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Edltm d. Unly.Eld.d. do g.g.tdo Cor.ç¡o


a noçao
de cultura nas
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Coordenação Editorlal
clenclas soclaß
Irmã Jacinta Turolo Garcia

Assessoria Admlnlstrattva
Irmã Teresa Ana Sofìatti

Assessorla Comercial
Irmã Áurea de Almeida Nascimento
Denys Cuche

Coordenação da Coleção Verbum


Lr.riz Eugênio Véscio

Tradução
Viviane Ribeiro
VERBUM

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t{uscil le ,{,rlrrRntn(lir e Ftnnlogie
tlr'i..'r.;r_;',,.¡r --.,.:lr (j;:,.. r-t;lUlO
Éì lllliLlt-ìri l.;'
In

cle cultu*l n;r$ ciências sc'ci¿ris

"O problema da cultura, ou ainda, das culturas,


passa por uma atualização, tanto no plano inte-
lectual, devidoà vitalidade do culturalisrno ame-
ricano, quanto no plano político. Na França, ao
menos, nunca se falou tanto de cultura quanto
hoje (com relação à mídia, à iuventude, aos imi-
grantes) e esta utilização da palavr4 por mais
sem controle que seja, constitrú por si mesma
um dado etnológico'"
MarcAUGÉ rlgggr.

A noção de cultura é inerente à reflexão


das ciências sociais. Ela é necessária, de certa
maneîa,para pensar a unidade da humanidade
na diversidade além dos termos biológicos. Ela
parece fornecer a resposta mais satisfat&ia à
questão da diferença entre os povos, Lrma vez
que a resposta "tacial" está cada vez mais desa-
creditada, à medida que há avanços da genêtica
das populações humanas.
O homem é essencialmente Lrm ser de cul-
tura. O lon¡¡o processo de hominização, come-
çadohâ mais ou menos quinze milhões de anos,

* As referências entre colchetes remetem à bibli.


ografia no final

à
consistiu fundamentalmente na passagem de gicas particulares como, por exemplo, a diferen-
nmaadaptação genética ao meio ambiente natu-
ça de sexo, não podem ser jamais observadas
ral a uma adaptaçlo cultural.Ao longo desta evo- "em estado bruto" (natural) pois, por assim di-
Itrção, que resulta no Honto saþiens søþiens,o zer, a cultura se apropria delas "imediatamente":
primeiro homem,houve uma formidável regres- a divisão sexual dos papéis e das tarefas nas so-
são dos instintos,"substituídos" progressivamen- ciedacles resulta fundamentalmente da cultura e
te pela cultura, isto é, por esta adaptação imagi- por isso vaúa de uma sociedtde para' otttra.'
n¿rda e controlada pelo homem qlte se revela Nada é prìramente natllral no homem.
muito mais funcional que a adaptaçio genética Mesmo as funções humanas que correspon-
por ser muito mais flexível, mais fácil e npida- dem a necessidades fisiológicas, como a fome'
mente transmissível. A cnltura permite ao o sono, o desejo sexttal, etc., são informados
homem não somente àdlptlr-se a seu meio, pela cultura:as sociedades não dão exatamen-
mas também adaptar este meio ao próprio ho- te as mesmas respostas a estas necessidades.l
mem, a suas necessidades e serìs projetos. Em
fortiorí,nos domínios em que não hâ constran-
slrma, a cultura torna possível a transformação gimento biológico, os comportamentos são
da natureza. orientados pela cultura. Por isso, a ordem; "Seja
Se todas as "populações" humanas pos- natnral", freqüentemente feita às crianças, em
suem a mesma carga genéticzr, elas se diferen- particulat nos meios burgueses, significa, na
ciam por suas escolhas culturais, cada uma in- realidade:.'Aja de acordo com o modelo da cul-
ventando soluções originais para os problemas tura que lhe foi transmitido".
que lhe são colocados. No entanto, estas cliferen- A noção cfe cultura, compreendicla em sett
ças não são irredutíveis umas às outras pois, sentido vasto, que remete aos moclos de vida e de
considerando a unidade genétíca da humanida- pensamento, é hoje bastante aceita, apesat dt
de, elirs representam aplicações cte princípios existência de certas ambigi-ridades. Esta aceitação
culturais universais, princípios suscetíyeis de nem sempre existiu. Desde seu aparecimento no
evoluções e até de transförmações. século X\4II, aidêia moderna de cultura suscitott
A noção de cultura se revela então o ins- constantemente clebates acirrados. Qualquer que
trumento adequado p'tra acabar com as explica- seja o sentido preciso qtle possa ter sido dado à
ções naturalizantes dos comportamentos htrma- palavra - e não faltaram clefinições de cultura -
nos. A natlrreza, no homem, é inteiramente in- sempre subsistiram desacordos sobre sua aplica-
terpretada pela cultura.Aþ dif'erenças que pocle-
ção a esta ou àquela realidade . O ttso cla noção cle
riam parecer mais ligada$ a propriedades bioló- cultura leva diretamente à ordem simbólica, ao

'tû r1
que se refere ao sentido, isto é, ao ponto sobre o ¡
Apresentaremos em sep¡uida a invenção
qual é mais dificil de entrar em acordo.
propriamente dita do conceito científico de cul-
As ciências sociais, apesar de seu desejo de
tura, implicando a pâssagem de uma definição
autonomia epistemológica, nunca foram comple-
normativa a uma definição descritiva. Contra-
t'¿mente independentes dos contextos intelec-
riamente à noção cle sociedade, mais ou menos
tuais e lingüísticos em qne elaboram seus esqrìe-
rival no mesmo campo semântico, a noção de
mas teóricos e conceituais. Esta ê a, razão pela
cultura se aplica unicamente ao que é humano.
qual o exame do conceito científico de cultura
E ela oferece a possibilidade de conceber a uni-
implica o estlrdo cle sua evolução histórica, di¡e-
clade do homem na diversidade cle seus modos
tamente ligada à gênese sþcial da idéia moderna
de vida e cle crença,enfatizando, de acordo com
de cultura. Esta gênese rdvela que, sob as diver-
os pesquisadores, a unidade ou a diversidade
gências semânticas sobre a justa definição a ser (capítulo II).
dada à palavra, dissimulam-se desacordos sociais Desde a introdução do conceito nas ciên-
e nacionais (capítulo D. A$lutas de defìnição são,
cias do homem, assiste-se a um notável desen-
em realidade, lutas sociaisl e o sentido a ser dado volvimento das pesquisas sobre a questão das
às palavras revelam questões sociais ftlndamen- variações culturais, particulamente nas ciên-
tais. Como escreveu Abdelmalek Sayacl:
cias sociais americanas por razões que não
acontecem por acaso e qlle são analisadas aqui.
Assim se pocle retraçar paralelamente à história
Pesquisas sobre sociedacles extremamente di-
da semântica, isto é, à gênese das diferentes sig-
versas ftzenm aparecer a coerência simbólica
nificações da noção cle cnlttua, a história social (jamais absoluta, no entanto) do conjunto das
destas significações: as mndanças semânticas, práticas (sociais, econômicas, políticas, religi-
aparentemente de natirreza purarnente simbóli-
osas, etc.)-de Lrmâ coletividade particular ou de
ca, correspondem ern realidade a mudanças de
um grupo de indivícluos (capítulo III).
uma olltra ordem. Correspondem a mudanças
O estudo atento do encontro das culturas
na estrlltltra das relações de força entre, de um
revela que este encontro se rcaliza segundo mo-
Iado, os gnrpos sociais no seio de nma mesma
dalidades muito variadas e leva a resultados ex-
sociedade e, de outro lado, as sociedades em re-
tfemâmente contrastados segundo as situações
lação de interação, isto é, mudanças nas posi-
de contato. As pesquisas sobre a "aculturação"
ções ocupadas pelos cliferentes parceiros inte- permitiram ultrap assar vârias icléias preconcebi-
ressados em definições diferentes de cultura
das sobre as propriedades da cultura e ltnovar
Í7987,p.251. proftindamente o conceito de cultura.A acultu-

Iå r3
râçao aparece não como um fenômeno ocasi- palavra "cultura" para impor uma leitura da reali-
onal, de efeitos devastadores, mas como Llma dade, que esconde freqäentemente uma tentati-
das modalidacles habituais da evoltrção cultural va de imposição simbólica. Seja no campo polí-
de cada sociedade (capítulo I\). tico orl reli¡¡ioso, na empresa ou em relação aos
O encontro das culturas não se produz so- imigrantes, a cultura não se decreta; ela não
mente entre sociedacles globais, mas também pode ser manipulada como um instmmento vul-
entre grupos sociais pertencentes a uma mesma gar, pois ela está relacionada a processos extre-
sociedade complexa. Como estes grupos são mamente complexos e, na maior parte das ve-
hierarquizados entre si, percebe-se que as hi-
zes, inconscientes (capítulo VIf;.
erarquias sociais determinam as hierarquias cul-
Não seria possível,no contexto desta obra,
turais, o que não significa que a cultura do
apresentar todos os nsos que foram feitos da no-
grupo dominante determine o caráter das cultu-
ção de cultura nas ciências humanas e sociais.A
ras dos grupos socialmente dominados. As cul-
sociologia e a antropologia foram então privile-
turas das classes populares não são clesprovidas giadas mas, olrtras disciplinas recorrem também
de autonomia nem de capacidade de resistência
ao conceito de cultura:a psicologia e sobretuclo
(capítuloþ. a psicologia social, a psicanálise, a lingùiística, a
A def'esa da autonomia cultural é muito li- história, a economia, etc.Além das ciências so-
gada à preservação da identidacle coletiva. "Cul-
ciais, a noção é igualmente utilizacla., em particu-
tura" e "identidade" são conceitos que remetem
lar pelos filósofos. Por não pocler ser exallstivo,
a uma mesma realidade, vista por dois ângulos pareceu-me legítimo concentrar o estudo sobre
diferentes. Uma concepção essencialista da Lrm certo nírmero de aquisições fundamentais
identidade não resiste mais a um exame do que da análise cultural.
Lìma concepção essencialista da cultura.A iden-
tidade cultural de um grupo só pode ser com-
preendida ao se estudar sltas relações com os
grupos vizinhos (capítulo \fI).
A análise cultural coltserva, atualmente,
toda a sua pertinência e se revela sempre aptà a
dar conta das lógicas simbólicas em jogo no
mundo contemporâneo, desde que não se negli-
6¡enciem os ensinamentos das ciências sociais.
Não basta tomar emprestado destas ciências a

