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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CCCT0092 – PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA


PROFESSORAS: Márcia Molina e Valéria Arauz
Linguagem, língua, discurso e variação

Faça a leitura do texto a seguir de modo a depreender os principais conceitos nele contidos. Risque,
destaque, anote, esquematize ou faça um mapa mental. Organize as informações de modo a facilitar a
compreensão. Se precisar, consulte dicionário(s) ou a internet para entender melhor palavras e sentidos.

1.4 Noção de língua, texto, textualidade e processos e textualização


Tal como proposto na introdução geral, este curso trabalha a produção textual na perspectiva
sociointerativa. Cabe agora deixar claro o que isto significa. Para tanto, apresento, em primeiro lugar, uma
série de conceitos como base para o restante do trabalho. Assim, num primeiro momento, veremos as noções
de língua e de texto, o que parcialmente vem sendo feito desde o início destas notas e deverá persistir até o
final do curso.
Embora não seja necessário, é sempre fundamental explicar com que noção de língua se trabalha,
quando se opera com categorias tais como texto ou discurso, já que disto dependerão muitas das posições
adotadas. Mas esta distinção entre texto e discurso é hoje cada vez mais complexa, já que em certos casos
são vistas até como intercambiáveis. A tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua
organização, ao passo que o discurso seria o plano do funcionamento enunciativo, o plano da enunciação e
efeitos de sentido na sua circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos. Texto e discurso
não distinguem fala e escrita como querem alguns nem distinguem de maneira dicotômica duas abordagens.
São muito mais duas maneiras complementares de enfocar a produção linguística em funcionamento. As
definições mais comuns para discurso foram:

• conjunto de enunciados que derivam da mesma formação discursiva;


• uma prática complexa e diferenciada, obedecendo a regras de transformação analisáveis;
• regularidade de uma prática.

Em todos os casos, observa-se que discurso é visto como uma prática e não como um objeto ou um
artefato empírico. Parece que esta noção de prática é o que permitirá levar em conta os fenômenos
extralinguísticos para não cair no subjetivismo.
Entremos agora na análise da língua e algumas noções que dela se tem dado. A língua pode ser vista
— e foi vista — de vários ângulos teóricos, mas nós adotaremos uma posição bem definida para o trabalho
com a produção textual na perspectiva sociointerativa.
De acordo com as diferentes posições existentes, pode-se ver a língua:

a) como forma ou estrutura — um sistema de regras que defende a autonomia do sistema diante das
condições de produção (posição assumida pela visão formalista);
b) como instrumento — transmissor de informações, sistema de codificação; aqui se usa a metáfora do
conduto (posição assumida pela teoria da comunicação);
c) como atividade cognitiva — ato de criação e expressão do pensamento típica da espécie humana
(representada pelo cognitivismo);
d) como atividade sociointerativa situada — a perspectiva sociointeracionista relaciona os aspectos
históricos e discursivos.

MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p.58-68.
(a) Quando vista como uma entidade abstrata, enquanto forma, a língua é estudada em suas
propriedades estruturais autônomas. Neste caso, é tomada como código ou sistema de signos e sua análise
desenvolve-se na imanência do objeto. Esta perspectiva foi inaugurada no século XIX, tendo-se consolidado
com Saussure e Chomsky; não se buscam explicações transcendentes para o fenômeno linguístico,
desleixando-se o contexto e a situação, bem como os aspectos discursivos sociais e históricos. Aqui, há uma
certa dificuldade de tratar a questão da significação e os problemas relativos à compreensão. Também fica
muito difícil observar o funcionamento do texto, que não é uma unidade do sistema, pois, como se verá, o
texto situa-se no uso do sistema.
Tratada assim, a língua é tida como um sistema homogêneo composto de vários níveis
hierarquicamente distribuídos. Nesta perspectiva, costuma-se distinguir níveis de análise formal. Em geral,
os estudos linguísticos nesta linha dedicam-se aos seguintes níveis estruturais:
• fonológico (cuja unidade é o fonema);
• morfológico (cuja unidade é o morfema);
• sintático (cuja unidade é o sintagma ou a oração);
• semântico (cuja unidade é o sema ou o conceito ou a proposição).

