Você está na página 1de 20

CULTURA E

.HEP ESE

\;{
INTRODUçAO

de diferentes maneiras'
com a ques-
Os capítulos deste livro lidam'
que produz a
é uma das práticas centrais
táo da representaçáo' Esta que tem
um momento-chave naquilo
cultura e se aPresenta como Mas o
"circuito daculturd' (Du Gay et' al" 1997)'
sido chamado de
conexáo existe en-
e ver com "culturd'? Que
que a rePresentaçáo tem
simples' cul-
"cultura"? Colocando em termos
tre "represen taçáo" e
"significados compartilhados"'
Ora' a linguagem
tura diz respeito a "damos sentido"
privilegiado pelo qual
nada mais é do que oo-tio
às coisas, ond'e o significado
i prodt"ido e intercambiado' Signifrca-
acesso comum à linguagem'
dos só podem ser comPartilhados pelo
sentidos e paÍaa cultura
e
Assim, esta se to"'t futtd'mental Para'os de valo-
considerada o repositório-chave
vem sendo invariaíelmente
res e signifrcados culturais'
INTRODUçÃO 19
18 CULTURA E REPRESENTAçÂO I STUART HALL -

O CIRCUITO DA CULTURA "Cultura" é um dos conceitos mais complexos das ciências hu-
manas e sociais, e há várias maneiras de precisá-lo. Nas definiçóes
tradicionais do termo, "cultura" é vista como algo que engloba
"o que de melhor foi pensado e dito" numa sociedade' É o soma-
tório das grandes ideias, como representadas em obras clássicas da
"alta culturd'
literatura, da pintura, da música e da filosofi a - é a
de uma época. Pertencente a um mesmo quadro de referência' mas
com um sentido mais moderno, é o uso do termo "culturd' para se
referir formas amplamente distribuídas de música popular, publi
às

caçóes, arte, design e literatura, ou atividades de lazer e entreteni-


mento, que compóem o cotidiano da maioria das "pessoas comuns".
É a chamada "cultura de massa" ou "cultura popular" de uma época'
Por muito temPo, o confronto entre alta cultura e cultura poPu-
lar foi a maneira clássica de se enquadrar o debate sobre o tema - em
que esses termos se viam inevitavelmente atrelados a uma poderosa
Mas como a linguagem constrói significados? Como sustenta o carga de valor (grosso modo, alta = bom; popular = degradado)' Nos
diálogo entre participantes de modo a permitir que eles construam últimos anos, porém, em um contexto mais próximo das ciências
uma cultura de significados compartilhados e interpretem o mundo sociais, a palavra "cultura" passou a ser utilizada para se referir a
de maneira semelhante? A linguagem é capaz de fazer isso porque tudo o que seja característico sobre o "modo de vida" de um povo'
ela opera como um sistema r€?reseruta.cional. Na linguagem, fazemos tle uma comunidade, de uma naçáo ou de um grupo social - o que
uso de signos e símbolos - sejam eles sonoros, escritos, imagens ele- vcio a ser conhecidp como a definiçáo "antropológica"' Por outro
"va-
trônicas, notas musicais e até objetos - para significar ou represen- hclo, a palavra também passou a ser utilizada para descrever os
tar paÍa outros indivíduos nossos conceitos, ideias e sentimentos. krres compartilhados" de um gruPo ou de uma sociedade - o que de
A linguagem é um dos "meios" através do qual pensamentos, ideias ccrto modo se assemelha à definiçáo antropológica, mas com uma
e sentimentos sáo representados numa cultura. A representaçáo pela ôrrÍàse sociológica maior. No decorrer deste livro, o leitor encontrará
linguagem é, portanto, essencial aos processos pelos quais os signifi- cviclências de todos esses significados. Entretanto, como o próprio
cados sáo produzidos - e é esta a ideia primordial e subjacente que títqlo do livro sugere, o termo "cultura" será geralmente utilizado
sustenta este livro. Cada um dos capítulos subsequentes examina rrt;ui de uma forma diferente' mais específica.
a "produçáo e circulaçáo de sentido por meio da linguagem", em A importância do sentido paÍa a definiçáo de cultura recebeu
relaçáo a diversos exemplos e diversas áreas de prâticasocial. Juntos, i.rrlàsc por aquilo que passou a ser chamado de "virada cultural"
csses textos avançam e desenvolvem nossa compreensáo de como a rlrs ciências humanas e sociais, sobretudo nos estudos culturais
lcp resentaçáo realmente funci ona. t. na s<lciologia da cultura. Argumenta-se que cultura náo é tanto
lNrRoDUçÀo 21
-
20 CULTURAEREPRESENTAçÁO I STUARTHALL