14 xs
1 Gênese Social da da
ldéia de Cultura

história e, cefia
as palavras fizema Se
para todas as ê parti-
cularmente vedficável no caso do "cttlttt-
fa" .O "peso das palavras",patl fetomar e)(-
pressão da mídia, é grandemente
por esta relação com a história, a que as
fez e a história para. a qual elas
As palavras aparecem para aù-
gumas interrogações, a certos que se
colocam em períodos históricos
e em contextos sociais e políticos
Nomear é ao mesmo tempo coloca¡ o
e, de certa maneira, iá resolvê'lo.
A invenção da noção de cultura em sl
mesma reveladora de um aspecto
da cultura no seio da qual pôde ser esta in-
venção e çlue chamaremos, por falta um tef-
mo mais adequado, a cultura ocidental.
mente, é significativo que a palavta" "nã;o
tenha equivalente na maior parte línguas
orais das sociedades que os etnólogos
habitualmente. Isto não implica,
(ainda que esta evidência não seia
te compartilhada!) que estas não te-
nham.cultura, mas que elas não se a.

¡
l7
questão de saber se têm ou não uma cultura e - que permitirá em seguida a invenção do con-
ainda menos de definir sua própria cultrlra. ceito - se produziu na língua fïancesa do século
Por esta tazâo, se quisermos compreender das Luzes, antes de se difundir por empréstimo
o sentido atual do conceito de cultura e seu uso lingtïístico em outras línguas vizinhas (inglês,
nas ciências sociais, é indispensável que se re- alemão).
constitua sua gênese social, sua genealogia. Isto Se o século XWII pode ser considerado
é, trata-se de examinar como foi formada a pala- como o período de formação do sentido moder-
vra, e em seguida, o conceito científico que dela no da palavta, em 1700, no entanto,"cttlfiJta" jâ
depende, logo, localizar sua ori¡¡em e sua evolu- é uma palavn antiga no vocabulârio francês.
Vinda do latim cultura que significa o cuidado
ção semântica. Não se tr¿ta de se entregar aqui a
uma análise lingäística, mas cle evidenciar os la- dispensado ao campo olr ao gado, ela aparece
nos fins do século XIII para designar uma parce-
ços que existem entre a hístória da palavra "cul-
tu¡a" e a história das idéias.A evolução de uma la de terra cultivada (sobre este ponto e os se-
palavra deve-se, de fato, a in(rmeros fatores que gtúntes, ver Bénéto n, 1797 51).
não são todos de ordem lingtiística. Sua herança No começo do século X\lI, ela não signifi-
semântica cria uma certa depenclência em rela- ca mais um estado (da coisa cultivada),mas Lrma
ação, ou seja o fato de cultivat a terra. Somente
ção ao passado nos seus usos contemporâneos.
Do ítinerário da palavra "cultnra" tomare- no meio do século XVI se forma o sentido figu-
mos apenas os aspectos que esclareçam a for- rado e "cultura" pode designar então a cultura
mação do conceito tal como é utilizado nas de uma faculdade, isto é, o fato de trabalhar paru
ciências sociais. A, palavta foi, e continuâ a ser, desenvolvê-la. Mas este sentido figurado será
aplicada a realidades tão diversas (cultura da ter- pouco conhecido até a, metîde do século XVII,
ra, cultura microbiana, cultura física...) e com obtendo pouco reconhecimento acadêmico e
tantos sentidos diferentes que é quase impossi não figurando na maior parte dos clicionários
vel retraçar aqui sua história completa. da época.
Até o século XVIII, a evolução do conte-
Ër'oh¡cät: cl;r ¡xll:tvtvr rxir Iîrìguâ fì:iulcr$a írdo semântico da pilavn se deve principalmen-
cla trdacle lr'tódi¿ a<¡ XiX te ao movimento natural da língua e não ao mo-
vimento das idéias, que procede, por um lado
É tegítimo analisarmos particularmente o pela metonímia (da cultura como estado à cul-
exemplo francês clo uso db "cultura", pois pare- tura como açio), por outro lado pela metáfora
ce que a evolução semântica decisiva dapalavra (da cultura da tena à cultura do espírito), imi-

1g r9
tando nisso seu modelo latino cultura, consa- que concebem a cultura como um caráter distin-
grado pelo latim clássico rio senticlo figurado. tivo da espécie humana.A ctrltura, para eles, é a
O termo "cultura" nd senticlo figuraclo co- soma dos saberes acumulados e transmitidos
meça â se impor no século XVI[. Ele faz sua en- pela humanídade, considenda como totalidade,
tracla com este senticlo no l)ícionário daAcade- ao longo de sua história.
mia Francesa (ediç';ao de f 718) e é então quase No século XVl[,"cultura" é sempfe empre-
sempre seguido de um coþplemento:f¿la-se da gada no singular, o que reflete o universalismo e
"cultura das artes", da "cultiLlra das letfas", da "cul- o humanismo dos fìlósofos: a cultura é própria
tura das ciências", como sF fosse preciso que a do Homem (com maiúscula), além de toda dis-
coisa cultivada estivesse e4plicitada. tinção de povos ou de classes. "Cultura"se ins-
A palavra faz parte do vocabulfuio da lin- creve então plenamente na ideologia do Ilumi-
gua do lluminismo, sem ser, no entanto, muito nismo: a palavra é associada às idéias de progres-
utihzada pelos filósofos.A Enciclopédia, que re- so, de evolução, de educação ,de razáo que estão
serva um longo artigo para a "cultura das terras", no centro do pensamento da êpoca. Se o movi-
não dedica nenhum atrigo específico ao sentido mento iluminista nasceu na Inglaterra, ele en-
figtrrado de "cultLtra". Entretanto, ela não o igno- controu sua língua e seu vocabulário na França;
ra, pois o utiliza em outros artigos ("Eclucação", ele terá uma grande repercussão em toda a Eu-
" Espífito", "Letfas", " Filosofi a", " Ciências ") . ropa Ocidental, sobretudo nas grandes metró-
Progressivamente, "cultufa" se libera de poles como Amsterdam, Bedim, Milão, Madri,
seus complementos e acaba por ser empregada Lisboa e até São Petersburgo.A idéia de cultura
só, para designar a "formação", a "educação"do participa do otimismo do momento, baseado na
espírito. Depois, em um movimento inverso ao confiança no futuro perfeito do ser humano. O
observado anteriormente, passa-se de "cultura" progresso.nasce da instrução, isto é, da cultura,
como ação (ação de instruir) a"cultura'como es- ceda vez mais abrangente.
taclo (estado do espírito cultivado pela instru- "Ctrltura" está então muito próxima de
ção, estado do indivíduo "que tem cultura"). Este uma palavra que vai ter Lrm grande sucesso (até
uso é consagrado, no fim do século, pelo Dici- maior que o de "cultura') no vocabulário fran-
onário daAcademia (edição de 1798) que estig- cês do século XVIII:"civilização".As duas pala-
matiza "um espírito natural e sem cultura", subli- vfas peftencem ao mesmo campo semântico,re-
nhando com esta expressão a oposição concei- fletem os mesmas concepções fundamentais.Às
tual entre "n tLrfezl" e "cultufa". Esta oposição é vezes associadas, elas não são, no entanto, equi-
ftindamental pan os pensadores do Iluminismo valentes. "Cultura" evoca principalmente os pro

