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Resumo
Nosso trabalho trata da relação entre a situação social de desenvolvimento e as
neoformações da consciência. Em particular, da relação entre a atividade escolar e o
desenvolvimento do Pensamento Conceitual. Este trabalho é resultado de uma pesquisa
realizada com 293 alunos do nono ano do ciclo fundamental, em cinco escolas, no
município de Moju/PA. Para a coleta de dados, utilizamos oito questões de lógica
simples e, como resultado, 55,8% dos sujeitos responderam em base a Pensamentos
Figurativos-Concretos e somente 44, 2%, em base a Pensamentos Conceituais. Isto
revela uma discrepância entre a situação social de desenvolvimento e as neoformações
da consciência, resultado de uma escolaridade inadequada.
Palavras-chave: Escolaridade, neoformações, desenvolvimento, consciência.
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Prof. MS. de Psicologia da Educação, do Departamento de Psicologia, da Universidade do Estado do Pará.
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Aluno do 4º ano de Ciências Naturais (Física), da Universidade do Estado do Pará, Campi XIV/ Moju
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Aluno do 3º ano de Pedagogia, da Universidade do Estado do Pará, Campi XIV/ Moju
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Aluna do 3º ano de Pedagogia, da Universidade do Estado do Pará, Campi XIV/ Moju
5
Aluna do 4º ano de Ciências Naturais (Física), da Universidade do Estado do Pará, Campi XIV/ Moju
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1- Introdução
Nosso trabalho trata da relação entre a situação social de desenvolvimento e as
neoformações da consciência, em particular, da relação entre a atividade escolar e o
desenvolvimento do pensamento conceitual. Estes conceitos, formulados por Vigotski
(2006), ajudam a compreender as relações entre o modo de vida da criança, o seu
entorno social e as novas estruturas da personalidade.
Utilizamos estes conceitos num estudo diagnóstico de alunos do nono ano do
ciclo fundamental, no segundo semestre de 2012, em escolas do município de Moju,
Estado do Pará.
Os resultados desta pesquisa demonstraram as relações entre o ensino-
aprendizagem de conceitos científicos e os enlaces intelectuais que surgem nesta prática
sócio-escolar (Luria, 1987; Vigotski, 2001).
Outrossim, justificamos este trabalho por ser, o ensino dos conceitos científicos,
o meio pelo qual se desenvolvem operações lógico-abstratas, sobre o mundo físico-
social (Davídov, 1987; Vigotski, 2001).
Um prejuízo no processo de escolarização acarreta outro equivalente no
desenvolvimento cultural, em crianças e adolescentes da classe trabalhadora - para
quem a escola pública é, muitas vezes, a única via para assimilar o conhecimento
sistematizado.
A partir de dados governamentais, 98,2% dos brasileiros, em idade escolar de 7 a
14 anos, estão matriculados em escolas. É uma taxa muito importante, quase universal
(Freitas, 2004).
Porém, segundo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística [IBGE] a taxa de
abandono escolar por adolescentes, de 15 a 17 anos, cresceu de 2009 a 2011, 16,3% -
de 1.479.000 para 1.722.000 (www.ibge.gov.br).
2- Referencial teórico
As funções psicológicas especificamente humanas originam-se nas atividades
sociais. A origem da atividade conscientes, ou seja, das funções superiores (linguagem,
pensamento lógico, memória lógica, percepção categorizada, atenção orientada e
vontade) não está no organismo ou na alma, mas nas relações sociais e no processo
histórico, em especial no trabalho (Bozhóvich, 1987; Luria, 1991; Vigotski, 2000a;
Vygotski, 2000b).
Do trabalho, originam-se as formas de transformação e de domínio da natureza e
sobre a própria conduta; logo, “o trabalho, por si mesmo, criou o próprio homem”
(Engels, 1979, p. 215). E, do trabalho, surgem as ferramentas, o intercâmbio social e a
linguagem (Engels, 1979). A partir da linguagem e as atividades coletivas, realizou-se
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“a transição da história natural dos animais à história social dos homens” (Luria, 1991,
p. 75).
A relação da criança com o seu meio circundante é, desde sempre, social, porque
em todas as circunstâncias da vida da criança, diz Vygotski (2006), “está presente de
maneira visível ou invisível outra pessoa”6 (p. 285).
A humanização da criança decorre do cruzamento da história social com a
individual. Isto significa que as funções superiores são produto “do desenvolvimento
histórico da conduta, e contam também ao nível ontogenético com uma história social
específica”7 (Vygotski & Luria, 2007, p. 50).
