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INTRODUÇÃO

Um espectro ronda os departamentos de liceracuradas universida-


des, da Austr~lia ao Alabama: os estudos culturais. Nas versões
mais horrori1,1das, a nova disciplina veio para destruir a alta litera-
tura, transformando refinados amantes de um Shakespeare ou de
um Guimaráe> Rosa em fãs de cultura pop e analistas de shopping
untm. Na versão apolog~tica, da veio para fazer a revoluçlo e não
deixar pedra sobre pedra nos modos tradicionais de se faz;: r crítica
deculrura.
Este livro visa dar vida concreta a esse fantasma, mostrando
como os estudos culturais surgiram em um determinado ambien-
te sócio-histórico, suas relações com os estudos literários, suas pri-
meiras conquistas teóricas e seu projeto inrelecrual- que inclui cer-
t.unente o estudo da cultura dita popular e dos fenômenos da vida
mtidiana - , mas reserva espaço para um novo modo de ler a alta
•ultura. Como tantas outras disciplinas anreriores, vieram para
Htprir as necessidades intelectuais de uma nova configuração
•<'•li o· histórica.
E.ms dc-L lições sio dedicadas aos estudantes de ci~ncias huma-
nas e demais interessados no debate cultural contempor1neo.
Ofer~cm uma visão introdutória, que pode ser complementada
tll'bs sugesrócs de leitura que acompanham cada lição. Procuram
(Her um acompanhamento hisrórico, desde o surgimento da dis-
plin.t na Grã Breunha dos anos 1950 - em aulas noturnas para
u,~l •• lh,tdorcs- à sua floração como irem de exportação tl• acade-
" •i,, lllj~lcsa e especialmente norte-americana. Buscam traçar a for-
lit .o•;liu \C lu ai de onde surgem, suas formulações teóric:ts e postura.s
I I S TUO O S CU l TU .. A 1 5

pollricas e as ttansformaçõe. que novos tempos determinam na 0 TEMA "C ULTURA


di<ciplina. Como se trata de um fenômeno que, na sua origem e no
E S OCIE DADE"
arual pomo central de disseminação, esd localizado na Grã-Bre-
tanha e hoje mais nos Estados Unidos, o foco destas de:dições está
voltado para esses palses c em especial para a obra mais prO<Iutiva
de Raymond Williams (1921-1988) e a de Sruan Hall (1932-}-
afinal, como brinca Hall, os estudos culturais surgiram no
momento em que de conheceu !Uymond Williams e em seguida
trocou um olhar com Richard Hoggart! Para bcndkio do estudan- Toda ddinrçãodedisciplina da árnde ciências humanas pressupõe,
te brasileiro, a úlúma lição procura estabelecer uma ligação entre em menor ou maior grau, uma concepção do significado de culru-
e•rudos culturais e formações inrelecruais brasileiras. ra. Esse grau está maximizado em uma disciplina como estudos de
Cenameme estas primeiras lições apresentam um ponto de 'ulrura, que já a coloca como seu elemento fundante.
vi.1ra especifico sobre os estudos culturais e visam contribuir para Certamente muitos outros palses tiveram uma ou outra forma
estabelecer uma posição a partir da qual seja possível avaliar, com d< enudos de cultura muito antes que essa etiqueta se transfor-
base no que já foi, os rumos que rnteressadara essa nova disciplina masse na marca de uma disciplina ascendente nos departamen-
em <ua imporração para a academia brasileira e para nossa conver- tos de humanidades a partir da segunda metade do s&ulo XX.
saç.io sobre culrura. Mas o faro~ que a di<ciplina <e consriruiu primeiro na Inglaterra
nm anos 1950, e da! o interesse maior em examinar essa forma-
çlo especifica.

VL:RS0ES DE CULT URA


A palavra "cultura" entrou na llngua inglesa a partir do latim
toltrt, que significava habitar- dal, hoje, "colono" e "colônia";
ttdorar hoje com sentido preservado em •culto"; e também tui-
IU'ar- na acepção de cuidar, aplicado tanto à agricultura quan-
10 a· ·• anrmais. Esta a acepção preponderante no s&ulo XVI.

{À:ornn mer:lfora, estendeu-se ao cultivo das faculdades memais


e~pirituais. Até o século XVIII, cultura designava uma ativida-
olc, rr•• cultura de alguma coisa. Foi nessa época que, ao lado da
p.d.avra correlata "civilização", começou a ser usada como um
ul .. untivo abstrato, na acepção n5o de um ueinamento especi-
fico, rn.u para designar um processo geral de progresso intelec-
tu•l e c1pimual tanto na esfera pessoal como na social - o pro-
lO CSIUOOS CULTURAIS
PA I M l. I RA I. I ÇAO I I