å0 21
gressos individuais, " civilizaçío", os progtessos "Civihzaçio"ê tã.o ligada a esta concepção pro-
coletivos. Como sua homóloga "cultura" e pelas gressista da história que os que se mostram cé-
mesmas razões,"civilizaçã.o" é um conceito uni- ticos com rtlaçã.o a ela, como Rousseau ou
tâtio e só é usado então no singular. Ela se libe- Voltaire, evitaiâo tttilizx este termo por serem
ra rapidamente, iunto aos filósofos reformistas, minoritários e não estarem em condições de im-
de seu sentido original recente (a palavra aptre- por uma outra concepção mais relativista.
ce somente no século XVIID, que designa o afi- O uso de "cultura"e de "civilizaçio"no sê-
namento dos costumes, e significa para eles o culo XVIII marca então o aparecimento de uma
processo qlle arranca a humanidade da ignorân- nova concepção dessac nfizada da história.A fito-
cia e da irracionalidade . Preconizando esta nova sofia (da história) se libera da teologia (da histó-
acepção de "civilização", os pensadores burgue- ria). As idéias otimistas de progresso, inscritas
ses reformadores, utilizando-se de sua influência nas noções de "clrltura" e "civilização" podem ser
política, impõem seu conceito de governo da consideradas como uma forma de sucedâneo de
sociedade que, segundo eles, deve se apoiar na esperança religiosa.A partir de então, o homem
razáo e nos conhecimentos. está colocado no centro da reflexão e no centro
lr civilização é então definida como Lrm do universo. Aparece a idêia da possibilidade de
i
l processo de melhoria das instituições, da legis uma "ciência do homem"; a expressão é empre-
lação,da educação.A civilização é um movimen- gadapela primeira vez por Diderot em 1755 (no
to longe de estar acabado, que é preciso apoiar artigo "Enciclopédia" da Encyclopédie). E, em
e que afeta a socidade como um todo, começan- 7787,Nexandre de Chavannes cria o termo "et-
do pelo Estado, que deve se liberar de tuclo o nologia", que ele define como a disciplina que
que é ainda iracional em seu flincionamento. estuda a "história dos progressos dos povos em
Finalmente, a civihzação pode e deve se esten- direção à sivihzaçáo".
der a todos os povos que compõem a humani-
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() clcbafc fr¿¡ncr:-alem?to sehrc ¿t cultur¿t
dade. Se alguns povos estão mais avançados que
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outros neste movimento, se alguns (a França ort ä arttít$$t: "c:rtltutr'it" - "civitrie;tçã<:"
particularmente) estão tão avançaclos que iâ po- (s{rcul<i ,\l.X - inícir.r ch:r sécui* ,KK)
dem ser considerados como "civilizados", toclos
os povos, mesmo os mais "selvagens", têm voca- Kultur no sentido figurado aparece ¡tlin'
çã.o para entrar no mesmo movimento de civili- gra tlemi no século XVIII e parece ser a trans-
zaçio, e os mais avançados têm o dever de aiu- posição exata da palavra francesa. O prestígio
dar os mais atrasados a diminuir esta defasagem. da língua francesa - o uso do francês ê entio a

22 23
abandonar as artes e a literatura e consagfar a
marca distintiva das classes superiores na Ale-
maior parte de seu tempo ao cerimonial da cor-
manha - e a influência do pensamento lluminis-
te, preocupados demais em imitar as maneiras
ta são muito grandes na êpoca e explicam este
"civilizadas" da corte francesa. Duas palavras
empréstimo linguístico.
vão lhes permitir definir esta oposição dos dois
No entanto, Kt'tltur vai evoluir muito rapi-
sistemas de valores: tudo o que é autêntico e
damente em um sentido mais restritivo qtre sua
que contribui para o enriquecimento intelec-
homóloga francesa e vai obter, desde a segunda
tual e espiritual será considerado como vindo
metade do século XVIII, Lrm slrcesso de púrblico
da cultura; ao contrârio, o que é somente apa-
que "cultura" não teria ainda, jâ, que "civilização"
rência brilhante, leviandade, refìnamento super-
era a preferida no vocabulário dos pensadores
fîcial, pertence à civlkzaçio.A cultura se opõe
franceses. Conforme explica Norbert Elias
então à civihzaçâo como a proftrndidade se
179391, este sllcesso é devido à adoção clo ter-
opõe à superficialidade. Para íntelligentsia
mo pela burguesia intelectual alemã e ao Lrso ^
burguesa alemã., a nobteza da corte, se ela é ci-
qtre ela faz dele na sua oposição à aristocracia
vihzada,tem singularmente uma gfande fúta de
da corte. De fato, contrariamente à situação fran-
cultura. Como o povo simples também não tem
cesa, burguesia e arístocracia não têm laços es
esta ctrlttrra,aintelligentsia se considera de cer-
treitos na Alemanha.A nobreza ê relativamente
ta maneira investida da missão de desenvolver e
isolada em relação às classes médias, as cortes
fazet ftradiar a cultura alemá.
principescas são muito fechadas, a burpçuesia é
Por esta tomada de consciêficia, t ênfase
afastrda,em certa medida, da qualquer ação po-
da antítese "clrlturan - "ciítlizaçã.o" se desloca
lítica, Esta distância social alimenta um certo
pouco a pouco da oposição social para a oposi-
ressentimento, sobretudo entre muitos intelec-
tuais que, na segunda metade clo século, vão ção nacioSral lElias, 1939] .Diversos fatos con-
vergentes vão permitir este deslocamento. De
opor os valores chamados "espirituais", bL-
um lado, reforça-se a convicção dos laços estrei-
seados na ciência, na arte, na filosofia e também
tos que unem os costlrmes civilizados das cor-
na religião, aos valores "corteses" da aristocracia.
tes alemãs à vida de corte francesa, e isto será
A seus olhos, somente os primeiros são valores
denunciado como uma forma de alienação. Por
autênticos, proftindos; os outros são superficiais
e desprovidos de sinceridade.
outro lado, aparece ctdavez mais a vontade de
Estes intelectuais, freqäentemente saídos
reabilitar a língua alemi (a vanguarda intelec-
do meio universitário, criticam os príncipes que tual se expressa somente nesta língua) e de de- t
governam os diferentes Estados alemães, por finir, no domínio do espírito, o que é especifica-

a4 26
mente alemão. Como a unidade nacional alemi
certez\ ela ê a. expressão de uma consciência
nacional que se questiona sobre o caráter espe-
n ão estava ainda rcalizada e não p are cia p o s sível
cífico do povo alemâo que não conseguiu ainda
então no plano político, a intelligentsia que
sua unificação política. Diante do poder dos Es-
tem uma idêiacadavezmais forte de"missão na-
tados vizinhos, a França e a Inglaterra em parti-
cional", vai procurar esta unidade no plano da
cultura. cular, a "nação"alemã, enfraquecida pelas divi-
sões políticas, esfacelada em múltiplos principa-
A ascensão progressiva desta camada so-
dos, procura afirmar sua existência glorificando
cial anteriormente sem influência que conse-
guiu fazer-se reconhecer como potta-voz da sua cultura.
consciência nacional alemã transforma então os Esta é a razio pela qual a noção alemã de
dados e a escala do problema da antítese "cultu- Kultur vai tender, cadt vez mais, a partir do sé-
ra" - "civilizaçáo" . Na Alemanha, às vésperas da ctrlo XD(, pÃta a delimitação e a consolidação
Revolução Francesa, o termo "civilização" perde das diferenças nacionais.Trata-se então de uma
sua conotação aristocrática alemã e pâssa a evo- noção particularista que se opõe à noção fran-
car a França e, de uma maneira geral, as potên- cesa universalista de "civilização", que ê a ex- I
cias ocidentais. Da mesma maneirâ, a "cultura", pressão de uma nação cuja unidade nacional
de marca distintiva da burguesia intelectual ale- aparece como conquistada há muito tempo.
mã no século XWII, vai ser convertida, no sécu- Jâ em l774,mas de maneira ainda dativa-
lo XD(, em marca distintiva da nação alemã intei- mente isolada,Johann Gottfried Herder, em um
ra. Os traços característicos da classe intelec- texto polêmico fundamental, em nome do "gê-
tual, que manifestavam sua culturzr, como a sin- nio nacional" de cada povo (Volksgeist),tomava
ceridade, a profundidîde, a espiritualidade, vão paftido pela diversidade de culturas, riqueza da
ser a partir de então considerados como especi- humanidade e contra o universalismo uniformi-
fìcamente alemães. zante do lluminismo, que ele considerava empo-
Atrás desta evolução se esconcle, segunclo brecedor, Diante do que ele via como um impe-
Elias, um mesmo mecanismo psicológico ligado rialismo intelectual da filosofia francesa do lltt-
a um sentimento de inferioridacle.A idéia alemã minismo, Herder pretendia devolver a cada
de cultura é criada pela ctasse média que cluvi- povo seu orgulho, começando pelo povo ale-
da dela mesma, que se serite mais ou menos ali- máo. Pata Herder, na rcalidade, cada povo, atra-
jada do poder e das honras e que procura para vés de sua cultura própria, tem um destino espe-
si uma outra forma de legidimidade social. Esten- cífico a tealizar.Pois cada cultura exprime à sua
dida à "rraçã:o" alemã.,eta phrticipa da mesma in- maneira um aspecto da humanidade. Sua con-

26 27
Estas conquistas do espírito não devem ser
cepção de cultura caracteriztda pela desconti-
nuidade, que não excluía, po entanto, uma pos- con-frrndidas com as realizações técnicas, ligadas
sível comunicação entre os povos, era baseada ao progresso industrial e emanadas de um raci-
em (Jmø outra filosofia äa bístóría (título cle onalismo sem alma. De maneira cadt vez mais
marcada ao longo do século XD(, os autores ro-
seu livro de 1774), diferente da filosofia do llu-
minismo. Por isso, Herder pode ser considerado,
mânticos alemães opõem a cultura, expressão
com justiçzr, precufsor do
da alma proftinda de um povo, à civilização de-
relativista de
"cultura":"Foi Herder nos abriu os olhos finida a partk de então pelo progresso material
tigado ao desenvolvimento econômico e técni-
sobre as culturas" ,1986,p.7341
Depois cla derrota na batalha de Iena, em co. Esta idéia essencialista e particularista da
1806, e ã ocupação das tJopas de Napoleão, a
cultura está em perfeita adequação com o con-
ceito étnico-racial de nação - comunidade de in-
consciência alemã, vai conhecer Llma renovação
divíduos de mesma origem - que se desenvolve
do nacionalismo que se expressari attavés d,e
uma acentuação da interpretação particularista no mesmo momento naAlemanha e que servirá
da cultura alemã. O esforço para definir o"carâ-
de ftindamento à constituição do Estado-naçlo
ter alemão"se intensifica. Não é somente a origi- alemio [Dumont, l99l].
Na França, a evolução da palavra no sécu-
nalidade, na singularidade absoluta, da cultura
alemã qtre é afrrmada, mas também sua supe- lo XD( é um pouco diferente. Um certo interes"
rioridade. Desta afirmação, certos ideólogos se nos círculos cultos pela fìlosofia e as letras
concluem que existe uma missão específica do alemãs, em pleno desenvolvimento contribuiu
povo alemão com relação à humanídade, talvez pan arnpliar a acepção da palavn france-
sa. "Cultura" se enriqueceu com uma dimensão
A idéia alemã de cultura evolui então pon-
co no século XD( sob a influência do nacionalis- coletiva e não se referia mais somente ao desen-
mo. Ela se liga cadavez mais ao conceito cle "nâ-
volvimento intelectual do indivíduo. Passou a
designar também um conjunto de caractefes
ção".4 cultura vem da alma, do gênio de um
povo.A nação cultural prececle e chama a naçâo próprios de uma comunidade, mas em um sen-
política. A cultura aparece como um conjunto tido geralmente vasto e impreciso. Encontra-se
de conquistas artísticas, intelectuais e morais expressões como "culttrra francesa" (ou alemã)
que constituem o patrimônio de uma nação, ou "cultufa da humanidade". "Ctrltura" está mui-
considerado como adquirido definitivamente e to próxima da pahvra "civilização" e às vezes é
fundador de sua unidade. substituível por ela.

