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LITERATURA

POPULAR

Alessandra
Bittencourt
Flach
Eliana Cristina
Caporale
Barcellos
Literatura popular e
identidade cultural
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Apontar os mecanismos envolvidos na formação da identidade
cultural.
„„ Demonstrar a importância da literatura popular na formação da
identidade cultural.
„„ Identificar, na literatura popular, as marcas da identidade cultural.

Introdução
Quando usamos o termo “popular” associado à literatura, estamos
nos referindo a um conjunto de produções literárias com característi-
cas bem específicas e com uma ampla significação. O que entende-
mos por “povo” é extremamente importante para estudar a literatura
popular. No entanto, o fundamental é que a literatura, juntamente
com outras expressões artísticas populares, faz parte de um imenso
patrimônio cultural, que representa nossa identidade e evidencia um
importante senso de pertencimento. Neste texto, você vai conhecer
um pouco mais sobre a relação entre a literatura popular e a identi-
dade cultural.

Cultura e identidade cultural


Você já sabe que o homem é, por natureza, um ser social, um produto cultural.
Mas o que isso quer dizer?
Durante muito tempo, a ideia de cultura e identidade esteve associada a
uma visão nacionalista – cultura brasileira, identidade brasileira, povo brasi-
leiro e, por extensão, uma literatura popular brasileira. Tal abordagem chegou
até a despertar um senso de patriotismo (valorizar e exaltar o que é nacional).
Além disso, chamou a atenção para a importância de estudar melhor aquilo
que pertence ao país, em vez de buscar imitar modelos. Em contrapartida,
tal enfoque apresenta alguns riscos, em especial o risco de homogeneizar ou
simplificar conceitos como cultura, identidade e até de nação. Também pode

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levar a desconsiderar algumas práticas por não se enquadrarem numa defi-


nição restrita de cultura ou povo.
Desde o início do século XIX, quando essas visão nacionalista ganhou
força, até os dias de hoje, ampliaram-se bastante esses conceitos. Quando
atualmente tratamos do assunto, devemos considerar uma série de questões,
como, por exemplo, a diversidade cultural e a importância de haver espaço
para todo tipo de expressão cultural, sem que alguém ou alguma instituição
imponha parâmetros ou delimitações a isso.
Quanto à literatura, sabemos que ela é produto do seu meio – mesmo que
um autor crie uma história que se passe em época diferente da sua ou mesmo
em outro planeta, ainda assim, aspectos de seu contexto cultural estarão evi-
denciados.
Na literatura popular, porém, esse processo se dá de um modo mais parti-
cularizado. A literatura, assim como a música, a pintura, a escultura, a dança,
as festas e outros expressões populares, são produzidas e divulgadas a partir
de um vínculo cultural e identitário bem significativo.
Inicialmente, essas manifestações artísticas tinham vínculo com rituais
e crenças compartilhados por certos grupos. Aos poucos, modificaram-se e
ampliaram-se, tornando-se produtos estéticos, com fins de entretenimento.
Contudo, conservam resquícios dessas práticas.

Figura 1. Festa de São João.


Fonte: Bricolage/Shutterstock.com

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A cultura popular conserva uma relação muito estreita com os hábitos