cesso secular de desenvolvimento humano, como em cultura e


tomates, por exemplo-, o de desenvolvimenro intelectual. cspiri-
civilização européia'.
rual e estético; um modo de vitb especifico; e o nome que descr~
Durante o romantismo, em especial na Inglaterra e na Ale-
ve as obras c pdticas de atividades arrbticas.
manha, passou a ser usada em oposição a seu antigo sinônimo, civi-
Uma das coi\Os que ficam ~videntes nesse apanhado rápido
lizaç~o. como uma maneira de enfati7.ar a cultura das nações e do das mudanças de significado de cultura é que o senrido das p..ta-
folclore e, logo, o domínio dos valore. humanos em oposição ao
vras acompanha as transformações sociais ao longo da história c
caráter mecânico da "civilil.lçlo" que começava a se estruturar com
conserva, em suas nuanças c conotações, muito de.sa história. Na
a Revolução lndustri..t. Trata·<e de uma virada semântica notávd,
Inglaterra dos anos 1950, momento de e.truturaçlo da disciplina
que dá nodcia de uma imensa transformação social.
de estudos culrurais, o debate sobre a cultura puece concentrar
"Cultura" e "civilil.lção" slo pabvras a um só tempo descri-
muito do sentido de mudança em uma <oeiedad~ que se reorga-
tivas {como em civilizaçlo a<reca) e normativas: denotam o que
nua no segundo pós-guerra. Raymond Williams (192 I -1988),
é, mas umbém o que deve ~r {basu pen<ar no adjetivo "civili-
figura cenrr..t na fundaçio dos estudos culturais, conta como a
zado" e <cu oposto, "bárbaro"). No decorrer dos processos radi-
palavra cultura com~ça a s~r cada vez mais usada como eixo dos
cais de mudanças sociais da Revolução Industrial, foi ficando
debates dess~s rumos. No processo, uma de suas acepções de
cada vel. mais evidente que o tipo de "desenvolvimento huma-
untes da guerra, a da distinção social, cultura como posse por
no" em cur>o em unu .,odedadc como a ingle>a não era necessa-
pane de um grupo seleto, começa a desaparecer e a dar lugar à
riamente algo a "r rccom~ndado. O fato de, em especial ao
prt·ponderAncia do uso antropológico, cultura como modo de
longo do século XIX, a palavra 1cr adquirido uma conotação
v1o:la. O outro sentido de cultura, designando as artes e, no con-
unpcrialista ("civilizar os bárb:1ros" era um mote que justificava
Juro inglês em especial, a literawra, se inOete com a predomi-
a conquista c a exploraç.'ío de outros povos) contribuiu para a
n:ulcia da critica sobre a criaç5o, um dos eixos do projcro inrelec-
virada de sentido. ~nesse processo que "cu ltura", a palavra que
tu.tl dominante na academia inglesa, o Cambridgc English,
designava o treinamento de f.1culdades mentais, se transformou,
_,,unto de nossa próxima lição.
ao longo do século XIX, no termo que enfcixa uma reação e uma
O que Williams percebia nessa concentração do debate eram os
critica -em nome dos valores humanos à sociedade em proces-
pruneiros passos gigantescos da nossa "era da cultura", assim deno-
so acelerado de transformação. A aplicação desse scnrido às min.tda pelo predomínio dos meios de comunicação de massa e
artes, como as obras c práticas que representam e dão sustenta-
lo desvio do conflito político e econômico para o cultur..I, mar-
ção ao proc~sso g~ral de des~nvolvimcnto humano, é preponde-
do tempo presente. Um bom exemplo pua se entender essa úlri-
ram~ a partir do sc!culo XX.
tendcncia é aênf~ de um esmtegisra militar, Samud Hunting-
Em meados desse século os semi dos pr~ponderantes da palavra
n,que. em um ensaio para a revuta ForrignA.ffainde 1993', prevê
eram, além da acepção remanescente na agricultura- cultura de
• fonte fundarnent..I dos conOitos em nossos dias nlo é primor-

' Ver a a~< ruptno IYymond W.lli.m. , ~· A Wtrt.....,.,. t{ 0JI•I't' •"" s.n.n,.
l.ond<a.. r......... 1976 ltunoipg~-,. Oooh oi'Ci..W.oion In IMip 1f-m•• n (3). 1993. p 22
t.Wirin o""'"'*' ,...~.u,.... Rio ok""""" Ol>j«iva. t997.1
12 l i i U ;DOS CUI.IU~AIS
PRIMtiiiiA I.IÇA.O 13