No geral, os estudos nesta linha não ultrapassam a unidade máxima da frase, nem se ocupam do uso
da língua. Na maioria dos casos, trabalham-se aqui as unidades isoladamente, fora de qualquer contexto. O
interesse central dessa perspectiva é tratar os fenômenos sistemáticos da língua. Como se pode depreender
destas observações, nossa perspectiva não se identifica com esse tipo de análise, embora sejam relevantes
os conhecimentos obtidos nessas análises. O problema está em imaginar que a língua seja apenas isso.
(b) Quanto à perspectiva que trata a língua como instrumento, a posição não parece razoável pelo fato
de não atingir nenhum nível de abstração desejável e pelo fato de desvincular a língua de suas características
mais importantes, ou seja, seu aspecto cognitivo e social. Além disso, tem como consequência a ideia de que
a língua é um instrumento transparente e de manuseio não problemático. A compreensão se torna algo
objetivo e a transmissão de informações seria natural. Essa perspectiva é pouco útil, mas muito adotada,
especial pelos manuais didáticos, ao tratarem os problemas da compreensão textual. Essa posição é muito
comum nas teorias de comunicação em geral. Éuma das visões mais ingênuas.
(c) Tomando esta posição de maneira radical, enfatizando a língua como atividade cognitiva ou apenas
um sistema de representação, pode-se incorrer no risco de uma outra redução, que confina a língua a sua
condição exclusiva de fenômeno mental e sistema de representação conceitual. Neste caso, como ocorre em
boa parte dos cognitivismos contemporâneos, teríamos dificuldades de entender como é que a cultura, a
experiência e nossa realidade cotidiana passam para a língua. A língua envolve atividades cognitivas, mas não
é um fenômeno apenas cognitivo. Pois o paradoxo que surge quando se toma a língua como um fenômeno
apenas cognitivo é o de não se conseguir explicar seu caráter social, já que a cognição admitida nessas teorias
é um fenômeno não social. De qualquer modo, o cognitivismo que vamos aqui admitir é o defendido pela
hipótese sociocognitivista, que não se confina na imanência do cérebro nem propõe a língua como um
fenômeno biológico (restrito às sinapses cerebrais).
(d) Essa posição toma a língua como uma atividade sociohistórica, uma atividade cognitiva e atividade
sociointerativa. Na realidade, contempla a língua em seu aspecto sistemático, mas observa-a em seu
funcionamento social, cognitivo e histórico, predominando a ideia de que o sentido se produz situadamente
e que a língua é um fenômeno encorpado e não abstrato e autônomo. Não ignora a forma sistemática nem
deixa de observar a regularidade sistemática. Assim, essa visão deveria receber uma série de esclarecimentos
(para poder tornar-se produtiva. Ela será adotada neste curso e explicitada longo da abordagem feita a
seguir.
Assim, a postura geral aqui adotada pode ser caracterizada como textual-discursiva na perspectiva
sociointerativa, isto é, consideramos o texto em seu aspecto tanto organizacional interno como seu

MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p.58-68.
funcionamento sob o ponto de vista enunciativo. Uma excelente abordagem nesse sentido pode ser vista
nos trabalhos de Ingedore Koch, em particular em seu livro sobre as atividades textuais na perspectiva
cognitiva e enunciativa, que ainda será tratada adiante.

1.5 Aprofundando a noção de língua por nós adotada


Uma vez feita a discussão teórica acima, podemos indagar qual a posição a ser adotada. É esta a
questão a que nos voltamos a seguir. Na realidade, nosso trabalho se dará na perspectiva (d), chamada
textual-interativa. Nesse caso, não se deixa de admitir que a língua seja um sistema simbólico (ela é
sistemática e constitui-se de um conjunto de símbolos ordenados), contudo ela é tomada como uma
atividade sociointerativa desenvolvida em contextos comunicativos historicamente situados. Assim, a língua
é vista como uma atividade, isto é, uma prática sociointerativa de base cognitiva e histórica. Podemos dizer,
resumidamente, que a língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas.
Podemos dizer que as línguas são objetivações históricas do que é falado.
Tomo a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexíveis, criativas e indeterminadas
quanto à informação ou estrutura. De outro ponto de vista, pode-se dizer que a língua é um sistema de
práticas sociais e históricas sensíveis à realidade sobre a qual atua, sendo-lhe parcialmente prévio e
parcialmente dependente esse contexto em que se situa. Em suma, a língua é um sistema de práticas com o
qual os falantes/ouvintes (escritores/leitores) agem e expressam suas intenções com ações adequadas aos
objetivos em cada circunstância, mas não construindo tudo como se fosse uma pressão externa pura e
simples.
Podemos lembrar aqui mais uma vez a posição de Batista (1997, p.21) quando ele afirma:
Na linguagem e através dela, portanto, constitui-se não só uma determinada
organização da experiência do real, mas também determinados lugares para os
interlocutores e demarcadas relações entre eles.