chamam de diferentes
rv e certo contexto de uso e do que os filósofos
um conjunt o de coisas- romances e pinturas ou programas de fronteiras' a lingua-
"jogos de linguagern' (a saber, a linguagem das
histórias em quadrinhos mas sim um conjunto de práticas' Basi-
-,
de sen- gem das esculturas, e assim por diante)'
camente, a cultura diz respeito à produçáo e ao intercâmbio pessoas e eventos
Em parte, nós damos significados a objetos'
tidos o "compartilhamento de significados" - entre os membros
- levamos a eles' Em
po. -.io de paradigmas de interp tetaçâo que
de um grupo ou sociedade' Afirmar que dois indivíduos pertencem como as utilizamos ou as
mundo de p".a., d"..ro, ,..rtido às coisas pelo modo
à mesma cultura equivale a dizet que eles interpretam o que fazemos de
integramos em nossas práticas coddianas' É o "to
maneira semelhante e podem expressar seus pensamentos e senti- tÀ- que faz disso uma "casa"; e o
umJpiha de tijolos
mentos de forma que um compreenda o outro' Assim' a cultura "'g"-"ssa
a respeito dela é o que faz dessa
que sentimos, Pensamos ou dizemos
depende de que seus participantes interpretem o que acontece
eo
sentido às
"casa" um "lar". Em outra Parte aind'a' nós concedemos
seu redor e "deem sentido" às coisas de forma semelhante' que usamos
ve- coisas pela -
maneira como as representamos as palavras
Este foco em "significados compartilhados" pode' algumas a seu respeito' as
Porém' em prr" ,ro, referir a elas, as histórias que narramos
zes, fazer a cultura soar demasiado unitária e cognitiva' a elas' as
,..t"g.a, que delas criamos, as emoçóes que associamos
toda cultura há sempre uma grande diversidade de significados a enfim' os valores
,r"*i.", como as classificamos e conceituamos'
respeito de qualquer tema e mais de uma maneira de representá-lo
rlue nelas embutimos'
ou interpretá-lo. Além disso, a cultura se relaciona a sentimentos'
a
essas práticas
ea A cultura, podemos dizer, está envolvida em todas
emoçóes, a um senso de pertencimento, bem como a conceitos em nós (diferentemente
"revelar algo" sobre quem rlue náo sáo geneticamente programadas
ideias. A expressáo no meu rosto pode até estimulado Por um
que grupo do movimento involuntário do joelho ao ser
eu sou (identidade), o que estou sentindo (emoçóes) e de para nós' que precisam
mPreen- rnartelo), mas que carregam sentido e valores
sinto faz por outros' ou que dependem do
scr signiJicatiuarnen!€ inte'p'erudas
nçáo de-
dida por desse modo' per-
e ainda .ttrtti)oirr" r.* efetivo funcionamento' A cultura'
liberada ' o elemento "humano"
rrrcia toda a sociedade' E'la é o que diferencia
direcionado' Nesse sen-
rrrrvida social daquilo que é biologicamente
do domínio
titkr, o estudo da cultura ressalta o papel fundamental
no centro da vida em sociedade'
'itnhólico
Masond.eosentidoéproduzido?Nosso"circuitodacultura"
consequentemente geram efeitos reais e práticos' em diferentes áreas e
itrtlica que sentidos sáo, de fato' elaborados
A ênfase nas práticas culturais é importante' Sáo os participantes cultural)'
lx'rl)lrssados por
vários processos ou práticas (o circuito
de uma cultura que dáo sentido a indivíduos' objetos e aconteci- nossa própria
( ) scntido é o que nos permite cultivar a noçáo de
mentos. As coisas "em si" raramente -talvez nunca - têm um
sig-
ele
uma i,l..'rrticlade, de quem somos e a quem -
"pertencemos" e' assim'
nificado único, fixo e inalterável' Mesmo algo táo óbvio como é usada para restringir
ou st' tr'laciona a questóes sobre como a cultura
pedra pode ser somente uma rocha, um delimitador de fronteira a diferença entre
(). nlltÍ1ter a identidade dentro do grupo e sobre
trrrra escultura, depende ndo do que ela significa - isto é' dentro de
22 _ CULTURA E REPRESENTAçAO
I STUART HALL
TNTRoDUçÂo _ 23

