me resta e te recompensarei, devolvendo a
1. História Oral (Metodologia) 2. História Oral- Brasil
I. Título ti o passado que perdeste.
CDD 907.0981 Mas minha história talvez não faça ne-l
nhum sentido ...
Foi feito o depósito legal Não existem histórias sem sentido. Sou'
UlTIdaqueles homens que o sabem encon-l
trar até mesmo onde os outros não o vêem.
Depois disso, a história se transforma no li-I\
vro dos vivos, como uma trombeta podero-
HUMANITASFFLCHlUSP sa, que ressuscita do sepulcro aqueles que
Editor Responsável
há séculos não passavmTI de pó ... Para isso,
Prol. Dr. Milton Meira do Nascimento todavia, precisamos de tempo, sendo real-
Coordensçêo Editorist mente necessário considerar os acontecimen- \
M'. Helena G. Rodrigucs - MTI n, 21l.8~O
tos, cornbiná-los. descobrir-lhe os nexos,
Projeto Gráfico, Di<7gram,?ç:io C OII:ltlll//l/(' /I 111181/l1i11l1'1I.'
111eSlTIOaqueles menos visíveis ... (diálogO
/I

J
Marcos Eriv rron Vlelr ••

Ne vis, 1/1
de Baudolino com Nicetas Coniates, na obra
Thols 1()tI,l0 RI.'IIII'1 Beudolino, de Humberto Eco, p. 17).
/

SUMARIO

Apresentação 9
Prefácio 15
História Oral: a busca de uma definição 17
_ História Oral x Meios de Comunicação 22
A História da História Oral 27
- A Experiência em História Oral
na Grã-Bretanha ····· 29
- A História Oral no Brasil 31
História x História Oral x Memória 39
- As Reminiscências da Memória 51
- Lembrança e Esquecimento 60
- Da "Memória Pura" à
"Memória Histórica" 64
_ Seletividade e Subjetividade 68
História Oral: potencialidade e possibilidades 79
Metodologia de Coleta e Utilização
da História Oral ············· 85
- Elaboração de Projeto 87
_ Pesquisa 89
- O Roteiro ·.··················· 91
- A Entrevista e suas
Estratégias de Condução 93
- Local da Entrevista ······· 99

SÔNIA MARIA DE FREITAS I 7


- Duração
---------------l~----
100
·i
- Procedimentos Pós-Entrevista 100
- Questões Éticas e Legais 103
História Oral x Projetos
Individuais e Institucionais 105
- O Uso do Vídeo 113 Apresentação
- A Transcrição 114
- Produtos e Subprodutos 114
- Critérios Arquivísticos:
Este livro de Sônia Maria de Freitas é o
e armazenamento catalogação 115
resultado de uma longa experiência de tra-
Considerações Finais 117
Apêndice balho com fontes orais, o qual cobre o âmbi-
- Modelo de Roteiro para to de problemas levantados por essa meto-
Entrevista com Imigrantes 121 dologia de pesquisa histórica: da reflexão
- Modelo de Termo de Cessão Gratuita teórico-metodológica à prática do trabalho de
de Direitos sobre Depoimento Oral 128 campo; da entrevista e transcrição ao arqui-
- Termo de Compromisso de Uso 129 vamento e conservação. Portanto, sua clare-
- Programa de Documentação za, nunca superficial, é, ao mesmo tempo,
Oral/Catálogo das Coleções 130 um instrumento útil de orientação para aque-
Bibliografia 131 les que se aproximam pela primeira vez da
Anexo Fotográfico 135 história oral e de reflexão para os pesquisa-
dores experientes.
Trata-se, portanto, de um outro molde
de construção da tradição no calnpo da his-
tória oral. Nem todos, no país e fora dele,
percebem o fato de que há pelo menos dez
anos, o Brasil está na vanguarda neste cam-
po, no plano internacional. São sinais disso:
o sucesso do congresso da International Oral
History Association organizado pelo CPDOC,
da Funda ão Getúlio Var as, em lJ98L. a elei-
ção e sucessiva reeleição de Marieta de Mo- No entanto, ela coloca-se num contexto
raes Ferreira na J2resid~nci9-in!~~IJ-ªci9naldo histórico e social em que a relação com uma
IOHA; a ativa e numerosa presença brasileira luralidade de culturas orais tanto tradicio-
~ngressos internacionais (tanto em Is- nais .s.2-mo~rbapas e contemporàneas, é
tambul em 2000, como em Pietermaritzburg, muito mais intensa e comum do que na Eu-
na África do Sul, em 2002 - a delegação bra- ropa e na América do Norte. Isso confere à
sileira foi a mais numerosa), e o aumento de história oral brasileira uma dimensão intrin-
projetos, arquivos, revistas, publicações, secamente interdi cíplínar, em que história,
eventos em várias partes do país. antropologia, música, folclore e etnografia se
entrelaçam de tal maneira, que não é mais
A razão deste desenvolvimento são
possível definir os tradicionais limites entre
muitas e são em grande parte apresentadas
as disciplinas (comprovam-no, neste livro,
neste livro. Por exemplo, sempre me impres- as freqüentes referências ao trabalho de Car-
sionou o cosmopolitismo da formação teóri- los Sebe Bom Meihy). A isso soma-se a rela-

I
ca e metodológica dos historiadores brasilei-
ros (bem como de outros países da América
Latina): basta ver as bibliografias, incluindo
a deste volume, para perceber que cobrem
facilmente a produção teórica e a pesquisa
ção participativa de im ortantes movimen-
tos populares e sociaisLurb-ªnQs e rurais,_para
o~ quais a oralidade rEpresenta um instru-
rn~tº primário de CO}IlUniciçª9 é de_agre-
gação e que, portanto, se prestam de forma
proveniente de países e tradições diversas particularmente adequada ao_trabalho .com
(anglo-saxônica, francesa, italiana, etc.). as fon-tes orais.
Constantemente, na Europa e Estados Uni- Enfim, acrescento que os traços aind3)
dos, essas tradições não se comunicam mui- recentes e dolorosos da ditadura militar c0r:--IO
to entre si - e se conhece muito pouco das ferem uma relevância e uma intensidade mui- +-
sofisticadas contribuições dos historiadores to especial ao trabalho sobre a memória: se'll
orais latino-americanos. Paradoxalmente, e na Itália, a história do antifascismo e da re-
talvez pela sua posição original em relação sistência constituem, há meio século de dis-
aos centros tradicionais, a história oral bra- tância, ainda o terreno privilegiado da histó-'
sileira é capaz de ser menos provinciana e ria oral, isto é muito mais verdade para países
mais eclética. como o Brasil, onde a distância temporal e

10 I APRESENTAÇÃO SÓNIA MARIA DE FREITAS I 11


de gerações é muito mais curta (e isto é visí- São comuns, principalmente no âmbito
vel também naqueles trabalhos de história dos estudos "étnicos" norte-americanos, tra-
oral da elite, na qual, outra vez, a história balhos sobre a imigração, pensados, sobre-
oral brasileira se distinguiu de modo parti- tudo, como reconstrução dos traços originais,
ular). essenciais, das culturas provenientes e de sua
-V Há dois aspectos neste livro para os conservação. Cada vez mais, vamos nos dan-
quais eu quero chamar a atenção. Em pri- do conta que, para além das diversas origens,
meiro lugar, parece-me significativo que, na o que importa é exatamente o processo da
tentativa de dar indicações metodológicas imigração, um processo em grande medida
gerais, Sónia coloque que este é um trabalho partilhado para além das diversas proveniên-
que se aprende, fazendo-o. Uma caracterís- cias. Quer pelas indicações feitas aqui, quer
tica, de toda a tradição internacional da his- em outros trabalhos (por exemplo, o recente
tória oral, de fato, tem sido a sua qualidade E chegam os imigrsntes ... o Café e a Imigre-
prática, o envolvimento pessoal, a disposi- ção em São Paulo), Sónia escolheu essa se-
ção em confrontar-se diretamente com a rea- gunda e mais produtiva estrada: quer ve-
lidade do campo que se pesquisa. Do que nham de Trento ou do Japão, os imigrantes
deriva que, na realidade, cada um dos histo- são afinal protagonistas de um processo de
riadores orais desenvolveu, por assim dizer, transformação que acontece no solo brasilei-
seu próprio estilo pessoal. Como exemplo, ro, em condições e através de etapas parti-
cito o meu modo de conduzir as entrevistas lhadas. Esta é uma indicação importante tam-
e de trabalhar sobre as transcrições, que di- bém para aqueles países, como a Itália, que,
fere daquele proposto neste livro. Mas é exata- em tempos recentes, transformaram-se de
mente por isso que são necessários textos emigrantes em países de imigração, e hoje
.como este, que estabelecem as bases comuns, põem obstáculos à construção de uma socie-
graças às quais diferentes pesquisadores e dade democraticamente multicultural.
diferentes projetos podem confrontar-se e Em 2004, o congresso mundial da In-
comurucar-se. ternational Oral History Association será rea-
A outra observação diz respeito àquilo lizado em Roma, e eu estou incumbido de
que, afinal, é o fundamento do trabalho de organizá-lo. E, se os colegas e companhei-
Sortia, a imigração. ros brasileiros puderem mais uma vez estar
12 I AFRESENTAÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 13
presentes, como no passado e, se temas como
este da imigração e das ligações transantlán-
ticas entre Itália e Brasil encontrarem o es-
paço que merecem, teremos já dado um im-
portante passo à frente, para o sucesso do Prefácio
evento. Por tudo isso, obrigado e parabéns
à Sónia e Arrivederci a Roma!
"O que é escrito, ordenado, factual
Alessandro Portelli nunca é suficiente para abarcar toda a verdade:
a vida sempre transborda de qualquer cálice."
Professor da Universidade 'La Sapienza' de Roma.
(Boris Pasternak)

No Brasil, há uma quantidade signifi-


cativa de trabalhos que utilizam a História
Oral como instrumento de pesquisa e como
fonte documental nas ciências humanas.
Entretanto, existem ainda dificuldades no
sentido de circunscrever, mais precisamen-
te, os liames e particularidades dessa meto-
dologia de trabalho.
O debate sobre a História Oral possibili-
ta reflexões sobre o registro dos fatos na voz
dos próprios protagonistas. Utiliza-se de me-
todologia própria para a produção do conhe-
cimento. Sua abrangência, além de pedagó-
gica e interdisciplinar, está relacionada ao seu
importante papel na interpretação do imagi-
nário e na análise das representações sociais.

14 I APRESENTAÇÃO
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 15
Encontros e workshops, em diversas
instituições acadêmicas e culturais no país,
revelam o despreparo e a desinformação a
respeito das metodologias utilizadas. Diante
do exposto, surgiu a idéia de desenvolver o História Oral: a busca de uma definição
projeto que ora apresentamos. Ou seja, ele
nasceu da necessidade de instrumentalizar
as instituições e os profissionais da área.
Este manual foi organizado, a partir da /IAs pessoas sempre relataram suas histórias em
perspectiva historiográfica - minha área de conversas. Em todos os tempos, a história tem sido
formação e atuação -, por meio de uma abor- transmitida de boca a boca. Pais para filhos, mães
dagem teórica e prática, abrangendo as es- para filhas, avós para netos; os anciãos do lugar
para a geração mais nova, mexeriqueiros para ou-
pecificidades e problemáticas da documen-
vidos ávidos; todos, a seu modo, contam sobre
tação oral. Foi-me bastante valioso o estágio acontecimentos do passado, os interpretam, dão-
e.participação no curso "The Interview Me- lhes significado, mantêm viva a memória coletiva.·
thod in Social History", ministrado pelo Prof. Mesmo na nossa época de alfabetização generali-
Paul Thompson, na Universidade de Essex, zada e de grande penetração dos meios de comu-
nicação, 'a real e secreta história da humanidade'
Grã-Bretanha, além das pesquisas realizadas
é contada em conversas e, a maioria das pessoas
nas seguintes instituições: OralHistory Society ainda forma seu entendimento básico do próprio
(Grã-Bretanha); OralHistory Research Olfice, passado, por meio de conversas com outros."
Columbia University (Nova Iorque); Oral Ronald Grele
l!istory Olfice, University of California
(Berkeley) e Centro de Pesquisa e Documen-
tação-CPDOC, da FGV (Rio de Janeiro). Nas últimas décadas, pagInas e pági-
nas têm sido escritas sobre o assunto. Con-
ferências, seminários, congressos e encon-
tros debatem algumas questões cruciais: seria
mais correto falar História Oral ou fontes
orais? Seria a História Oral uma técnica, um
método ou um procedimento de pesquisa?
16 I PREFÁCIO
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 17
Mas, afinal, o que será essa tal de História Itália e França encontramos uma vasta biblio-
Oral? rafia disponível sobre a história oral e tra-
História Oral é um método de pesquisa balhos feitos a partir dessa metodologia de
que utiliza a técnica da entrevista e outros pesquisa."
procedimentos articulados entre si, no regis- Na perspectiva do trabalho que realizo,
tro de narrativas da experiência humana. a História Oral tem como principal finalida-
Definida por Allan Nevis' como "moderna de criar fontes históricas. Portanto, essa do-
história oral" devido ao uso de recursos ele- cumentação deve ser armazenada, conser-
trônicos, a história oral é técnica e fonte, por vada, e sua abordagem inicial deve partir do
meio das quais se produz conhecimento: estabelecimento preciso dos objetivos da pes-
qUIsa.
"O mínimo que podemos dizer é que a História
. Oral é uma fonte, um documento, uma entrevista
A História Oral, no nosso ponto de vis-
gravada que podemos usar da mesma maneira que ta, pode ser dividida em três gêneros distin-
usamos uma notícia do jornal, ou uma referência tos:" tradição oral, história de vida, história
em um arquivo, em uma carta." 2 temática. Quanto à tradição oral, [an Vansina,
De abrangencia multidisciplinar, ela tem especialista em tradição oral africana, afirma
que "uma sociedade oral reconhece a fala não
sido sistematicamente utilizada por diversas
apenas como um meio de comunicação diá-
áreas das ciências humanas, a saber: Histó-
ria, mas, também, como um meio de preser-
ria, Sociologia, Antropologia, Lingüística,
vação da sabedoria dos ancestrais, venerada
Psicologia, entre outras. O uso de fontes orais
no que poderíamos chamar elocuções-cha-
no trabalho historiográfico é cada vez mais
comum. Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha,
3 Nos Estados Unidos, gostaríamos de destacar a obra
Oral History: an interdisciplinsry anthologycitada an-
1 Oral history: how it was bom. In: DUNAWAY, D. K.; terionnente. Na Grã-Bretanha, anualmente a Oxford
BAuM,Willa K. (Ed.). Oral history: an interdisciplinary University Press publica o International Yearbook of
anthology. Nashville: American Association for State Oral History.
and Local History, 1985. p. 42. 4 Cf. FREITAS,Sónia Maria de. Contribuição à memória
2 CAMARGO, Aspásia. História oral e política. In: FERREIRA, da FFCL-USP: 1934-1954, 1992. Dissertação (Mestra-
M. de M. (Org.) História oral e multidisciplineridsde. do em História) - FFLCH/USP, São Paulo. Publicado
Rio de Janeiro: CPDOC/Diadorim/Finep, 1994. p. 78. pela editora Maltese como Reminiscências, em 1993.

18 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 19


ves, isto é, a tradição oral. A tradição pode l'it ao estudo de sociedades orais. Além dis-
ser definida, de fato, como um testemunho ~'(, a tradição inclui os depoimentos como
transmitido verbalmente de uma geração .is crônicas orais de um reino, genealogias,
para outra". literatura oral, etc. Nessas sociedades, a tra-
Mas a tradição oral não está presente Iição assume diferentes funções, que podem
apenas nas comunidades tidas como "iletra- s r religiosas e litúrgicas - na realização de
das" ou tribais. Ela pode também ser identi- rituais -, jurídicas, estéticas, didáticas, his-
ficada e resgatada em sociedades rurais e tóricas e míticas. Há que se considerar, tam-
urbanas pela metodologia de História Oral. bém, que essas sociedades divergem entre
Por exemplo: as cantigas de rodas, brinca- si e dos valores e costumes ocidentais, na
deiras e estórias infantis são transmitidas concepção de tempo, espaço e causalidade.
oralmente, de geração para geração. O tempo, por exemplo, pode ser contado,
Assim, numa sociedade oral, por tradi- tendo-se como referência unidades baseadas
ção, "tudo que uma sociedade considera em atividades humanas, por dinastias, rei-
importante para o perfeito funcionamento de nos, gerações ou famílias.
suas instituições, para uma correta com- A História Oral também não é sinôni-
preensão dos vários status sociais e seus mo de história de vida. História de vida pode
respectivos papéis, para os direitos e obriga- ser considerada um relato autobiográfico,
ções de cada um, tudo é cuidadosamente mas do qual a escrita - que define a autobio-
transmitido", enquanto que "numa socieda- grafia - está ausente. Na história de vida é
de que adota a escrita, somente as memórias feita a reconstituição do passado, efetuado
menos importantes são deixadas à tradição". 5 pelo próprio indivíduo, sobre o próprio in-
Não cabe aqui um aprofundamento na divíduo. Esse relato - que não é necessaria-
metodologia e técnicas específicas, necessá- mente conduzido pelo pesquisador - pode
abranger a totalidade da existência do infor-
5 Cf. VANSINA, [an, A tradição oral e sua metodologia. mante. Para tanto, seriam necessárias inú-
In: Histárie geral da África. São Paulo: Ática; Paris: meras horas de gravação.
Unesco, 1982, v. 1 - Metodologia e pré-história da
África. J. Ki. Zerbo (Coord.). Trad. Beatriz Turquetti Com a História Oral temática, a entre-
[et al.]. p. 157. vista tem caráter temático e é realizada com
20 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 21
um grupo de pessoas, sobre um assunto es- d,' , municação: emissoras de rádio e televi-
pecífico. Essa entrevista - que tem caracte- •.io, jornais e revistas. Aliás, há várias déca-
rística de depoimento - não abrange neces- d.1. , a mídia realiza enquetes e pesquisas de
sariamente a totalidade da existência do (lI inião. Na imprensa escrita, o trabalho de
informante. Dessa maneira, os depoimentos .11 uns jornalistas aproxima-se da História
podem ser mais numerosos, resultando em ( ral. Roldão Arruda, Geraldo Mayrink, Gil-
maiores quantidades de informações, o que
\) rto Dimenstein, são exemplos de jornalis-
permite uma comparação entre eles, apon-
l, s que fizeram e, ainda fazem, investiga-
tando divergências, convergências e evidên-
ções profundas sobre temas sociais, dando
cias de uma memória coletiva, por exemplo.
voz aos atores anônimos. Em geral, o jorna-
Um projeto de História Oral pode ser lista "traduz", cria outra narrativa e, raramen-
desenvolvido em diferentes contextos, como te, dá voz ao entrevistado; às vezes, alguns
iniciativa individual ou trabalho coletivo: em trechos são citados entre aspas. A maioria
pré-escolas, nos primeiro e segundo graus, das entrevistas feitas por esses profissionais
nas universidades, na educação de adultos, visa esclarecer e/ou elucidar algum assunto
por centros comunitários, por museus con- ou ponto de vista de envolvidos em alguma
vencionais, museus itinerantes ou por mu- questão. Quase sempre, essas entrevistas são
seus de rua e por outras instituições. No marcadas pela superficialidade, pela "rapi-
campo do Direito, pessoas arroladas como dez", são apressadas" e permeadas pelo
1/