Veja-se o caso do uso dos pronomes: um eu marca a posição pessoal e o você indica que o eu não está
incluído e a imagem que produzo é de um outro. O nós inclui a mim e a imagem não será a mesma que as
duas anteriores: o nós inclui o eu e o outro. As identidades construídas e subsumidas no caso dos
quantificadores para grupos, por exemplo, todos, alguns, nenhum, poucos e assim por diante, refletem mais
do que simples agrupamento, pois envolvem também a construção de imagens. Portanto, como lembra
Batista (1997, p.21-22), "falar é agir" tanto sobre si, como sobre os outros e sobre o mundo. Falar não é
apenas comunicar algo e sim produzir sentidos, produzir identidades, imagens, experiências e assim por
diante.
Certamente, quando estudamos o texto, não podemos ignorar o funcionamento do "sistema
linguístico" com sua fonologia, morfologia, sintaxe, léxico e semântica; neste caso estamos apenas admitindo
que a língua não é caótica e sim regida por um sistema de base. Mas ele não é predeterminado de modo
explícito e completo, nem é autossuficiente. Seu funcionamento vai ser integrado a uma série de outros
aspectos sensíveis a muitos fenômenos que nada têm a ver com a forma diretamente.
Não obstante a visão acima defendida, é bom ter presente que há vários aspectos do funcionamento
da língua que são mais bem explicados quando os observamos no nível do sistema. Por exemplo, a variação
linguística pode ser explicada na correlação com fatores sociais, mas os fenômenos que sistematicamente
variam são estruturais, tais como os fonológicos e os morfológicos. Assim, quando se fala em uso e função,
não se ignora a existência de formas. Apenas frisa-se que as formas não são tudo no estudo da língua e que
as formas só fazem sentido quando situadas em contextos sociointerativamente relevantes. Esta é a distinção
com Chomsky, que julga ser próprio da linguística apenas o estudo da realidade mental da língua e não o seu
aspecto externo, ou seja, o funcionamento na sociedade e nas relações intersubjetivas.

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Uma das tendências mais comuns na linguística do século XX, até recentemente — típica do
estruturalismo —, foi centrar-se no estudo do código, isto é, na análise de propriedades imanentes ao
sistema de signos da língua. Tratava-se do que podemos chamar de uma linguística do significante. Assim,
surgiram os conhecidos níveis de análise linguística, tais como o fonológico, o morfológico, o sintático e o
semântico. Cada vez mais essa perspectiva foi cedendo lugar à ideia de que não se pode abordá-las
isoladamente. Ainda continua um tanto obscuro, nessa perspectiva, estabelecer uma “ponte” clara de união
ou processamento integrado desses níveis num todo, sem mencionar a difícil assimilação do aspecto
pragmático da língua. Este em geral não é considerado um nível de análise da língua e sim um plano do uso.
Nas últimas décadas, com os estudos levados a efeito pelos teóricos do texto, do discurso e da
conversação, que observam a língua cm funcionamento a partir de suas condições de produção e recepção,
deu-se uma guinada na tendência "oficial". As teorias que privilegiavam o código (o significante) como objeto
de análise e viam a língua como um sistema de regras estruturado e determinado, não tinham condição de
se fazer indagações relevantes sobre uma série de aspectos, por exemplo, a relação entre a língua falada e a
língua escrita. Nem podiam indagar-se sobre os usos sociais da língua. A centração do estudo código não
podia enfrentar a variação e a produção de sentido em qualquer aspecto que se manifestasse, seja nas
formas linguísticas ou na significação.
A noção de língua aqui adotada admite que a língua é variada e variável, ou seja, supõe uma visão não
monolítica da língua e contempla pelo menos três aspectos dessa variação ou heterogeneidade, tal como
lembra Renate Bartsch (1987, p.186-190):

(a) heterogeneidade na comunidade linguística (a população não é homogênea e


fala de forma diferenciada com variedades dialetais regionalmente caracterizadas
ou variedades sociais socioculturalmente marcadas);
(b) heterogeneidade de estilos e registros numa língua (na linguagem do dia-a-dia,
tem-se estilos mais informais e na linguagem cuidada ou técnica tem-se estilos
formais; também observam-se registros de vários tipos, sendo que um falante pode
dominar vários deles simultaneamente);
(c) heterogeneidade no sistema linguístico (a língua não tem um sistema ou o
sistema, mas diversas sistematizações complementares, sobrepostas ou
concomitantes, hoje conhecidas como ‘regras variáveis’ seja na fonologia,
morfologia ou semântica).

