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nha, Durkheim escreveria, em desacordo com a Anos mais tarde, em 1929, em um estilo
tese central da obra que apresentava a idéia de mais polêmico e mais explícito, Mauss prolonga-
um futuro idêntico para toda a humanidade: ria o pensamento de Durkheim, em uma confe-
rência sobre "as civilizações":
Nada nos autoriza a acreditar que os diferentes
tipos de povos vão todos no mesmo sentido; al- Os homens de Estado, os filósofos, o público, e
guns seguem caminhos muito diversos. O de- sobretudo os jornalistas, falam da civilização.
senvolvimento humano deve ser ilustrado não Em período nacionalista, a civilização, é sem-
sob a forma de uma linha em que as sociedades pre a sua cultura, a de sua nação, pois eles ig-
viriam se colocar umas depois das outras como noram geralmente a civilização dos outros. Em
se as mais avançadas não fossem senão a conti- período racionalista e geralmente universalista
nuação e a seqüência das mais rudimentares, e cosmopolita [...] a Civilização constitui uma
mas como uma árvore com ramos múltiplos e espécie de estado de coisas ideal e real ao mes-
divergentes. Nada nos diz que a civilização de mo tempo, racionai e natural simultaneamente,
amanhã será apenas o prolongamento da exis- causai e final num mesmo momento, que seria
tente atualmente para uma mais elevada; talvez, liberado aos poucos por um progresso indubi-
ao contrário, ela terá como agentes povos que tável [...].
nós julgamos inferiores como a China, por Esta perfeita essência nunca foi nada além de
exemplo, e que lhe darão uma direção nova e um mito, de uma representação coletiva. Esta
inesperada (OAno Sociológico, tomo XII, 1913, crença universalista e nacionalista ao mesmo
p. 60-61). tempo é um traço de nossas civilizações inter-
nacionais e nacionais do Ocidente Europeu e
O pensamento de Durkheim era então im- da América não indígena [1930, p. 103 - 104].
pregnado de uma grande sensibilidade em rela-
ção à relatividade cultural, que provinha de sua Para manter sua própria lógica, Durkheim
concepção geral da sociedade e da normalidade chegou a privilegiar um uso flexível da noção
social. Ele abordava esta questão adotando uma de civilização que ele fazia funcionar como um
atitude relativista: a normalidade é relativa a cada conceito "de geometria variável". Na Nota sobre
sociedade e ao seu nível de desenvolvimento. a noção de civilização, escrita com Mauss, ele
Sua concepção da normalidade pretendia ser pu- se dedicava a tirar a noção da generalidade im-
ramente descritiva e baseada em uma espécie de precisa que a caracterizava então e a dar-lhe
"média" própria a cada tipo de sociedade. uma conteúdo conceituai operatório:"a" civiliza-
cão não se confunde com a humanidade e seu Contra as teses individualistas que ele refu-
futuro, tampouco com uma nação em particu- tava por serem dominadas pelo psicologismo,
lar; o que existe, o que se pode observar e estu- Durkheim afirmava a prioridade da sociedade
dar, são diferentes civilizações. E é preciso en- sobre o indivíduo. Sua concepção dos fenôme-
tender "civilização" como um conjunto de nos era feita, no entanto, do mesmo holismo me-
todológico. Em As Formas Elementares da Vida
fenômenos sociais que não estão ligados a um Religiosa, sobretudo, mas desde O Suicídio
organismo social particular; estes fenômenos se (1897), ele desenvolvia uma teoria da "consciên-
estendem sobre áreas que ultrapassam um ter- cia coletiva" que é uma forma de teoria cultural.
ritório nacional, ou ainda se desenvolvem em Para ele, existe em todas as sociedades uma
períodos de tempo que ultrapassam a história "consciência coletiva", feita das representações
de uma só sociedade [1913, p. 47]. coletivas, dos ideais, dos valores e dos sentimen-
tos comuns a todos os seus indivíduos. Esta
Esta definição levava à teoria difusionista a consciência coletiva precede o indivíduo, im-
noção de "área"e ao mesmo tempo, introduzia na põe-se a ele, é exterior e transcendente a ele: há
teoria evolucionista a noção de "período", mes- descontinuidade entre a consciência coletiva e
mo que Durkheim se opusesse às reconstítuições a consciência individual, e a primeira é "supe-
históricas imprecisas das duas escolas. Preocupa- rior" à segunda, por ser mais complexa e inde-
do em fundar um método rigoroso de estudo dos terminada. É a consciência coletiva que realiza a
fatos sociais, ele apenas reconhecia como válido unidade e a coesão de uma sociedade.
o procedimento empírico e recusava qualquer As hipóteses de Durkheim sobre a cons-
forma de comparatismo especulativo. ciência coletiva seguramente exerceram uma
Não se deve procurar junto a Durkheim influência sobre a teoria da cultura como "super
uma teoria sistemática da cultura. Sua reflexão organismo" de Alfred Kroeber [1917]. Pode-se
sobre a cultura não forma um conjunto unifica- também fazer uma aproximação entre a noção
do.A preocupação central de sua obra era deter- de consciência coletiva - à qual Durkheim atri-
minar a natureza do vínculo social. No entanto, buía características espirituais - e as noções de
sua concepção da sociedade como totalidade pattern cultural e de "personalidade básica" pró-
orgânica determinava sua concepção de cultura prias aos antropólogos culturalistas americanos.
ou de civilização: para ele, as civilizações consti- O próprio Durkheim utilizava às vezes a expres-
tuem "sistemas complexos e solidários". são "personalidade coletiva", em um sentido
muito próximo da "consciência coletiva".