testemunhas também são convidadas a dar imediatismo exigido pela "velocidade da


depoimentos, que se transformam em pe- notícia" e, muitas vezes, feitas até por tele-
ças-chave nos julgamentos de situações liti- fone. Em algumas ocasiões, o tom é meio
giosas.
"nervoso", traduzindo o clima estressante
das redações. Ao abordar uma questão, o
jornalista deve ser frio, distante e imparcial;
História Oral x Meios de Comunicação essa postura até consta dos manuais de re-
dação de jornais.
É cada vez mais comum o uso de entre- Ainda dentro da mídia, destacaria os
vistas por profissionais que atuam nos meios falk shows, programas de entrevistas muito
22 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 23
em moda hoje em dia. Geralmente, eles têm I V ( ;I bo, Jô Soares tornou-se um showman,
um caráter de entretenimento, mas não se .1.11' 't ndo, cantando e recebendo principal-
pode confundir jornalismo com espetáculo! Illl'nt os atores globais e perdendo as suas
O público quer conhecer melhor as pessoas I" 1'(1 terísticas anteriores. O jornalista Roberto
que deram certo ou aquelas que se destacam I)' /wila, em seu programa "Conexão Nacio-
por algum motivo. Com raríssimas exceções, 11011", fazia um trabalho denso e profundo.
essas entrevistas buscam explorar o curioso, 'orno um bate-papo ou uma conversa, a en-
o pitoresco de seus entrevistados. Nota-se o Ir vista transcorria num tom natural e es-
despreparo dos entrevistadores que demons- 1)( ntâneo. Felizmente, esse programa foi re-
tram falta de conhecimento nos assuntos tornado e está sendo apresentado pela TV
apresentados, deselegância na insistência ultura de São Paulo, às sextas-feiras, 23h30.
com questões íntimas e delicadas, buscando Depoimentos têm sido muito utilizados
sempre o sensacionalismo, ou o recurso à
na produção de grandes reportagens e bio-
sedução ou à agressividade. Simpatizando grafias, aliás, gênero também muito em moda
ou não com o entrevistado ou com suas hoje em dia. Para escrever os livros Olgn,
idéias, o entrevistador deve se preparar, pes- Chafó: o Rei do Brasil e Corações Sujos/ o
quisando e lendo sobre o convidado. Por jornalista Fernando Morais realizou centenas
tudo isso, muitas vezes, os entrevistadores de entrevistas; Armandinho do Bixiga recons-
levam seus convidados a um clima constran- trói sua trajetória, que se mistura com a histó-
gedor. O tempo de duração dos programas ria do bairro, em depoimento dado ao jorna-
é outro fator agravante.
lista Júlio Moreno; em Cinderela Negra, José
Mas nesse universo grotesco e intimi- Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine
datório, há que se destacar algumas exce- contam a saga de Carolina Maria de Jesus,
ções. A elegância, inteligência, perspicácia e por meio de depoimentos de personagens
espontaneidade de [ó Soares tornaram seu que conviveram com a escritora.
antigo programa no SBT bastante atraente, No cinema, destaca-se o trabalho reali-
embora fosse evidente a seleção dos convi- zado pelo cineasta Eduardo Coutinho em
dados, atendendo aos apelos do mercado, e Cabra Marcado pra Morrer e O Fio da Me-
a avançada hora de sua veiculação. Hoje, na mória.
24 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 25
Erik de Castro dirigiu Senta a Pua!, fei-
to a partir de imagens de arquivos, fotos e
ilustrações e, principalmente, entrevistas.
Trata-se de um comovente documentário
sobre a história do Primeiro Grupo de Avia- A História da História Oral
ção de Caça do Brasil na Segunda Guerra
Mundial.

"O termo 'história oral' é novo, assim como o gra-


vador de fita, e tem implicações radicais para o
futuro. Mas isto não significa que ela não tenha
um passado. De fato, a história oral é tão antiga
como a própria história. Ela foi a primeira modali-
dade de história."

Nas palavras acima, Paul Thompson


afirma que a História Oral é tão velha quan-
to a própria História. Heródoto ouviu teste-
munhos de seu tempo; Michelet colheu de-
poimentos dos que vivenciaram a Revolução
Francesa; Oscar Lewis, sobre a Revolução
Mexicana; Ronald Fraser, sobre a Guerra Ci-
vil Espanhola.
Denominamos de moderna História
Oral àquela cujo método consiste na reali-
zação de depoimentos pessoais orais, por
meio da técnica de entrevista que utiliza um
gravador, além de estratégias, questões prá-
ticas e éticas relacionadas ao uso desse mé-
todo.
26 I HISTÓRIA ORAL: A BUSCA DE UMA DEFINiÇÃO SÔNIA MARIA DE FREITAS I 27
res da Grã-Bretanha que, com suas experiên- I dO, universidades, museus, centros de
cias, acabaram influenciando pesquisadores , 1l1111j cências e outros, e publica o Journal
de outros países. Na década de 1960, na Uni- 'I 111 \ Oral History Society.
versidade de Essex, na Grã-Bretanha, busca-
va-se o testemunho de pessoas comuns - or-
dinery people. marginalizadas pelo poder - e
A História Oral no Brasil
de idosos, enquanto a história oral norte-ame-
ricana estava voltada para os great men, ou
Uma das primeiras experiências com
seja, os homens socialmente reconhecidos. 1Iistória Oral no Brasil ocorreu no Museu da
Nesse processo, o historiador Paul Thom- lm gem e do Som - MIS/SP (1971), que tem
pson foi um dos pioneiros e tornou-se uma ,(' dedicado à preservação da memória cul-
das autoridades na reflexão e na utilização til ral brasileira. Outras experiências ocorre-
desse método para o registro histórico. Seu rarn no Museu do Arquivo Histórico da Uni-
livro A lIóz do Passado: História Oral é consi- v rsidade Estadual de Londrina, Paraná
derado um clássico, por sua importante con- (1972), e na Universidade Federal de Santa
tribuição ao método e à teoria da História Oral. atarina, onde foi implantado um laborató-
Atualmente, a História Oral na Grã-Bre- rio de História Oral em 1975. Porém, a expe-
tanha envolve profissionais de diversas áreas. riência mais importante e enriquecedora tem
Ali destaca-se a National Life Story Collec- sido a do Centro de Pesquisa e Documenta-
tion, da British Library National Sound Ar- ção de História Contemporânea do Brasil -
chive, fundada por Paul Thompson e dirigi- CPDOC, ligado à Fundação Getúlio Vargas,
da por Robert Perks. 4 A exemplo da entidade Rio de Janeiro, que dispõe de um setor de
americana, a Oral History Society " congrega História Oral desde a sua fundação, em 1975.
elementos oriundos dos meios de comuni- Indubitavelmente, o CPDOC é o melhor
exemplo da bem-sucedida experiência com
4 96 Euston Road - London NW1 2DB - Telefone: 020- História Oral no Brasil, tanto pela qualidade
7412-7404. Fax: 020-7412-7441. E-mail:nsa-nlsc@bl.uk
de seu acervo, constituído principalmente de
5 Oral History Society. Department of Sociology. Uni-
versity of Essex - Wivenhoe - Colchester C04 3SQ _ entrevistas com personalidades da história
United Kingdom. política contemporânea do país, quanto pela
30 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL SÔNIA MARIA DE FREITAS I 31
realização de comunicações, palestras e edi- 111111111 on, noMuseu da Imagem e do Som
ções de obras sobre a teoria e metodologia I : .ro Paulo, órgão da Secretaria da Cultu-
da História Oral. Tampouco podemos deixar I , do -'stado de São Paulo, onde implanta-
de destacar a utilização da metodologia de "1111 coordenamos o Projeto Depoimentos
História Oral em pesquisas sociológicas, que 11\ Vídeo, de 1988 a 1992, voltado para a
vêm sendo desenvolvidas pelo Centro de 11 \{' cultura brasileiras.
Estudos Rurais e Urbanos - Ceru, da Univer- O encontro acima citado, cujo objetivo
sidade de São Paulo, desde meados dos anos h.l. 'i o foi introduzir, contextualizar e proble-
1970. No Centro de Memória da Unicamp, 11 intizar a discussão sobre História Oral, pos-
pesquisadores têm se utilizado do método da ',ibilitou o amadurecimento da questão e ser-
História Oral na realização de seus projetos. viu também como catalisador das múltiplas
É inegável o interesse que a história oral ( periéncias que aqui vinham sendo desen-
vem despertando no pesquisador brasileiro. v lvidas. Além disso, mostrou-nos, concre-
Entretanto, do ponto de vista teórico-meto- l mente, a existência no Brasil de uma quan-
dológico, a literatura disponível é ainda es- tidade significativa de trabalhos que utilizavam
cassa e deixa muito a desejar. Apesar de aqui História Oral como instrumento de pesqui-
não ser o espaço para discutir ou mostrar as sa e como fonte documental. Foram identifi-
diferentes maneiras de conceber e usar a His- cados 125 projetos de História Oral em de-
tória Oral, entretanto, podemos assinalar que senvolvimento, sendo 49 projetos individuais
nos trabalhos publicados percebe-se a exis- e 76 institucionais, de um total de 220 parti-
tência de diferentes posturas metodológicas. cipantes. Esses dados são relevantes, pois
Na década de 1990, foram realizados comprovaram o interesse despertado em um
alguns encontros dedicados ao debate sobre número significativo de pesquisadores, em
a História Oral no Brasil, o que contribuiu UlTI encontro pioneiro no gênero, em São
para uma maior divulgação da História Oral. Paulo.
No primeiro semestre de 1991, realizamos o Outros encontros sucederam-se e tor-
encontro "História Oral na Voz de Paul Thom- naram-se estímulos importantes na propa-
pson", que constituiu-se de depoimento, gação de trabalhos com a História Oral no
workshop e seminário com o historiador Paul Brasil, COlTIO a discussão ocorrida durante a
32 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL SÓNIA MARIA DE FREITAS I 33
realização do Congresso América 92, na USP;
111 (I staque aquelas editadas pelo Cent~o
o Encontro ocorrido na USP em 1993, e, fi-
t quisa e Documentação da Fundaçao
I"
nalmente, a criação da Associação Brasileira
I +ulío Vargas, do Rio de janeiro."
de História Oral, no Rio de Janeiro, em 1994.
Apesar da dimensão que a Históri~ O:al
Sem dúvida, a fundação da Associação,
I tingido no debate sobre as tendências
111
atualmente presidida pela pesquisadora Ve-
II historiografia brasileira contemporânea,
rena Alberti," significou um grande avanço
para a História Oral no Brasil. 7 li" ainda grupos de pesquisadores que não
I'('itam a História Oral pela seletividade, ale-
Hoje, graças às transformações ocorri- 1,II1dotambém a falibilidade das fontes orais.
das nas ciências humanas e devido aos de-
I::, ises integram uma tradição historiográfica,
bates multidisciplinares, existe um consen-
I'('ntrada em documentos oficiais ou conge-
so: é inegável o papel que as fontes orais
II ires. Concordamos com Meihy ao afirmar
vêm ocupando na produção acadêmica.
que: "os oralistas não têm enfrentado de for-
No Brasil, existem várias obras produ-
zidas nas duas últimas décadas, fundamen-
se de um conjunto de textos apresentados no I En-
talmente a partir de/ou sobre fontes orais. contro Regional de História Oral-Sudeste:Sul. O
Entre elas, gostaríamos de mencionar aque- organizador dessa obra tem vários livros publicados a
las produzidas a partir do debate e do mate- partir do documento oral, entre eles, .destacal1l-s~ A
colônia bresilisniste: história oral de vida acadêmica,
rial apresentado nos encontros regionais e
Ciiiderele negra: a saga de Carolina Maria de Jesus,
congressos nacionais." Pelo conjunto, mere- Canto de morte Kaiowá: história oral de vida e o Ma-
nual de histárie oral.
6 abho@bridge.com.br 9 Cf. Catálogo de depoimentos. Programa de História
http://historiaoral.vilabol.uol.com.br Oral. Rio de Janeiro: CPDOC, 1981; ALBERTI,Verena.
7 Associação Brasileira de História Oral (ABHO) Histôrie oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro:
A/c Verena Alberti (presidente) Fundação Getúlio Vargas, 1990; FERRElRA,Marieta ~e
Fundação Getúlio Vargas - CPDOC Moraes (Org.). Entre-vJstas:abordagens e usos da hIS-
Praia do Botafogo 190/1408 tória oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
22253-900 - Rio de Janeiro - RJ 1994; FERRElRA,M. de M. Usos e abusos da história oral.
Tel.: (21)2559-5694 - Fax: (21)2559-5679 Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994. FERREI~
RA, M. de M. (Org.). Histôrie oral e multidisciplinsri-
8 MEIHY, José C. Sebe Bom (Org.). (Re) introduzindo a
dade. Rio de Janeiro: CPDOClDiadorim/Finep, 1994.
histone oral no Brasil. São Paulo: Xarnã, 1996. Trata-
Resultado do IIEncontro Nacional de História Oral.
34 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 35
ma convincente o debate epistemológico, fi ,1 noS 90, deve ser relacionada ao desdo-
explica da a falta de respeitabilidade entre I IIII nto do golpe militar de 1964 que: "[ ... ]
certos pares acadêmicos" (1995: 49). iihlu projetos que gravassem experiências,
Acreditamos que a resistência à História 'I ini....es ou depoimentos. Em conseqüência
Oral, ainda encontrada no meio acadêmico Il'de, enquanto, no resto do mundo, proli-
11 101 V m projetos de história oral, nós nos
brasileiro, está ligada a alguns outros fatores.
11'11'1 íamos, deixando para o futuro algo que
Entre eles, o fato de a academia ter tido des-
de a sua origem uma forte influência france- l'l'i inevitável" (Meihy, 1995: 7).
sa, seguindo pressupostos do "Positivismo" Nesse período, o Brasil passou a ocu-
ou da "Nova História", muito presentes na 1'.Ir mais espaço nos encontros e congressos
produção acadêmica daquele país. Grande rut rnacionais; nos trabalhos de História Oral
parte da produção teórica da História Oral ''1 resentados percebe-se claramente que as
foi produzida na língua inglesa, e ainda não 111 trizes do pensamento são européias, os
foi traduzida para a língua portuguesa.'? I ressupostos e arcabouços teóricos são so-
A tardia penetração da História Oral no bretudo franceses: Daniel Bertaux, Henry
Bras il,ll ocorn id a nos anos 80 e, principalmen- Rousso, Jean Boutier, Roger Chartier, Pierre
Boudieur, apenas para citar alguns nomes.
10 O livro A voz do passado: histôrie oral, do historia- Entretanto, a maioria dos pesquisado-
dor inglês Paul Thompson, editado no Brasil em 1992, res brasileiros, infelizmente, ainda desconhe-
constitui numa exceção e representou um grande avan- ce o nível de sofisticação teórica, o número
ço, pois o mesmo tem servido de modelo teórico para os
trabalhos de História Oral no Brasil. Thompson é autor
de livros publicados e resenhas em revistas
de uma vasta obra, entre seus livros destacam-se: TI-JOM- sobre uma enorme diversidade temática dis-
PSON,P. et al. 1 don t leel old: the experience of later life. ponível nos Estados Unidos" e Crã-Breta-
Oxford: Oxford University Press, 1990; SAMUEL,Raphael;
TI-JOMPSON,Paul (Ed.). The myths we live by. London:
Routledge, 1990. BERTAux,Daniel; TI-JOMPSON, Paul (Ed.). contro que reuniu pesquisadores que utilizavam a fonte
Between generations: family models, myths and me- oral em pesquisas só se realizou, na França, em 1980.
mories. International YearbookolOral History and Li/e Cf. JOUTARD,P. Esas voces que nos llegan de}pasado.
Stories, v. 2. Oxford: Oxford University Press, 1993. México: Fondo de Cultura Económica, 1986. p. 17l.
11 Curiosamente, a historiografia francesa também ig- 12 A primeira experiência da História Oral como uma
norou a fonte oral por muito tempo. O primeiro en- atividade organizada é de 1948, quando o Prof. Allan

36 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 37
nha." A partir dessas experiências, a Histó
ria Oral atingiu um nível de credibilidade n s
meios acadêmicos, tornando-se um campo
de estudo com suas associações e revistas
próprias, de caráter inclusive internacional História x História Oral x Memória
multidisciplinar.
Todo o processo vivenciado pelos pes-
quisadores em História Oral, nos últimos dez "0 essencial é saber ver
anos, possibilitou o aprofundamento do de- saber ver sem estar a pensar
saber ver quando se vê
bate, significando um avanço em termos con-
E nem pensar quando se vê
ceituais, apesar de se evidenciarem diferen- nem ver quando se pensa."
ças metodológicas.
Alberto Caieiro, O Guardador de Rebanhos