dialmente ideológic• ou et:onOmica. "As grandes oposiç~ entre as complexas, no mundo d~~ arte~ c d<il' id~i~. ll quando tentamos cor-
espc!ci~ humanas e a fonte dominante dos conflitos serão cultu- relationu umõl mud .. nça cumu cs.ca com u mud.-nças enfoC3da.s em
rais"'. P. daroque Huntington pressu~ a/ que aculrura é dissocia- disciplin.u como~ polfcic.1. a cconomi1 c a' comunicaçõ<:) que desco-
da da economia. da ideologia e da hisrória.lronic:unenre, é a inter- brimo.s 2lgumas dn quc:,tõel ma i\ complic.1das mas 1ambém as de
~netração cada vez mais evidente dessas esferas que marca nossa era maior valor humano.•
da culrura, quando o poderio econômico se entrecruu com a expan-
são cultural- bast.t ~ruu no cinema de I Iollywood ou na america- Já está claro também ai que as disciplinas então existentes não
nização do modo de vid.t de largas faiJQ.> do plancra - e a produção comportam asquesrões que incere•sa formular. Para lidar com as
econômica com o convencimento ideológico- mercadorias e pro- novas complexidades da vida cu! rural é preciso um novo voca-
pag;rnd.t são duas faces d.t morna compulsão de criar novas necessi- bulário e uma nova maneira de trabalhar: já esrá dado nesse
dades em mui ro. e dar a poucos a pos.ibilidade de sarisfaü-las. momenro o passo que leva l enruturaçlo dos escudos culturais.
Já na década de 1950, ficou claro para Raymond Williams a No obra de Williams es>e pa<\O implica um mergulho hisrórico
necessidade de tomar uma po•içáo sobre a culrura e de intervir no nos modos pelos quais a cultura foi sendo concebida ao longo da
debare para demonstrar as conexõ~ enue as diveroas esferas e sal- hi>rória inglesa moderna. Anres de deslocar as concepções e
vaguardar o conceito para um u~o democdtico que conrribuisse rnfases do debate sobre a cultura, é preciso mapear seu desenvol-
para a mudança social. O ponro de visu da inter-relação entre vimento histórico.
fenômenos culturais e socioeconOmicos e o Impero da Jura pela
transformação dom undo são o impulso inicial de seu projero ime- A TRADIÇÃo•cuLTURA E SOCIEDADE"
lecrual. Escrevendo em 1961, diz: <) estudo clássico de reconstituição hisrórica dos discursos pre-
l'onderantes sobre a cultura na tradiç~o brirânica 6o livro de 19 58
(... ) nes$aahura ficou ainda rn;ais tvidcnre que não podemos entender l.'u/twuwd Socitty. 1780-1950 ', de Raymond W illiams; ao lad o
o processo de tran$form;açJo em que c~1:1mos envolvidos se nos limi- •Ide temos The Um ofLitmuy, de Richard lloggarc (1957), e The
t~umos a pcn$;ar a.s revoluções dcmocr~tica, industrial c cullural como Af,tfting of tbe English Workirtg Class (1963)', de Edward P.
processos S<pat•dos. Todo nos.o modo de vida, da forrna de nossas I hompson -os trê> considerados, não por acaso, os livros fun-
comunidades~ organizaçlo c conteúdo da tducaçSo, e da escrutura da
JJntcs da nova disciplina.
farnfli:a ao estatuto das arrcs c do cnrrctcnimcnto. e~r~ .sendo profun·
O livro de Williams examina as idéias sobre cultura e socieda-
dameme afetado pelo progr<sso e pela inccraçJo da dtmocracia e da
.le cnfeixadas na mudança do significado de termos como os pró-
i ndú.stciak c ptl<t cxrcns.&o das comunicações. A inctnsificaçlo da revo-
lução culturof ~uma parte importante de nossa experiência mais sig-
nifieaüvil. e esd .sendo intcrprcuda c concc:sc.ada, de formas bastante R.ymonJ Wdlwno , T1N l.lot /Vwh;... l.onJ.... Ch•uo ,nJ Wôndw, 1961. p. .;.
C.Jt.ur •..1 ~ JJB()./,9.)(1[1ml . .....,J,.,. n.. Hoganh rr- 1993.
o;>o ton.;lán .c.n.,. , ..,;,J,W. I JB()./.950 T..J Lroni.bo H 8 H<&<o~ $lo
c.....p.ohu t:.Lton NaioNI. 19691
' Gado <m Pmy Andcnoo A <o•douçio • -
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M"""""'- • 2. Sio P...Jo. lloooanpo. p 21
.,..r....t.,. IA '"'P - - J. E"""- bn.iJcin , A .......... .M n..t ,.,.._ •..pv T..J tk R<turo au...ro Nc<o.
•udu Roclu d<ldmâtlo • o..... a..,....., ..a.
2 $Ao Paulo, P, • Tun, 1981
I • f . STUOOS CUL!UitA!S P'll14fiRA l. I I;AO '5