de vida, com crenças e valores. Você percebe isso nos contos, nos folhetos
de cordel, na música, nas festas. Veja, por exemplo, que as comemorações
juninas celebram a vida do homem sertanejo e suas atividades diárias. A festa
é recheada de simbologias e significações.
A cultura popular está associada a essas relações de trabalho e vida sim-
ples, a um tempo em que as relações se davam por meio da presença, do con-
tato olho no olho. Os códigos de conduta e os ensinamentos eram transmitidos
através da palavra, a qual tinha força de lei.
De certa forma, há um conservadorismo nesse processo. Como práticas
sagradas, elas tendem a se reproduzir mais ou menos preservando as formas
originais (daí os resquícios dos rituais). Não significa que essas práticas cultu-
rais não se atualizem e se adaptem às naturais transformações do mundo. Isso
acontece, sim. Por isso é que a cultura popular é complexa e rica de significa-
ções e ainda hoje tem razão de existir.
E também, por estabelecerem um vínculo cultural, não precisamos temer
que vão desaparecer diante de novos hábitos e tecnologias. Elas se adaptam
(ainda que em um processo mais lento). Se não forem mais significativas,
essas práticas culturais desaparecem ou são substituídas naturalmente.
Para estudar os produtos dessa cultura – como a literatura popular –, é
preciso reconhecer as várias marcas de tempos passados e modos de vida que
se transformam. Mais do que isso: qualquer produção literária popular reflete
os interesses e os valores desse grupo, atende a certa expectativa.
A aceitação, o reconhecimento e a reprodução dessas produções literárias
se dão em um processo de identificação cultural, reforçando as marcas de
uma coletividade, atendendo a uma necessidade de pertencimento, de vín-
culo, tão indispensável em nossas relações sociais.

Diversidade cultural
Diversidade cultural é um conceito relativamente recente, como são re-
centes as leis que determinam promover e valorizar a diversidade cul-
tural. Com isso, a cultura popular e suas manifestações ganham amparo e in-
centivo, um meio de fazer com que chegue a mais pessoas e seja reconhecida
como parte da nossa identidade.
Isso tem relevância porque, por muito tempo, o mais valorizado era a cul-
tura “estrangeira”. No século XIX, por exemplo, quando o Brasil ainda era

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colônia de Portugal, difundia-se a ideia de que a cultura boa e de prestígio


era a europeia e que a “boa formação” só poderia vir dos livros e do domínio
da arte erudita – ópera, orquestra, teatro, literatura. Por extensão, a cultura
popular era desprestigiada, considerada coisa de pobre e iletrado.
A diversidade cultural sempre existiu, mas, em algumas épocas, essa mes-
tiçagem era vista como algo negativo. Valorizava-se a pureza da raça e a
fidelidade e processos estéticos padronizados.

No final do século XIX, houve, no mundo todo, um importante avanço das ciências natu-
rais, com descobertas significativas e uma valorização do olhar cientificista. Teorias como
o evolucionismo de Charles Darwin e o determinismo de Hippolyte Taine defendiam a
importância da adaptação do homem ao meio, destacavam as reações instintivas e indi-
cavam que a genética tinha grande interferência nesse processo. Daí interpretações um
tanto equivocadas que priorizavam a importância de uma pureza de raça

Figura 2. Evolucionismo.
Fonte: williammpark/Shutterstock.com

O brasileiro, sob essa perspectiva, era visto como mais fraco, mas susce-
tível (física e moralmente), porque produto de uma diversidade, diversidade
essa que ainda contava com a influência africana, também menosprezada.
E a literatura? Bem, a literatura erudita, de alguma forma, submeteu-se a
essa perspectiva, e isso se deu de duas formas – menosprezando o elemento

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local e valorizando a imitação de modelos europeus ou olhando para o ele-


mento nacional como algo exótico e frágil.
A literatura popular, como produto de uma coletividade, fica alheia a tudo
isso. Porém, são os estudiosos que vão olhar para ela de um modo diferente,
com consequências importantes. As manifestações literárias populares serão
classificadas a partir das influências raciais e culturais, o que é uma forma
bem simplista de análise, ainda que condizente com o pensamento do período.
Como uma influência do Romantismo, que valorizava o saber do povo,
houve um interesse pelo estudo das produções populares. Mais tarde, no final
do século XIX, sob o viés cientificista, essas produções continuaram a ser
estudadas e classificadas.
Sílvio Romero, um pesquisador dessa época, publicou uma recolha de
contos (Contos populares do Brasil, de 1897), os quais foram divididos em
três categorias – contos de origem europeia, contos de origem indígena e
contos de origem africana e mestiça. Essa divisão é condizente com esse
olhar determinista da época. Ao fazer essa divisão, podemos perceber o que
o pesquisador considera como elementos constituintes da cultura brasileira.
Os contos de origem europeia são aqueles que envolvem elementos má-
gicos, reis e príncipes. Os contos de origem indígena são as histórias de ani-
mais (não aparecem indígenas!) e os contos de origem africana e mestiça com-
preendem também histórias de animais (em especial, o macaco) e facécias,
ou seja, histórias que provocam riso, expondo personagens bobos, pregui-
çosos, ladrões, o que é um indicativo do que se pensava em relação ao povo
de origem mestiça. Vejamos um exemplo deste último ponto.