Nevis lançou o "Th e Oral History Project", na Co-


lumbia University. Hoje, essa Universidade mantém Há pesquisadores que ainda mantêm
um dos mais respeitados projetos de História Oral
vínculos com a tradição historiográfica do
dos Estados Unidos, o Oral History Research Office,
que tivemos a oportunidade de visitar em 1991 e 1994. século XIX, que elegeu como modelo de do-
Em 1967, foi fundada a Oral History Association que cumento histórico o testemunho escrito, ob-
publica, anualmente, a Oral History Review. jetivo (neutro), dado como fidedigno. Nessa
13 Na história da História Oral destaca-se o trabalho de-
perspectiva, os depoimentos pas.s~~a~TI a ser
senvolvido pelos pesquisadores da Crã-Bretanha, na
Universidade de Essex, a partir da década de 1960, considerados apenas fontes subsldIanas e de
voltado para o registro de testemunho de pessoas "baixo valor histórico", pois representariam
comuns - ordinary people. Ali criaram a Oral History um testemunho subjetivo, falível e cuja fide-
Society, a qual é responsável pela publicação do
dignidade estaria compr?metida ~el~s notí-
Journal 01 the Oral History Society. No inverno de
1988, tivemos a oportunidade de conhecer essa enti- cias tendenciosas, mentiras e calumas que
dade e os trabalhos por ela desenvolvidos e participar poderiam apresentar.
do curso "Interview Method in Social History", mi-
Se pouca credibilidade era dada aos .de-
nistrado pelo Prof. Paul Thornpson, na Universidade
de Essex, Colchester, Grã-Bretanha. poimentos escritos, os orais foram pratica-

38 I A HISTÓRIA DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 39
mente ignorados. Neles se acentuariam aqu(' IIlvistas e historicistas. As idéias e dire-
les aspectos negativos atribuídos a esse tipo o grupo, apresentadas por Peter
de fonte, acrescidos da parca confiabilidad: II ki' (1981), são as seguintes:

que a palavra falada assumia, numa soei - " .. ibstituição da tradicional narrativa de
dade solidamente estabelecida sobre a escri- " ntecimentos por uma história-proble-
ta, e das dificuldades de preservação e di- 111;
vulgação, inerentes às fontes orais. Destarte, hi tória de todas as atividades humanas
como documento que deveria propiciar ao \ não apenas da história política;
historiador o resgate dos acontecimentos, "tal \) laboração com outras disciplinas, tais
como se sucederam", o testemunho oral ou omo a geografia, a sociologia, a psicolo-
escrito mostrava-se, evidentemente, uma gia, a economia, a lingüística e a antro-
fonte inadequada, só devendo ser utilizada pologia social.
como último recurso e, assim mesmo, com Esta última idéia foi decorrência das in-
extrema cautela. Iindáveis discussões que Febvre e Bloch man-
Um dos mais expressivos representan- Iiveram com o psicólogo social Charles Blo~-
tes dessa corrente foi Fustel de Coulanges, Iel e o sociólogo Maurice Halbwachs, cUJo
que defendeu tais idéias na obra La Monar- studo sobre a estrutura social da memória,
chie Franque, escrita em 1888. publicado em 1925, causou profunda impres-
A maior contribuição para a mudança são em Bloch.
do enfoque acima apresentado, foi o movi- 4) Introdução de diversos aspectos da vida
mento iniciado por Marc Bloch e Lucien social nos estudos da história, trabalha-
Febvre, com o lançamento da revista Anna- dos por Febvre: "a vida diária", o povo e
Ies, em 1929. A atuação do grupo colaborou as coisas, "coisas que a humanidade pro-
para a construção da História, como ciência, duz ou consome", alimentos, vestuário,
e para a renovação dos estudos da História. habitação, ferramentas, moeda, cidades;
O grupo dos Annales", no período de
1/
a "civilização material" e as representa-
1929 a 1969, principalmente, tinha concep- ções coletivas de Braudel; história socio-
ções comuns que foram resultado de deba- cultural por Emmanuel Le Roy Ladurie.
tes travados com historiadores tradicionais - Jacques Le Coff, Georges Duby;

40 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÓNIA MARIA DE FREITAS I 41
5) ênfase na história econômica, demográ- III I" I diz respeito a conceitos, abordagens
fica e social, salientando os aspectos so- Illd dos. O grupo dos Annales passou a
ciais por meio de estudos regionais, cole- • I ti nominado, mais tarde, de "Nova His-
tivos e comparativos em detrimento do IIIIl.r", dedicando-se, sobretudo, à história
episódico e individual; III ' tidiano e das mentalidades. Os histo-
6) descoberta e utilização de novas fontes: 11.1 I res desse grupo apontaram para a ne-
tradição oral e vestígios arqueológicos. .'.'sidade de a História se dedicar menos aos
1 ·on.tecimentos, aos heróis e à cronologia dos
Com relação à última idéia anteriormen-
I.ll s.
te apresentada, Lucien Febvre afirmou: "A
história faz-se com documentos escritos, sem Sem dúvida, a "Nova História" foi um
dúvida. Quando eles existem. Mas ela pode unportante movimento que contribuiu p~ra
fazer-se, ela deve fazer-se sem documentos d mudança dos procedimentos na pesqUIsa
escritos, se os não houver. Com tudo o que ti fontes para se reconstruir a História. S~-
o engenho do historiador pode permitir-lhe I'undo a historiadora ~aria de L~urdes M~-
utilizar para fabricar o seu mel, à falta das naco Janotti (1995: 61): A esta epistemologia
flores habituais. Portanto, com palavras. Com mal definida como positivista, opuseram-se
signos. Com paisagens e telhas. Com for- historiadores franceses e ingleses propugnan-
mas de cultivo e ervas daninhas. Com eclip- do, em meados do século atual por uma
'Nova História', livre de cânones rígidos,
ses da lua e cangas de bois. Com exames de
onde a história do presente, do cotidiano e
pedras por geólogos e análises de espadas
da experiência individual adquiri:an: signi-
de metal por químicos. Numa palavra, com
ficativa importância. Muito cont~IbUIu pa~a
tudo aquilo que, pertencendo ao homem,
esta inovação o pensamento dos intelectuais
depende do homem, serve o homem, expri-
da chamada 'Escola de Frankfurt'. O tema
me o homem, significa a presença, a ativida-
da Memória, juntamente com o da Cultura,
de, os gostos e as maneiras de ser do ho-
passou a ser para os histor~ad~res um desa-
mem" (Febvre, 1989: 249).
fio e motivo de renovada cnaçao, como ates-
Sem dúvida, esse movimento - chama- tam os trabalhos de J. Le Goff, Pierre Nora,
do por Peter Burke de a Revolução Francesa E. P. Thompson, Christopher Hill e Keith
da Historiografia - revolucionou a História Tomas, para citar alguns exeInp 1os. "
42 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 43
A partir dessa ênfase, dada ao estudo IIIHJiçãosine qua non da história, a África
do cotidiano, os historiadores franceses, so- , (I l lTI história, pois esse continente é cons-

bretudo, mostraram que as fontes da histó- IIII 1 de sociedades organizadas a partir da

ria não eram mais somente os documento I,,,di ão oral, portanto, sem escrita. E as tri-
"oficiais" . I (I,' indígenas brasileiras somente poderão
1'1' studadas a partir dos dados da Funai?
No Brasil, a maioria dos cientistas sociais
ainda vê a fotografia, a caricatura, a carta, o ses pesquisadores que defendem essa
diário, assim como o depoimento oral, como isão, diríamos que todo documento é ques-
fontes subsidiárias, possuidoras de baixo va- Ilonável e que todo documento escrito ou
lor histórico, embora essas fontes sejam fre- H'onográfico é limitado e subjetivo.
qüentemente utilizadas para ilustrar ou com- Entretanto, as atuais correntes da his-
provar alguma idéia. Há aqueles que acreditam loriografia tem ressaltado a necessidade de
na História Oral, porém assumindo uma pos- uma reavaliação dos critérios pelos quais se
tura de que o documento oral deve ser cruza- d termina a utilização e análise de fontes
do com outras fontes, de preferência escritas e históricas, pois na produção do conhecimen-
oficiais.Nessa perspectiva, os documentos orais to, fatores como a subjetividade e a seletivi-
visam a complementaridade e veracidade das dade são inevitáveis. Assim, a História Oral
informações, portanto, o cotejo das fontes. tem adquirido um novo status, devido aos
Há também aqueles que, em suas dis- novos significados atribuídos aos depoimen-
sertações, teses e ensaios, utilizam entrevis- tos, às histórias de vida, às biografias, etc.
tas como fonte de informação para preen- Adam Schaff, em sua obra História e
cher lacunas em suas pesquisas. Todavia, Verdade (1983), relata uma interessante pes-
esses trabalhos não fazem nenhuma menção quisa acerca das causas da Revolução Fran-
à História Oral e à vasta produção acerca des- cesa e conclui que o conhecimento dessas é
sa metodologia disponível no país e, muito um processo ainda inacabado e que: "[ ... ] a
menos, indicam as metodologias de pesqui- verdade histórica se constrói cada vez mais
sa utilizadas. complexa, cada vez mais precisa, a partir de
Segundo a visão e práticas desses his- verdades parciais e, neste sentido, relativas.
toriadores, que vêem no documento escrito [... ] o fato da diversidade, da variabilidade,

44 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 45
I1

até mesmo da incompatibilidade dos pontos I IIIsmo, no que concerne à sua análise e
de vista dos historiadores que, potencialmen- I roblematização.
te, dispõem das mesmas fontes e, subjetiva- A História Oral fornece documentação
mente, aspiram à verdade, e só à verdade, 1""" reconstruir o passado recente, pois o
crendo mesmo tê-Ia realmente descoberto". I ontemporáneo é também história. A Histó-
(Schaff, 1983: 59) 11.1 Oral legitima a história do presente, pois
Adam Schaff destaca ainda (1983: 169) " história foi, durante muito tempo, relegada
que" o nosso conhecimento adquiriu neces- .ro passado.
sariamente a forma de um processo infinito Esse redimensionamento do trabalho do
que, aperfeiçoando o saber sobre diversos historiador e a crescente revalorização da
aspectos da realidade, analisada sob diferen- oralidade - embora mediatizada - trazida
tes prismas e acumulando verdades parciais, I ela expansão dos meios de comunicação de
não produz uma soma de conhecimentos, massa, como o rádio, a televisão, o cinema,
nem modificações puramente quantitativas discos, etc., indicam a oportunidade de uma
do saber, mas transformações qualitativas da revisão das posturas historiográficas que têm,
nossa visão da história". até hoje, olhado com grande desconfiança o
Segundo Maria Isaura P. Queiroz (1983: testemunho pessoal. É importante destacar
91), as "histórias de vida e depoimentos pes- que certos historiadores têm procurado orien-
soais, a partir do momento em que foram tar suas reflexões nesse sentido, apresentan-
gerados passam a constituir documentos do seus primeiros frutos.
como quaisquer outros, isto é, definem-se Na reconstrução do passado, a lingua-
em função das informações, indicações, es- gem auditiva, que se baseia essencialmente
clarecimentos escritos ou registrados, que no uso da voz, exercerá um papel funda-
levam a elucidações de determinadas ques- mental. Pois é como discurso que a memó-
tões e funcionam também como provas". ria evidencia todo um sistema de símbolos
O documento gravado, como qualquer e convenções produzidos e utilizados social-
tipo de documento, está sujeito a diversas mente. Além disso, a voz é um elemento em
leituras. O procedimento do historiador/pes- si mesmo. Suas variações dão sentido ao tex-
quisador diante de tal documento deverá ser to transmitido, transformam-no, dando-lhe,

46 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÓNIA MARIA DE FREITAS 47
muitas vezes, um significado além do qll(' 1,Inr ção da experiência social concreta. Por
foi meramente dito. I 111, efende a combinação entre os diver-
Porém, é pela oportunidade de recup _ 11' tipos de documentos citados anterior-
rar testemunhos relegados pela História qu IIl1'nt , bem como a utilização desses doeu-
o registro de reminiscências orais se desta- 1111 'I1tOS de forma multidisciplinar, ou seja,
ca, pois permite a documentação de pontos 111 Ir historiadores, sociólogos, psicólogos, an-
de vista diferentes ou opostos sobre o mes- III ipólogos, lingüistas, cientistas políticos, etc.
mo fato, os quais, omitidos ou desprezados Sem dúvida, utilizando a metodologia
pelo discurso do poder, estariam condena- .Ir! História Oral produz-se uma documen-
dos ao esquecimento. 1.1 .ão diferenciada e alternativa da história,
Faz-se necessária uma revisão das postu- "e lizada exclusivamente com fontes escritas.
ras historiográficas com relação às "novas" fon- l.ntretanto, não defendo o uso exclusivo de
tes históricas - sonora e visual ~, esta última fontes orais, por acreditar que a utilização de
representada pela fotografia, caricatura e cine- liversas fontes será mais enriquecedora para
ma. É preciso vencer os limites livrescos e que- a pesquisa. Considero a miscelânea propos-
brar a resistência às novas fontes documen- ta por Ken Plummer (1983) bastante interes-
tais, novas técnicas, linguagens e suportes. ante.
Ken Plummer, na sua obra Documents Na busca de características de uma co-
of LHe (1983), aborda o uso de histórias de letividade, a realização de depoimentos pes-
vida e outros tipos de documentos pessoais soais permite-nos captar, a partir das remi-
nas pesquisas em Ciência Social, os quais niscências, o que as pessoas vivenciaram e
resultam em memória de uma experiência experimentaram.
social do ponto de vista dos participantes. As análises históricas são construídas a
Entre esses documentos, ele destaca a histó- partir de vestígios e/ou registros deixados
ria de vida, o diário, a carta, a História Oral, pelas gerações anteriores. Entretanto, a pro-
a fotografia, o filme, etc. O autor conclui que dução desta matéria-prima quase sempre
essa diversidade de documentos, muitas esteve a cargo das classes dominantes e, até
vezes ignorados e negligenciados pelo cien- bem recentemente, tal fato não era encarado
tista social, revelam um enorme potencial na como uma questão. A coleta de depoimen-
48 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 49
tos e de histórias de vida pode ser inseridz ,.• jue "na Inglaterra, desde os tempos de
no amplo esforço de resgatar a palavra de 111-1' rt Spencer, ou mesmo antes, pressu-
indivíduos que, sem a mediação do pesqui- I"!ll a-se que entidades coletivas, como "so-
sador, não deixariam nenhum testemunho. Il'lI de", são fictícias, enquanto os indiví-
1110 existem". Curiosamente, nota-se que a
Assim, essa metodologia abre novas pers-
1111' m e o maior avanço da História Oral
pectivas para o entendimento do passado
I H -orreram nos países de origem anglo-saxo-
recente, pois amplifica vozes que não se
I li 'a: Inglaterra e Estados Unidos.
fariam ouvir. Além de nos possibilitar o co-
nhecimento de diferentes "versões" sobre A História Oral privilegia, enfim, a voz
determinada questão, os depoimentos po- de s indivíduos, não apenas dos grandes
dem apontar continuidade, descontinuida- 11 mens, como tem ocorrido, mas dando a
de ou mesmo contradições no discurso do I) lavra aos esquecidos ou "vencidos" da his-
depoente. t ria. À história que, tradicionalmente, este-
v voltada para os heróis, os episódios, as
A maior potencialidade deste tipo de
struturas, Walter Benjamin responde que
fonte é a possibilidade de resgatar o indiví-
qualquer um de nós é uma personagem his-
duo como sujeito no processo histórico. Con-
seqüentemente, reativa o conflito entre liber- tórica.
dade e determinismo ou entre estrutura social
e ação humana.
Os indivíduos, elementos fundamentais As Reminiscências da Memória
para a compreensão da vida humana, têm
"Eu realmente acredito que existimos como seres
sido freqüentemente minimizados e margi- humanos porque podemos contar histórias. Oliver
nalizados pelo cientista social, que acredita Sacks escreveu que pessoas neurologicamente sãs
que os documentos pessoais são subjetivos, contam a si mesmas as histórias de suas vidas to-
descritivos e arbitrários para contribuírem dos os dias. Vivemos numa narrativa. Há uma espé-
cie de linha que seguimos e que nos liga ao on-
com o avanço científico. A tradição inglesa tem, ao hoje e ao amanhã. É claro que montamos
é, por excelência, caracterizada pelo empi- e cortamos muitas coisas, sobretudo aquilo que não
rismo e pelo individualismo metodológico. se encaixa no que pensamos ou queremos ser. Es-
Nesse sentido, Peter Burke (1981: 112) afir- crevemos a nossa própria história. É o que nos

50 -I HISTÓRIA x HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 51
leva para o futuro. Mas as pessoas que são neuro- ibrangente, o caminho percorrido foi bus-
logicamente deficientes não conseguem fazer isso.
I Ir a acepção de memória para o senso co-
I
Elas têm a vida em fragmentos. Não há continui-
dade." mum na atualidade, resgatar a concepção e
'Ii nificado de memória em diferentes mo-
Paul Auster
m ntos da história, da antigüidade à atuali-
ti de e, finalmente, refletir sobre os fenóme-
o
desenvolvimento deste trabalho le- IlOS da memória individual, fazendo uso de

vou-nos inevitavelmente à busca da com- . us principais teóricos.