prios cultura~ sociedade, ~mais indústria, classe e arte d~sde os estes se revoltassem, e que é responsabilidade de toda a sociedade
prim~iros anos d~ consolidaçlo da Revolução Industrial até "o cuidado e a cultura" de rodos; e de Roberr Owen (1771-1858),
1950. O foco do interesse na~ mudanças semlnticas é que elas um dos fundadore; do <ocialismo e do cooperativismo, para quem
encapsulam~ informam reações ~s intensas mudanças <ociais. As a natureza humana nlo ~um dado esdrico, m.a o produto de um
nuanças de significado desses termos slo vi~tascomo um registro e modo de vida, de uma culrura. Com os poetas rominticos, em
uma reação ~s modifica~ sociaiscau<adas pela Revolução Indus- esp~cial William Wordswonh (1770-1850) e Samud Taylor
trial e pela implantaçio de uma ordem capiraliua h~emônica na Coleridge (1772-1834), entra com força a acepção de cultura
Inglaterra a partir do século XVIII. Foi com esse livro que ficou como, nas palavras de Wordsworth, o "espírito encamado de um
estabelecida a existência de uma tradição ingl= de debate sobre a povo", a medida da excd~ncia humana, o uibunal perante o qual
qualidade da vida social: de diferem~ pontos de vista poll!icos, os eram julgados os valores reais em oposição ao. v;~ fores "fictícios" do
pensadores agrupados ne....~ tradição vão constituindo um discur- mercado e de outras operações similares do com~rcio e da indús-
so de critica em relação~ nova <ociedade indusuial. tria. Se por um lado ess.t acepção dtva o conceito e conduz a uma
Williams localiza a tradição em obras de autores que o saber tra- vasão ativa da cultura como intervenção na sociedade, por outro a
dicional ~studa em sepuado: en.ío lá analina~ políticos, publicis- coloca como um ab<Oluto,um domínio único, serrado das relações
us, poc:ta.<, romancistas, críticos liredrios. As linhas principais da reais e materiais.
tradiçlo já esr.íodadas nos anos 1700. Por um lado Edmund Burke Um ponto alro dessa md•çlo ~ a figura de Matthew Arnold
( 1729-1797), o feroz oposiror da Revolução Francesa, e por outro ( 1822-1898). Vários de seus remas e direções encontram expres·
William Cobbet (1763-1835), o polemista defensor de uma clas- üo em sua obra. Como os pensadores que o precederam, Arnold
se trabalhadora que se organiz:o. Deixando de lado a oposição usual tem de se haver com as rupturas e crises de uma sociedade cada
da história das idéias entre um conservador c um radical, Williams vez mais industrializada. As injustiças na distribuição das rique-
demonstra que ambos 1.\S ineremes a um sistema que concenua a renda nas mãos de
puucos alimenta a divisão social. A religi3o, poderoso elememo
(... ) criricam a nova lnglarerra a partir de sua experiência da velha opJziguador das tensões sociais, começa a ser desacreditada pela
lngla1erra, e dlo in feio com seu~ 1rabaJhos a tradições fortes de crftja da 'IÜO secularizada da ciência. ~ nesse momento que a cultura é
nova democl'3cia c: do novo indu\rrialiuno, cradiçúc.): que em rntados do komada a desempenhar um novo papel social, o de apaziguar e
s«uJoXXainda são lliva~c releY:Inres.' '" ,•anizar a anarquia do mundo real dos conflitos e disputas
odai>. Confrontando as irrupções sociais dos anos 1860, qua.n·
Na linhagem traçada por Williams, a tradiçlo iniciada por !11 J..\ classes trabalhadores exigem o direito do voto, ele faz. suas
Burke e Cobbet continua nas obras de Robert Sourhey {1774- 1rcomcndações para o restabelecim~nto da pu social:
1843), um dos fundadores do novo conservadorismo, para quem
o Esrado devia cuidar da uúde flsica e moral dos pobres antes que l'crmn.am·mc recomcndu acuIcura como um de nOSSOi principais auxi·
liattS do ante das dificulcbdC$ aou•is, a cuhuro como a bu..:a da perfeiç1<>
, rurmond w.u...,., c.Jt." *"" s.m., ... op. "'· r • por meio do conh«im<nto, em todas as quc.tóo rdcvanrcs. do melhor
16 &SrUOO$ CULT 'i,H IA IS 'lii i M( I RA L I ÇÃO 17

que foi p<-nsado c diro no mundo, c, por meio dc:ssc conhc:c1mtnfo. a d11 rapcíto ~qudc li>rc tratamento cspcculativo de todas as coisas. que
cap.acicbdc ck dedicar um pcns;uncmo renovado c ltvrc a nouas noçl>n pode um dia crncr bc:ncrkio~ a essa tsfe:ra, r:ru.s de um~ forma nculra c
c h.ibi co.s corriqueiro..• ponanto irrcsistí•td ...