gtupos (o foco principal de'§ü'oodward,2012). o


sentido é cons- linguagem e da representaçáo. Membros da mesma cultura comPar-
tantemente elaborado e compartilhado em cada interaçáo
pessoar e tilham conjuntos de conceitos, imagens e ideias que lhes permitem
social da qual fazemos parte. De certa forma,
este é o campo mais sentir, refletir e, portanto, interpretar o mundo de forma semelhan-
privilegiado - embora com frequência o mais negligenciado _ da te. Eles devem compartilhar, em um sentido mais geral, os mesmos
cultura e do significado.
"códigos culturais". Deste modo, pensar e sentir sáo em si mesmos
O sentido é também produzido em uma variedade
de mídias; "sistemas de representaçâo", nos quais nossos conceitos, imagens e
especialmente, nos dias de hoje, na moderna
mídia de massa, nos
sistemas de comunicaçáo global, de tecnologia
emoçóes "dáo sentido a" ou repres€ntam - em nossa vida mental -
complexa, gue fa_ objetos que estáo, ou podem estar, "lá fora" no mundo.
zem sentidos circularem entre diferentes culturas
numa r.lo.id"d. De modo semelhante, afim de cornunicar esses significados para
e escala até entáo desconhecidas na história (como
aborda Du Gay, outras Pessoes, em qualquer troca significativa, os participantes tam-
1997)' o sentido também é criado sempre
que nos expressâmos bém devem ser capezes de utilizar o mesmo código linguístico - eles
por meio de "objetos culturais,,, os consumimos,
deles fazemos devem, em um sentido muito amplo, "falar a mesme língua". Isso
uso ou nos apropriamos; isto é, quando nós
os integramos de di_ náo quer dizer que eles precisem literalmente falar alemáo, francês
ferentes maneiras nas práticas e rituais cotidianos
e, âssim, investi- ou chinês. tmpouco significa que eles consigam compreender per-
mos tais objetos de valor e significado. Ou, ainda,
quando tecemos feitamente o que qualquer falante da mesma língua está dizendo.
narrativas, enredos _ em torno deles (este é o foco
- e fantasias
de Nós estamos nos referindo a um sentido muito maior de linguagem.
Mackay, t997).
Nossos interlocutores precisam falar o suficiente da mesma língua
Os sentidos também regulam e organizam nossas
práticas e con_ pera serem capazes de traduzir o que "o outro" fala em algo que
dutas: auxiliam no estabelecimento d.e normas
e convençóes segun_ "eu" possa entedder e vice-versa. Eles precisam estar familiarizados
do as quais a vida em sociedade é ordenada e adminis,r"dr.
El., com os mesmos modos genéricos de elàborar ruídos para produzir
também sáo, portanto, aquilo que os interessados
em administrar e o que reconheceriam como "música". Precisam também interpretar
regular a conduta dos outros procuram estruturar
e formarizar (este expressóes faciais e linguagem corporal de modo semelhante, além
é o foco de Thompson, 1997). Em outras
palavras, a questáo do de, é claro, saber transpor seus sentimentos e ideias para esses códi-
sentido relaciona-se a todos os diferentes momentos
ou práticas em gos. O sentido é um diálogo - semPre parcialmente compreendido,
nosso "circuito cultural"
- na construçáo da identidade e na demar- sempre uma troca desigual.
caçáo das diferenças, na produçáo e no consumo,
bem como na Por que nos referimos a todas essas diferentes formas de pro-
regulaçáo da conduta social. Entretanto, em
todos esses exemplos, duçáo e transmissáo como "línguas" ou "como se fossem línguas"?
e em todas essas diferentes arenas institucionais, ,,meios,,
um dos Como, afinal, as línguas funcionam? A resposta simples é que
privilegiados através do quar o sentido se vê eraborado e perpassado
operam ?or meio de re?resentd.çtia. sáo "sistemas de representaçâo" .
é a linguagem.
Essencialmente, podemos afirmar que essas práticas funcionam
Assim, neste livro, nos aprofundamos no primeiro
elemento do "como se fossem línguas" náo porque elas sáo escritas ou faladas
nosso "circuito da cultu a" e começamos
com a questáo do sentido, d.a (elas náo sáo), mas sim porque todas se utilizam de algum comPo-
2s
INTRoDUÇÀo -
CULTURA E REPRESENTAçÃO I STUART HALL