å8 ä$
O conceito francês continua marcado pela franceses replicam pretendendo ser os cam-
idéia de unidade do gênero humano. Entre os peões da civilização. Isto explica o relativo de-
séculos XVIII e XIX na França, hâ a continuida- clínio, no início do século )O(, na França, do uso
de do pensamento universalista. A cultura, no de "cultura'na sua acepção coletiva, pois a ide-
sentido coletivo, é antes de tudo a "cultura da ologia nacionalista francesa deveria se diferen-
htrmanidade". Apesar da influência alemi, a ciar claramente, até em seu vocabulário, de stra
idéia de unidade suplanta a consciência da di- ñval alemã- No entanto, o conflito das palavras
versidade:além das diferenças qlle se pode ob- se prolongarâ atê. depois do fim do conflito das
servaf entre "cultuta aleml" e "cnltura francesa", armas, revelando uma oposição ideológica pro-
há a unidade da "cultura humana". Em uma céle- funda que não se pode reduzir a Lrma simples
bre conferência pronunciada na Sorbonne em propaganda de guerra.
1882, O que é uma naçãol, Ernest Renan afir- O debate franco-alemão do século XVII
mava sua convicção: "Antes da cultura francesa, ao século XX é arquetípico das duas concep-
da cultura alemã, da cultura italiana,existe a cul- ções de cultura, uma particularista, a outra uni-
tura humana." versalista, que estão na base das duas maneiras
Os particularismos culturais são minimiza- de definir o conceito de cultura nas ciências so
dos. Os intelectuais não admitem a concepção ciais contemporâneas.
de uma cultura nacional antes de tudo, assim
como recusam a oposição feita pelos alemães
entre "ctrltura" e" civilizaçã;o" .A idéia universalis.
ta francesa da cultura acompanha a concepção
eletiva de nação, surgida na Revolução: perten-
cem à nação francesa, exphcatâ Renan, todos os
que se reconhecem nela, quaisquer que sejam
suas origens.
No século )O! a rivalidade dos nacionalis-
mos francês e alemão e seu enfrentamento bru-
tal na guerra de 191,4-1918 vão exacerbar o de-
bate ideológico entre as duas concepções de
cultura. As palawas tornam-se slogans utilizados
como armas.Aos alemães, que dizem defender a
cultura (no sentido em que eles a entendem), os

30 31
2 ACientífico
Invenção do
de

XD(, a adoção um
na reflexão sobre ho-
sociedade resulta na criação da socl-
ologia e da etnologia como disciplinas
cas.A etnologia, por sua vez,vai tefltar uma
resposta obietiva à velha questão da
humana. Como pensar a especi.ficidade
na diversidade dos povos e dos " ro-
dos os fundadores da etnologia científica
lham trm mesmo postulado: o postulado unL
dade do homem, herança da filosofia do
nismo. Para eles, a dificuldade será então
a diversidade na unidade.
Mas com a questão colocada desta
ra, eles não podem se contentaf com feS.
posta biológica. Se eles reivindicam nova
ciência, ê pãmdar uma outra explicaçio à
sidade humana, diferente da existência r-
ças" diferentes. Dois caminhos vão ser
dos simtiltâneâ e concorrentemente etnó-
logos:o que privilegia a unidade e a.di-
versidade, reduzindo a rüna diversidade
¡
{afia", segundo um esquema eo
outro caminho que, ao contráfio, dá a im-
portância à diversidade, preocupandose de-

33
monstrar que ela não é contraditória com a uni- (as culturas), em tlma acepção universalista ott
dade ftlndamental da humanidade. pafticularista.
Um conceito vai emergir como instmmen-
to privilegiado para pensar este problema e ex- 'l'.r,1<¡l' c ír c'ollile:p(:äo Ilrlive:fti;åli$tít
plorar as diferentes respostas possíveis: o con- ela cult*ra
ceito de "cultur¿".A palavn está em voga, mas é
trtilizada, na maior parte dos casos, t"nto î
A primeira definição etnológica de cultu-
França quanto na Alemanha, com um sentido
ra é devida ao antropólogo britânico Edward
normativo. Os ftindaclores da etnologia vão lhe
BtrrnettTylor (1,832 - 7917):
dar um conteúrdo plrramente descritivo. Não se
tÍzta., pafa eles, assim como para os filósofos, de
Cultura e ciuílização, tomadas em seu sentido
dizer o que deve ser a cultura, mas de descrever
etnológico mais vasto,são um coniunto comple-
o que ela é, tal como aparece nas sociedades xo que inclui o conhecimento, fls crenças, a
humanas.
arte, a mofal, o direito, os costumes e as olrtfas
No entanto, a etnologia iniciante não esca-
capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem
pará completamente às ambigi-ridades e não se
enquanto membro cla sociedacle [1871, p. 1].
livratrâ facilmente de julgarnentos de valor ou de
implicações ideológicas. Mas por se tratar de
Esta definiçáo,clara e simples,exige,no en-
uma disciplina que comdçava a se constituir e
tanto, alguns comentários. Pode-se ver que ela
por isso mesmo não pocTeria exercer uma in- pretende ser pttramente descritiva e objetiva e
fluência determinante no campo intelectual da não normativa. Por outto lado, ela rompe com as
época, permitiu que unìa reflexão sobre a ques-
defînições restritivas e indiviclualistas cle cultu-
tã.o da cultura escapasse, em parte, à problemá-
n:panTyior, a cultura é a expressão da totalida-
tica do <lebate passional {ue opunha "ctrltura" e
de da vida social do homem. Ela se caractetiza
"civilizaç7ao" e conservou Lrma relativa autono-
por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura é ad-
mia epistemológica. quirida e não depende da hereditariedade bioló-
A introdução do conceito de cultura se
gica. No entanto, se a cultura é adquirida, sua
fará com desigual slrcesso nos diferentes países
origem e seu caráter são, em grande parte, in-
onde nasce a etnologia. Por outro lado, não ha- conscientes.
verá entendimento entre as diferentes "escolas" SeTylor é o primeiro a propor uma defini-
sobre a questão cle saber se é preciso utilizar o
ção conceitual de culnrra, ele não foi exatamen-
conceito no singular (a Cultura) ou no plural te o primeiro a utilizar o termo em etnologia.

s4 3ffi
Ele mesmo, no nso que faz desta palavra, foi in- rentes: segundo ele, em condições idênticas, o
fluenciado diretamente por etnólogos alemães espírito humano operava em toda a parte de
que lera e, sobretudo por Gustave Klemm que, maneira semelhante. Herdeiro do lluminismo,
de acordo com a tradição romântica germânica, ele aderiu igualmente à concepção universalista
utilizava Kultur com um sentido objetivo, prin- da cultura dos filósofos do século XVIII.
cipalmente por se referir à cultura material. Ele tentava conciliar em uma mesma expli-
Para Tylor, a hesitaçdo entre "cnltura" e "ci- caçáo a evolução da cultura e sua universalida-
vllizaçáo" é característica do contexto da época. de . Em seu livro Cultura Prim.itiua,lançado em
Se ele privilegia finahnentL "cnltnra", é por com- 1871 e logo em seguida traduzido em francês
preender que "civilizaçã.o", mesmo se tomada (em 1876), obra considerada como o momento
em Ltm sentido plrramente descritivo, perde seu em qlre é fundada a etnologia enquânto ciência
carâter de conceito operatório desde o momen- autônoma,Tylor examina as "origens da cultura"
to em que é aplicaclo às sociedacles "primitivas". (título do primeiro tomo) e os mecanismos de
A etimologia da palavra civihzaç1o remete à sua evolução. Ele foi o primeiro etnólogo a abor-
constituição das cidades e o senticlo que a pala- dar efetivamente os fatos culturais sob uma óti-
vra tomoLr nas ciências históricas designa prin- ca geral e sistemática. Ele foi também o primei-
cipalmente as realizaçóes materiais, pouco de- ro a se dedicar ao estudo da cultura em todos os
senvolvidas nessas sociedades. "Cnltura", para tipos cle sociedade e sob todos os aspectDs, ma-
Tylor, nâ nova definição dada, tem a vantagem teriais, simbólicos e até corporais'
de ser uma palavra neutra que permite pensar Após um temporada passada no México,
tocla a humanidade e romper com uma certa Tylor elaborou seu método de estudos da evolu-
abordagem dos "primitivos" que os transforma- çáo da cultura pelo exame das "sobrevivências"
va em seres à parte. culturais. No México, ele pudera observar a coe-
Não é surpreendente que a invenção do xistência de costumes ancestrais e traços cttlttt-
conceito deva-se a Edward Tylor, livre pensado¡ rais recentes. Pelo estudo das "sobrevivências",
para quem sua condição minoritária de quaker ele pensava que deveria ser possível retornar ao
fe chara as portas da universidade inglesa. Ele ti- coniunto cttltural original e reconstitttí-lo- Gene-
nha fé na capacidade do homem de progredir e talizando este princípio metodológico, chegou
partilhava dos postulados evolucionistas de seu à conclusão de que a cultura dos povos primiti-
tempo. Ele não dtlidava tampouco da unidade vos contemporâneos representava globalmente
psíquica da humanidade, que explicava as simi- a cultura original da humanidade: ela era uma
litudes observadas em sociedades muito dife- sobrevivência das primeiras fases da evolução