Para a coesio social , o melhor rem&lio n;io ~a justiça, ma$ a E o que vai encontrar o crlnco com sua linguagem inocente?
p<XSta: Nada mais nada menos do que se esconde para todos os outros: a
verdade e a cultura. O crítico vai vigiar o campo do humano c pre-
A pocsi.1 cem um grandt futuro, porque é na poesia, quando~ digna
servá-lo das investidas dos jacobinos e dos partidários da ciência e
de seu elevado destino, qut nossa raça,~ medida que pa.ss.t o tempo,
do progresso material. Enquanto o mundo concreto não estiver
vai encontrar um apoio cada vez mais firme. Não h& um ;a ~ó crença que
pronto para receber o humano, recorra-se à força. Sua máxima
nlu scjtt oahal:td:t, nem um só dogma que náo seja qucsuonJvc:l, nem
um;t crJdi\ãO ()UC nlo ameace se dissolver. Nossa rcligi!io &c m:Jt(riali·
política vai embasar a posição reacionária de muito da critica sub-
zou em um f~to. em um flco suposto, ela ligou .1 cmoçJ.o :1 CMC f;no e seqüente: "U.<e a força at~ que o direito esteja pronto, e at~ que o
.~gou <-<>e fato o>tj sendo dcufiado. M .. para a po<sia • id6a ~tudo: direito oteja pronto a ordem vigente das coisas é justificada, ~ o
o resto~ um mundo de iludo, de Ilusão divina A po<sialisa aemoç5o governante legítimo"".
~ iM~a : a idiia ~o faro• Com Arnold a tradição completa o processo de abstraç.í.o do <en-
tído de cultura e a definição do papel do crítico: a \·erdadeira critica
O pr~o a ~r pago para que aculruraem geral e a poesia em par- ~isenta; sua função, embora social, esrá apanada de todas as esferas
licular se de.,incumbam desse papel também já está claro em onde efeuvamcnte <e dá a vida real. Cabe a esse mundo de "doçura e
Arnold. r._ preci!.o <~porar as esferas da cultura das da polftica e da luz", pela açáo do critico, salvaguardar o campo do humano.
práticA. Pua assegurar seu direito de ser a expressao de toda a Nas colocações de Arnold vai se forjando o molde que dar:!
humanidade, a crltic.1 da cultura, que na maioria dos casos para forma à prática crítica subseqüente. Está montada ala estrutura
Arnold~ sinônimo da critica literária, deve encontrar uma lingua- que permitida disjunção de base da atuação da crítica da cultura
gem "inocente". Assim ele se expressa em seu Th~ Function ofCri- em geral e da liter~ri:t em particular: é o tribunal onde se aferem os
ticitm at th~ Prrsent 7im~ ( 1864): valores de uma sociedade, sem no entanto se imiscuir nas polêmi-
cas e nos conflitos que definem esses valores. Está dado o caminho
Onde podc:rt:mos encontrar uma linguagem que seja inocente o basun~
que leva a um certo conformismo militante da critica literária: é
tc~Iatvldcnciu a puma sem manchas de OO$$U imcnç6es?Tcnho pua
uma instância que se auto-representa como radical, como de opo-
mim que o critico deve se mlntcr af.nado da prática ímcdiora na esfera
sição aos valores vigentes, mas, na medida mesma em que se refu-
polí1ica, <oei.J c humanit1ria, se quiser csubdcccr uma po.iç•o no que
gia na abstraç.ío, sua atuação se dá no sentido de manter o estado
de coisas a que pensa se opor. Nesse sentido, a crítica da cultura nos
1
M.1tthcw Amold. CIÚhm! •Ni Avrrh1 [J869] . .RrpuhJieado an S. Collini {01&-) CNftvtr
•'*' AMrrh1 •""•t/Jtr Wrl'li"lf Cambrid~, Cambrid~ Univtt'llry ))rtU, 199}. p. )3-188.
' Idem. T1N Ssút/y 41Wtry. Rtpuhlicado em Sd«ttrllf+itin;p, H.amunond&WOittl, Ptnguln, •• ldC"m. ibidttn, p. 147...8.
1970, p. '40. 11 ldnn, ibidem. p. l38.
I 8 !$tUDO$ CULTURA l !
PRIM[ I RA l iÇAO 19

moldes pr~conizados por Arnold r~ali1a os ideai~ de Burke, para ditos grandes, o poeta concede: cultura~ mais do que literatura e
quem era precisoquea culturaajud.use aconrer "a multidão imun- as outras artes,~. como queriam os de ímpetos mais democratizan-
da" que estaria pro ma para pisotear "a lu1. e o saber".
tes, não o apan:igio de uns pouca> homens cultos, mas de todo um
Não~ l roa que Arnold ~considerado o fundador da critica lite- modo d~ vida. Esse um argum~nto dos que pret~ndiam valorizar,
dria inglesa conr~mporlnca, a ftgura que faz a ligação histórica dos por exemplo, as produções culturais das cla~<e> trabalhadoras. Mas
temas da cultura e da sociedade. Como Burke, ele insiste no papel e..sa ênfase d~mocrática, de ~stend~r o conc~ito para abarcar todas
da tradição cultural de funcionar como um cim~nro <ocial,ligan- as estruturações de significados e valores de uma <ociedade, logo é
do part~s em conflito. Como os poeus romlnricos, reserva um anulada por meio da inuoduç.io de graus de ac~sso ~de rreinamen-
papel especialfssimo para a lít~rarura. Como Coleridge, separa cul- to. Para cura dos males da sociedade contemporãnea, Eliot defen-
tura- o mundo dos valores apirituai> ~da criatividade-~ civili- de um sistema hierirquico que. lido hoje, dá noticia da força da
zação- o mundo material e mednico da mesmice. Defende, ideologia de raça e indivíduos superiores que tanto dano causou
ainda, a criaç.io d~ uma ca.ta, a r«diçlío da cleraia preconizada
durante a Segunda Guerra Mundial:
por Coleridge, a classe que deveria ser tr~inada para m•nr~r vivo o
mundo da doçura~ da luz.
Pamxr·me..i.l qut na medid-a em que apcrfciçoarmol os modos de iden-
A geração seguinr~ l de Arnold, enfocada na Pane I I d~ CtJlturr tificar na ma.is lenra idade, tduar para ~u papd no fururo, e colocarem
and Soc~ty. qu~ cobre os anos de 1880 2 I 91-1, m•nrém as linhas posições de comando ts.\cs indtvrduo~ que fonnarlo :&\elite~, todas as dis-
gerais da tradiç.io. f no s~ulo XX, com o exame de corno essa tradi- 1inçflCS amcriorcs de classe e de hicrarquta se corn:aráo um mero vtsrígio
ção desemboca no trabalho d~ pensadores inlluemescomo o poeto, uu simples sombra, c a única di11cinç;ao de nrvd 1ocial i<: fá entre as di'cs e
crítico e teatrólogo T. S. Eliot c doscrfticos liter~rios F. R. Leavis ~I. n r~to da comunidade, :1 menu) que, como pode ocorrer, v:S haver uma
A. Richards, que ftca clara n intervenção polrticn que motiva o pro- mdem de precedência c prt)tlgio encrc as próprias e1ires.u
jeto de Williams. O movimcnco do livro mostra como a tradição
de cultura e sociedade ataca o stlllltJ fJIIO em nome de uma socieda- 1\ outra posição dominante no cenário intelectual ingles, a do
de mais orglnica. Com o tempo, essa posição vai se ~nfraquccen­ t\1"1'" da revista Scn•tiny, lid~rado pela figura-chave do estudo da
do e se estruturando como nostalgia de um passado sociocultural JtiJil influcnt~ das disciplinas da ~poca,o Cambridge English, F. R.
I
irremediavelmente perdido e asserçlo da cultura como um absolu- l.nvi,, n,\o diferia muito desta. Para 1.eavis,legftimo herdeiro de
to, um domínio separado das relações reais e mat~riais. No contato uold. J cultura era posse de uma minoria, que deveria preservar
da Inglat~rra dos anos 1950 esses ideais embasam as posições que lurcs humanos ~difundi-los por meio da educação, como
precisam ser deslocadas para que se possa leva r o debate para o campo m.t ,(~ mmotar os males da civilizaç5o moderna.
de uma polirica cultural mais democr~tica ~militam~. l.scas s:io as posições que Williams tem de deslocar para poder
Uma das primeiras providencias~ demonstr:u o que se esconde um pAsso adiante em relaç.io à tradição de cultura e sociedade_
por tds da linguag~m "inoc~nre" de um dos livros mais influentes propooiç:io ~ de uma cultura em comum. Essa concepção
da~poca, oNotn Towards rlx lhfiniuonofCultu"(l948), de Eliot.
No tom devado que caracteriza os pronunciamentos dos homens N«n ,._,.tio. {),fi.m.. <{c.ltwr ._.,... F.hor ....S F.bcr, I~ p 36-7.
2 o E"TUOO~ CUlTURAIS
P II IIM[ I !IIA I,IÇ-'0 21