O NEGRO PACHOLA

Havia uma senhora de engenho casada e sem filhos. Adoecen-


do o marido e morrendo, ficou em lugar dele um preto africano,
chamado Pai José. Assim que Pai José ouviu dizer que ia governar
o engenho, ficou muito orgulhoso.
Logo que foi distribuir o serviço com os outros ne-
gros, passou ordem a eles que, de ora em diante, não o
tratassem mais por Pai José, e sim Sinhô Moço Cazuza.
Os negros lhe obedeceram. E, quando o viam, diziam: “A
bença, Sinhô Moço Cazuza.” O negro, muito concha, respondia:
“Bênção de Deus.”

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Não ficou só aí o orgulho do negro. Quando chegou à casa,


disse para a senhora: “Meu sinhá, quando Sinhô Moço Cazuza
chegava em casa cansado, meu sinhá não mandava logo botar
banho para ele? Pois eu também quer.” A senhora, coitada, não
teve outro remédio senão mandar botar banho para Pai José.
Não satisfeito ainda, disse o negro: “Meu sinhá, não mandava
mulatinha esfregar costa de meu sinhô? Pois eu também quer.” A
senhora mandou a mulatinha esfregar as costas de Pai José. Este
ainda continuou: “E meu sinhá não dava camisa gomada pra meu
sinhô vestir? Pai José também quer.” A pobre mulher foi buscar
uma camisa engomada, deu a Pai José para vestir. E, vendo que
devia acabar com as pacholices daquele negro, falou com dois
criados, muniu-se de dois bons chicotes e mandou-os esconde-
rem-se no quarto. Esperou que o negro pedisse mais alguma coi-
sa. E não tardou que ele dissesse: “Meu sinhá, quando meu sinhô
acabava de tomar banho e de vestir a camisa grosmada, ia para o
quarto pra meu sinhá catar piolho nele? Pai José também quer.”
A moça não teve dúvida. Mandou-o entrar para o quarto e deu
ordem aos criados que empurrassem o chicote.
Se ela bem ordenou, melhor executaram os criados. Pai José apa-
nhou tanto que escapou de morrer.
No outro dia, bem cedo, o negro foi para a roça ainda muito ma-
goado das pancadas. E, quando os negros o saudaram: “A ben-
ça, Sinhô Moço Cazuza”, ele muito zangado respondeu: “Cazu-
za, não, eu sou Pai José.” E deu ordem para o tratarem pelo seu
próprio nome. Os negros muito admirados ficaram sem saber a
causa daquela mudança.
Nunca mais Pai José pediu banho, nem camisa engomada, nem
à senhora para catar piolhos.  
(ROMERO, 1985, p. 194)

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O conto mostra as relações sociais de poder e dominação, através da lição


dada ao “pai José”. Mostra também a vida nos engenhos, a escravidão e al-
gumas práticas cotidianas. Na moral do conto, percebe-se certa visão precon-
ceituosa e a valorização dos brancos, em detrimentos dos negros.
Leia a análise da literatura popular feita pelo próprio Sílvio Romero, à
época:

As relações da raça superior com as duas inferiores tiveram dois


aspectos principais: a) relações meramente externas, em que os
portugueses não poderiam, como civilizados, modificar sua vida
intelectual que tendia a prevalecer e só poderiam contrair um ou
outro hábito, e empregar um ou outro utensílio na vida cotidiana
ordinária; b) relações de sangue, tendentes a modificar as três ra-
ças e a formar o mestiço.
(ROMERO, 1985, p. 16)

través dela, notamos o reconhecimento de um multiculturalismo brasi-


leiro, representado pelo mestiço, mas, ao mesmo tempo, uma noção que su-
pervaloriza uma cultura em detrimento de outras, consideradas inferiores e
desprovidas de “civilidade”.
Felizmente, o que era considerado uma fraqueza – a mestiçagem – foi
sendo percebido como uma riqueza, uma fonte inesgotável de criação, desper-
tando interesses legítimos em termos de estudos, especialmente a partir dos
anos 1920, com o Modernismo brasileiro.
Atualmente, a diversidade cultural é mais valorizada, porque há um
maior reconhecimento da complexidade de elementos e influências em
nosso meio. Até mesmo os Parâmetros Curriculares Nacionais, um do-
cumento que normatiza o ensino no Brasil, reforça a importância de co-
nhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro.
Algumas leis preveem o ensino da cultura afro-brasileira e o contato com
as culturas indígenas, em uma tentativa de nos reconhecermos como pro-
duto de uma sociedade que valoriza a liberdade de criação e de expressão
cultural.

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O contador de histórias – um mediador


da cultura
Para deixar mais clara a relação entre a cultura e a literatura popular,
vamos analisar agora um aspecto essencial na literatura – o contador de his-
tórias, ou cantador, ou poeta.
Como dissemos anteriormente, a literatura popular conserva resquí-
cios de rituais, que celebravam momentos importantes da vida em comu-
nidade – colheitas, nascimentos, conquistas e até tragédias. Desde tempos
imemoriais, as comunidades mais primitivas se organizavam em torno
de líderes, responsáveis pelos ensinamentos e pela ordem. Em geral, esse
papel era ocupado pelos mais velhos – os sacerdotes, os xamãs. Essas
figuras estabeleciam uma ligação entre o sagrado e o cotidiano. Eram de-
tentores do poder da palavra.
Como sabemos, a literatura popular tem como suas bases a oralidade, daí
o impacto da voz, daquilo que é proferido como valor-verdade.
A partir desse conceito, podemos relacionar a função do xamã com a do
poeta popular, que domina um código social, que conhece o seu grupo, que
recorre à palavra para divulgar e transmitir os saberes de seu grupo. Ele faz a
mediação entre a cultura e as pessoas, através da literatura.
É por isso que, nas histórias populares, comumente percebemos o narrador
se colocar como testemunha dos fatos, para reforçar a importância do que está
sendo apresentado. Ao contar uma história, faz isso levando em consideração
seu papel de mediador da cultura, o que exige conhecimento e experiência,
mas também sensibilidade, para atingir seu interlocutor. Torna-se, de certa
forma, a memória vida de sua cultura.
Observe os exemplos a seguir, que evidenciam o papel do contador de
histórias como um transmissor da cultura.

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EXEMPLO 1 – O BOI LEIÇÃO


Informante: José Maria de Melo, Alagoas
E no dia do casamento houve uma festa tão grande que abalou todo o pessoal da
redondeza. Dançou-se sete dias com sete noites “encastoados”. Naquele tempo eu
ainda era solteiro, e meti-me no meio e dancei tanto que quase me acabo!… A festa
só acabou no fim do sétimo dia; assim mesmo porque os dedos do tocador de harmô-
nico, de tão inchados que estavam de tocar, não podiam mais arrastar o fole.
(CASCUDO, 2003, p. 184)

EXEMPLO 2 – LAMPEÃO ARREPENDIDO DA VIDA DE CANGACEIRO


Autoria: Laurindo Gomes Maciel
Virgolino Lampeão
Se achar meu verso ruim
Deus queira que o Governo
Brevemente dê-lhe fim
Falei somente a verdade
Lampeão por caridade
Não tenha queixa de mim.