O período pré-verbal, porém, caracteriza-se pelo predomínio das funções
psicológicas elementares, de origem biológica, como a ação, a atenção e a percepção
imediatas e a memória eidética (precisa e sensorial). A estrutura das funções
elementares é direta, segundo modelo “S-R”, resultado da reação imediata do organismo
aos estímulos ambientais, cuja função é adaptar o indivíduo às situações externas
(Vygotski & Luria, 2007).
O período pré-verbal concentra três fases do desenvolvimento: a dos instintos, a
dos comportamentos condicionados e a do uso de instrumentos - a última delas,
designada inteligência prática (Vygotski & Luria, 1996) ou operações objeto-
instrumentais (Elkonin, 2012).
Portanto, o aspecto mais essencial da inteligência prática é a relação direta com
o objeto da atividade, como explica Vigotski (2008):
6
Original: (…) se halla presente de manera visible o invisible otra persona.
7
Original: (…) del desarrollo histórico de la conduta, y cuentan también a nível ontogenético con una historia social específica.
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Algumas ações, porém, generalizam-se, como deslocar uma bola com uma vara,
o uso da mamadeira ou o subir escada, porque, diferentemente dos animais, as ações
que se esperam das crianças, já estão programadas nos objetos que se lhes oferecem os
adultos. Assim, a criança compara suas ações às dos adultos e cria formas de
cooperação social com eles. Este período está na origem da fala e de outras operações,
como a brincadeira de papéis, a escrita, a leitura e o cálculo (Elkonin, 2009, 2012;
Vygotski & Luria, 2007).
O uso de instrumentos, para solução de problemas práticos sem uso da fala, está
presente tanto em animais como em crianças. Por isso, o uso de instrumentos é
considerado o auge do desenvolvimento animal e o ponto de partida do
desenvolvimento cultural da criança e, assim, constitui-se no elo entre o comportamento
animal e o comportamento humano (Köller, 1927; Vygotsky & Luria, 1996; Vygotski &
Luria, 2007).
O período de desenvolvimento seguinte, o das funções psíquicas superiores,
caracteriza-se pela mediação dos signos que, progressivamente, diferenciam-se e se
separam dos estímulos ambientais. Posteriormente, os signos são interiorizados pela
criança, quando lhe proporcionam o controle sobre sua conduta. Este processo é produto
histórico-social, cuja raiz está no desenvolvimento “de um sistema mais amplo de
vínculos e relações sociais, de formas coletivas de conduta e de cooperação social” 8
(Vygotski & Luria, 2007, p. 51).
As funções superiores não resultam do aperfeiçoamento das funções
elementares, mas, sim, de sua transformação qualitativa, a partir do uso dos signos. Os
signos vão reequipar o desenvolvimento da criança com habilidades específicas do
comportamento humano (Vygotsky & Luria, 1996, p.177). Destas novas habilidades, as
mais importantes são a conduta mediada e autorregulada, devido à ação reversa dos
signos. Via signos, o indivíduo passa a ter o domínio prévio da própria conduta,
estendendo-a para além do imediato, tornando-a histórica (Vygotski, 2000b; Vygotski
& Luria, 2007).
Com os signos, a fusão entre o estímulo do ambiente e a reação do organismo
desaparece e surge, entre estes, “um novo membro intermediário e toda a operação se
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constitui num ato mediado” (Vygotski, 2000b, p. 122). Logo, a conduta de estrutura
elementar forma-se a partir da relação direta com o estímulo-objeto, não obstante, a
8
Original: (…) de un sistema más amplio de vínculos y relaciones sociales, de formas colectivas de conducta y de co-operación
social.
9
Original: (...) un nuevo membro intermédio y toda la operación se constituye en un acto mediado.
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Original: (…) es el hombre quien modifica la estrutura natural y supedita a su poder los processos de su própria conducta con
ayuda de los signos.
11
Original: (…) a través de ciertos estímulos auxiliares.
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Original: (…) al principio entre los hombres como categoría interpsíquica y luego en el interior del niño como categoría
intrapsíquica
7
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Original: (...) se convierten en neoformaciones estables.
conhecimentos”14 (Davídov, 1987, p. 187).
14
Original (…) el domínio, por parte de los alunos, de los procedimentos y médios para la adquisición autónoma de conocimientos
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e subjetivas da criança sobre o objeto. Pode variar desde amontoados sem nexo de
objetos à atribuição de um significado instável a um agrupamento de objetos. Na etapa
dos complexos ou figurado-concreto, a criança torna-se capaz de atribuir, de forma
estável, um nome para cada objeto, mas apoiada no aparente e em situações práticas. A
terceira etapa, a dos conceitos ou relações lógicas, o sujeito atribui um nome ou
significado a um objeto, como no sincretismo. Mas o faz a partir de um traço
característico abstraído do objeto e generalizado a outras situações (Luria, 1987 e 1991;
Vigotski, 2001).