depende de uma vis.io que ele nào inclui na da tradição, a de que a E. P. Thompson (1924- 1993), vindo do Partido Comunista-
cultura~ de todos, que n.io existe uma classe especial, ou um grupo de que se afastou após a invasão da Hungria em I 956 -,é autor de
de j)<'>soas, cuja tuefascja a criação de significados e valores, sejam um dos livros que mudou a forma de fazer história na Inglaterra.
sentido geral, seja no sem ido especifico das artes e do conhecimen- Tk Malring ofth~ English WtJrlrmg C/ass, publicado em I963. ~um
to; estes seriam uma codificação de uma posse comum. O exemplo
do• momentos fortes da tradição de recuperar a •história dos de
mais claro da depen~ncia da criação de processos que são comuns
baixo", não como mero ap~ndice da historiografia oficial, mas
à roda a sociedade~ a linguagem; ela~ uma pdtica social cujo signi- como um movimento impulsionador da hi>tória geral. Ao lado de
ficado~ estendido e aprofundado por certos indivlduos, cuja criati- Williams e muitos outros, Thompson foi membro influente da
vidade depende do grupo social p.ua sua inrdigibilidade. A criação Ncw Lelt, um dos moVImente» inrdectuai> mais fecundos da histó-
de significados e valore. ~comum a todos, e suas realizações são
ria cultural inglesa do s«ulo XX..
parte de uma herança comum a rodo•. Em oposição~ idéia de uma Richatd Hoggarr (I 9 I 8-), como Raymond Williams, vinha da
minoria que dcxide o que ~cultura e depois a difunde entre "as mas- classe trabalhadora e tinha fonnaçáo em literatura. Em 1957 publi-
sas", Williams pro~ a comunidade de cultura em que a quen.ão cou seu livro mais conhcxido, 1k Usn oflirmt?• onde estuda as tra-
central é facilitar o acesso de rodos ao conhecimento e aos meios de dições culturais da cl;use trabaU1adora urbana e o impacto da cultura
produção cultural. A idéia de uma cu h ura em com um ~apresenta­ d~ massas sobre seus hábitos e co<tumcs, que estariam sendo desuul-
da como uma critica e uma alternativa 1culrura dividida c fragmen- dos pela vulgaridade e pelo baixo nfvcl das novas manifestações. Sua
tada que vivemos. Trata-se de umaconcepç.ão baseada não no prin- atenção detida aos procedimentos da imprensa popular, do cinema e
cipio burguês de relações sociais radicadas na supremacia do dos costumes da vida cotidiana fa1. de seu livro um dos primeiros
indivíduo, mas no principio alrernativo da solidariedade que
exemplos do tipo de investigação que marcaria os estudos culturais.
WiUiams identifica com a classe trabalhadora.
Fm 1964, quando era professor de Literatura Inglesa Moderna na
Esse o ponto de superação da tradiç-lo de cultura e sociedade. O Universidade de Birmingham, fundou o Centro de SnodosCulru.rais
livro de Williams pode ser visto como o primeiro passo necessário Contemporâneos (CCCS), de que foi diretor até 1968. Esse centro
para deslocar esse discurso e conformá-lo à nova paisagem social da toncentrou muitas das figuras importantes da nova disciplina, como
Inglaterra do segundo pós-guerra. Estão dadas as condições para Stuart Hall, Dick Hebdige e, mais recentemente, Paul Gilroy.
que membros da classe que Burke temia e Arnold queria conter A proximidade biográfica- ambos são da classe trabalhadora,
com a doçura e a lut da cultura dêem sua própria versão da tradi- <onseguiram bolsas de estudo para a universidade onde estudaram
ção que os exclui.
l.t"tras -e de área de interesse- os dois se interessam por manifes-
l;oções que a tradição da alta cultura relega à confusáo conceitual de
A CULTURA DA SOLIDARIEDADE
cultura popular, de massas, da classe trabalhadora e são co-respon-
O olhar sobre a cultura do ponto de visra da classe trabalhadora ~~vcis pela instituição da nova disciplina de estudos culturais- rem
une os representantes mais notáveis da tradição de cultura e socie- lrvado muitos a confundir as duas figuras, ensejando a refer~ncia
dade posterior aos anos 1950: Richard Hoggarr, E. P. Thompson loern-humorada ao mito como "Raymond Hoggart".
e o próprio W-.Jiiams.
Mas de f..to há diferenças grandes de c>tatura e de posições teó-
22 C$'JUOOS CUl'TIJitA I $ PAIM! I RA L I ÇAO 23