Esse aspecto da língua enquanto heterogênea sugere uma compreensão de língua diferente daquela
com a qual os manuais didáticos em geral operam. Assim, pode-se admitir que:

• A língua é um sistema simbólico geralmente opaco, não transparente e indeterminado sintática e


semanticamente.
• A língua não é um simples código autônomo, estruturado como sistema abstrato e homogêneo,
preexistente e exterior ao falante; sua autonomia é relativa.
• A língua recebe sua determinação a partir de um conjunto de fatores definidos pelas condições de
produção discursiva que concorrem para a manifestação de sentidos com base em textos produzidos
em situações interativas.
• A língua é uma atividade social, histórica e cognitiva, desenvolvida de acordo com as práticas
socioculturais e, como tal, obedece a convenções de uso fundadas em normas socialmente
instituídas.

Com a concepção de língua aqui sugerida, pretendo deslocar o interesse do código linguístico
(imanência das formas) para o funcionamento da língua ou, numa formulação mais comum, para a análise

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de textos e discursos (em certo sentido, o plano da enunciação). Isso tornará possível observar o que fazem
os falantes com/na/da língua e, principalmente, como se dão conta de que estão fazendo uma determinada
coisa com a língua. Também permite trabalhar as relações entre oralidade e escrita como duas modalidades
enunciativas complementares dentro de um contínuo de variações.
Com relação ao ensino, essa posição conduzirá ao desenvolvimento de competências discursivas
funcionalmente adequadas. E, nesse caso, a competência linguística, enquanto domínio de formas, passa a
ser um subconjunto dos fatores de adequação. Assim, a ênfase na gramática pode ser minorada na direção
de uma perspectiva mais funcional e sociointerativa no funcionamento da língua.
Com base no que vimos até aqui, podemos dizer que:

a) a língua se manifesta plenamente no seu funcionamento na vida diária, seja em textos triviais do
cotidiano ou prestigiosos e canônicos que persistem na tradição cultural;
b) o uso da língua se dá em eventos discursivos situados sociocognitivamente e não em unidades
isoladas;
c) a língua, enquanto sistema formal, acha-se impregnada pelo discurso;
d) muitos fenômenos relevantes e sistemáticos no funcionamento da língua são propriedades do
discurso e não podem ser descritos e explicados com base apenas no sistema formal da língua;
e) entre os fenômenos relevantes comandados pelo funcionamento da língua estão as relações
interfrásticas que não se esgotam nem se esclarecem no âmbito da frase; por exemplo: as sequências
conectivas, as sequências anafóricas, as elipses, as repetições, o uso dos artigos etc.
f) as sequências de enunciados num texto não são aleatórias, mas regidas por determinados princípios
de textualização locais ou globais;
g) um texto não se esclarece em seu pleno funcionamento apenas no âmbito da língua, mas exige
aspectos sociais e cognitivos.
h)
Portanto, vamos admitir que a língua é uma atividade interativa, social e mental que estrutura nosso
conhecimento e permite que nosso conhecimento seja estruturado. Enquanto fenômeno empírico, a língua
não é um sistema abstrato e homogêneo, mas é:

heterogênea indeterminada
social variável
histórica interativa
cognitiva situada

Quando dizemos que a língua não é determinada, isto significa que não existe uma determinação fixa
apriórica, seja no aspecto sintático ou semântico. Portanto, uma mesma forma pode funcionar com várias
significações, de maneira que não há uma determinação semântica proveniente do próprio sistema
linguístico. De igual maneira, podemos ter várias opções de determinação sintática para uma dada
construção.
Veja-se o caso de Eternamente (é ter na mente, éter na mente, é ternamente...), e os mais diversos
casos de ambiguidade, sejam eles de natureza sintática ou semântica, como esta manchete do DIÁRIO DE
PERNAMBUCO em primeira página (13/05/2004):
a tu reza sintática

Fraude no Rio é investigada


no Detran de Pernambuco

MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p.58-68.
Como devemos entender esta manchete?
1. Trata-se de fraudes cometidas (pelo Detran) no Rio que agora serão investigadas pelo Detran
de Pernambuco? ou
2. Trata-se de fraudes cometidas pelo Detran do Rio com ramificação em Pernambuco?

Somente a leitura do texto que segue a manchete permite esclarecer a situação.