3- Metodologia
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Original: que se reconstruye o se desvela gracias a la investigación y al estudio, al análisis e interpretación de sus fragmentos o
restos.
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respostas dos sujeitos na execução das tarefas (Luria, 1987 e 1994; Vigotski, 2001).
a) A Ficha 01: atividade de determinação dos conceitos, com duas questões: apresenta-
se duas perguntas para o aluno determinar o significado de uma palavra. O objetivo é
esclarecer quais os sistemas de enlaces mentais que se encontram por trás da palavra
(Luria, 1987, 1994).
(a): Uma figura de cavalo e outra de vaca. Pergunta: o que há de comum entre eles?
(b): Uma figura de coruja e outra de peixe. Pergunta: o que há de comum entre eles?
(c): Uma figura de pescador e outra de peixe. Pergunta: o que há de comum entre
eles?
c) A ficha 03: atividade de classificação interna dos conceitos por meio da prova do
quarto excluído, com três questões: dá-se quatro figuras de objetos para o sujeito
escolher três delas que podem ser chamadas por uma só palavra (conceito) e excluir a
quarta (Luria, 1987). Na primeira e na terceira questões, apresenta-se quatro figuras de
objetos em situação conflitiva. Na segunda questão, dá-se três figuras de objetos
pertencentes à mesma categoria, embora diferentes na aparência (forma e cor). O quarto
se parece com uma das figuras (cor, forma), mas pertence a outra categoria (Luria,
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1987).
1A 70 02 74 02 67 01 57 07 13 00
1B 33 39 40 36 32 36 53 11 06 07
2A 21 51 25 51 14 54 16 48 02 11
2B 06 58 01 07 09 67 06 62 04 60 03 10
2C 00 64 06 02 04 53 17 02 05 49 13 01 03 54 07 01 12
3A 40 32 59 17 32 36 47 17 08 05
3B 43 29 68 08 40 28 58 06 08 05
3C 08 64 32 44 11 57 17 47 03 10
Legendas das Categorias: Pensamento Conceitual (PC); Pensamento por Complexos (PPC); Pensamento Sincrético (PS) e Não Sei (NS).
Legendas sobre a Tabela: Escola (ESC); Ficha (FIC) e Total Final (TF).
4.2- Análise descritiva dos dados coletados
A 96% 04%
B 56% 44%
A 26,6% 73,4%
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Legendas das categorias de pensamento: Pensamento Conceitual (PC); Pensamento por Complexo (PPC); Pensamento
Sincré tico (PS) e Nã o Sei (NS).
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4.2.3- QUESTÕES SOBRE “CLASSIFICAÇÃO INTERNA DOS CONCEITOS”
A 63,5% 46,5%
B 74% 26%
C 24% 76%
Respostas à Ficha 02a: São mamíferos e são herbívoros (Tia Érica); Os dois são
animais (Lauro Sodré). Aqui, as respostas dos alunos vão além das diferenças aparentes
e abstraem traços comuns dos objetos, como serem mamíferos. Em seguida, submetem
significados comuns (cavalo e vaca) a categorias abstratas e de maior generalidade
(mamíferos, herbívoros e animais). No entanto, a maioria das respostas sobre estas
questões utilizaram Pensamentos por Complexos, como: São animais criados em
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fazendas (Lauro Sodré); ou: O cavalo é da mesma altura da vaca (Lauro Sodré). Aqui
temos respostas a partir do aparente e da experiência pessoal com o objeto.
Respostas a Ficha 02c: Os dois são seres vivos (Rosa de Carvalho); Todos são
seres vivos (Rosa de Carvalho). É a questão de maior dificuldade, pois além das
diferenças, há oposição entre os significados (pescador e pescado). Porém, o
pensamento lógico-verbal, usado pelos alunos, ultrapassam o aparente e submete os
significados comuns (pescador e pescado) a uma categoria (seres vivos), atributo
comum entre pescador e pescado.
5- Considerações Finais
Como podemos ver, 55,8% das respostas foram dadas em base a Pensamento
por Complexos, a Pensamentos Sincréticos ou a Não Sei; e só 44, 2%, em base a
Pensamentos Conceituais ou Teóricos.
5- Referências Bibliográficas
19
Bozhóvich, L. (1987). Las etapas de formación de la personalidade en la ontogenesis. In
Davídov, V. & Shuare, M. (Orgs.). La Psicologia Evolutiva y Pedagógica en el URSS:
Antologia. Moscou: Editorial Progreso.
Luria, A. R. (1991). Curso geral de Psicologia Geral. Vol I. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.
Luria, A. R. (1994). Curso geral de Psicologia Geral. Vol IV (2º ed.). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.