preensão do conceito de memória. Este es- Expressões do tipo "memória de elefan-
forço se justifica, pois a História Oral tem l ", "memória visual", "de memória", "lap-
como suporte as lembranças, evidenciando o da memória" fazem parte de nosso uni-
uma memória coletiva. Esta última pode ser verso vocabular. A noção de memória está
entendida como uma somatória de experiên- presente em nosso cotidiano, relacionada à
cias individuais, passíveis de serem utiliza- idéia de que o Brasil é um país sem memória
das como fontes históricas. Relembrando histórica. Na atualidade, a acepção da me-
Pierre Nora, memória é o vivido e história é mória está ligada ao desenvolvimento da
o elaborado. Através do resgate da memória Cibernética - memória armazenada pelos
se reconstrói o passado. computadores e, também, da Biologia - me-
É preciso destacar que são poucas as mória da hereditariedade, presente no códi-
tentativas de definição do que é a memória, go genético.
pois essa ainda não foi eleita especificamen- Na Antiguidade Clássica, os gregos fi-
te objeto de estudo em áreas como a História, zeram da memória uma deusa, Mnemósine.
a Sociologia, a Antropologia, etc. Embora vi- Essa deusa lembra aos homens os heróis e
sando interesse específico da área, alguns tí- os seus altos feitos e também preside a poe-
tulos são localizados na Biologia e, princi- sia lírica. O poeta é, pois, um homem que
palmente, na Psicologia. quando possuído pela memória é transpor-
Em decorrência da complexidade da tado por ela ao coração dos acontecimentos
questão e da dificuldade de acesso a biblio- antigos, tornando-se, assim, um adivinho do
grafias que tratem o tema de forma mais passado. Cabe ao poeta o poder de lembrar-
52 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÔNIA MARIA DE FREITAS I 53
se de tudo. É a testemunha inspirada dos ideologia dominante. Ocorre a "cristianização
"tempos antigos", da idade heróica e, por isso, Ia memória coletiva e da mnemotécnica, re-
da idade das origens. Vernant, em sua obra partição da memória coletiva entre a memó-
Mito e Pensamento entre os Greg6s(1973: 71- ria litúrgica, girando em torno de si mesma,
6), utilizou-se de documentos como as nar- uma memória laica de fraca penetração cro-
rativas míticas que tratam da divinização da nológica, desenvolvimento da memória dos
memória e da elaboração de uma vasta mito- mortos, principalmente dos Santos, papel da
logia da reminiscência na Grécia arcaica. memória no ensino que articula o oral e o
Aristóteles distingue mnemé (memória) escrito, aparecimento enfim de tratados da
- faculdade de conservar o passado - e mam- memória (ars memorieei",'
nesi (reminiscência) - faculdade de evocar A memória estará presente na literatu-
voluntariamente esse passado por um esfor- ra medieval através das narrativas orais (con-
ço intelectual. Platão, por sua vez, emprega a tos populares, canções) e da escrita. Paul
imagem da memória como impressão, traços Zumthor destaca que o uso da escritura ex-
depositados e gravados em nós: "A alma é pandiu-se com extrema lentidão nas classes
revestida de uma camada de cera de mode- dirigentes dos jovens Estados europeus, pois
lar, cuja espessura, consistência e pureza va- essa prática esteve confinada, até por volta
riam, aliás, de acordo com os indivíduos. Ora, do ano 1000, a alguns mosteiros e cortes ré-
por um dom da mãe das Musas, Mnemósi- gias. Na época moderna, o desenvolvilnen-
ne, a cera recebe a impressão das sensações e to do comércio e a intensificação das comu-
pensamentos, formando uma gravura em re- nicações favoreceram uma maior difusão da
levo análoga a marcas de anéis. Esta impres- escritura. Entretanto, o fenômeno - oralidade
são é como que o assinalamento da coisa e o concomitante à escrita - ultrapassa a Idade
meio de recordarmo-Ia. O que se apagar ou Média e pode ser detectado ainda no século
não conseguir de forma alguma imprimir-se XIX e início do XX (Zumthor, 1993: 97).
nós esquecemos" (Platão, 1976: 156-12).
1 Ainda sobre as artes mnemônicas, ver o estudo de
Segundo Le Goff (1984: 20-1), a memó-
Francis Yatesa. The art ot memory Chicago: Chicago
ria na Idade Média passará por profundas University Press, 1974 e Jonathan D. Spence. O palá-
transformações em decorrência da difusão do cio da memôris de Mateo RicCÍ. São Paulo: Compa-
cristianismo - religião da recordação - como nhia das Letras, 1986.

54 I HISTÓRIA X HiSTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÔNIA MARIA DE FREITAS I 55


Neste sentido, Robert Darnton, em sua f rma e de estilo têm mais peso que as varia-
obra O Grande Massacre de Gatos (1986), .ões de detalhes. Zumthor também destaca a
analisa as maneiras de pensar e o modo como importância da poesia nesse processo abor-
as pessoas interpretavam o mundo, na França ado por Darnton sobre os contos populares.
do século XVIII. O trabalho consiste na aná- No século XVIII, o Iluminismo injetou
lise de contos populares que, segundo o au- uma considerável medida de racionalismo e
tor, surgiram ao longo de muitos séculos e ceticismo nos escritos da história. A cons-
sofreram diferentes transformações, em di- ciência história nasceu naquele período. Os
ferentes tradições culturais: "Como todos os iluministas criticaram as teorias mnemônicas
contadores de histórias, os narradores cam- (decorebas) e a tradição escolástica; despre-
poneses adaptavam o cenário de seus rela- zaram o passado e a memória, porque afetiva.
tos ao seu próprio meio; mas mantinham Vislumbraram uma memória técnico-cientí-
intactos os principais elementos, usando re- fica do conhecimento acumulado, e o histo-
petições, rimas e outros dispositivos mne- riador buscou a ação racional.
mónicos. " De acordo com Voltaire (1694-1778), "o
Esse estudo, baseado em coletâneas de principal propagandista das Luzes", "a his-
contos populares organizadas no fim do sé- tória é a cadeia de acontecimentos em que
culo XIXe início do XX, é, sem dúvida, "uma os homens por suas paixões e necessidades,
rara oportunidade de se tomar contato com constroem livremente seu mundo, criando
as massas analfabetas que desapareceram no as sociedades e os governos, e desenvolvem
passado, sem deixar vestígios. Rejeitar os con- a economia, as técnicas, as ciências e as ar-
tos populares, porque não podem ser data- tes". E que "a história é a história do pro-
dos nem situados com precisão, como outros gresso, que avança à medida que os homens
documentos históricos, é virar as costas a um vão se esclarecendo pelas luzes da razão". 2
dos poucos pontos de entrada no universo No final do século XVIIIe início do XIX,
mental dos camponeses, nos tempos do An- desenvolve-se o Romantismo na Alemanha
tigo Regime" (Darnton, 1986: 31-2).
2 Cf. ABRÃO, Bernadette Siqueira. Histôrie da Iilosotia.
Ainda segundo Darnton, na narrativa São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). p.
tradicional de histórias, as continuidades de 274.

56 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÔNIA MARIA DE FREITAS I 57


e em outras regiões da Europa. Goethe, Hcr- emprego de dialetos e termos considerados
der, Schiller, entre outros, foram seus ex- obscenos. Seu objetivo é apreender a alma,
poentes. Com o movimento romântic~, nas- o gênio de cada povo, aquilo que faz com
ceu a historiografia. Barthold Georg Niebuhr que um povo seja .
o que e/" .4
(1776-1831)e Leopold von Ranke (1795-1886), História é sinônimo de memória, haven-
historiadores alemães, transformaram a es- do uma relação de fusão. Elas não se distin-
crita da história. Ranke explicou a história guem. A história se apodera da m~mória
"como realmente aconteceu", criando novos coletiva e a transcreve em palavras. E nesse
padrões de pesquisa, baseados na evidência momento que a história dá voz ao "povo"
primária sujeita à avaliação crítica. Esta "his- pela primeira vez. O século XIX, portanto, é
tória científica" levou à catalogação das fon- o momento da perda da memória, ou me-
tes e a um ensino mais acadêmico. lhor , ela vai se ancorar na história.
Com seu caráter nacionalista, essa his-
O filósofo Walter Benjamin (1892-1940),
toriografia é a história de um povo enquar:-to
ao discorrer sobre a arte da narração, nos
nação. Na Alemanha, "que nessa época am-
diz que "o grande narrador se enraizará sem-
da não passa de uma idéia", buscava-se trans-
pre no povo, antes de mais nada, nas suas
formar um povo em nação por meio das pe-
camadas artesanais. Mas como estas com-
culiaridades dos alemães. Um dos principais
preendem as camadas rurais, marítimas e
precursores desta busca é Friedrich Gottlieb
urbanas nos vários estágios do seu grau de
Klopstock (1724-1803). Vários autores procu-
desenvolvimento econômico e técnico, mul-
raram na tradição popular, leia-se reminiscên-
tiplicam-se os conceitos em que se sedimen-
cia, "com seus deuses, mitos e heróis lendá-
. I' para suas oras
b "3. ta para nós o acervo de sua experiência"; e
rios, o 'fun d o naciona
ainda que "o narrador colhe o que narra na
Herder, por exemplo, "pesquisa e co- experiência, própria ou relatada. E transfor-
menta lendas, mitos, narrativas, canções e ma isso outra vez em experiência dos que
versos antigos legados pela tradição popu- ouvem sua história". 5
lar. Não lhe importa se esse material é pou-
co 'refinado', até mesmo grosseiro, com o 4 Cf. ABRÃo, op. cit. p. 327.
5 C. BENJAMIN, Walter. O narrador. São Paulo: Abril Cul-
3 Cf. ABRÃo, op. cito p. 325. tural, 1980. (Os Pensadores). p. 60-9.

58 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÓNIA MARIA DE FREITAS I 59


Desde a virada do século XIX para o formações, por meio de um conjunto de fun-
XX, a memória emancipou-se da história. ções psíquicas e cerebrais.
Tornou-se matéria da literatura (Proust), da Nesse sentido, a memória - como pro-
Filosofia (Bergson), da Psicologia (como dis- duto de uma operação mental- é um meca-
ciplina por intermédio de Freud) e da Socio-
nismo muito complexo, ainda hoje muito
logia (Halbwachs).
pouco conhecido, mesmo para as outras ciên-
Os historiadores desde então têm um cias que a ela se dedicam, tais como a Neu-
domínio limitado no campo da memória. rologia, a Psiquiatria e a Psicologia.
Poucos estudos foram realizados sobre o
A seletividade e o esquecimento estão
tema. Na atualidade, os trabalhos dos histo-
presentes no processo da memória. Do pon-
riadores franceses Pierre Nora e Le Goff são
to de vista psicanalítico, o esquecimento não
uns dos poucos exemplos, A história está ain-
é visto como um fenômeno passivo ou uma
da devendo uma reflexão sobre a memória.
simples deficiência do organismo. As lem-
branças que "incomodam" são expulsas da
consciência, mas continuam atuando sobre
Lembrança e Esquecimento
o comportamento no inconsciente. Portan-
"Aquilo que foi não pode mais, de agora em dian- to, selecionar ou esquecer são manipulações
te, deixar de ter sido: de agora em diante, este conscientes ou inconscientes, decorrentes de
fato, misterioso e profundamente obscuro, de ter fatores diversos que afetam a memória indi-
existido, é seu viático para a eternidade."
vidual. "[... ] por um curtíssimo espaço de tem-
(Jankélévitch citado por Paul Ricoeur em La mé- po temos algo que se assemelha a uma me-
moire, I'histoire et l'oubli).
mória fotográfica, mas isso dura apenas uma
Ainda dentro de nosso propósito, dis- questão de minutos [... ] esta fase específica
cutiremos a seguir a problemática acerca da é muito, muito breve, e então o processo de
memória individual. A utilização do depoi- seleção organiza a memória e estabelece es-
mento oral como fonte histórica nos impul- pécies de vestígios duráveis, por meio de um
siona a uma reflexão sobre o fenômeno da processo químico" (Thompson, 1972: 5).
memória em si. Memória, aqui entendida Há que se considerar que as pessoas ido-
como propriedade de conservar certas in- sas, ao relatar as suas experiências de vida,
60 HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 61
são de importância fundamental para a His- memória de fatos do passado surge com pre-
tória Oral. Entretanto, as pessoas de idade isão rigorosa de detalhes, como diz Hoto-
mais avançada estão sujeitas à deterioração tian, que ainda afirma: //[... ] o hipocampo
do funcionamento do sistema nervoso cen- stá para o cérebro assim como o historiador
tral, mas, neste caso, a recordação de acon- stá para a humanidade; sem eles, nós, hu-
tecimentos recentes se deteriora primeiro. manos. tornamo-nos demenciais, ou seja,
O psiquiatra Sergio Ricardo Hototian" perdemos o contato com a realidade de nos-
relatou-nos que a neuropsiquiatria esforça- sa frágil existência."
se para ter um conhecimento, cada vez mais Um fato curioso é que quanto mais anti-
claro, do processo da memória. O hipocam- gas e mais importantes forem as reminiscên-
po, localizado no cérebro, parece ser o prin- cias, mais persistentes elas se tornam em nos-
cipal //centro" da memória, pois diversos sa memória. A partir de nossa experiência
estudos têm demonstrado estreita relação concreta como entrevistadora, percebemos
entre a degeneração dessa estrutura com a que os nossos entrevistados diferem em sua
doença de Alzheimer, a principal causa de capacidade de recordar, e muitas vezes, recor-
demências que se conhece até o momento. dam os mesmo fatos de diferentes maneiras.
Para esse local, parecem estar direcio- No gerat o significado do que as pes-
nadas as informações captadas pela senso- soas dizem é o mesmo, mas o vocabulário é
percepção em uma complexa rede neuronal, diferente. Este último é indício de maneiras
ainda pouco conhecida, que envolve o córtex diferentes de pensar e de se expressar. A
cerebral e as estruturas mais internas do cé- mesma pessoa escreve e fala de forma dife-
rebro. rente. Além disso, o discurso oral- natural
e espontâneo - é muito mais detalhado e ex-
A memória de fatos recentes, na gran-
de maioria dos casos de demência, é a pri- pressivo, ao passo que o discurso escrito é
mais formal, elaborado e estereotipado.
meira a ser perdida, ao mesmo tempo que a
Mas, voltando à questão da selctívida-
de: por que as pessoas não lembram deter-
6 É médico psiquiatra e pós-graduando do Departamen-
to de Psiquiatria, da Faculdade de Medicina da USP.
minadas coisas e por que algumas são lem-
Relato à autora, em 19/4/2001. bradas?
62 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 63
Embora o cientista social não tenha res- ber distintamente tudo o que ela contém,
postas para suas questões relativas ao proces- ou melhor, tudo o que ela é, afastar um obs-
so da memória, este depende da compreen- táculo, levantar um véu" (Bergson, 1974: 103).
são e interesse individual e é influenciado Esse autor, na construção de sua teoria
pela necessidade social. obre a memória, privilegia o indivíduo e
suas lembranças, ignorando o meio social do
qual esse indivíduo é oriundo e que é deter-
Da "Memória Pura" à "Memória Histórica" minante sobre ele. A obra memorialística é vista
como uma fonte que permite simplesmente a
A psicologia científica teve início na apreensão factual do passado, ou seja, o res-
França, com a publicação de vários trabalhos, gate de um acontecimento que, pela força da
a partir de 1880. Neste contexto, surge Ma- evocação mnemónica, liberta-se das malhas do
tiére et Mémoire. de Henri Bergson (1859- tempo e nos alcança, inviolado. Portanto, re-
1941), em 1896. cordar é reviver integralmente o passado. A
De acordo com Bergson, a "memória- relação entre o autor e o conteúdo de sua lem-
pura" - a verdadeira memória - se mantém brança é privilegiada, reforçando-se a impor-
subconsciente, ligada ao "eu profundo" e tância do que é lembrado. Além disso, a expe-
caracteriza-se pela singularidade, pois as lem- riência de vida que separa o memorialista do
branças são únicas e alcançam o indivíduo momento evocado é também ignorada, como
por meio de uma evocação. Somente a "me- também impossível de ser compartilhada.
mória-pura" recuperaria o passado em sua Contrapondo-se à teoria de Henri Ber-
totalidade e sem nenhuma intenção utilitá- gson com a teoria psicossocial, temos Mau-
ria. Mas para que isto ocorra, é necessário rice Halbwachs, o principal estudioso das
"afastar" o cérebro, distanciá-lo da ação: "[... ] relações entre memória e história. De seus
e creio que todo o nosso passado lá está, sub- estudos nasceram as obras: Os Quadros So-
consciente, isto é, presente a nós de tal ma- ciais da Memória e A Memória Coletiva que
neira que nossa consciência, para revelá-lo, colocaram a questão da memória sobre no-
não necessita sair de si mesma nem acrescen- . vas bases, prolongando "os estudos de Emi-
tar-se algo estranho: ela só precisa, para per- le Durkheim que levaram a pesquisa de cam-
64 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÔNIA MARIA DE FREITAS I 65
po às hipóteses de Auguste Comte sobre a omo foi", porque o tempo transforma as
procedência do 'fato social' e do 'sistema pessoas em suas percepções, idéias, juízos
social' sobre fenômenos de ordem psicoló- de realidade e de valor.
gica, individual [... ]. Com Durkheim, o eixo a autor, em vez de tratar a memória
das investigações sobre a 'psique' e o 'espí- isoladamente, busca sua compreensão na re-
rito' desloca-se para as funções que as re- lação homem-sociedade. Ele não vai estu-
presentações e idéias dos homens exercem dar a memória em si, mas os "quadros so-
no interior do seu grupo e da sociedade em ciais da memória". As relações a serem
geral. Essa preexistência do predomínio do determinadas já não se limitam ao mundo
social sobre o individual deveria, por força, da pessoa, e sim, à realidade interpessoal
alterar substancialmente o enfoque dos fe- das instituições sociais. "A memória do in-
nômenos ditos psicológicos como a percep- divíduo depende do seu relacionamento
ção, a consciência e a memória. Em Berg- com a família, com a classe social, com a
son, o método introspectivo conduz a uma escola, com a igreja, com a profissão, com
reflexão sobre a memória em si mesma, como os grupos de convívio e os grupos de refe-
subjetividade livre e conservação espiritual rências peculiares a esse indivíduo". Nessa
do passado, sem que lhe parecesse pertinente perspectiva, lembrar-se é uma ação coleti-
fazer intervir quadros condicionantes de teor va, pois, embora o indivíduo seja o memo-
social ou cultural" (Bosi, 1983: 16). rizador, a memória somente se sustenta no
Maurice Halbwachs, relativizando as interior de um grupo (Bosi, 1983: 17).
idéias de Bergson, desenvolve uma teoria A reconstrução do passado, portanto,
psicossocial, na qual salienta que lembrar não irá depender da integração do indivíduo em
é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, um grupo social que compartilha de suas
com imagens e idéias de hoje. A conserva- experiências. Será esse grupo que dará sus-
ção total do passado e a sua ressurreição só tentação a suas lembranças. Porém, segun-
seriam possíveis se o adulto mantivesse in- do Halbwachs, é indispensável que haja en-
tacto o sistema de representações, hábitos e tre o grupo e o memorialista uma identidade,
relações sociais da sua infância - o que é pela qual se evidencie uma memória coleti-
impossível. a passado não sobrevive "tal va. Conseqüentemente, o isolamento ou a
66 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA SÔNIA MARIA DE FREITAS I 67
falta de contato com o grupo significará a spectos mais polêmicos das fontes orais: a
perda do passado. uestão da credibilidade.
A partir dos estudos de Halbwachs, que Para alguns historiadores tradicionais,
apontam o caráter coletivo da memória e os depoimentos orais são tidos corno fon-
assim lhe atribui uma função social, é que tes subjetivas por nutrirem-se da memória
podemos colocar a questão memorialística individual que, às vezes, pode ser falível e
sob o ponto de vista histórico/sociológico. fantasiosa. No entanto, em História Oral o
Este redimensionamento nos permite reava- entrevistado é considerado, ele próprio, um
liar e apresentar o depoimento oral como agente histórico. Nesse sentido, é impor-
fonte para o historiador. tante resgatar sua visão acerca de sua pró-
Destacando a importância da memória pria experiência e dos acontecimentos so-
coletiva, Le Goff (1984: 24) nos adverte que ciais dos quais participou. Por outro lado,
"a memória, onde cresce a história, que por a subjetividade está presente em todas as
sua vez a alimenta, procura salvar o passado fontes históricas, sejam elas orais, escritas
para servir o presente e o futuro. Devemos ou visuais. O que interessa em História
trabalhar de forma que a memória coletiva Oral é saber por que o entrevistado foi se-
sirva para a libertação e não para a servidão letivo ou omisso, pois esta seletividade tem
dos homens". o seu significado. Além disso, a noção de
que o documento escrito possui um valor
hierárquico superior a outros tipos de fon-
te vem sendo sistematicamente contesta-
Seletividade e Subjetividade da, em um século marcado por um avanço
sem precedentes nas tecnologias de comu-
"De certo modo cada testemunho é uma versão
e toda conclusão é um enfoque." nicação.
Luiz Carlos Lisboa Sigmund Freud, em sua obra A Inter-
pretação dos Sonhos (1984), afirma que "nada
do que possuímos intelectualmente pode ser
A discussão acerca da natureza da me- inteiramente perdido". Ele discorda da "idéia
mória leva-nos, inevitavelmente, a um dos de reduzir o fenômeno do sonho ao da re-