máxima
"realidade material". (A música é tida como a transmissáo
nente para representar ou dar sentido àquilo que queremos dizer
de ruído com o mínimo de informaçáo')
e para expressâr ou transmitir um pensamento, um conceito' uma
Se nos deslocarmos os jogos de futebol repletos de cartazes'
Para
ideia, um sentimento. A língua falada faz uso de sons, a escrita, de de certas cores ou ins-
bandeiras e slogans, rostos e corpos pintados
palavras, a música arranja notas em escala, a "linguagem corporal" considerá-los "como
critos com certos símbolos, podemos também
emprega gestos físicos, a indústria da moda uúlizaitens de vestuário, é uma prátrca simbólica
por uma linguagem" - na medida em que isso
a expressáo facial se aproveita de traços individuais, a Tv, sua
de pertencimento a uma
que concede sentido ou expressáo à ideia
vez, apÍopria-se de pontos produzidos digital e eletronicamente
cultura nacional ou de identificaçáo com uma comunidade local'
e o sinal de trânsito usa as cores Yermelha, verde e amarela para nacional' um discurso de
lsso é parte da linguagem de identidade
"dizer algo".
pertencimento nacional' Representaçáo'
aqui' está intimamente li-
Esses elementos - sons, palavras, gestos, expressóes, roupas - sáo
Pois' na realidade' é dificil saber
gada a identidade e conhecimento'
parte da nossa realidade natural e material; sua importância para a sul-africano' i^po'
,, qrl. "r., inglês" - ou mesmo francês' alemáo'
linguagem, porém, nâo se reduz ao que sáo, mas sim ao quefazem, e imagens de
nês signif.cafora do escopo em que nossos conceitos
-
a suas funçóes. Eles constroem significados e os transmitem. Eles Sem esses siste-
identidade e cultura nacionais foram representados'
significam, náo possuem um sentido claro em si mesntos - ao contrá- de adotar tais identidades
nrirs de "significaçáo", seríamos incapazes
rio, eles sáo veículos ou meios que cdrregdm sentido, pois funcionam de fomen-
(ou mesmo de rejeitá-las) e consequentemente incapazes
como símbolos qle representam ou conferem sentido (isto é, simbo- chamamos de cultura'
tirr ou manter essa realidade existencial que
lizam) às ideias que desejamos transmitir. Para usar outra metáfora' pensadas neste
Portanto, é por meio da cultura e da linguagem'
eles operam como sigrtos, que sáo representaçóes de nossos concei- de significados ocorrem'
«)lrtexto, que a elaboraçâo e a circulaçáo
tos, ideias e sentimentos que permitem aos outros "ler", decodificar na realidade
A visáo convencional era a de que "objetos" existem
ou interpretar seus sentidos de maneira próxima à que fazemos. e naturais os deter-
niltLlral e material; de que seus traços palpáveis
Deste modo, a linguagem é uma prática significante. Qualquer um sentido absoluta-
nrittam ou os constituem; e que eles possuem
sistema representacional que trabalhe nesses termos pode ser visto, A representaçáo'
II te clarofora do escolto em que sáo representados'
r('n
de forma geral, como algo que funciona de acordo com os princípios de importância se-
sob cste ponto de vista, revelava-se um Processo
da representaçáo pela linguagem. Assim, a fotografia é também um quando as coisas já haviam
t rrrrdriria, que entrava em campo apenas
sistema representacional, que utiliza imagens sobre um papel fotos-
sirkr totalmente estabelecidas e seus sentidos constiruídos'
sensível para transmitir um sentido fotográfico a respeito de deter-
l)csdea..viradacultural,,nasciênciashumanasesociais,contu-
minado indivíduo, acontecimento ou cena. Exposiçóes em museus consttttído - em
,lo, o sentido é visto como algo a ser produzido -
ou galerias podem igualmente ser vistas "como uma linguageri', iá circunscri-
v.'r,lc simplesmente "encontrado"' Consequentemente'
que fazem uso da disposiçáo de objetos para elaborar certos sentidos social construtivistd'
l,r ;l() (lue veio a ser chamado de "abordagem
sobre o tema da mostra. A música, por sua Yez, é "como uma
lin-
olr (()llstrutivismo social", a rePresentaçáo é concebida como parte
guagem" na medida em que emPrega notas musicais para transmitir como um Processo
,r,trstittttiva das coisas; logo, a cultura é definida
sensaçóes e ideias, mesmo que abstratas e sem referência direta na
INTRODUÇÃO 27
CULTURA E REPRESENTAçÃO I STUART HALL -