36 &7
cultural, fase s pelas quais a criltura dos povos ci- cle cnltural, rara na sua época.Além do mais, sua
vilizados teria passado necessariamente. concepção do evolttcionismo náo eta nada' úgi-
O método de exame das sobrevivências le- da: ele não estava totalmente persuadido que
vava logicamente à adoção do método compara- houvesse um paralelismo al¡soluto na evolução
tivo que Tylor introduziu então na etnologia. cultural das diferentes sociedades. Por isso, ele
Para ele, o estudo das culturas singulares não considerava também, em certos casos' a hipóte-
poderia ser feito sem a comparação entre elas, se diftisionista.I-Ima simples similitude entre tra-
pois estavam ligadas umas às otrtras em um mo- ços culnrrais de duas culturas diferentes ¡áo era
vimento de progresso cultural. Pelo método suficiente, segundo ele, para provar que elas es-
comparativo, ele tinha como objetivo estabele- tivessem situadas no mesmo nível da escala de
cer ao menos uma escala grosseira dos estágios desenvolvimento cttltttral: poderia ter havido
da evoltrção da cultura. Tylor desejava provat uma diftrsão de uma em direção à outra. De ttma
^
continuidade entre a cultura primitiva e a cultu- maneira geral, fiel a seu desejo de objetividade
ra mais avançada. Contra os que estabeleciam científica, ele se mostravâ prudente em suas in-
uma ruptura entre o homem selvagem e pagáo terpretações.
e o homem civilizado e monoteísta, ele se esfor- Devido a sua obra e stlas preocupações me-
ç va para demonstrar o elo essencial que os todológicas, Edward Tylor é consiclerado, com
unia e a inevitável caminhada do selvagem em justiça, o ftindador da antropologia britânica. É
direção ao civilizado. Entre primitivos e civihza- aliâ.s a ele que se deve o reconhecimento desta
dos, não há uma diferença de natureza mas sim- ciência como disciptina universitária: ele se tor-
plesmente de grau de avanço no caminho da naria em TSS3,naUniversidade de Oxford, o pri-
cultura. Tylor combateu com ardot a teoria da meiro titular de uma câtedra de antropologiana
degenerescência dos primitivos, inspirada por Grã Bretanha.
teólogos que não pocliam imaginar que Deus ti-
vesse criado seres tão "selvagens", teoria que þranz [$o¿ts c ä cûncepÇitt: p:.t.r:ricurlarista
permitia não reconhecer nos primitivos, seres cle cultunl
humanos come os olrtros. Para ele, ao contrário,
todos os humanos eram totalmente seres de cul- Se Tytor é o "inventor" do conceito científi-
tufa, e a contribuição de cacla povo para o pro- co de cultttra, Boas será o primeiro antropólogo
gresso era digna de estima. afazet pesqtúsas ín situ para observação direta
Pocle-se perceber que o evolucionismo de e prolongada das culturas primitivas. Neste sen-
Tylor não excltría um certo sentido da relativida- tido, é ele o inventor da etnografia.

38 ßg
Franz Boas (1858 - 1942> era oriundo de
ção de "raça". Em um estudo de grande reper-
uma família judia alemã de espírito liberal. Sen- cussão, feito sobre uma população de imippan-
sível à questão do racismo, ele mesmo fora víti- tes chegados aos Estados Unidos entre 1908 e
ma do anti-semitismo de alguns de seus colegas 1910 (no total 17 821 pessoas), demonstroll, re-
de universidade. Estudon em cliversas universi- correndo ao método estatístico, a extrema rapi-
dades daAlemanha, primeiramente cursando -ff- dez (o espaço cle tlma geruçáo apenas) da' varia- -
sica, depois matemática e finalmente geografia
ção dos traços morfológicos (em particular a
(fisica e humana). Esta írltima disciplina o levou
forma do crânio) sob a pressão de um ambiente
à antropologia. Em 1883 - 1884, ele participou novo. Segundo ele, o conceito pseudocientífico
de uma expedição entre aos Esquimós da terra de "raça humana", concebida como um conjun-
cle Baffìn. Ele partiu como geôgçafo, com pre- to permanente de traços fisicos específicos de
ocupações de geógrafo (estuclar o efeito do um grupo humano, não resiste a um exame rigo
meio físico sobre a sociedade esquimó) e perce- roso.As pretensas "taças" não são estáveis, não
beu que a organização social era determinada hâ cancteres raciais imutáveis. É então impossí-
mais pela cultura do que pelo ambiente fisico. vel definir Ltma "raça" com precisão, mesmo re-
Retornou àAlemanha clecidido a se consagrar, a correndo ao chamado método das médias.À ca-
partir de então, principalmente à antropologia. racterística dos grupos humanos no plano fisico
Em 1886, Boas partiu novamente parl a é a sua plasticidade, sua instabilidade, sua mesti-
América do Norte, desta vez pata realizar pes-
çagem. Per. suas conclusões, ele antecipaYa LS
quisas etnográficas de campo sobre os Índios da descobertas posteriores da genética das popula-
costa noroeste, na Colírmbia Britânica. De 1886
ções humanas.
a 1889, passou longas temporadas entre os Por outro lado, Boas também se dedicou a
Kwakiutl, os Chinook e os Tsimshian. Em 1887, mostrar o absurdo da idêia de uma ligação entre
clecidiu estabelecer-se nos Estados Unidos e tfaços fisicos e traços mentais, dominante na
adotar a nacionalidade americana. êpoca e implícita na noção de"Íaça" .Para ele, eta
Toda a obra de Boas é uma tentativa de evidente que os dois aspectos dependiam de
pensar a diferença. Para ele, a diferença ñlnda- análises completamente diferentes. E, precisa- à
mental entre os grupos humanos é cle ordem mente por se opor a esta idéia, ele adotott o con-
cultural e não racial. Formado em antropologia ceito de cultura que lhe parecia o mais apropria-
fisica, manifestou um certo interesse por esta do para dar conta da diversidade humane'-Pata
clisciplina, mas dedicou-se a desmontar o que ele, não há diferença de "natureza" (biológica)
constituía, na época, sua conceito central: a no entfe primitivos e civilizados, somente diferen-

4.t) 41
ças de cultura, adquiridas e logo, não inatas. É rigor científico, ele recusava qualqtrer generali-
ro que para Boas, contrariamente à idéia de
zaçio que não pttdesse ser demonstrada empi-
tos, o conceito de cultura não ftinciona
ricamente. Cético, mais analista do que teórico,
um eufemismo do conceito de .,raça',, pois
ele nunca teve a ambição de ftindar uma esco-
o construiu precisamente pafa opor-se a la de pensamento.
idéia. EIe foi um dos primeiros cientistas
Pelo contrário, ele ficarâ na história daan-
a abandonar o conceito de*raça,, na
tropologia como ftindador do método indutivo
dos comportamentos hum:rnos.
e intensivo de campo. Boas concebia a etnolo
Ao contrário cle Tylor, de quem ele
gia como uma ciência de observação direta:se-
no entanto tomado a definição de cultura,
gundo ele, no estudo de uma cultura particular,
tinha como objetivo o estuclo ,.das tre
tudo deve ser anotado ,atê o detalhe do clätalhe .
não"da Cultura". Muito reticente em relacão AS
Na sua preocupação de contato com a realida-
a de, não apreciava muito o recurso a informan-
tes. O etnólogo, se ele quer conhecer e com-
no campo intelectual, apresentolr em Ltma preender uma cultura, deve aprender a língua
municação de 1896, o qne considerava os "limi-
em rìso. E, ao invés de apenas realizat entrevis-
tes do método comp arativo em ântropolo¡¡ia"
tas formais em maior ou menor grau - a situação
Ele recusa o comparatismo imprudente da de entrevista pode modificar as respostas -, deve
maioria dos autores cvolucionistas. para ele, ha_
estaf atento principalmente a tudo o que se diz
via pouca esperança de d]escobrir leis universais
nas convefsas "espontâneas", e acrescenta, até
cle funcionamento das sociedactes e das culturas
"esclrtar atrás das portas".Tudo isso supõe que
humanas e ainda menos chance de encontra¡
se permaneça por longo tempo junto à popula-
leis gerais da evolução d¿is culturas. Ele fez uma
ção cuja cpltura está sendo estudada.
crítica radical do chamado método de*periodi. Em certos aspectos, Boas é o inventor do
zaçâo" que consiste em reconstituir os diferen_
método monográfico em antropologia. Mas,
tes estágios de evolução da cultura a partir de
como ele levava ao extremo sua preocupação
pretensas origens.
com o detalhe e exigia um conhecimento
Boas duvidava também, e pelas mesmas
exaustivo da cultura estudada antes de qualquer
razões, das teses difusionistas baseadas em re-
concltrsão genl, nã.o realizott nenhuma mono-
construções pseudo-históricas. De maneira ge_
grafil no sentido pleno do termo. Ele chegava
ral, ele rejeitava qualquer teoria que pretendes_
mesmo a pensar que toda descrição sistemática
se pocler explicar tudo. preocupando-se com o
de uma cultura compofta necessariamente uma