Se o conceito de cultura é praticamente Desde 1910, com o livro As Funções Men-
ausente da antropologia de Durkheim, isto não tais nas Sociedades Inferiores, Lévy-Bruhl colo-
o impediu de propor interpretações dos fenô- ca a diferença cultural no centro de sua refle-
menos freqüentemente chamados de "culturais" xão. Ele se interroga sobre as diferenças de
pelas ciências sociais. "mentalidade" que podem existir entre os po-
vos. Esta noção de "mentalidade" não era muito
Lévy-Bruhl e a abordagem distante da acepção etnológica de "cultura", ter-
diferencial mo que ele praticamente não utilizava.
Todo esforço de Lévy-Bruhl consistia em
Ainda que a obra de Lucien Lévy-Bruhl refutar a teoria do evolucionismo unilinear e a
(1857 - 1939) não tenha tido a mesma repercus- tese do progresso mental. De uma maneira ge-
são ou exercido a mesma influência que a obra ral, ele se opunha à própria idéia de "primiti-
de Durkheim, pode-se observar que na seu iní- vos", ainda que ele mesmo tivesse utilizado este
cio, através de dois de seus fundadores, a etno- termo várias vezes, devido ao contexto da épo-
logia francesa hesitava entre duas concepções ca. Para ele, os indivíduos das sociedades de cul-
de cultura, uma unitária, a outra, diferencial. A tura oral não eram "crianças grandes" que teriam
confrontação destas duas concepções em um o mesmo tipo de interrogações que os "civiliza-
debate científico às vezes acirrado, contribuiria dos", vistos como adultos, dando a estas ques-
muito para o desenvolvimento da etnologia tões respostas ingênuas, "infantis". Na Mentali-
francesa. É legítimo considerar Lévy-Bruhl como dade Primitiva, ele afirmava:
um dos fundadores da disciplina etnológica na
França. De fato, ele foi um dos primeiros pesqui- [Sc] a atividade mental dos primitivos [não for
sadores a consagrar uma grande parte de seus maisj interpretada a priori como uma forma ru-
dimentar da nossa, como infantil e quase pato-
trabalhos ao estudo das culturas primitivas.
Além do mais, no plano institucional, é a ele que lógica. [...] ela aparecera ao contrário, como
devemos a criação, em 1925, do Instituto de Et- normal nas condições em que é exercida, como
nologia da Universidade de Paris, onde será for- complexa e desenvolvida à sua maneira [1922,
mada a primeira geração de etnólogos de cam- p.15-16].
po sob a responsabilidade de Mareei Mauss e de
Paul Rivet, a quem ele confiou o secretariado ge- Lévy-Bruhl contestava também uma certa
ral do Instituto. concepção de unidade do psiquismo humano
que implicava um modo único de funcionamen- buição. Pode-se então perguntar as razões que
to. Ele não partilhava das teses de Tylor sobre o levaram esta contribuição a ser mal compreen-
animismo dos primitivos (paraTylor, o animismo dida, deturpada, rejeitada e finalmente esqueci-
constituía a forma mais antiga de crença religio- da em sua maior parte.
sa, isto é, a crença na existência e na imortalida- Dominique Merllié [1993] responde a es-
de da alma e, logo, em seres espirituais, baseada ta pergunta e propõe uma nova leitura, sem o
na interpretação dos sonhos): ele criticava sua a príori, deste autor. Contrariamente à apresen-
insistência excessiva para demonstrar o caráter tação que é comumente feita de sua obra, ela
"razoável" desta crença. Pelas mesmas razões, ele não é etnocentrista. Foi assim qualificada para
discordava de Durkheim, criticando-o por que- ser mais desacreditada enquanto todo o esforço
rer provar que os homens têm, em todas as so- de Lévy-Bruhl consistia justamente em uma ten-
ciedades, uma mentalidade "lógica" que obede- tativa de pensar a diferença a partir de catego-
ceria necessariamente às mesmas leis da razão. rias adequadas. Mas esta tentativa entrava em
Por outro lado, Durkheim não admitia a contradição com o universalismo (abstrato) do
distinção que Lévy-Bruhl estabelecia entre Iluminismo e seus princípios éticos que serviam
"mentalidade primitiva" e "mentalidade civiliza- de referência à maioria dos intelectuais france-
da". Mas a crítica que ele fazia em 1912, em sua ses do início do século.
resenha, para O Ano Sociológico, do primeiro li- O que chamamos de tese de Lévy-Bruhl
vro de Lévy-Bruhl sobre esta questão, foi marca- era apresentada por ele mesmo como uma "hi-
da por um evolucionismo bastante redutor: pótese de trabalho", como nos lembra Merllié.
Se ele tentava dar conta da diferença das menta-
Estas duas formas de mentalidade humana, por lidades, isto não o impedia de afirmar a unidade
mais diferentes que sejam, ao invés de derivar psíquica humana. Para ele, a unidade da humani-
de origens diferentes, nasceram uma da outra e dade era mais fundamental que a diversidade. O
são dois momentos de uma mesma evolução. conceito de "mentalidade primitiva" ("pré-lógi-
ca") não era nada além de um instrumento para
Estas discordáncias entre Lévy-Bruhl e pensar a diferença. Seu procedimento, que se
seus pares eram apenas a expressão de um de- servia explicitamente das pesquisas de campo,
bate científico muito animado sobre a questão era tudo, exceto dogmático.
da alteridade e da identidade culturais.A este de- Aliás, segundo este autor, a diferença não
bate, Lévy-Bruhl trouxe uma importante contri- exclui a comunicação entre os grupos huma-