Fraude no Rio é investigada no Detran de Pernambuco

Fraude no licenciamento de veículos no Rio pode ter ramificação em


Pernambuco e em mais quatro estados. O esquema simula vistorias
nos carros fora do estado de origem.
FONTE: DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife. 13/05/2004.

Outro exemplo de ambiguidade seria o contido na manchete do DIÁRIO DE PERNAMBUCO


(02/11/2005) em que se lia a notícia abaixo, à primeira vista com duas possibilidades interpretativas. Poderia
ser tanto a crise na televisão como a crise no Governo Lula. Só a leitura daria uma resposta, mas certamente,
quem vivia o momento histórico brasileiro poderia logo saber que se tratava da crise no Governo Lula com
as várias CPIs em andamento naquele momento. Veja-se a notícia:

PRESIDENTE ACEITA FALAR SOBRE CRISE NA TV


Lula confirma ida ao Roda Viva segunda-feira e garante que não deixará de
responder nenhuma pergunta

BRASÍLIA – Após seis meses de negociações, o presidente Luís Inácio Lula da


Silva confirmou ontem a participação no programa de entrevista Roda Viva, da
TV Cultura na próxima segunda-feira. /.../Lula será o segundo presidente a dar
entrevista ao Roda Viva no exercício do mandato. O primeiro foi seu antecessor,
Fernando Henrique Cardoso. Segundo Markun, que negociou a entrevista
diretamente com Lula, o presidente disse que não quer falar só de crise, mas
também de economia e que não deixará nenhuma pergunta sem resposta.
FONTE: DIÁRIO DE PERNAMBUCO. Recife. 02/11/2005.

Pode-se admitir, ainda, que a língua é uma atividade cognitiva. Pois ela não é simplesmente um
instrumento para reproduzir ou representar ideias (pois a língua é muito mais do que um espelho da
realidade). A língua é também muito mais do que um veículo de informações. A função mais importante da
língua não é a informacional e sim a de inserir os indivíduos em contextos sociohistóricos e permitir que se
entendam.
Finalmente, postulamos também que a língua é uma forma de ação, ou seja, um trabalho que se
desenvolve colaborativamente entre os indivíduos na sociedade. Nesse caso, a pragmática, como
sociopragmática, passa a ter um papel definido e claro no processo de produção textual, pois é um dos
determinantes das condições de produção.
Há ainda um aspecto interessante a respeito da ideia de que a língua é uma forma de ação. Não se
deve entender isso como se fosse uma ação voluntarista, particular, consciente e plenamente individual,
como postula a pragmática tradicional dos atos de fala. Sempre estamos inseridos num contexto social e em
alguma instituição cujos contratos somos obrigados a seguir sob pena de sermos punidos de alguma forma.
As instituições, as ideologias, as crenças etc. são formas de coerção social e política que não permitem ao

MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p.58-68.
indivíduo agir como uma entidade plenamente individual. Não somos mais sujeitos cartesianos monolíticos,
integrais e indivisíveis, que persistem à margem do corpo e dele se desgarram como uma alma que volta para
a divindade. Não se nega a individualidade nem a responsabilidade pessoal, mas se afirma que as formas
enunciativas e as possibilidades enunciativas não emanam de um indivíduo isolado e sim de um indivíduo
numa sociedade e no contexto de uma instituição.
Tomemos um exemplo: quando alguém assume um cargo oficial no governo, pode ter, pessoalmente,
uma série de posições que receberão, num dado momento, coerções institucionais, e ele vai deixá-las de
lado para representar o papel que nesse momento lhe é exigido por pertencer àquela instituição. Assim, nem
sempre se pode recriminar quando alguém "muda de opinião" ao assumir uma posição oficial, pois ele passa
a fazer parte de um corpo maior do que ele e suas crenças pessoais. São novas condições de produção
discursiva que entram em jogo. Um ato linguístico pode ser formalmente igual do ponto de vista do
enunciado, mas, do ponto de vista de sua significação e de seus efeitos, ele será bem diverso, a depender do
lugar que o condiciona, isto é, das condições de produção em que foi realizado.
Não nos aprofundaremos nesse ponto, pois isto deve retornar mais adiante ao trabalharmos o aspecto
da compreensão textual. Ali veremos que uma análise textual baseada no código não tem condições de
perceber os efeitos de sentido a partir de lugares enunciativos diversos ou de crenças diversas. É por isso que
o foco deve sair do código para o discurso. [...]

MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p.58-68.

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