ricas. A intervenção de Hoggart nlo tem o alcance histórico ou teó- m••s estruturames da posição da tradiçSo de cultura e sociedade.
rico da de Williams. T/,~ Um ofliumcy é uma representação da Nela, a "Cultura", com C maiúsculo, é colocada longe da vida
vida da classe trabalhadora como algo al~m do consumo degrada- matenal, onde encontu seu significado. Para Williams a questão
do da cultura de massas. A emau'gia da argumenraç.lo é estabele- nodal é verificar que a cultura é produzida de forma muito mais
cer a existência de uma cultura como modo de vida boueado nas extensadoquequercm fat.ercrer os defensores da cultutade mino-
relaçóe$sociaisnos bairros da classe trabalhadora. Como Williams, ria. Longe de despreur o que comumente se dCJ>igna como as gran-
ele se ressente do elitismo de Lcavis- reclama, em um texto de de. obras da Cultura, é preciso se apropriar dcsu herança comum
1963, que as tentativas de implementar o plano eduocional de retida nas máos de poucos, por meio da abertura do acesso aos
l.eavis, formar a minoria crltia, n.io davam muito cerro nas aulas meios de produção cultural. Williams lembra que é preciso insur-
para adultos, uansformandoo profe•-or em "uma espécie de mem- gir-se ainda contra uma outra identificaç.io mdébita, a de cultura
bro de equipe de vacinação antitetánia em visita a uma comuni- popular com cultura de masu. Já na resenha de Tht Uus of Litt-
dade primitiva"". Entretanto, n~o lhe ocorre que.tionarquem aui- racy, de se diferencia de Hoggart ne.>se aspecto crucial:
bui valor cultural e para quê. Deixa escapar a oportunidade de ver
queodomlniodacultura não é um campo dado eest~tico, masesd lHoggart], ainda que com de«ulp.u e rc.<;>iv:J>, admi1c a idcnuficação
aberto à contestação e à reapropriaçlo. Para quem n.lo questiona o cxtrcm;~menr~ d.anoSJ. e equivocad~ entrt cultur:. populu (jornallsmo

que é alta cultura ou quem decide o que é relevante culturalmente comercial, revistas, enuctcnimcnto) c .a cul1ura d.l cl.usc trabalhadora.
e o que não é, a salda política se resume a difundir pela educação "o De faro, a grande fomcdc.sa cuhur> popular <>t.l lxm longe da classe ua·
melhor que foi pensado pela humanidade", sem se preocupar com balhadora, pois trata.-se de uma cultura que foi in$titu(d;~.J financiada c
operac.ionalilad:a pda burgue.~i:a, e co•Hinu.a sendo tipicamente capitalis-
quem arribui valor cultural ou decide que panes da humanidade
ta em seu modo de produção c dimibuiç.,o."
"têm" cultura. Nesse sentido, seu projetO, assim como o de Leavis,
retém a inflexão arnoldiana do dever de guiar e proteger as massas.
A diferença fundamental que a contribuição de Williams tra:t
Volta com força total a idéia de Coleridge da necessidade de treinar
ao debate é a percepção marcrialista de cultura: os bens culturais
uma clerezia, a minoria capaz de guiar as massas nos caminhos da
são resultado de meios também eles materiais de produção (indo
altaculrura e de defendê-la- por meio do cultivo de valores espiri-
desde a. linguagem como consciência pr:ltic.1 aos meios eletrônicos
ruais- das mazelas do materialismo da civilizaç.'lo comemporãnca.
de comunicação), que concre!Í:tam relações sociais complexas
O discurso de Williams vai, ao longo de sua obra, desmontando
envolvendo instituições, convenções e formas. Definir cultura é
essa dicotomia entre cultura e civilização e suas oposições correla-
pronunciar-se sobre o signifiodo de um modo de vida. Esse o vasto
tas entre mundo espiritual e material, criatividade e meanicismo,
campo de estudo c intervenção aberro aos estudos culturais no
grande arrc e vida ordinária. Sua obra pretende superar as dicoto-
momento de sua formação.