68 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 69
memoração", pois "existe uma escolha es- O essencial consiste em aprender a
pecífica do sonho na memória, uma memó- detectar o que não se está dizendo e a le-
ria específica do sonho". Destaca, ainda, a var em consideração o significado dos si-
importância fundamental da infância na cons- lêncios durante a entrevista. Embora, em
tituição da memória. sua prática, o his toriador oral depare-se
com situações de trauma, comoção, fanta-
A psicanálise freudiana tem sido fre-
sia, enfim, problemas humanos, ele não se
qüentemente questionada e reinterpretada.
utilizará de técnicas que são específicas da
O psicanalista francês Jacques Lacan (1985),
psicanálise para a realização de seu objeti-
por exemplo, destaca o papel fundamental
vo - que é o desenvolvimento rneriral dos
na aprendizagem da linguagem na infância,
indivíduos. O trabalho realizado pelo his-
na formação do nosso inconsciente, que vem
toriador oral visa o registro de experiên-
à tona por meio da linguagem, e o qual é
cias e representações do indivíduo inseri-
impossível compreender racionalmente. La-
can considera a aquisição da identidade se- do num contexto social.
xual e pessoal como um processo simultâneo No entanto, é bom lembrar que, em
e sempre precário, cujas bases se firmam ao nossa prática, muitos entrevistados admi-
ascender a criança à linguagem, escutando tem que a experiência da entrevista tem
e aprendendo a falar. colaborado para uma auto-avaliação, um
questionamento e UlTI repensar da própria
. Não nos cabe no presente estudo ques-
vida. Segundo Jan Vansina (1982), toda pes-
tionar as pesquisas de Freud sobre o sim-
soa quando está contando urna estória, está
bolismo nem questionar as idéias de Lacan,
ao mesmo tempo tentando apresentar um
mas acreditamos que a idéia básica da lin-
tipo de imagem consistente de si mesmo e
guagem, como um tipo de nível subconsci-
uma imagem de auto desenvolvimento ló-
ente de pensar, é muito importante. Nesse
sentido, é interessante observar como ho- gico.
mens e mulheres contam suas histórias de Acreditamos que, embora as pessoas
maneiras diferentes. Geralmente, os ho- que chegam a uma certa idade estejam mais
mens utilizam-se da voz ativa; as mulheres, preparadas para falar a verdade, em decor-
da voz passiva. rência da própria maturidade, as estórias

70 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 71
contadas podem, muitas vezes, ser distorci- A credibilidade da fonte oral não deve
das ou inventadas. ser avaliada por aquilo que o testemunho oral
Nos últimos dez anos, a História Oral pode freqüentemente esconder, por sua ine-
tem-se voltado para a questão da subjetivi- xatidão para com os fatos, mas na divergên-
dade e menos para a objetividade. Os pes- cia deles, onde imaginação e simbolismo es-
quisadores italianos Luisa Passerini (1984) e tão presentes.
Alessandro Portelli (1991, 1993, 1997) têm se "A Paixão da Memória" foi o título da
dedicado ao estudo da questão em vários palestra proferida pela escritora Nélida
artigos e livros, privilegiando as relações Pifion, no auditório do jornal "Folha de S.
entre classe operária e fascismo e memória Paulo". Para a escritora, que foi muito pers-
popular.
picaz e sensível na abordagem do tema, a
Portelli argumenta que as fantasias, e memória é como "uma entidade que perse-
mesmo os casos de transferência que apare- gue o ser humano e que não está a serviço
cem nas estórias, são importantes para a me- do homem tanto como ele pensa. Ao mesmo
mória das pessoas. Deste modo, os fatos que tempo, a memória é a matéria mais irrenun-
as pessoas lembram ou esquecem seriam a ciável do homem. A memória não tem coe-
substância da qual é feita a história. Esses fa- são, não tem lógica, não tem simetria e é frag-
tos apenas sobrevivem se fazem sentido para mentada, múltipla, confusa, um turbilhão que
as pessoas e que, por sobreviverem, tornam- se apossa do seu ser, da sua integridade".
se fatos históricos; conseqüentemente, não há Quanto à relação da memória com o tempo,
fonte oral falsa. Portelli salienta, ainda, que Piíion diz que" a memória não tem uma com-
nós temos checado a credibilidade das fontes preensão profunda da passagem do tempo.
orais com todos os critérios adotados pela Ela embaralha tudo, mistura. Daí seu poder
crítica histórica, aplicados para todo tipo de de viajar para qualquer época. Enquanto nós
documento. A diferença da fonte oral encon- envelhecemos, nossa memória não compreen-
tra-se no fato de que os depoimentos não de com exatidão a passagem do tempo. Ela
verdadeiros são psicologicamente verdadei- funde, costura os tempos". De acordo com a
ros, e que esses "erros,"....as vezes, reve Iam conclusão da escritora "somos todos narra-
mais dados que o relato exato. dores. Ainda que não escrevamos, nossa me-
72 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 73
mória está sempre narrando os fatos que vi- "Nunca antes na história da humanidade
vemos, ou que pensamos ter vivido"." houve a possibilidade da não manipulação
Ainda sobre as fantasias das pessoas, dos diálogos. A fonte oral- que é fonte por-
Paul Thompson argumenta que inventar um que está gravada numa fita não necessaria-
passado imaginário, que deve ter aconteci- mente transcrita - introduz uma revolução
do, é uma forma de preservar suas crenças e historiográfica porque impede que os diálo-
sua ideologia. E que a subjetividade é de fato gos sejam manipulados como têm sido até o
a única força da História Oral, pois aquilo presente.:"
que o depoente acredita é, para ele, mais im- Paul Thompson (1992) privilegia a gra-
portante do que aquilo que reahnente acon- vação como elemento mais importante, con-
teceu. siderando que sua origem é oral, posição com
Sabemos que as memórias são fragmen- a qual nos afinamos.
tadas, e que nós as reconstruímos enquanto Há autores que dão maior importância
falamos. A entrevista ajuda as pessoas a re- ao texto final. Nessa linha destaca-se Philippe
cuperar seus traumas, leva a uma melhor Joutard para quem: "[ ... ] ia grabecion saio
compreensão de si e de seu passado. A His- es un media y ia cinta magnética es un esta-
tória Oral é a ciência do indivíduo. Respeitar do provisionai de ia constituicion dei docu-
e valorizar as diferenças individuais numa mento: cada entrevista es sistemáticamente
sociedade cada vez mais massificada é fun- transcrita y dactiiografada [. ..}. Desde esta
damental. Aqui se destaca a dimensão so- perspectiva/ ei documento original no es ia
cial da História Oral e a atuação do historia- cinto. por ia que hay poca preocupecion. sino
dor (Portelli: 1997). ei texto escrito y corregido."?
Quanto à questão da fidelidade, acredi- Para Daphne Patai (1989), a entrevista
tamos que o historiador deve ser fiel à entre- é uma criação textual, fazendo parte de sua
vista, porque a fita gravada é um documen-
to histórico que pode ser usado por outros 8 VILA OVA,Mercedes. Pensar a subjetividade: estatísti-
historiadores. Mercedes Vilanova afirma que: cas e fontes orais. In: FERREIRA,M. de M. Histárie oral.
Rio de Janeiro: CPDOC/FGV/Diadorim, 1994. p. 48.
9 JOUTARD,Philippe. Esas voces que nos Degan deI pesado.
7 Folha de S. Paulo, 5 ago. 1999. Caderno Mais, p. 5-10. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. p. 111.
74 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 75
metodologia tornar a leitura mais compreen- competências muito diversas impedem a pu-
siva por meio da reestruturação do depoi- blicação de uma transcrição fonética acompa-
mento. Nessa mesma linha, José Carlos Sebe nhada das notas necessárias para restituir tudo
Bom Meihy, na transcrição da entrevista, que foi perdido na passagem do oral para o
assume uma postura mais radical. Para esse escrito, isto é, a voz, a pronúncia (principal-
autor, o texto final tem o teor literário, ex- mente em suas variações socialmente signifi-
pressando as idéias e a essência do que foi cativas), a entonação, o ritmo (cada entrevis-
dito e não as palavras do depoente. Na ver- ta tem seu tempo particular que não é o da
dade, Meihy, em sua prática de História Oral, leitura), a linguagem dos gestos, da mímica e
adequou dois conceitos da lingüística: o da de toda a postura corporal, etc. "11
transcriação, proposto por Haroldo de Cam- Conforme meu entendimento, a Histó-
pos, e o de teatro de linguagem, formulado ria Oral pressupõe projeto, pesquisa, técni-
por Roland Barthes.!? ca de entrevista, postura ética com relação
No ponto de vista de Pierre Bourdieu , ao entrevistado, assim como de respeito ao
o processo do discurso oral para o escrito entrevistado, ao que foi dito. Aliás, saber
está submetido a dois conjuntos de obriga- ouvir é a característica fundamental do
ções. dif~ceis de conciliar: "[ ... ] as obrigações oralista. O entrevistador não é passivo e nem
de fidelidade a tudo que manifesta durante neutro, na medida em que, com suas per-
a entrevista, e que não se reduz ao que é guntas, ele participa e dirige o processo da
realn:ente registrado na fita magnética, que entrevista, prepara o roteiro, seleciona as per-
levariam a tentar restituir ao discurso tudo guntas e introduz questões e temas a serem
que .lhes foi tirado pela transcrição para o abordados pelo entrevistado. O documento
escrito e pelos recursos ordinários da pon- final é o resultado de um diálogo entre pes-
tuação, muito fracos e muito pobres, e que quisador e pesquisado.
fazem, muito amiúde, todo o seu sentido e Raphael Samuel, fundador do movi-
o seu interesse; mas as leis de legibilidade e mento e da revista History Workshop, na
Grã-Bretanha, salienta que o historiador não
10 Cf. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Canto de morte
Kaiowá:história oral de vida. São Paulo: Loyola, 1991. 11 BOURDIEAU,Pierre (Org.). Compreender. In: A miséria
p.29-33.
do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 709.
76 I HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 77
deve impor critérios na fala de seus informan-
tes, e que mesmo ele conservando o privilé-
gio da seleção, deve utilizar a fonte oral com
o mesmo escrúpulo como se estivesse traba-
lhando com fontes impressas ou manuscri- História Oral:
tos, indicando quaisquer cortes feitos. Fala potencialidade e possibilidades
ainda da importância de preservar e dar opor-
tunidade de uso para outros historiadores no
futuro: "[... ] sua maior contribuição poderia
bem ser na coleta e segura preservação do A potencialidade da História Oral está
seu material, mais do que no uso imediato no fato de ela poder ser utilizada fora dos
que consegue encontrar para ele, ou o modo limites da cultura acadêmica: nos museus,
de relatá-lo. [... ] Historiadores no futuro exa- nos meios de comunicação, em centros co-
minarão com novo interesse os materiais que munitários e outras instituições.
coletamos, formularão novas perguntas e pro- Entre as possibilidades, vale destacar o
curarão outras respostas. E maior que seja o uso da História Oral para a gerontologia, para
êxito que conseguimos na execução das nos- a qual o processo de reminiscência de pes-
sas tarefas de pesquisa, é mais provável que soas idosas tem implicações sociais. O Age
sua obra divergirá da nossa. A menos que Exchange Reminiscence Centre é uma insti-
gravações possam ser preservadas na sua in- tuição inglesa que tem realizado intensa ati-
tegridade original e disponibilizadas livre- vidade no campo da reminiscência ao longo
mente para a consulta de outros pesquisa- dos anos, produzindo peças, livros e expo-
dores, permanecerão para sempre fechadas sições baseadas em memórias de pessoas
dentro das preocupações do pesquisador, idosas. Essa instituição tornou-se, também,
imunes a críticas, e incapazes de servir de um museu do cotidiano, com objetos e uten-
base para a continuação da pesquisa. "12 sílios que datam do começo do século, onde
as pessoas idosas são encorajadas a manu-
12 SAMUEL,Raphael. Perils of the transcript. In: PERKS,
Robert; THOMPSON, Alistair. The oral history reedet: 1 Age Exchange Reminiscence Centre
New York: Routledge, 1998. p. 391-2 . Camden Row, Blackheath, London SE3 OQA, UK.

78 HISTÓRIA X HISTÓRIA ORAL X MEMÓRIA
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 79
sear objetos que fizeram parte de suas vidas guagem, colaborando, assim, para o apren-
e a falar de suas experiências. Dessa forma, dizado dos alunos.
além de estimular a memória, o Centro per- A partir de centros comunitários e asso-
mite o desfrute do lazer, do convívio, que se ciações de bairro é possível reconstruir a his-
mostram, na verdade, atividades terapêuti- tória local, bem como a consciência do gru-
cas. po. Entretanto, corno afirma Paul Thompson
Na prática didática, um projeto de His- (1992: 22), liaHistória Oral não é necessaria-
tória Oral pode ser desenvolvido em dife- mente um instrumento de mudança; isso
rentes contextos, tanto iniciativa individual depende do espírito com que seja utilizada.
Não obstante, a História Oral pode certamente
quanto trabalho coletivo: em pré-escolas, no
ser um meio de transformar tanto o conteú-
primeiro e segundo graus, nas universida-
do quanto a finalidade da história. Pode ser
des, na educação de adultos. É bastante ex-
utilizada para alterar o enfoque da própria
pressiva a quantidade de material impresso
história e revelar novos campos de investiga-
e audiovisual produzido por conceituados
ção; pode derrubar barreiras que existam en-
editores, para fins didáticos, na Grã-Breta-
tre professores e alunos, entre gerações, en-
nha e nos Estados Unidos.
tre instituições educacionais e o mundo
. Para os professores de História, um pro- exterior e na produção da história - seja em
jeto de História Oral abre os caminhos para livros, museus, rádio ou cinema -, pode de-
a exploração da história local e de temas volver às pessoas que fizeram e vivenciaram
contemporâneos. Mas um projeto de Histó- a história um lugar fundamental, mediante
ria Oral não se limita a professores de Histó- suas próprias palavras". 2 .
ria; ele pode também, ser desenvolvido por A História Oral possibilita novas ver-
professores de Comunicação e Expressão, sões da História ao dar voz a múltiplos e
Estudos Sociais, Geografia, Educação Artís- diferentes narradores. Esse tipo de projeto
tica ou pode auxiliar a integração entre essas propicia sobretudo fazer da História uma
áreas numa pesquisa interdisciplinar. Nessa
perspectiva, esse trabalho possibilita a dis- 2 As diferentes possibilidades da História Oral são apre-
cussão e o sentido de cooperação no grupo, sentadas pelo autor no capítulo dedicado à "História
desenvolve habilidades com a própria Iin- Oral e Comunidade".