original e igualmente constitutivo, táo fundamental quanto a base -, enlluanto a abordagem discursiua se concentra mais nos efeitos
econômica ou material paÍa a configuraçáo de sujeitos sociais e e consequências da representaçáo - isto é, sua
"política"' Examina
acontecimentos históricos - e náo uma mera refexáo sobre a reali- náo apenas como a linguagem e a representaçáo produzem sentido'
mas como o conhecimento elaborado por determinado discurso
se
dade depois do acontecimento.
A "linguageni' fornece, portanto, um modelo geral do funcio- relaciona com o poder' regula condutas, inventa ou constrói
identi-
namento da cultura e da representaçáo, especialmente na chamada dades e subjetividades e define o modo pelo qual certos
objetos sáo

represenados, concebidos, experimentados e analisados' A


ênfase
abordagem semiótica - sendo esta o estudo ou a "ciência dos signos"
e seus papéis enquanto veículos de sentido numa cultura. Nas úl- d, m d.iscursiuarecai invariavelmente sobre a especiÊcidade
"bo.d"g.
timas décadas, essa preocupaçáo com o sentido tomou um rumo histórica de uma forma particular ou de um "regime" de representa-
diferente, ficando mais concentrada náo em pormenores do funcio- "linguagem" enqual)to tema mais geral' Isto é' seu
çáo, e náo sobre a
f'oco incide sobrc linguagezs ou signifrcados e de que maneira
eles
namento da "linguageni', mas sim no papel mais amplo desempe-
nhado pelo discurso na cultura. siro utilizados em um dado período ou local, apontando Para uma
Discursos sáo maneiras de se referir a um determinado tópico da grande especificidade histórica - a maneira como práticas rePresen-

prática ou sobre ele construir conhecimento: um conjunto (ou cons- tlcionais operam em situaçóes históricas concretas'
tituiçáo) de ideias, imagens e práticas que suscitam variedades no O uso corrente da linguagem e do discurso enquanto mode-
bem
falar, formas de conhecimento e condutas relacionadas a um tema l,ls de como a cultura, o sentido e a representaçáo funcionam'
so-
particular, atividade social ou lugar institucional na sociedade. Essas roÍuo a subsequente "virada discursiva" nas ciências humanas e
formações discursiuas, como assim sáo conhecidas, definem o que é t.iais constituem a mudança de direçáo mais importante ocorrida'
n.rs últimos anos, no estudo da vida em sociedade' A discussáo
a
ou náo adequado em nosso enunciado sobre um determinado tema
rt.speito das duas versóes do "construtivismo" - as abordagens
semi-
ou área de atividade social, bem como em nossas práticas associadas
a tal ârea ou tema. fu formaçóes discursivas definem ainda que tipo r,rricrr e discursiva surgirá alinhavada e desenvolvida nos capítulos
-
tlrrc viráo a seguir, considerando, claro, que a "virada cultural"
náo
de conhecimento é considerado útil, relevante e "verdadeiro" em
seu contexto; definem que gênero de indivíduos ou "sujeitos" perso- r('nr sc desenvolvido de maneira incontestável'
nificam essas características. Assim, "discursiva" se tornou o termo No capítulo sobre o papel da representaÇáo' Procuro abordar
geral utilizado para fazer referência a qualquer abordagem em que r 0ltr rnaior profundidade o argumento teórico a respeito do sentido'
o sentido, a representaçáo e a cultura sáo elementos considerados ,l,r lirrguagem e da representaçáo, brevemente resumido até agora'
constitutivos. ( ) rlrrc aÊnal queremos dizer quando afirmamos que o "significado