•J b:hard Hogat·•· T~"llitnr~Jwrt Londrn. N.too.W l.u•in.u~ oi An and EdtK.Ition,


1963.Qado.., P.ulJoncs ,n..M,..hof "tt.,...-d u_.·. 0n i'ounolmahlhct,..,d " R.Jrmood W.lli=s. Firoon anJ ch< Wminc l'ubloc. R<v>cw o( .W...d Hogan"L la Tio<
a.Jnu.ll'olicy In (Ãb,J~ • 8, n I. P., 1,4. p. 397 V., <fü*-7· E-,.•• c;,,.,... n 7. 19S7. p. 41S.
24 f:!TUOOS CU L TURA I S ,R I WE I AA l IÇA O 25

DESDOBRAMENTOS: O DEBATE HOJE


Do mesmo modo, a cultura não mais transcende a política co-
Apesar das lluruações de sentido ao longo da histório, que foi resu- mo um bem maior, mas representa os termo; em que a polltica se
mida de forma sumária nesta primeira liç~o. a definição de cultu- articula. Como lembra Edward Said, "a cultura é o campo de bua-
ra, em seus diferentes momentos, denotava uma categoria inclusi- Lba no qualascausasseexpóem à lu~ do dia e Juram umas contra as
va, em que as particularidades se dusolvíam em um termo maior ...
oucras .
que abarcava valores e significados mais gerais. Uma das medidas Esse novo movimento, por um lado, deitou por terra as preten-
do valor de cultura, como as artes, era justamente que estas desti- sões à neutralidade c à inocência da cultura. Por outro, e.trcirou a
lavam esses valores "universais". Como diz um comentado r irôni- noção do político, reduzida agora a uma prática cultural c à defesa
co e acurado:
do particulari<mo de diferenças culturais.
Esse estreitamento acaba aproximando os e.uidentes ativcstas
Tr.adic:iona.lmcntc. 2 cuhura cn um modo ck ncucra.liur nossas pa.nicu-
culturais pós-modernos dos combativos dcfcnsore. da Cultura
laricLtdes mosquinhas em um m<io m•iJ abrangcnr. que indu!• cod.. as
como refúgio dos negócios do esp(riro, o reino onde sedamos
coisas. Como uma form;a de subjc:rivid.Jdc univcn:al, dc~ign.tva aqueles
valores que e<>mpanilhávom<>< rodO> ptlo <implcs faco de no.u hum•ní- todos humanos junros e a partir do qual se julgaria a <acied.ade e, a
dade comum ... Ao ler, õlS.)i.)cir um c"'pct.iculo ou ouvir mú.\iea, cc:,loclva- longo prazo, se a modificaria. Ambos deixam de lado, por exem-
mos em susptnso no~s: cus cmp(ric:os, com tod.u as su.u wnring~nciOLS plo, o dom(nio da economia e da coerçlo do poder do Estado que
sociais, étnicas c SQuais, c assim no$ lrJn\(ormJv.amos em sujeitos uni- a serve. São estes, no fim das contas, que articulam as mudanças
versais. O ponro de visla da ;alu cultuu, auim tomo o do Todo- sociais na direção de seus interesses.
Poderoso. era o pomo de visca de rod:a a pane c de lug.u- nenhum.•~

A partir da d&:ada de 1960 houve outra virada scmintica no


conceito de cultura, enfeixando mudanças na organi~ação social
de um mundo conectado pelos meios de comunicaç-lo de massa,
onde profundas transformações econômicas e polfticas acabaram
por enfraquecer um projeto coletivo de mudança social.
"Viva a diferença" e "abaixo o universalismo" parecem ser as
novas palavras de ordem em uma época a que se convencionou cha-
mar pós-moderna, como se tudo tivesse ultrapassado o comempo-
rineo. Nesse novo momento, a Cultura, com maiúscula, ~ substi-
tulda por culturas no plural. O foco n5o é mais a conciliação de
todos nem alura porumaculrura em comum, mas as disputas entre
as diferentes identidades nacionais, érnicas, sexuais ou regionais.
., . F.cJ,..nl s.od. c..r,.,.""' /•,.,...._ l.ond.... Ouuo ..,d Wdldu.. "''· p m IEdiçlo
brasil<in.c-r.- ;.,....r.-.
< Tnd Dmiw Boc"""' S.. P•ulo. Comp>Aiw eLo. L<u».
" Tcny E.claon. TIK/IN ofc.lt.,. <>DoN. al&b.tl. 2000. p l8
t99S.(
26 ESTUDO$ CULTURAIS

5UGEST0ES DE LEITURA

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