80 I HISTÓRIA ORAL: POTENCIALlDADE E POSSIBILIDADES


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 81
atividade mais democrática, a cargo das pró- relação a eventos, à subjetividade, à imagina-
prias comunidades, já que permite produzir ção e ao desejo, que cada indivíduo investe
história a partir das próprias palavras daque- em sua relação com a história" (1993: 41).
les que vivenciaram e participaram de um No nosso entender, a grande potencia-
determinado período, por intermédio de suas lidade da História Oral é que essa permite a
referências e também do seu imaginário. O integração com outras fontes, a confronta-
método da História Oral possibilita o regis- ção entre as fontes escritas e orais e a sua
tro das reminiscências das memórias indivi- utilização multidisciplinar. Mas a fonte oral
duais, a reinterpretação do passado, enfim, é resultado da relação e interação entre in-
uma história alternativa à história oficial. formante e pesquisador. Por isso, considero
O oralista italiano Alessandro Portelli fundamental que esse trabalho seja feito por
(1981: 96) afirma que primeira coisa que lia um historiador/sociólogo/antropólogo ou, no
diferencia história oral, é que ela nos diz mínimo, que o projeto seja orientado por um
menos a respeito dos acontecimentos em si desses profissionais, levando-se em conta a
do que do seu significado. Isto não quer di- formação específica e os métodos de pesqui-
zer que a História Oral não possua interesse sa e análise do cientista social. Entretanto, o
factual, entrevistas muitas vezes revelam fa- resultado de uma pesquisa em História Oral
tos desconhecidos ou aspectos desconhecidos irá depender da cultura histórica do pesqui-
de fatos conhecidos, e elas sempre jogam uma sador e da sua base teórica.
luz nova sobre aspectos inexplorados da vida Os depoimentos resultam em fontes his-
cotidiana das classes não-hegemônicas". tóricas que são, por excelência, qualitativas,
Para esse mesmo autor, "0 testemunho mas todo pesquisador deve-se valer de to-
oral tem sido amplamente considerado como das as fontes disponíveis, a fim de obter um
fonte de informação sobre eventos históri- quadro, o mais enriquecedor possível, do
cos. Ele pode ser encarado como um evento período ou tema em análise.
em si mesmo e, como tal, submetido a uma
análise independente que permite recuperar
não apenas os aspectos materiais do sucedi-
do como, também, a atitude do narrador em
82 I HISTÓRIA ORAL: POTENCIALlDADE E POSSIBILIDADES
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 83
Metodologia de Coleta
e Utilização da História Oral

A realização de uma pesquisa utilizan-


do a metodologia da História Oral pressu-
põe a necessidade de um conjunto de orien-
tações. A descrição sumária que faremos a
seguir é fruto da bibliografia que tivemos
acesso no Brasil e no exterior, e principal-
mente da experiência adquirida com a im-
plantação e coordenação de dois projetos -
Museu da Imagem e do Som e Memorial do
Imigrante/Museu da Imigração, ambos da
Secretaria de Estado da Cultura, e sobre os
quais falaremos mais adiante.
Interessada em aprofundar, utilizar e va-
lorizar a metodologia de História Oral em
trabalho acadêmico, ingressei no curso de
pós-graduação no Departamento de Histó-
ria da FFLCH/USP, em 1988, elegendo como
objeto de estudo a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras/USP, utilizei para a pesqui-
sa a metodologia de História Oral. O traba-
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 85
lho, que resultou numa dissertação de mes- Aborda, também, o processo histórico
trado, teve por objetivo contribuir para as da imigração e da constituição de 10 grupos
discussões e estudos teóricos e metodológi- nacionais/étnicos eITISão Paulo: armênios,
cos sobre o uso de fontes orais no trabalho chineses, espanhóis, húngaros, italianos de
historiográfico. Essa pesquisa transformou- Monte San Giacomo e Sanza, lituanos, oki-
se na obra intitulada Reminiscências, publi- nawanos, poloneses, russos, ucranianos.
cada pela editora Maltese, em 1993. Destaca, ainda, a importância da imigra-
No mesmo departamento, apresenta- ção para o estado, pois os imigrantes, com o
mos projeto de pesquisa para o ingresso na seu trabalho, seus dramas e trajetórias pessoais,
pós-graduação, nível de doutoramento, em participaram das principais transformações
1996. A pesquisa resultou na tese Falam os econômicas e sociais ocorridas no estado de
Imigrantes: ... Memória e Diversidade Cul- São Paulo, a partir do final do século XIX.
tural em São Paulo, apresentada e aprovada
em abril de 2001.
Partindo do registro da memória de al- Elaboração de Projeto
guns grupos de imigrantes, com o intuito de
reconstruir parte da história social do proces- O primeiro passo a ser dado é elaborar
so imigratório para o estado de São Paulo, um projeto, definindo o tema e os propósi-
esse trabalho procura evidenciar uma histó- tos da pesquisa. Ao se eleger um tema, é
ria comum a todos esses grupos, particular- importante que esse seja relevante para as
mente os traços culturais e de que maneira questões históricas mais amplas. Send? um
eles (re)construíram e vivenciaram as suas método por excelência voltado para a Infor-
identidades étnicas no país adotivo. Apre- mação viva, a História Oral abarca o período
senta uma análise sobre o uso de fontes orais contemporâneo da História. Portanto, após
no trabalho historiográfico e, utilizando a His- a definição do tema, há que se definir o nome
tória Oral como metodologia de pesquisa, das pessoas a serem entrevistadas. A rela-
busca, por meio de fontes orais, o registro ção de nomes nunca é definitiva, pois, mui-
histórico a partir da memória de cada grupo tas vezes, um depoente leva-nos a descober-
e da problemática interna de cada um deles. ta de outros; algumas vezes, a pessoa eleita
SÓNIA MARIA DE FREITAS I 87
86 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL
pode declinar do nosso convite. Nessa mo- trevista não deva ter mais que duas horas
dalidade de trabalho corremos o risco de gra- de duração.
var memórias confusas e debilitadas, pois na
velhice pode ocorrer nas pessoas o fenôme-
no da senilidade com perda ou descontrole Pesquisa
da memória.
Na pesquisa sobre a FFCL/USP, a pri- Uma vez definido o tema, com o intui-
meira seleção foi realizada a partir do levan- to de aprofundar o conhecimento sobre o
tamento de nomes no Anuário da Faculda- objeto de estudo, paSSalTIOS,então, à fase
de de Filosofia, Ciências e Letras/USP do da pesquisa bibliográfica, biográfica e inves-
período enfocado. Da listagem inicial, que tigação exaustiva em fontes primárias e se-
privilegiou as décadas de 30, 40 e os primei- cundárias. Confecção de fichas bibliográfi-
ros anos da década de 50, algumas pessoas cas e de cronologia colaboram para o bom
não aceitaram o convite, alegando compro- desempenho da pesquisa.
missos profissionais ou familiares; outros de- Em um projeto de História Oral deve-se
monstraram resistência à idéia da entrevista sempre elaborar fichas biográficas a partir do
gravada. Durante o desenvolvimento do pro- currículo do entrevistado e também uma cro-
jeto, houve também falecimentos de pessoas nologia da trajetória, marcos significativos da
que constavam da nossa listagem. pessoa e/ou assunto em questão. Obviamen-
te , conhecendo o assunto, o entrevistador
Há que se preocupar com a qualidade
poderá se sentir mais seguro na realização de
e não com a quantidade de entrevistas a se-
uma entrevista. Além disso, o entrevistador
rem realizadas. Além disso, não se deve li-
estará lidando com a memória que, às vezes,
mitar o tempo de duração das entrevistas,
pode ser vaga em relação a coisas que aconte-
e essas devem respeitar sempre a velocida-
ceram e, por isso, o entrevistador pode e deve
de e as formas de se expressar de cada indi-
ajudar as pessoas a resgatar as suas memó-
víduo. O entrevistador não deve levar o en-
rias, principalmente quando for solicitado.
trevistado à exaustão, pois ele pode falar
compulsivamente por várias horas ao reme- Nesse trabalho percebemos que muitas
morar o seu passado. Acredito que uma en- vezes as pessoas confundem datas, aconte-

88 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 89
cimentos, nomes de pessoas, de cidades ou , muitas vezes, explicando aqueles aos quais
de instituições; percebemos também - como e recorreu de início" (1989: 45).
no projeto sobre a FFCL/USP - que os de-
poentes, por serem pessoas intelectualiza-
das e bastante expressivas na cultura brasi- o Roteiro
leira, tornaram-se mais acessíveis, à medida
que, no decorrer da entrevista, notaram que A partir da definição do tema e da rea-
estávamos familiarizados com o assunto, ao lização da pesquisa elabora-se um roteiro
ajudá-los a esclarecer nomes e datas em al- geral para as entrevistas. Todo entrevistad.ar
gum momento. Sem dúvida, podemos pro- precisa saber como conduzir a sua entrevIS-
vocar desinteresse por parte do depoente, ta, as questões mais importantes a serem
se esse - letrado ou não - perceber o nosso perguntadas e até onde ir nessa entrevista.
desconhecimento sobre o assunto aborda- No nosso entender, uma entrevista sem
do. roteiro e direção tende a ser subjetiva e sem
Verena Alberti aponta que "na História dados realmente fundamentais para a pes-
Oral, a pesquisa e a documentação estão in- quisa. Por um lado, o que o depoente consi-
tegradas de maneira especial e peculiar, uma dera relevante pode não ser, do ponto de
vez que é realizando uma pesquisa em ar- vista de nosso trabalho. Por outro lado, le-
quivos, bibliotecas, etc. e com base em um vantar questões é útil para as pessoas que
projeto que se pode produzir entrevistas que falam pouco ou que têm certa dificuldade de
se transformarão em documentos, os quais, se expressar orahnente.
por sua vez, serão incorporados ao conjunto Em nossos projetos elaboramos um ro-
de fontes para novas pesquisas. A relação teiro amplo e abrangente, que é utilizado em
da história oral com arquivos e demais insti- todas as entrevistas, para se garantir uma
tuições de consulta e documentos é, portan- certa unidade dos documentos produzidos.
to, bidirecional: enquanto se obtém das fon- Porém, normalmente fazemos uma diferen-
tes já existentes material para a pesquisa e a ciação nos roteiros destinados a homens e
realização de entrevistas, estas últimas tor- mulheres e às diferentes atuações profissio-
nar-se-ão novos documentos, enriquecendo nais de cada um.
90 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÔRIA ORAL
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 91
A aplicação dos roteiros nas entrevistas teiro original, o que resulta em um enrique-
não é feita de forma rígida, uma vez que cimento da pesquisa. Procuramos manter
muitas questões vão surgindo naturalmente sempre o controle da entrevista no sentido
no discurso do depoente no transcurso da de garantir as perguntas e/ou questões não
entrevista e, essas, às vezes, nos suscitam abordadas pelo depoente.
outras. Cada entrevista tem a sua própria Deve-se evitar o fornecimento do rotei-
dinâmica, e cada entrevistado mostra-nos ro ao depoente antes da entrevista. É comum
diferentes interesses na abordagem de de- pessoas socialmente importantes - ou seus
terminadas questões. assessores - nos pedirem previamente a pau-
É preciso deixar claro que nosso roteiro ta ou roteiro. Forneça-a somente se esta for
tem caráter temático e não se restringe à tra- a condição da realização da entrevista, pois
jetória de vida de nossos entrevistados. Con- o contato prévio induzirá o depoente a ten-
sideramos estritamente aquela parte da vida tar elaborar respostas, tirando a espontanei-
do entrevistado ligada ao tema de estudo. dade da fala. Além disso, ele poderá ficar
Levamos sempre em consideração a área de angustiado e nervoso pelo fato de não se lem-
interesse e atuação do depoente e a especifi- brar das respostas premeditadas.
cidade do terna, relacionando-as sempre que
possível.
Em geral, o roteiro segue uma ordem A Entrevista e suas Estratégias de Condução
cronológica da trajetória dos entrevistados:
origem, formação, influências, marcos sig- Após a elaboração do roteiro e median-
nificativos. Não há nenhuma rigidez nesta te a lista dos possíveis entrevistados, passa-
ordem cronológica: cada depoente segue mos a contatar e a agenciar as entrevistas com
rumos mais ou menos seqüenciais, embora, as pessoas que concordem em dar o seu de-
em algumas ocasiões, ele dê saltos altos com poimento. O contato inicial é feito por tele-
intenção de evitar algum período ou situa- fone, durante o qual informamos ao entre-
ção embaraçosa em sua vida. vistado sobre o propósito do projeto e da
Muitas vezes, o depoente nos introduz importância de seu depoimento para a reali-
importantes questões não previstas no ro- zação da pesquisa.

92 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÓNIA MARIA DE FREITAS I 93
Antes do início da entrevista, assegura- que se estabelece entre pessoas com expe-
mos aos nossos entrevistados que, naquela riências, formação e interesses diferentes. São
entrevista, ele terá todo o direito de não opi- pessoas que, apesar de pertencerem a diver-
nar sobre aquilo que não lhe for convenien- sas faixas etárias e diferentes condições so-
te, solicitar o desligamento do equipamen- cioeconômicas e culturais, estarão dialogan-
to, quando considerar necessário, ou mesmo do e interagindo sobre uma mesma questão.
censurar trechos da entrevista gravada e da Geralmente, conseguimos atingir uma
sua respectiva transcrição. certa empatia e estabelecer alguma cumpli-
Procuramos também, em toda entrevis- cidade com os entrevistados na tarefa pro-
ta, ter o cuidado de não interferir na fala e posta. Enfim, a nossa intuição e sensibili-
nunca fazer nenhum juízo de valor. Ou seja, dade, aliadas à experiência de escuta, ainda
ouvimos experiências e interpretações e em constituem os melhores instrumentos de
nenhum momento a nossa opinião pessoal que dispomos para a nossa finalidade de
sobre determinada questão é colocada. A nos- registrar narrativas orais, que tornam-se evi-
sa preocupação - e da História Oral - é ga- dências e dão sustentação à memória histó-
rantir a visão de mundo, as idéias, os sonhos rica.
e as crenças dos depoentes. Nessa narrativa, Em uma situação de entrevista, o en-
a imaginação se mistura com a realidade. trevistado sempre espera que o entrevistador
A nossa experiência como entrevistador faça alguma pergunta. Se isso não ocorrer, o
pesa bastante na condução das entrevistas. entrevistado ficará perturbado, surpreso e as-
Acreditamos que um bom desempenho na sustado, não sabendo o que fazer.
realização de uma entrevista depende de A entrevista puramente espontânea não
conselhos e informações obtidas de livros e existe. A questão é saber o quanto devemos
manuais específicos sobre o método da His- perguntar e desenvolver as nossas questões.
tória Oral, mas esse bom desempenho está Isso irá depender do tipo de pessoa que en-
diretamente vinculado à práxis. Saber entre- trevistaremos. Algumas pessoas mais idosas
vistar se aprende entrevistando. não são muito falantes. Essas necessitam da
Uma entrevista é uma troca de expe- nossa ajuda, com perguntas, para saberem
riência entre duas pessoas. É uma relação exatamente em que estamos interessados.

94 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÓNIA MARIA DE FREITAS I 95
Mas existem outros tipos de pessoas que são Devemos saber respeitar as lágrimas e os mo-
mais confidentes, articuladas, e que detêm mentos de emoção que se apresentam du-
um maior grau de informação. rante a entrevista. Às vezes, o silêncio é elo-
Uma regra básica em História Oral é que qüente e pode-se tornar um forte elemento
nunca devemos interromper uma fala e nun- na interpretação da entrevista.
ca devemos demonstrar desinteresse pela As perguntas devem ser colocadas da
fala. Se o entrevistado se distanciar muito forma mais simples, direta e natural possí-
da questão em pauta devemos aproveitar vel. Isso não é fácil de se fazer durante a
uma pausa da fala e com muito tato dizer: entrevista. A improvisação tende a nos levar
"isto é muito interessante, mas ... ". Depen- à confusão. Por isso, a elaboração das per-
dendo do jeito que interrompemos um as- guntas deve ser feita junto com a confecção
sunto, poderemos reprimir o depoente e não do roteiro. Indubitavelmente, uma melhor
conseguirmos o que realmente queremos relação entre entrevistado e entrevistador
ouvir. Aliás, saber ouvir as pessoas é uma será estabelecida se este último estiver bem
característica fundamental do pesquisador, familiarizado com as perguntas e com o as-
que utiliza a História Oral como instrumen- sunto. Se a formulação da pergunta é feita
to em sua pesquisa. de forma complicada, o entrevistador pode
Como já dissemos anteriormente, as se embaraçar na apresentação dela.
questões colocadas devem ser sempre neu- Procuramos também evitar perguntar
tras e nunca devemos colocar nossa posição duas coisas ao mesmo tempo, caso contrá-
ou fazermos qualquer julgamento. Tampou- rio, corremos o risco de obtermos somente
co, devemos demonstrar não estarmos acre- parte da resposta. A formulação da questão
ditando nas palavras do depoente, mesmo depende do tipo de resposta de que necessi-
quando percebemos que o seu discurso não tamos: devemos formular uma pergunta que
é natural e verdadeiro. O entrevistador deve conduza nosso entrevistado a uma resposta
saber respeitar a lógica e o ritmo de cada precisa.
entrevistado. Muitas vezes, as pessoas, ao Aprendemos a não dizer "sim", "sim",
buscarem a sua memória, acabam refletindo a não emitir qualquer tipo de som ou a fazer
sobre o próprio passado, emocionando-se. qualquer tipo de comentário durante a en-