Existem, é claro, algumas semelhanças - como também grandes ,' l,n,rluzido por meio da linguagem"? Lançando máo de uma série
,1,' .'xcutplos, o capítulo nos conduz por meio das implicaçóes
deste
diferenças - entre a semiótica e as abordagens discursiuas, desenvol-
vidas mais à frente neste liyro. Uma diferença fundamental é que a r,rt irtínio. Será que as coisas - objetos, indivíduos' acontecimen-

abordagem semititica se concentra em como a representaçáo e a lin- t()\ ..xi[rcm um intrínseco, único, inalterável e verdadeiro senti-
guagem produzem sentido - o que tem sido chamado de "poética" ,1,,, .,rbctr<lo unicamente à linguagem revelá-lo com precisáo? Ou
29
CULTURA E REPRESENTAçÂo I STUART HALL
INTRODUÇÃo -

os sentidos passíveis de constante transformaçáo à medida que


sir<r REFERÊNCIAS
Iros movimentamos de uma cultura peÍa a outra, de uma lingua-
of Production'
gem para outra, de um contexto histórico para outro, de um grupo, DU GAy, Paul (Org.). Prod'uction of Culture/Cubures
1997 '
comunidade ou subcultuÍa para ourros? O significado é fixado por Lond,res: Sage/The Open University'
meio de nossos sistemas representacionais, em vez de ser definido DU cly, Paul; Hllr, Stuart; Linda; MACKAY' Hugh e NEGUS'
JANES,
Sony Walkman'
"no mundo"? Está claro que a representaçáo náo é uma prática sim- Keith. Doing Cuhural Studies: The Story of the
ples, tampouco transparente como inicialmente aparentâ ser, e que, Londres: Sage/The Open University' 1997 '
Signú)ing
de modo a destrinchar uma ideia, precisamos nos empenhar sobre uett, Stuar t. RePresentdtion: Cuhural Representations and
uma série de exemplos e trazeÍ à luz alguns conceitos e teorias a fim Practices. Londres: Sage/The Open
University' 1977 '
de explorar e esclarecer suas complexidades. MACKAv, Hugh(Org.). Consumpti'on and Eueryday Life' Londres:
Por fim, no último capítulo, procuro abordar o tema da ,,repre- Sage/The OPen UniversitY,1997 '
Londres:
sentaçáo das diferenças" no contexto das manifestaçóes contempo- rro*oro", Kenneth. Media and Cultural Regulatiort'
râneas populares (fotografia jornalística, publicidade, cinema e ilus- Sage/The OPen Univers\tY,1997 '
e diferença' 13'ed'
traçóes). Vamos nos atentar para como a diferença "Íacial,,, de etnia \rooDlrARD, Kathryn e HALL' Stuart' Identidade
e de sexo tem sido "representada" numa gama de exemplos yisuais PetróPolis: Vozes, 2012'
originados de vários arquivos históricos. seráo discutidas questôes
cruciais sobre a representaçáo da "diferença" como "Outro,, e sobre
de que maneira o "diferente" se configura por meio da estereoti-
pagem. No entanto, à medida que este raciocínio se desenvolve, o
capítulo aborda o ponto mais abrangente de como as práticas de
significaçáo de fato estruturam nosso "olhar", como os diyersos mo-
dos de olhar estáo circunscritos por essas práticas de representaçáo,
e como a violência, a fantasia e o "desejo" atuam nessas mesmas prá-
ticas, tornando-as mais complexas e mais ambíguos seus sentidos.
o capítulo se encerra com a refexáo sobre algumas "contraestraté-
gias" nas "políticas de representaçáo"
- a maneira como um sentido
pode ser disputado, e se um regime específico de representaçáo pode
ser desafiado, contestado ou transformado.
O PAPEL tlA
REPRESENTAçAO
CAPíTULO I