4X 4.:l.
dose de especulação. E era precisamente isso quisadores. Para ele, cada cultura representava
que ele não se permitia fazet,apesar de ter ace- uma totalidade singular e todo seu esforço con-
rido à idéia de que cada cultura forma um todo sistia em pesquisar o que fazit sna unidade. Daí
coerente e ftincional. sua preocupação de não somente descrever os
Devemos a Boas a concepção antropológi- fatos culturais, mas cle compreendê-los iuntan-
ca do "relativismo cultufal", mesmo que não te- do-os a um coniunto ao qual eles estavam liga-
nha sido ele o primeiro a pensar a relatividade dos. Um costume particular só pode ser explica-
cultural nem o criador ddsta expressão que apa- clo se relacionado ao selt contexto ctlltural.Tra-
recerá apenas mais tarde. Para ele, o relativismo ta-se assim de compreender como se formou a
cultural é antes de tudo um princípio metodoló- síntese original que representa cada cultura e
gico.A fim de escapar de qualquer forma de et- qte faz a sua coerência.
nocentrismo no estudo de uma cultura particn- Cada cultura ê. dotada de um "estilo" parti-
lar, recomendava abordá-la sem a príorí, sern cular que se exprime atravês da língua, das cren-
aplicar suas próprias categorias para interpretâ-
ças, dos costumes, também da arte , mas não ape-
la, sem compará-la prematuramente a otrtras cul- nas desta maneira. Este estilo, este "espírito" pró-
turas. Ele aconselhava a prudência,a paciènc:a, prio a cada cultura influi sobre o comportamen-
os "pequenos passos" na pesquisa. Tinha cons. to dos indivíduos. Boas pensava que a tarefa do
ciência da complexidade da cada sistema cultu- etnólogo era também elucidar o vínculo que
ral e julgava que somente o exame metódico de liga o indMduo à sua cultura.
nm sistema cultural em si mesmo poderia che- Sem dírvida há um vínculo estreito entre o
gar ao ftindo de sua complexidade . relativismo cultur¿l como princípio metodológi-
Além do princípio metodológico, o relati- co e como princípio epistemológico levando a
vismo cultural de Boas implicava também urna uma conc€pção relativista da cultur¿.4 escolha
concepção relativista da cultura. De origem ale- do método de observação sem preconceito,
mã, formado em diversas universidades alemãs, prolongada e sistemática, de uma entidade cul'
ele não poderia não ter sido influenciado pela tural determinada leva progressivamente a con-
noção particularista alemã de cultura. Para ele, siderar esta entidade como atltônoma. A trans-
cacla cultura ê'ítnica,específica. Sua atenção era formação cle uma etnografia de viaiantes "que
espontaneamente voltada pàr o qrre fiziaa oti- apenas passam" em Ltma etnografia de estada de
ginalidade de uma culttra. Quase nllnca, antes longa duração modificou completamente a
dele, as culturas particulares tinham sido objeto apreensão das culturas particulares.
de tal tratamento autônomo por parte dos pe*

44 46
No fim da sua vida, Boas insistia em outro A atitucle assim descrita parece bem tlniversal,
aspecto do relativismo cultural. Um aspecto que sob formas diversas segundo as sociedades.
poderia talvez ser um princípio ético qr.re aftrma Como escreveu Lévi-Strallss, os homens têm
a dignidade de cada cultura e exalta o resperto sempre dificuldade de encarar a cliversidade
e a tolerância em relação a culturas diferentes. das culturas como um "fenômeno natural, resul-
Na medida em que cada cultura exprime um tante das relações diretas ou indiretas entre as
modo írnico de ser homem, ela tem o direito à sociedactes" Í19 521.Amaioria dos povos chama-
estima e à proteção, se estiver ameaçada. dos de "primitivos" considera que a humanida-
Considerando a obra de Boas em sua rica de acaba em sllas fronteiras étnicas ou lingüís-
diversidade e nas inúmeras hipóteses sobre os ticas e é pot isso que eles se denominam fre-
fatos cultllfâis que ela propõe, descobre-se nela qùientemente ttsando um etnônimo que signifì-
o anúrncio de toda a antropologia cultural norte- ca, segttndo o caso, "os homens", "os excelen-
tmericana que virá a ser desenvolvida. tes" ou ainda "os verdadeiros", em oposição aos
estrangeiros qtte não são reconhecidos como
seres humanos comPletos.
Quanto às sociedades chamadas "históricas",
ïiii ¡ rc¡< :crrÌris:nr>
elas têm a mesma dificuldade para conceber a
idéia daunidade da humanidade na diversidade
A palavra foi criada pelo sociólogo americano
'Willian G. Summer e apareceu pela primeira cultural.
O mundo greco-romano antigo qualifìcava de
vez em 1906 em seu livro Folkuays. Segundo
"bárbaros "todos os que não participavam da
sua definição "o etnoce ntrismo é o termo técrii-
cultura f¡reco-romana. Em seguida, na Europa
co para esta visão das coisas segundo a qual
Ocide ntal, o termo "selvagem" será utilizado no
nosso próprio grupo é o centro cle todas as coi-
mesmo sentido, para iogar paru fora da culttlra
sas e todos os outros gmpos são medidos e ava-
e, em olrtfas palavras, da nat:ureza, os que não
liados em relação a ele [...]. Cada grupo alimen-
pertenciam à civilização ocidental. Com esta
ta seu próprio orgtrlho e vaidade, considera-se
atitude, os "civilizados" se comportam então
superior, exalta suas próprias divindades e olha
exatamente como os "bárbaros" ou os "selva-
com desprezo as estrangeiras. Cada ffupo pen-
gens". No fìnal das contâs, não estaúamos no
sa que setrs próprios costumes (Folktaays) são
direito de pensar, como Lévi-Strauss que "o bár-
os ílnicos válidos e se ele observa qlre outros
gmpos têm outros costumes, encara-es com baro é primeiramente o homem que acredita
na barbârie" [19521?
desdém." (citado por Simon [1993,p.571)

46 ú7
O etnocentrismo pode tomar formas extremas mente, este pioneifismo vai provocar um atfaso
de intolerância cultural, religiosa e até política. na fundação da etnologia francesa. Em um pri-
Pode também assumir formas sutis e racio:ìais. meiro momento, pode-se dizer que a sociologia
No domínio das ciências sociais, pode-se agir ocupa todo o espaço da pesquisa sobre as soci-
como se houvesse o reconhecimento do ftnô- edades humanas.A etnologia - seria mais coffe-
meno da diversidade cultural e ao mesmo tem- to dizer a etnografta - está então rcduzida ao sta-
po conceber a variedade clas culturas cÐnro tus de ramo anexo da sociologia.A"questão so-
uma simples expressão das diferentes etapas de cial" domina e oblitera a "questão cultural".
um único processo de civilização. Deste modo,
o evolucionismo do século XIX, ao imaginar os IJnra c<;ustât'ilÇüo: a ãu$arncia clù
"estágios" de um desenvolvimento social unili- corlceito cicntílìcr¡ cler cr¡ltutÍl no
near, permitia a classificação das culturas parti-
iníciti cla pcs<'¡uisn .li'iulce$a
culares em Llma mesma escala de civilização.A
diferença cultural, nesta perspectiva, erâ so-
Na França, no século XIX e no começo do
mente uma aparência: ela estaria conclenada a
século )O(, nas ciências sociais, os pesquisado-
desaparecer, cedo ou tarde.
fes se conformavam com o uso lingüístico en-
Em rtrptura total com esta concepçã,o,a antro-
tão dominante e Llsavam corfentemente o ter-
pologia cultural introduz aidéia de relatividade
mo "civilizaçio", jâ consagrado pelos historia-
das culturas e de sua impossível hierarquização
dores e pfaticamente nunca o termo "cultura" à

c, þriorì . E ela recomenda, para escapar a qual-


num sentido coletivo e descritivo.Apesar de es-
qlìer etnocentrismo na pesquisa, a aplicaçãc do
tarem informados sobre os trabalhos científicos
método de observação participante.
alemães, eles recusavam geralmente a tradução
de Kultur por sua homóloga francesa e prefe-
riam "civilizaçâo". Do mesmo modo, a obra de
Tylor, Prírnitiue Culture teve umâ certa reper-
.^\ iclúi;r clc ct¡[t¡"ir;t cr]t{"r o$ Éïtr¡{lír(full'cs
cussão na comunidade científìca na França, mâs
r[;r ì-ìfl1(]lt:gi* fiancels:l o título da versão francesa foi: La Ciullisation
Primitíue (A Cíuílização Prímitíuø).
Em relação a send vizinhos, a França mani-
O termo "cultura" para os pesqtúsadores
festa uma originalidade no desenvolvimento das
,..¿ franceses continuava geralmente ligado a sua
ciências sociais. E na França que nasce a socio-
acepção tradicional no campo intelectual naci-
logia como disciplina çientífica. Mas, paradcxal-
onal: ele se referia unicamente ao campo do es-