96 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 97
iJ@l -

trevista. Procuramos fazer movimentos com do Imigrante/Museu da Imigração uma cer-


a cabeça ou sorrir, pois sabemos que esses ta gratidão por serem lembradas e suas vi-
gestos encorajam as pessoas a falar. das valorizadas, tornadas importantes e per-
Procuramos evitar questões fechadas, petuadas. Muitos entrevistados retornam
que normalmente levam as pessoas a respon- inúmeras vezes ao Museu, como se aquele
der sim ou não, e optamos pelas questões espaço físico fizesse parte de suas vidas ou
abertas que as levam a falar mais. Esse tipo como se eles fizessem parte daquele prédio,
de trabalho exige memória rápida e muita onde muitos deles ficaram alojados. Talvez
concentração, para não repetirmos questões, por suas histórias cruzarem com a história
e muita atenção à consistência e possíveis do edifício, ao reencontrarem aquele lugar,
contradições do depoente. Um caderno de reencontram o seu próprio passado, como
campo, para essas ou outras observações, se aquele espaço tornasse "real" a história
enriquecerá a pesquisa e será de grande uti- que alguns tinham como uma ficção, uma
lidade para o pesquisador no momento da história dramática permeada de incertezas,
análise do conteúdo. tristezas, perdas e abandonos. Muitos não
sabiam os limites entre a imaginação e a rea-
Os nossos entrevistados, quando for-
lidade. Tinham apenas fragmentos nebulosos
madores da elite artístico-cultural do país,
de memória, mesclados de sonhos e fanta-
por um lado, impõem-nos uma melhor pre-
sias. Ao reconhecerem o espaço, alguns se
paração por se tratar de pessoas altamente
reconhecem como personagens d e uma "ver-
intelectualizadas e expressivas; mas por ou-
dadeira" história.
tro lado, justamente por serem pessoas muito
articuladas, acostumadas a falar em público
com muita freqüência, demonstram muita
facilidade em seus discursos orais espontâ- Local da Entrevista
neos. Nenhuma estranheza ou hostilidade ao
equipamento tem sido por mim percebida, O local a ser realizada a entrevista deve
mesmo por parte das pessoas mais simples ser determinado pelo entrevistado. Seja no
e com vida menos "glamourosa". Percebo trabalho ou na residência, deixe que ele es-
nas pessoas que entrevisto para o Memorial colha sua cadeira ou sofá preferido, pois es-

98 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 99
ses elementos, que integram o seu cotidia- em seguida, a leitura e conferência do mate-
no, colaboram para seu bem-estar físico e psí- rial. Após a digitação, o texto deve ser en-
quico. viado ao depoente para correção de nomes
próprios, termos técnicos e, quando neces-
sário, complementação de frases. Alertamos
nossos depoentes da necessidade de se ga-
Duração
rantir o máximo possível a originalidade e a
A duração de uma entrevista, no meu espontaneidade das entrevistas, pois um dis-
ponto de vista, nunca deve ultrapassar duas curso escrito elaborado torna a entrevista oral
horas de gravação. Em função das necessi- SelTIfunção. É nossa preocupação ser o mais
dades e objetivos da pesquisa, a entrevista fiel possível ao que foi gravado, dando mais
poderá ter diferente caráter (ser do tipo his- importância ao conteúdo e menos à forma,
tória de vida ou temática) e exigir a realiza- entendida como estilo. Isto não significa que
ção em várias etapas. deixamos de retirar das transcrições as re-
dundâncias e vícios de linguagem, em co-
mum acordo com os depoentes. Apesar do
alerta, cheguei a receber transcrição com mais
Procedimentos Pós-Entrevista de 50% de seu conteúdo alterado.
Transcríção e Conferência Na transcrição do discurso oral para o
escrito deve-se, então, suprimir as palavras
Dependendo dos propósitos de cada ou expressões repetidas, ou aquelas que fo-
projeto, uma entrevista de História Oral terá rem retificadas pelo entrevistado. No discur-
uma forma final de apresentação. Quando so oral é muito comum as pessoas recorre-
se decide pela apresentação na forma escrita rem a palavras ou expressões de função
- é o caso dos projetos que têm objetivos fática, que não têm um valor semântico no
acadêmicos -, ela deve necessariamente pas- discurso: por exemplo/ quer dizer. enten-
sar por algumas etapas. deu? jus tem en te/ realmente/ assim/ ai sabe/
A primeira delas é a realização da trans- não é?/ então - são vícios de linguagem ou
crição na íntegra das entrevistas gravadas e, palavras de apoio. São comuns e recorren-

100 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÓNIA MARIA DE FREITAS I 101
tes na comunicação verbal, correspondendo tes como o tom e velocidade da voz, as pau-
à função fática da linguagem e servem "para sas, as lágrimas, etc. Embora a transcrição
prolongar ou interromper a comunicação, permita uma maior divulgação do material,
para verificar se o canal funciona, para atrair a partir do momento em que se estabelece
a atenção do interlocutor ou confirmar sua no depoimento a adoção de normas e pa-
atenção continuada" (Jakobson, 1969: 126). drões cultos rigorosos, ela acaba descaracte-
Verificamos que, muitas vezes, o orador bus- rizando a fala original e todo um contexto
ca ganhar tempo para articular o que tencio- em que foi produzida. Alguns profissionais
na dizer. dedicam-se sobremaneira ao trabalho com o
Às vezes, por deficiência na construção texto, transformando a entrevista original e
de frases, o entrevistado omite o termo fun- dela se distanciando.
damental da oração. Nesse caso, deve-se Embora algumas alterações na transcri-
acrescentá-lo quando este estiver claro no ção do depoimento sejam inevitáveis, como
contexto. Se a entrevista for transformada anteriormente dito, principalmente em se
em livro ou outro tipo de publicação, os er- tratando de pessoas cultas e públicas, insis-
ros gramaticais como concordância, regên- timos na idéia de que todo pesquisador, que
cia, reordenação sintática das orações deve- é viciado na leitura de texto escrito, deve
rão ser corrigidos. preferir o audiovisual.
Por esses motivos, e para se evitar ma-
nipulações, é que o documento sonoro deve
/
ser preservado e, sempre que possível, o Questões Eticas e Legais
pesquisador deve preferi-Io às transcrições.
Todo esse processamento significa um exaus- Após a revisão final do texto, o entre-
tivo e longo trabalho. Geralmente necessita- vistado deve assinar um termo de doação
se pelo menos seis horas de trabalho para do depoimento, seja à instituição onde o
transcrever uma hora de entrevista. projeto foi desenvolvido, seja ao entrevista-
A desvantagem da transcrição de uma dor, em se tratando de pesquisa individual.
entrevista é que essa, de uma certa forma, Nesse termo, deverão constar possibilidades
impede a percepção de elementos importan- e restrições à consulta, que também vão ser
102 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL SÔNIA MARIA DE FREITAS I 103
definidas pelo doador. Dessa maneira, o pe -
quisador estará evitando possíveis problemas
futuros com os descendentes e herdeiros d
depoente.
Quanto à relação entre ética e História História Oral x Projetos
Oral, gostaria de destacar a realização de se- Individuais e Institucionais
minário sediado na PUC-SP, no qual discu-
tiu-se especificamente a questão, resultando
na edição do livro Ética e História Oral. em
1995.1 O texto de apresentação do catálogo Nas últimas décadas, assistimos à expan-
salienta, argutamente, que "a incorporação são desenfreada dos meios de comunicação
de novos sujeitos históricos e de novos cam- de massa - jornal, rádio, televisão, cinema.
pos de investigação exigem, daqueles que Essa expansão colaborou para revalorizar. a
trabalham com a História Oral, um esforço oralidade e a imagem, em detrimento do dIS-
de crítica constante diante das múltiplas si- curso escrito. Gravadores de fitas cassete e,
tuações e dilemas encontrados. O respeito a mais tarde, as cámeras de vídeo foram in-
diferenças e individualidades e a constante corporados ao cotidiano das pessoas. Hoje,
mutação de valores tornam imperativa, por- os computadores dominam a cena: tempo
tanto, uma aproximação entre a História Oral de multimídia, sistemas interativos, video-
e o estudo da Ética". conferências, satélites, Internet.
À guisa de exemplificação, foram ane- Seguindo a tendência de incorporar
xados modelos do termo de cessão gratuita novas tecnologias, novas linguagens e no-
de direitos sobre o depoimento oral, ficha vos temas, houve a proliferação de projetos
catalográfica das coleções e termo de com- de História Oral em museus de diversos paí-
promisso de uso. ses: o Ellis Island Immigration Museum
(Nova Iorque); o Museu da Diáspora (Israel);
o National Sound Archive (Londres); o Mu-
seu da Imagem e do Som- MIS, o de São
1 o evento e o livro foram organizados peja pesquisa-
dora Daisy Perelmutter. Paulo e o do Rio de Janeiro, o Museu Marc

104 I METODOLOGIA DE COLETA E UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA ORAL


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 105
Chagall (Porto Alegre) e mais recentemen- Capital. Por outro lado, no campo social, os
te o Memorial do Imigrante/Museu da Imi- movimentos de trabalhadores do campo e
gração, em São Paulo, apenas para citar al- da cidade, dos negros, das mulheres, dos
guns exemplos. Vale também destacar a gays/ em busca de cidadania e melhores con-
criação de diversos museus, departamen- dições de vida, pressionam os poderes pú-
tos de patrimônio histórico ou centros de blicos e econômicos.
memória, por empresas e instituições pú- Entretanto, as transformações e as ten-
blicas e privadas, que se dedicam ao traba- dências do mundo contemporâneo são total-
lho de resgate e preservação da memória mente ignoradas pela maioria dos museus vi-
histórica. sitados, no Estado de São Paulo e em outros
As experiências citadas anteriormente, Estados. Eles se limitam ainda a privilegiar a
entre outras, são voltadas para temas espe- taxidermia, a numismática, sacralizando a
cíficos;as questões históricas mais amplas ain- memória dos "heróis" locais ou nacionais. São
da permanecem pouco exploradas. É como espaços sombrios e enfadonhos, que pouco
se não houvesse o movimento da história, o têm atraído UlTI público, cada vez mais alie-
dinamismo e as mudanças que marcam as nado pelos meios de comunicação.
culturas. Ignoram-se as transformações ocor- Diante dessa perspectiva, faz-se neces-
ridas no mundo contemporâneo. Por um sário um balanço, um redimensionamento;
lado, talvez, há 30 ou 40 anos, não imagi- enfim, atualizar os museus e reciclar os seus
nássemos que o mundo tomaria os rumos que técnicos. Um museu deve refletir a socieda-
tomou na velocidade e proporções atuais. As de que representa, expressando a sua reali-
novas tecnologias estão dominando a cena. dade e os anseio s/demandas da sociedade
O realismo deixou de ser fantástico para tor- civil.
nar-se virtual. Bites, megabites e gigabites Há que se (re)considerar o papel dos
determinam a potência e dinâmica no pro- museus: seu objetivo, sua abrangência, seus
cessamento das informações. Tempos de critérios de coleta de acervo, bem como ne-
neoliberalismo, globalização da economia e, les incorporar novos suportes, novas lingua-
paradoxalmente, o renascimento de "nacio- gens e novas metodologias. Afinal, como e
nalismos" e conflitos étnicos. Sofisticação do o que estamos coletando do século XX?Nes-

106 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 107
se contexto, a História Oral pode dar uma Ao longo de 14 anos de atuação na Se-
g.rande contribuição, ao registrar a experien- cretaria da Cultura, tive a oportunidade de
CIahumana no Inundo contemporâneo. desenvolver dois projetos de História Oral.
Embora um projeto individual, por exem- De 1987 a 1992, implantei e coordenei o Se-
plo, uma tese acadêmica, eleja a entrevista de tor de História Oral no Museu da Imagem e
do Som-MIS. Embora o MIS registrasse de-
História Oral como fonte privilegiada, pro-
poimentos em áudio de forma não-sistema-
duzindo um conjunto de depoimentos, um
tizada, desde a sua criação, foi a partir da
projeto institucional objetiva fundamental-
criação do Setor que se implantou o Projeto
mente a constituição de um acervo aberto ao
Depoimentos em Vídeo, que tinha por obje-
público. Direito de acesso à memória histó-
tivo a produção de acervo pela realização de
rica é também uma questão de cidadania.
depoimentos com personalidades da área ar-
Um acervo criado a partir de um projeto ins-
tístico-cultural do país. 1
titucional deve ser processado, catalogado e
O setor contava, além do coordenador,
armazenado para consulta, garantindo, as-
com um pesquisador e dois estagiários. A
sim, a sua disseminação. Nessa perspectiva,
equipe técnica, que se revezava, era forma-
assumimos a posição de que todo material
da por dois técnicos de som e dois operado-
produzido por projeto individual deveria ser
res de vídeo. A cada entrevista, realizáva-
preservado com a sua doação a instituições
mos extensa pesquisa em obras de referência,
públicas.
bibliografias específicas, hemerotecas e, além
Para a implantação de um projeto insti- disso, solicitávamos o currículo do entrevis-
~ucional faz-se necessária a elaboração de pro- tado previamente. Durante as gravações, con-
jeto de pesquisa que contenha objetivos, távamos sempre com a presença de profissio-
tema, recortes, metodologias e diretrizes a nais da área e/ou especialistas no assunto em
serem empregados. Outros procedimentos questão, a fim de enriquecer o depoimento.
serão necessários em decorrência de especi- O acervo foi constituído nos suportes vídeo
ficidades de cada projeto de pesquisa. À VHS Pal-M, fita cassete e de rolo. A cada
guisa de exemplo, relato a seguir duas expe- sessão era também feito registro fotográfico.
riências antagônicas, porém bastante fecun-
das. 1 No MIS, recolhi pessoalmente 120 depoimentos.

108 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTlTUCIONAIS


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 109
A maioria de nossas entrevistas foi rea- personagem. Porém, buscávamos também
lizada no estúdio de som do Museu da Ima- registrar a origem, formação, prováveis in-
gem e do Som. Ali, contamos sempre com fluências, contexto social e familiar; situações
equipamento profissional e com a colabora- ou fatos que, às vezes, podem ser determi-
ção dos técnicos citados anteriormente, o que nantes no encaminhamento do indivíduo
nos garantiu uma excelente qualidade nas para uma atividade profissional e/ou na sua
gravações. Este material encontra-se arma- atuação.
zenado na reserva técnica do MIS: as fitas A segunda experiência, no entanto, diz
matrizes estão preservadas no arquivo cli- respeito à história de "heróis anônimos", que
matizado, que tem condições ideais de tem- chegaram ao Estado de São Paulo em busca
peratura e controle da umidade do ar. As de condições dignas de vida e concretiza-
cópias estão disponíveis a pesquisadores e ção de seus sonhos - os imigrantes. Foram
ao público em geral no Setor de Documenta- mais de 2,5 milhões de imigrantes, sendo
ção desse Museu. que a maioria veio trabalhar na lavoura de
Esses recursos nos propiciaram condi- café, em franca expansão para o interior do
ções ideais e nos pouparam dos cuidados Estado.
técnicos com as fitas e com o câmera de vídeo, Idealizei, implantei e coordeno, desde
que todo entrevistador deve ter, para não julho de 1993, o Setor de História Oral do
correr nenhum risco e garantir qualidade na Museu da Imigração, que integra o Memo-
gravação. rial do Imigrante, órgão da Secretaria da Cul-
Os depoentes eram cineastas, músicos, tura do Estado de São Paulo. Registrar e pre-
compositores, intelectuais. Eram, portanto, servar a memória do imigrante, respeitando
personalidades expressivas e bastante acos- a sua experiência como indivíduo, bem como
tumadas a lidar com interlocutores, micro- a singularidade e a diversidade de mais de
fones, câmeras e luzes. Percebia-se, nesses 70 nacionalidades, constituídas de diferen-
entrevistados, uma grande necessidade em tes grupos étnicos - esse é o objetivo básico
manter a própria imagem pública. As entre- do setor.
vistas eram temáticas, explorava-se o traba- Para resgatar essa saga, sem esconder
lho, o processo criativo e a realização de cada dificuldades e conflitos, dando voz à diver-

110 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E I STlTUCIONAIS SÔNIA MARIA DE FREITAS I 111
sidade de versões, e fugindo da história ofi- OUso do Vídeo
cial, homogênea e redutora, o Setor de His-
tória Oral tem priorizado entrevistar imigran- Concebido para registrar e preservar a
tes anônimos e idosos. Afinal, esta talvez seja história da imigração e, levando em consi-
a última oportunidade para pessoas de 80, deração a importância da imagem e dos
90 e até 102 anos contarem suas experiên- novos meios de comunicação no mundo con-
cias de mudança de país e integração numa temporâneo, o projeto tem-se utilizado de
cultura totalmente diferente. Das suas nar- gravações em vídeo (fitas VHS, no sistema
rativas elnerge um cotidiano rico em alegrias, Pal-M, e cassete), as quais são processadas
aventuras, fantasias, sofrimento e resigna- conforme a metodologia da História Oral.
ção. O uso de um microfone de lapela melhorou
sensivelmente a qualidade da gravação.
Os imigrantes são localizados por meio
A utilização do vídeo na gravação dos
de suas igrejas, clubes, associações e insti-
tuições. Além disso, o Setor mantém um depoimentos nos permite captar muito além
das palavras: captamos os gestos das mãos,
cadastro permanente no próprio Museu. As
a expressão física e facial, os risos, as lágri-
entrevistas têm sido realizadas pela autora e
mas, o tom da voz, enfim, estórias de vida
gravadas no Museu ou na residência dos
comoventes. Como dito anteriormente, de
próprios depoentes. Fotos e documentos
forma alguma, resistência à cámera de vídeo
apresentados pelo imigrante são contextua-
foi por mim registrada; pelo contrário, as
lizados e identificados durante a entrevista.
pessoas que concordam em participar do
Esse material colabora no ato de rememora-
projeto sentem-se lembradas e valorizadas.
ção e, ao mesmo tempo, enriquece o acervo
Em suas narrativas percebemos os seus dra-
documental - iconográfico, textual e tridi-
mas pessoais, que na verdade, foi um dra-
mensional (objetos) -, seja ele emprestado
ma coletivo vivenciado por milhares de in-
para reprodução ou doado. Dessa maneira
divíduos.
estamos colaborando na captação de acervo
privado, sendo também um elo entre as fa-
mílias, as comunidades e o Museu.