Terminei caro leitor


O verso de Lampeão
Descrevi divinamente
O que ele fez no sertão
Nada mais tenho a dizer,
Quando Lampeão morrer
Faço outra narração.
(PROENÇA, 1986, p. 375)

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EXEMPLO 3 – MINHOCÃO
Entrevistado: Vadô
Outro dia, foi dois dia de festa, dois dia de festa. Dois, três dia que nós ia embora pra
buscar padre que tinha lá, pra nós fazer essa brincadeira. Não, mas diz que é, eu tô
falando pro senhor, é realidade! O que eu falo o senhor escreve, eu assino. Então, o
senhor vê como é. Então tá.
Bandeira ficava quadro, cinco dia. Comia capivara, peixe, o que tiver, né? Ah! Nesse
tempo, mandioca tinha todo dia na beira do rio aí. Passava aquela lancha aí, a Cabuxio,
a Panamericana, tudo. No tempo que matava capivara, sabe? Matava jacaré. [...]
Aí, nós tomando umas pinga e tal... Aí o companheiro falou:
– Ah! Rapaz, eu tô cum uma fome muito forte! Eu vou matar uma capivara!
Falei:
– Vamos, eu vou cum vocês.
Outro falou:
– Eu também vou! Vamos caçar aí, matar umas capivara aí, lontra, qualquer coisa, né?
E eu tava enjoado dos remédio e bem passado da bebida. Pegamos essa canoa.
Aaooô rapaz! [...]
E esse rapaz caçava, esse que num quis pegar a bandeira, caçava também. Foi e
atirou nesse bicho. Mas atirou: pá! [...]
Aí o pessoal me disseram:
– Cê sabe o que que é? Esse é o bicho que ele atirou. Esse é o minhocão.
(FERNANDES, 2002, p. 168-169)

No Exemplo 1, temos um trecho de um conto coletado por Câmara Cas-


cudo. Trata-se do final da história. Em primeira pessoa, o narrador, para le-
gitimar o teor do narrado, coloca-se como testemunha e descreve detalhes da
festa em comemoração ao final feliz.
No Exemplo 2, o final de um folheto de cordel. Como é muito comum
nesse gênero literário, as últimas estrofes fazem referência ao interlocutor,
motivando-o a comprar o folheto. Neste caso, em particular, o poeta dirige-
-se, primeiramente, a Lampeão, receoso do impacto da narrativa; em seguida,
dirige-se ao leitor, atestando seu conhecimento sobre o assunto e prometendo
tornar a versejar sobre o tema.
No Exemplo 3, temos a transcrição de um depoimento de um pantaneiro
sobre sua vida de vaqueiro. No trecho, fica evidente a preocupação em ga-
rantir a veracidade do narrado (como nos outros dois exemplos) a partir da
legitimação da própria palavra (“O que eu falo o senhor escreve, eu assino”).

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Também podemos conhecer mais sobre a vida no Pantanal, os hábitos e o


imaginário – como o Minhocão, a cobra que, em noites de lua cheia, suga o
sangue das pessoas.
Nos três casos, há um comprometimento de quem conta com aquilo que
é contado, evidenciando domínio do contexto onde se desenvolve a história.
Através de seu relato, temos as explicações e as informações sobre as práticas
culturais, sobre os modos de relacionar o cotidiano ao discurso literário.
Os textos populares estão repletos de exemplos de modos de ser e de
pensar. Conhecer a literatura popular, entre muitas vantagens, permite co-
nhecermos expressões culturais e, mais do que isso, estreita nossos vínculos
identitários, porque nos reconhecemos nessas histórias.

CASCUDO, L. da C. Contos tradicionais do Brasil. 13. ed. São Paulo: Global, 2003.

FERNANDES, F. A. G. Entre histórias e tererés: o ouvir da literatura pantaneira. São Paulo:


EDUNESP, 2002.

JOLLES, A. Formas simples: legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável, con-
to, chiste. São Paulo: Cultrix, 1975.

MEYER, M. (Org.). Autores de cordel: literatura comentada. São Paulo: Abril Educação,
1980.

PROENÇA, M. C. Literatura popular em verso (antologia). Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/


EDUSP, 1986.

ROMERO, S. Contos populares do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1985.

Leituras recomendadas
BERND, Z.; UTÉZA, F. (Orgs.) Produção literária e identidades culturais: estudos de literatura
comparada. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1997.

ONG, W. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. São Paulo: Papirus, 1998.

ZUMTHOR, P. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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