4S 49
em relação à sociologia e constrói seus próprios
pírito e só era compreendido em um senticlo eli-
instrumentos conceituais.A confrontação direta
tista restrito e em Lrm sentido individualista (a
e prolongada com a alteridade e a pluralidade
cultura de uma pessoa "cttlta").
das culturas favorece o surgimento do conceito
É evidente que o contexto ideológico prô
de cultura através da introdução de um certo re-
prio da França do século XIX bloqueou o surgi-
lativismo cultural.
mento do conceito descritivo de cultttra. So-
Mas este surgimento do conceito se dá
ciólogos e etnólogos estavam eles mesmos mui-
apenas progressivamente na França e, inclusive
to impregnados do universalismo abstrato do
na literatura etnológica, "civihzaçio" resistiú e
Iluminismo para pens;rr zr pluralidade cultural
chegatâ,às vezes, a ser utilizada indistintamente
nas sociedades humanas dissociada cla referên-
com o termo cultura, até os anos sessenta. A
cia à"civilizaçio".É cerio que o contexto histó-
obra clássica de Ruth Benedict, Pøtterns of
rico não levava a uma interrogação sobre esta
Culture seria traduzido em 1950 com o título
questão.A epopéia cotol,lial se fazía em nome cla
(infeliz sob qualquer ponto de vista) de Amos-
missão "civilizatória" da França. A rivalidade e os
tras de ciuilízações.
conflitos com a Alemanha opunham dois na-
cionalismos que se serviam clas noções cle Durkheim c â :rborcl:rgeìm unitiirili
Kultu.r e de "civilizaçãoi'como armas de propa-
ck>u tzrt.<¡s ctrc cultura
ganda. Enfim, o Estado-r1,aç ão francê s, confronta-
do ao rápido desenvolvimento da imigração e*
Emile Durkheim (1858 - 1917), por uma
trangeira no íiltimo terço do século XIX, adota-
curiosa coincidência, nasceu no mesmo ano
va uma política cultufal claramente assimila-
que Franz Boas. Como Boas na antropologia
cionista destas populações, de acordo com o
atnerican?, Durkheim ocupará trma posição
modelo centralista que já havia produziclo seus
"fundadora" na antropologia francesa. Mais so-
efeitos sobre as culturas regionais do país.
ciólogo do que etnólogo, Durkheim não deixa-
Na etnologia francesa iniciante , o que cha-
va, no entanto, de desenvolver uma sociologia
ma a atençáo é a ausêndia de conceito de cultu-
ra. Seria necessário atingir o desenvolvimento
com orientaçáo antropológica. De fato, tinha
como ambição compreender o social em todas
de uma etnologia de campo, nos anos trinta,
as suas dimensões e sob todos os seus aspectos,
pafa que seu Llso começasse a apâfecer, eqpe-
inclusive na dimensão cultural, atravês de todas
cialmente entre os pesquisadores africanisias,
as formas de sociedade.
como Marcel Griaule ou Michel Leiris.A etnolG
gia adquire naqueles anos Ltma certa autonomia

51
6CI
nha uma estreita colaboração ,era ainda mais ex-
Com a criação em 1897 da revista O Ano
plícito desde 19O1:
Sociológíco, Durkheim contribuiu pata fundat a
etnologia francesa e adsegurar seu reconheci-
A civilização de um povo não é nada além de
mento nacional e interrpcional.A revista pttbli-
um conjunto de seus fenômenos sociais; e falar
cou, em òuas sucessivas edições, ntlmerosas mo-
de povos incultos,"sem civilização", de povos
nografias etnográficas e diversas resenhas de
"naturais" (Naturuölker),é lalar de coisas que
obras etnológicas, em geral estrangeiras.
não existem (O Ano Sociológico, tomo ry
Durkheim não utilizava quase nunca o
7901,p.147).
conceito de cultura. Em sua próptia revista,"cul-
trlra" em língua estran$eira era quase sempre
O famoso artigo, escrito por Durkheim e
tracluzicla por "civilização". Mas, se ele recorria
Mauss em 19O2, Algumas formas þrirnitíuas de
apenas excepcionalmente ao conceito de cultu-
classifícação, pretendia demonstrar que os pri-
ta, nâo era por se desinteressar pelos fenôme-
nos culturais. Para ele, os fenômenos sociais têm
mitivos são perfeitamente aptos para o pensa-
necessariamente uma dimensão cultural pois
mento lógico. Durkheim náo mttdarâ a respeito
deste ponto. Mais tarde, em r4s Formas blemen-
são também fenômenos simbólicos.
tares da uid.a religiosa.,ele confirmará sua posi-
Durkheim contribuiu muito para extrair
do conceito de civilizaçâo os pressupostos ção inicial, recorrendo pela primeira vez à no-
ideológicos implícitos em maior oll menof grau. ção de cultura:
Em uma "Nota sobre a noção de civilizaçio",re-
digida conjuntamente com Marcel Mauss e ian- [...], o pensamento conceitual é contemporâ-
neo da humanidade. Nós nos recusamos então
çada em 1913, ele se esforçava para propor uma
a vê-l_o como um produto de uma cultura tardia
concepção objetiva e não normativa da civiliza-
em maior ou menor grau [1912].
ção que incluía aidêia da pluralidade das civili-
zações sem enfraquecer, com isso, a unidade do
homem. Para ele, não havia dirvida de que a hu- Se Durkheim partilhava de certos aspectos
manidade é uma, que todas as civilizações parti- da teoria evolucionista, ele recusava, no entan-
culares contribuem par a, civilização humana. to, suas teses mais redutoras e sobretudo a tese
Ele não concebia diferenças de natureza entre do esquema unilinear de evolução que seria co
primitivos e civilizados. Mauss, que partilhava mum a todas as sociedades. Em uma resenha de
do pensamento de Dud,¡:treim com quem manti- um livro alemão que tratava da "psicologia dos
povos", ciência então muito em voga naAlema-

52 53
nha, Durkheim escreveria, em desacorclo com a Anos mais tarde, em L929, em um estilo
tese central da obra que apresenta.va a. idéia de mais polêmico e mais expfcito,Mauss prolonga-
um ftituro iclêntico paratoda a humanidade: ria o pensamento de Durkheim, em uma confe-
rência sobre "as civilizacões":
Nada nos atttonza a acteditar que os diferentes
tipos de povos vão todos no mesmo sentido; al- Os homens de Estado, os filósofos, o púrblico, e
guns seguem caminhos muito diversos. O de- sobretudo os jornalistas, falam da ciulltzação.
senvolvimento humano deve ser ilustrado não Em período nacionalista, a ctuíllzaçã.o, é sem-
sob a forma de uma linha em que as socieclades pre a sua cultura, a de sua nação, pois eles ig-
viriam se colocar umas depois das outras como noram geralmente a civilizaçâo dos outros. Em
se as mais avançadas não fossem senão a conti- peíodo racionalista e geralmente universalista
nuação e a sequência das mais nrdimentares, e cosmopolita 1...1 a Ciuílização constitui uma
mas como uma árvore com ramos mírltiplos e espécie de estaclo de coisas ideal e real ao mes-
divergentes. Nada nos diz que a civilização de mo tempo, racional e natural simultaneamente,
amanhã será apenas o prolongamento da exis- causal e final num mesmo momento, que seria
tente atualmente para uma mais elevada;falvez, liberado aos poucos por um progresso indubi-
ao contrário, ela terá como agentes povos que tável [...].
nós julgamos inferiores como a China; por Esta perfeita essência nunca foi nada além de
exemplo, e que lhe darão uma direção nova e Llm mito, de uma representação coletiva. Esta
inesperada (OAno Soclológico, tomo XII, 1913, crença universalista e nacionalista ao mesmo
p.6o - 61). tempo é um traço de nossas civilizações inter-
nacionais e nacionais do Ocidente Europeu e
O pensamento de Durkheim era então im- daAmérica não indígena [1930, p. 7O3 - 1O4].
pregnado de uma grande sensibilidade em rela-
ção à relatividade cultural, que provinha de sua Para manter sua própria lôgica, Durkheim
concepção geral da sociedade e da normalidade chegou a privilegiar um uso flexível da noção
social. Ele abordava esta questão adotando uma de civilização que ele fazia ftincionar como um
atitude relativista: a normalidade é relativa a cada conceito "de geometfia variîvel" .Na Notø sobre
sociedade e ao seu nível de desenvolvimento. a noção de cíuilizøção, escrita com Mauss, ele
Stra concepçáo da normalidade pretendia ser pu- se dedicava a tirar a noção da generalidade im-
ramente descritiva e baseada em uma espécie de precisa que a caracteÍizava, então e a dar-lhe
"média" própna a. cadz tipo de sociedade . uma conteirdo conceitual operatóri :; :'' t,' x ivi'Iiz :.-

84 Ë.