112 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTlTUCIONAIS SÔNIA MARIA DE FREITAS I 113
A Transcrição Seguindo a tendência mundial das no-
vas tecnologias, o Setor implantou um siste-
Nesse projeto, a transcrição tem sido ma multimídia. A expressão multimídia sig-
uma das nossas grandes dificuldades, pois nifica "múltiplos meios", ou seja, este sistema
estamos lidando com uma infinidade de lín- é resultado da combinação de diversas téc-
guas e formas de expressão. Procuramos nicas num mesmo equipamento. O multi-
manter o "falar" do imigrante, tal como ele mídia reúne as capacidades do áudio (locu-
chegou até nós, com seus "estrangeirismos", ção ou música), texto, imagens fixas e em
seu "sotaque", enfim, seu estilo. Entretan-
movimento (vídeo). O multimídia desenvol-
to, alguns retoques no texto são indispensá-
vido para o Memorial contém imagens em
veis, mas com muita cautela para não inter-
movimento de trechos das entrevistas, resu-
ferir no sentido, seja para evitar excessos de
mos biográficos, fotos e fichas catalográficas.
erros, seja para conter vícios da linguagem
Esta estação cumpre a finalidade de divulgar
coloquial, que impeçam o fluir da leitura.
o acervo produzido, facilitando assim o aces-
Procuramos manter a seqüência, o "na- so dos usuários aos depoimentos dos imigran-
turalismo", a espontaneidade, enfim, tenta- tes. Os imigrantes que deram depoimento
mos manter a entrevista tal qual se sucedeu, podem ser conhecidos, através da Internet,
apesar das interferências na versão trans-
no site www.memorialdoimigrante.gov.sp.br.
crita.
selecionando-se o tema: Vida de Imigrante
e, em seguida, o país.

Produtos e Subprodutos

O Setor de História Oral, portanto, está Critérios Arquivísticos:


produzindo um acervo de depoimentos, armazenamento e catalogação
constituído de versões transcritas e orais e
de cópias em vídeo, aberto ao público." Uma vez realizada a entrevista, o vídeo
é copiado em áudio. Da audição da fita cas-
2 No Museu da Imigração, recolhi pessoalmente 300 de- sete é feita a transcrição e posterior confe-
poimentos até o presente momento. rência de fidelidade. Por medida de segu-
114 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS SÔNIA MARIA DE FREITAS I 115
rança, copIa da entrevista do winchester é
feita em disquetes. Em seguida, as fichas
técnicas, que foram preenchidas com o imi-
grante, são completadas com os resumos e
enviadas com as fotos para a confecção de
Considerações Finais
brochuras e alimentação do banco de dados
e do sistema multimídia. Após todo esse pro-
cessamento, passa-se à fase da catalogação.
São elaboradas fichas catalográficas do de- A confecção deste manual teve por ob-
poimento contendo: duração da entrevista, jetivo abordar os diferentes procedimentos
o número de páginas transcritas e as pala- e possibilidades da História Oral em seus
vras-chaves. Terminada essa fase, atualizam- aspectos teóricos, metodológicos e, princi-
se as listagens do acervo, organizadas em palmente, práticos. Aliando teoria e práxis
ordem alfabética por país, nome e em or- de forma indissolúvel - procedimento que
dem numérica seqüencial de entrada do de- foi de terminante na estrutura de apresenta-
poimento no acervo, sendo a última forma ção aqui seguida -, a sua publicação possibi-
utilizada também para o annazenamento.
lita maior divulgação dos procedimentos e
O pesquisador poderá selecionar o de- possibilidades da História Oral, enquanto
poimento por país, pelo nome, pelas pala- método, que está causando mudanças na
vras-chave; seja nos suportes vídeo, cassete construção do conhecimento nas ciências
ou brochura. sociais nas últimas décadas.
Em nossa experiência, as vozes não se
tornam apêndices ou anexos. Elas são parte
integrante e fundamental de nossos estudos,
pois, apesar do diálogo entrevistador/entre-
vistado, elas são a condição, por excelência,
da existência da História Oral.
É nossa intenção, com a edição deste
manual, abrir novas perspectivas para pes-
116 I HISTÓRIA ORAL X PROJETOS INDIVIDUAIS E INSTITUCIONAIS
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 117
quisadores de instituições públicas e priva- e suas idealizações, ultrapassando o campo
das, bem como para educadores. A experiên- do racional, da lógica e da razão.
cia acumulada em mais de uma década au- Pela sornatória das memórias indivi-
toriza-nos a ver a História Oral como um duais temos a evidência de uma mcmôris
método eficaz na constituição de fontes his- coletiva, que nos fornece elementos para a
tóricas e de pesquisa nas ciências sociais, reconstrução da memória histórica. E bom
entre outras possibilidades. No entanto, é não esquecer que o discurso do depoente
preciso considerar globalmente essa fonte e transmite um ponto de vista do presente nos
desconsiderar a falibilidade e a seletividade conteúdos rememorados.
que, porventura, se apresentem nas remi- Não é nossa intenção fazer a análise das
niscências. A subjetividade deve ser enten- entrevistas, posto que o objetivo principal
dida como inerente ao universo simbólico e dos projetos desenvolvidos é constituir acer-
ideológico do indivíduo e, conseqüentemen- vo de fontes orais. Indubitavelmente, as en-
te, do grupo ao qual pertence e que compar- trevistas resultam em um rico material de
tilha de suas memórias. pesquisa, que deve estar disponível a pesqui-
Dessa forma, as reminiscências colabo- sadores e ao público em geral nas instituições
ram .na constituição da memória histórica e mantenedoras dos acervos de História Oral.
permitem uma interpretação das represen- Além de ser a voz um componente im-
tações, valores e costumes de um grupo ou portante para análise, toda entrevista de His-
de uma sociedade. tória Oral pode também ser analisada pelo
Ao dar voz a múltiplos narradores, a discurso e pelo conteúdo por elas apresen-
História Oral possibilita diferentes versões, tados.
diferentes percepções sobre o mesmo fato. Partindo do pressuposto de que os indi-
Por isso, neste tipo de trabalho, não pode- víduos reconstroem o passado, as entrevistas
mos adotar modelos reducionistas de análi- avaliadas demonstram que cada depoente
se, buscando a continuidade e a descontinui- possui uma maneira diferente de se expres-
dade, os equívocos, as falhas, as comparações sar. Ao mesmo tempo, percebe-se que há
apenas, pois aquele que rememora expressa, falas mais articuladas que outras, discursos
também, em seu discurso, as suas fantasias mais diretos e objetivos que outros.

118 I CONSIDERAÇÕES FINAIS


SÔNIA MARIA DE FREITAS I 119
Convêm lembrar que sendo a memória
uma faculdade do ser humano, ela não '
imune a conflitos, contradições e frustrações,
percebidos nas falas. As narrativas são coe-
rentes com as suas próprias realidades, com APÊNDICE
as suas próprias vidas.
No segundo nível da análise, essas re-
miniscências trazem em si informações que
Modelo de Roteiro para
enriquecem e efetivamente contribuem para
uma melhor compreensão dos temas e pes- Entrevista com Imigrantes
soas pesquisados.
Alguns tópicos que podem ser aborda-
Na atualidade, a mídia está cada vez dos sobre o tema imigração:
mais preocupada em divulgar os chiques e
famosos e menos preocupada com a histó-
ria. Vivemos o império da cultura das cele- Origem
bridades, por menores e insignificantes que
sejam as suas ações. • Qual é o seu nome?
O trabalho que realizo junto às comu- • Quando e onde nasceu?
nidades de imigrantes não se limita a regis- • Faça uma descrição da sua cidade.
trar testemunhos orais e armazená-los para • Quais eram e como eram as festas mais
as futuras gerações. O pesquisador constrói importantes na sua cidade natal?
a história a partir das memórias usando as • Qual era a principal atividade econômica
fontes orais e escritas, interpretando-as. Esse de sua cidade?
trabalho voltado para a memória é muito • Fale das condições de vida em seu país de
importante, tendo em vista a globalização do origem.
mundo que pode levar as pessoas a perder • O que seus pais faziam lá?
as suas raízes. Perder a nossa memória sig- • Fale de sua infância, brincadeiras, conví-
nifica perder a nossa identidade. vio com outras crianças, escola, cotidiano
no campo ou na cidade.
120 I CONSIDERAÇÕES FINAIS
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 121
Trajetórh • Estabeleceu contato com pessoas de ou-
tras nacionalidades no navio?
• Quando emigrou para o Brasil?
• Que idade tinha?
• Qual foi a causa de sua emigração?
Chegada
• Qual era o procedimento para sair de seu
país? (documentos e exames exigidos) • Onde e como foi o seu desembarque?
• Quais eram os outros possíveis lugares • Qual foi a sua primeira impressão sobre o
para onde queria emigrar? Brasil ao desembarcar?
• De que maneira o Brasil surgiu como al- • Como foi a recepção? Como era organi-
ternativa? zada a recepção em Santos e em São Pau-
• Teve algum contato com algum tipo de pro- lo?
paganda, como anúncio e cartaz, sobre a
imigração para o Brasil?
• O que sabia sobre o Brasil? Hospedaria de Imigrantes
• Havia algum parente, amigo ou conheci-
do no Brasil? . • Como foi a sua chegada à Hospedaria?
(caso tenha tido essa experiência, aprofun-
• O que idealizava com a viagem?
dar as questões ... )
• Conte como foram os arranjos para a via-
• Fale de sua permanência na Hospedaria.
gem. Quem ajudou você (ou sua família)
(triagem, exames médicos, tratamento aos
na viagem?
doentes, o dia-a-dia, os horários, as lou-
• Quem veio com você? ças, as refeições, o conta to com os outros
• O que trouxe consigo? Fale de sua baga- imigrantes, a vida das crianças)
gem. • Havia algum tipo de separação entre as
• Conte como foi a viagem: rotina, horários, pessoas? Por exemplo: por nacionalidade,
alimentação, descanso, duração da via- condições de saúde (doenças comuns),
gem, etc. pessoas suspeitas, refugiados, etc.?
122 I ApÊNDICE SÔNIA MARIA DE FREITAS I 123
Destill • Foi difícil o aprendizado da língua portu-
guesa?
• Qual era o destino dos imigrantes que s- • Havia escola para os imigrantes e seus fi-
tavam na Hospedaria? lhos? Era mantida por quem?
• Eram oferecidas ao imigrante opções d • Qual era a distância entre a escola e a
destino, de tipo de trabalho? moradia? E entre a sua casa e o cafezal,
entre a casa e a cidade mais próxima?
• Havia algum tipo de contrato?
• Como era o dia-a-dia das crianças?
• Conte sua trajetória a partir do trem que
• Como era o lazer e a prática religiosa?
saía da Hospedaria.
• Fale de encontros e da sua relação com os
• Fale como era a sua vida na fazenda de patrícios.
café, desde que acordava até a hora em • O que permaneceu da cultura e dos cos-
que dormia. tumes de origem na sua família? (língua,
• Era permitido ter as suas próprias planta- alimentação, religião, etc.)
ções, no meio ou fora do cafezal? • E como grupo, quais eram as datas, as fes-
• Quais eram os produtos de primeira ne- tas e as comemorações?
cessidade, as cadernetas, o salário ... • O que foi incorporado da cultura da nova
"pátria"?

Da Tradição aos Novos Costumes Rumo à Cidade: novas relações


sociais e de trabalho
• Manteve contato com parentes e amigos
do país de origem? • Por que e como se deu a sua transferência
• Fale do período de adaptação: novo cli- do campo para a cidade ... ou para a Capi-
ma, novos costumes, novos hábitos, no- tal? Fuga?
vos amigos, nova língua. • Qual foi o primeiro bairro em que morou?
• Conviveu com imigrantes de outras na- Como era? E a cidade de São Paulo como
cionalidades? Como foi? era?
SÔNIA MARIA DE FREITAS I 125
124 I ApÊNDICE
• ______ era um bairro tipicamente • Na sua opinião, qual a importância desse
-----_? trabalho de recuperar o seu passado, a sua
• Havia, e ainda há, associações ou clubes experiência e de outros imigrantes?
da comunidade? O que proporcionavam
aos imigrantes? (educação, trabalho, lazer,
política, cultura)
• Que atividade profissional desenvolveu na
cidade? Como aprendeu?
• Havia algum tipo de trabalho já caracte-
rístico do grupo de seu país? Qual era? (A
experiência profissional ou política deve
ser explorada)

Questão de Identidade

•. Mantém vínculo com país de origem? Car-


tas, telefonemas ...
• Casou-se com pessoa da sua origem (do
grupo) ou de outra nacionalidade?
• Teve oportunidade de retornar à terra na-
tal? Como foi a experiência?
• O senhor hoje se sente um brasileiro ou
7
-------
• Com que mais se identifica no Brasil?
• O que vê de positivo e negativo no Brasil?
• Qual a diferença mais marcante no com-
portamento das pessoas daqui e de __
7
------

126 I ApÊNDICE SÔNIA MARIA DE FREITAS I 127


MODELO DE TERMO DE CESSÃO GRATUITA TERMO DE COMPROMISSO DE USO
DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL
AUTORIZADO: _
CEDENTE: , naciona-
lidade estado civil
r , profissão Formação Acadêmica: _
________ , portador da Cédula de Identidade RG/ Endereço: _
Cédula de Identificação de Estrangeiro n" r emitida
Telefone: _
pelo , e do CPF nO, dorniciliado e resi-
dente na Rua/Av./Praça _ N° da Cédula de Identidade ou Passaporte: _
Tipo de Trabalho: artigo ( ) dissertação ( ) livro ( ) monografia
CESSIONÁRIO: Prefeitura Municipal de São Paulo/Secretaria ( ) tese ( ) outros: _
da Cultura-Museu do Trabalhador (fictício), estabelecido na Título do Trabalho: _
Rua/Av./Praça _
Instituição Responsável: _
____ r São Paulo, Capital.
Comprometo-me a utilizar a(s) cópia(s) do(s) depoimento(s)
OBJETO: Entrevista gravada exclusivamente para o Departa- do( a) Sr. (a) _
mento de História Oral do Museu do Trabalhador. __________ ao pesquisador , em
DO USO: Declaro ceder ao Museu do Trabalhador sem quais- ____ e pertencentes à Coleção do Departamento de
quer restrições quantó aos seus efeitos patrimoniais e fi- História Oral, constando de fitas cassetes,
nanceiros a plena propriedade e os direitos autorais do ___ vídeo e páginas, exclusivamente para a finalida-
depoimento de caráter histórico e documental que prestei de declarada acima e de acordo com as normas de citação esta-
ao(a) pesquisador(a) _
belecidas pelo Museu do Trabalhador.
______ , na cidade de _
Declaro estar ciente de que a utilização indevida dos
em __ / / , num total de __ fitas gravadas.
materiais, ocasionando a transgressão das normas de consul-
O Museu do Trabalhador, pelo Departamento de História ta, sujeita-me às penalidades previstas na Lei n" 9.610, de
Oral, fica conseqüentemente autorizado a utilizar, divulgar 19.2.1998.
e publicar, para fins culturais, o mencionado depoimento,
Quaisquer outras formas de utilização e divulgação não
no todo ou em parte, editado ou não, bem como permitir a
previstas nas mencionadas normas necessitam de autorização
terceiros o acesso ao mesmo para fins idênticos, segundo
expressa do depoente ou herdeiro, sendo o Museu do Traba-
suas normas, com a única ressalva de sua integridade e
lhador o intermediário entre o solicitante e o depoente.
indicação de fonte e autor.

São Paulo, __ de de
São Paulo, __ de de __ .

Assinatura do Depoente/Cedente Ass: _

128 I ApÊNDICE SÓNIA MARIA DE FREITAS I 129


PROGRAMA DE DOCUMENTAÇÃO ORAL!
CATÁLOGO DAS COLEÇÕES
COLEÇÃO: Museu do Trabalhador - Departamento de História Oral
TIPO DE ENTREVISTA:
( ) história de vida Bibliografia
( ) his tória temá tica: ( ) depoimento individual ( ) depoimento
coletivo
NOME(S) DO(S) ENTREVISTADO(S)
1
ABRÃo, Bernardette Siquera. Historis da filosofia. São Paulo: Nova
2
Cultural, 1999. (Os Pensadores).
LOCAL DA ENTREVISTA:
ALBERTI,Verena. Histôrie oral: a experiência do CPDOC. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Con-
DATA DA ENTREVISTA: ---.J---.J_ DURAÇÃO:
temporânea-CPDOC/FGV, 1989.
BENJAMIN,Walter. O narrador. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
CONDIÇÕES DA GRAVAÇÃO: (Os Pensadores).
BERGSON,Henri. A alma e o corpo. In: Cartas conferéncias e
TRANSCRIÇÃO: ( ) sim ( ) não outros escritos. Trad. Franklin Leopoldo e Silva. São Paulo:
( ) manuscrita ( ) impressa ( ) em disquete Abril Cultural, 1974. (Os Pensadores).
BURKE,Peter. A escola dos AnnaJes. São Paulo: Unesp, 1991.
__ A arte da conversação.
o São Paulo: Editora da Unesp, 1995.
BERTAUX,D.; THOMPSON, P. (Ed.). Between generations: family
models, myths and memories. Internetionsl YearbookofOral
NÚMERO DE SÉRIE:
History and Li/e Stories. Oxford: Oxford University Press,
v. 2, 1993.
SUMÁRIO
BOSI, Ecléa. Memáris e sociedade: lembranças de velhos. São
Paulo: T.A. Queiroz, 1983.
__ Cultura e desenraizamento.
o In: BOSI, Alfredo. Cultura
brasileirs: temas e situações. São Paulo: Ática, 1987.
BOURDlEAU,Pierre (Org.). Compreender. 1n: A miséria do nUl11-
Palavras-chave: do. Petrópolis: Vozes, 1997.
CAMARGO,Aspásia. História oral e política. In: FERREIRA,M. de
M. (Org.). Histárie oral. Rio de Janeiro: CPDOClFundação
Getúlio Vargas/Diadorim, 1994.
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