1. Representação, sentido e linguagem

Ncstc capítulo, nos concentraremos


em um dos processos-chave do
"r ilc:rrito cultural" - aprât\cada representaçáo'
O objetivo aqui será
do que se trata e Por que
Irrrrotluzir o leitor a este tópico e explicar
tamanha importância nos estudos
culturais'
llrc tlatl<,s
( ) crtnceito de representaçáo passou a ocuPar um
novo e impor-
aÍePresentaçáo conecta o
t,ttrtc lttgtr no estudo da cultura' AÊnal'
m.rrtirlo c I linguagem à cultura'
Mas o que isso quer dizer? O que a

trltcst'trtaçáo tem a Yer com cultura e signiÊcado? Um uso corrente


utilizar a linguagem
r[, t"rrrro afirma que: "Representaçáo signifrca
irrtcligivelmente, t'f""" algo sobre o mundo ou rePresentá-
;rlt,r,
'
,,,,, r,,r-1',"sso"s." Pode-se perguntar
com toda a razâo" "Mas isso
l, , u
do
É tttrlo?" llcnt, sim e náo' Representaçâo é uma parte essencial
compartilhados
qual os significados sáo produzidos e
lttnr r'tso lrcl«r
enuolue o uso da
L,,,,,.,,, ,,,.,,.,hr,r, d. r-" cultura. Representar
significam ou representam ob-
lllgtt,ry,crr,, tlc signos e imagens que
esse é t'- p'ott'so longe de ser
simples e direto'
lellr, li,ttttt'tilllto'
r ttttt,, rlcrt.llrt'ircrrros a seguir'
conecta sentido e lin-
Âlrrr,rl, ((,lll() () conceito de representaçáo
Para explorar mais adequad
Flldgrlll i t rtltrtla?
teorias
ttlltet*',,,,,* pitl'it tllll:'t gama de diferentes
pllt É tr,lrl.r l)ilril rcprcscntar o mundo' Nesse
33
32 _ CULTURAEREPRESENTAçÃO I STUARTHALL
o PAPEL DA REPRESENTAÇÃO -

remos uma distinçáo entre três diferentes abordagens ou teorias: a As imagens na Pintura esttio no lugar dahistória de Caim e
Abel
reflexiua, a intencional e a construtiuista. A linguagem simplesmente e, ao mesmo temPo, signifcama narrativa bíblica'
De igual maneira'
refete um significado que já existe no mundo dos objetos, pessoas ou e cfvz consiste simplesmente em duas tábuas de madeira dispostas
perpendicularmente, mas, no contexto da ft e do ensinamento
eventos (reflexiua)? A linguagem expressa somente o que o falante, cris-