à
Contra as teses individualistas que ele refu-
ção não se conflrnde com a humanidade e seu
futuro, tampouco com uma naçáo em partictt- tava por serem dominadas pelo psicologismo,
lar; o que existe, o que se pode observar e estu-
Durkheim aftrmava a prioridade da sociedade
sobre o indivíduo. Sua concepção dos fenôme-
dag sã'o diferentes civilizaçöes. E é precisc, en-
nos era feita, no entanto, do mesmo holismo me-
tender "civilizaçáo" como um conjunto de
todológico. Em.As Formas Elementares da Vida
fenômenos sociais que não estão ligados a um
Relígiosa, sobretudo, mas desde O Suicídio
(1897),ele desenvolvia uma teoria da "consciên-
organismo social patticular; estes fenômencs se
cia coletiva" que é uma forma de teoria cultural.
estendem sobre áreas que ultrapassam um ter-
Para ele, erriste em todas as sociedades uma
ritório nacional, ou ainda se desenvolvem em
"consciência coletiva", feita das representações
períodos de tempo que ultrapassam a história
coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimen-
de uma só sociedacle ll9t3,p.47l.
tos comlrns a todos os selrs indivíduos. Esta
Esta definiçáo levava à teoria difrrsionista a
consciência coletiva precede o indivíduo, im-
põe-se a ele,.ê exterior e transcendente a ele : há
noção de "área"e ao mesmo tempo, introduzia na
teoria evolucionista a noç7ao de "período", mes descontinuidade entre a consciência coletiva e
mo que Durkheim se oplrsesse às reconstituições a consciência individual, e a primeira é "supe-
históricas imprecisas das duas escolas. Preocnpa-
rior" à segunda, por ser mais complexa e inde-
do em ftindar um método rigoroso de estudo clos terminada. É a consciência coletiva ql:.e reahza a
fatos sociais, ele apenas reconhecia como vá.lido unidade e a coesão de uma sociedade.
o procedimento empírico e recusava qualquer As hipóteses de Durkheim sobre a cons- à

forma de comparatismo especulativo. ciência coletiva seguramente exercefam uma


Não se deve procurar junto a Durkheim influênci4sobre a teoria da cultura como "super
uma teoria sistemática da cultura. Sua reflexão organismo" de Alfred Kroeber Í19171. Pode-se
sobre a cultura não forma um conjunto unifica- também fazer uma aproximação entre a noção
do.A preocupação central cle sua obra era deter- de consciência coletiva - à qual Durkheim atri-
minar a nltLrÍe:za do vínculo social. No entanto, buía características espirituais - e as noções de
sua concepção da sociedade como totalidade þa.ttern cultural e de "personalidade básica" pró-
orgânica determinava sua concepção de cultura prias aos antropólogos culturalistas americanos.
ou de civilizaçáo:pan ele, as civilizações consti- O próprio Durkheim utilizava às vezes a expres-
trìem "sistemas complexos e solidários". são "personalidade coletiva", em um sentido
muito próximo da "consciência coletiva".

s6 #7
t

Se o conceito dç culttra é praticamente Desde 1910, com o livro As Funções Men-


allsente da antropologia cle Dutkheim, isto não tais nøs S ocíe dades Inferiores, Lévy-Bruhl colo-
o impediu cle propor interpretações dos fenô- ca a diferença cultual no centro de sua refle-
menos freqüentemente chamados de "culturais" xão. Ele se interroga sobre as diferenças de
pelas ciências sociais. "mentalidade" qLre podem existir entre os po-
vos. Esta noçäo de "mentalidade" não era muito
-Ilnrhl c al nbo distante da acepçâo etnológica de "cnltufa", ter-
Lór'rr rclage:nr
mo que ele praticamente não utilizava.
clif'crsrcial Todo esforço de Lévy-Bruhl consistia em
refutar ateoflà do evolucionismo unilinear e a
Aincla que a obra de Lucien Lévy-Bruhl
tese do progresso mental. De uma maneira ge-
(1857 - 1939) não tenha ticlo a mesma repercus-
ral, ele se opunha à própria idéia de "primiti
são ou exercido a mesþa influência que a obra
vos", ainda que ele mesmo tivesse utilizado este
de Durkheim, pode-se observar que na seu iní-
termo vârias vezes, devido ao contexto da épo-
cio, através de dois de seus ftindaclores, a €tno
ca.Pata ele, os indivíduos das sociedades de cul-
logia francesa hesitavá entre duas concepções
tura oral não eram "crianças grandes" que teriam
de ctrltura, uma unitáiia, a outra, diferencial.A
o mesmo tipo de interrogações que os "civiliza-
confrontação destas duas concepções em um
dos", vistos como adultos, dando a estas ques-
debate científico às vezes acirraclo, contribuiria
tões respostas ingênuas, "infântis". Na Mentali-
muito p^ra. o desenvolvimento da etnologia
dade Primitiuø, ele afrmava:
francesa. É tegítimo considerar Léry-Bruhl como
um dos funcladores dá disciplina etnológica na
[Se] a atividade mental dos primitivos [não for
França. De fato, ele foi um dos primeiros pesqui-
maisl'ìnterpretadaapriori como uma forma m-
sadores a consagrar uma E;rande parte cle seus
dimentar da nossa, como infantil e quase pato-
trabalhos ao estudo das culturas primitivas.
lógica, [...] ela aparccerâ ao contrário, como
Além do mais, no plano institucional, é a ele que
normal nas condições em que é exercida, como
devemos a criação, em 1925,do Instituto de Et-
conrplexa e desenvolvida à sua maneka 11922,
nologia da Universidade de Paris, onde será for-
p.t5 - 1.61.
mada a primeira geração de etnólogos de cam-
po sob a responsabilidade cle Marcel Mauss e de
Lévy-Bruhl contestava também Lrma certa
Paul Rivet, a quem ele con-fiou o secretariado ge-
concepção de unidade do psiquismo humano
ral do Instituto.

58 59
que implicava um modo írnico de ftincionamen- buição. Pode-se então perguntar as razões que
to. Ele não partilhava das teses de Dlor sobre o levaram esta contribuição a ser mal compreen-
animismo dos primitivos (paraTylor, o animismo dida, dettup ada, rcjeitada e f,inalmente esqueci-
constituía a forma mais antiga de crença religio- da em stra maior parte.
sa, isto é, a crença na èxistência e na imortalicla-
Dominique Merllié tl993l responde a es-
de da alma e, lo¡;o, em seres espirituais, baseada ta pergunta e propõe uma nova leitura, sem o
na interpretação dos sonhos): ele criticava sua a priori,deste autor. Contrariamente à apresen-
insistência excessiva para demonstrar o caráter tação que é comumente feita de sua obra, ela
"razoâvel desta crença. Pelas mesmas razões, ele não é etnocentrista. Foi assim qualificada para
discordava de Durkheim, criticando-o por que- ser mais desacreditada enquanto todo o esforço
rer provar qlle os homens têm, em todas as so de Lévy-Bruhl consistia justamente em Lrma ten-
ciedades, uma mentalidade "lógica" que obede- tativa de pensar a diferença a prtir de catego-
ceria necessariamente às mesmas leis da razão. rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em
Por outro lado, Durkheim não admitia a contradição com o universalismo (abstrato) do
distinção que Lély-Bruhl estabelecia entre Iluminismo e seus princípios éticos que serviam
"mentalidade primitiva" e "mentalidade civiliza- de referência à maiofia dos intelecttrais france-
da". Mas a cútica que ele fazia em 1912, em sua ses do início do século.

resenha, pan O Ano Sociológíco, do primeiro li- O que chamamos de tese de Lévy-Bruhl
vro de Lévy-Bmhl sobre esta questão, foi marca- efa apfesentada por ele mesmo como uma "hi-
da por um evolucionismo bastante redutor: pótese de trabalho", como nos lembra Medlié.
Se ele tentava dar conta da diferença das menta-

Estas duas formas de mentalidade human4 por lidades, isto não o impedia de afìrmar a unidade
mais diferentes que sejam, ao invés de derivar psíquica htun'¿na. Para ele, a unidade da humani-
de origens diferentes, nasceram uma da outfa e dade era mais flindamental que a diversidade. O
são dois momentos de uma mesma evolução. conceito de "mentalidade primitiva" (" pté-lógi-
ca") não eranada além de um instrumento para
Estas discordâncias entre Lévy-Bruhl e pensar a diferença. Seu procedimento, qlle se
seus pares etam apeîas a expressão de urn de- servia explicitamente das pesquisas de campo,
bate científico mtúto animado sobre a questão era tudo, exceto dogmático.
da alteridade e da identidade culturais.A este cle- AIiás, segundo este autor, a diferença não
bate, Lély-Bruhl trouxe uma importante contri- excltri a comunicação entre os grupos huma-

60 6l
nos, que continua possível devido ao fato de A noção de "mentalidade" terá maior su'
pertencerem a uma humanidade comum. Não cesso junto aos historiadores, sobretudo os da
escola conhecida como"d.es Annales". É verda-
hâ entáo Llm corte absolttto entre as diferentes
de que esta noção foiutilizada por eles em uma
"mentalidades", que não são feitas de lógicas
acepção gefalmente menos globalizante e me-
contraditórias. O que difere entre os grupos são
nos psicologizante,iâ que em geral, eles estavâm
os modos de exercício do pensamento e não
interessados na diferenciação social em uma
slras estruturas psíquicas profundas .

mesma sociedade.
Lévy-Bruhl pensava também que "mentali-
dade pré-lógica" e "mentalidade lôgica" não são
incompatíveis e coexistem em todas as socieda-
des; mas a preeminência de uma sobre a outra
pode variar segundo os casos, o que explica a di-
versidade de culturas. Recorrendo ao conceito
de "mentalidade",ele não aftmava que os siste-
mas de representações e os modos de raciocí-
nio no interior de uma mesma cultura formam
um conjunto perfeitamente estável e homogê-
neo. Mas pensava indicar assim a orientação ge-
ral de uma dada cultura.
O conceito de "mentalidade"não clrregarâa
se impor entre os etnólogos,talvez por causa das
críticas injustas contra Lély-Bmhl que nãc estão
dissociadas das críticas dirigidas mais tarde aos
culturalistas, como observa Dominique Medlié:

Hâ talvez alguma coisa de comparâvel na for-


ma de descrédito Lrm pouco sistemático que
atingiu os trabalhos dos "culturalistas". Léry-
Bruhl esboça, aliâs, análises muito próximas
das dos antropólogos culturalistas I...1 Í1993,
nota 26, p.71.

62 6å

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