o escritor ou pintor quer dizer, o significado intencional pretendido táos, ela se investe, simboliza ou Passa a rePresentar
uma gama maior
por ele ou ela (intencioruaf? Ou o significado se constrói na lingua- de sentidos ou significados sobre a crucificaçáo do filho
de Deus e -
e imagens'
gem e por meio dela (construtiuista)? Adiante nos aprofundaremos este é um conceito que podemos colocar em Palavras
sobre essas três abordagens.
A maior parte deste capítulo será dedicada à exploraçáo da abor- ATIVIDADE I
dagem construtiuista, uma yez que esta é a perspectiva de impacto
para
mais releyante sobre os estudos culturais nos anos recentes. Exami- Propomos aqui um simples exercício de representaçáo' Olhe
naremos aqui duas yariantes ou modelos principais do construtivis- qualquer objeto familiar'Você imediatamente reconhecerá o que ele
mo - a abordagem semiótica, fortemente infuenciada pelo linguista é.Mascomovocêsabeoqueéesteobjeto?Oqueé"reconhecer"?
suíço Ferdinand de Saussure, e a abordagem discursiua, associada ao
Agora, tente se tornar consciente do que está fazendo - observe
o
Êlósofo e historiador francês Michel Foucault.
que acontece à sua volta.Você reconhece o que é o objeto
porque
visual
1. I PRODUZIN DO SIGNI FICADOS, REPRESENTANDO OBJ ETOS seus processos de pensamento decodificam sua percepçáo
dele conforme um entendimento prévio que você tem' na sua
o
O que, afinal, o termo re?resentação significa nesse contexto? O que mente, deste mesmo objeto. lsso ocorre porque, se você desviar
olhar, você ainda pode pensar nele, invocando sua imagem'
como
o processo da representaçáo engloba? Como a representaçáo fun-
dizemos, "no olho da mente". Continue - tente seguir o
processo
ciona? Resumidamente, representaçáo diz respeito à produçáo de
como ele acontece: lá está o objeto.'. e lá está o conceito na
sua
sentido pela linguagem. Náo por acaso, o dicionário Oxford sugere
mente que lhe diz o que ele é, o que a imagem visual que você
tem
dois sentidos fundamentais para o termo:
dele significa
I -.Representar algo é descrevê-lo ou retratá-lo, trazê-lo à tona
na mente por meio da descriçáo, modelo ou imaginaçáo; pro- Agora, diga em voz alta: "É uma lâmpada" - ou uma mesa' ou um
pas-
duzir uma semelhança de algo na nossa mente ou em nossos livro, ou um telefone, ou qualquer coisa. O conceito do objeto
por meio
sentidos. Como, por exemplo, na frase: "Este quadro representa sou da representação mental que você tem dele para mim
o assassinato de Abel por Caim." da palavra que você acabou de usar. A palavra indica ou representa
II - Representar também significa simbolizar alguma coisa, o conceito, e pode ser usada para referenciar ou designar tanto
um

pôr-se no seu lugar ou dela ser uma amostra ou um substituto. objeto "real" quanto um objeto imaginário, como anjos dançando
na cabeça de um alfinete - o que, evidentemente, ninguém
nunca
Como na frase: "No cristianismo, a cruz representa o sofrimento
e a crucificaçáo de Cristo." presenclou.
34 _ GULTURA E REPRESENTAçÃO
I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTAçÃO _ 35

É assim, portanro, que você dá sentido às coisas por meio da Antes de passarmos ao segundo "sistema de representaçáo",
linguagem. É assim que você "toma sentido,, d", p.rrorl dos objetos
rlcvcmos observar que a versáo apresentada é a simplificaçáo de
e acontecimentos, e é desta maneira que você é capaz de
expressar unl processo bastante complexo. É simples o suficiente para cons-
um pensamento complexo sobre coisas para outras pessoas, ou de
se lillilrmos como nós formamos conceitos para coisas que podemos
comunicar a respeito delas pela linguagem de modo que outros seres
pcrccber - sujeitos ou objetos materiais, como cadeiras, mesas e
humanos sáo capazes de entender.
lirrtciras. Entretanto, também elaboramos conceitos para coisas
Mas por que temos de passar por este processo complexo para
rrriris «rbscuras e abstratas, que náo podemos, de nenhuma maneira
representar nossos pensamentos? se você bota em cima da mesâ
um lirnplcs, ver, sentir ou tocar. Pense, por exemplo, nos conceitos de
copo que esrava segurando e sai do recinto, você ainda pode pensar já salienta-
Bucr'ra, morte, amizade ou amor. Além do mais, como
no copo, muito embora ele náo esteja mais fisicamente presente.
ttros, também elaboramos conceitos a respeito de coisas que nunca
Na verdade, yocê náo pode pensar com o copo; você só pode pen_
vlrrros, e possivelmente jamais veremos, e sobre pessoas e lugares
sar com o conceito do copo. Como os linguistas costumam
dizer, Iotulrncnte originados da nossa imaginaçáo. Nós podemos ter um
"cachorros latem, mas o conceito de 'cachorro'
náo pode latir ou t'luxl conceito, digamos, de anjos, sereias, Deus, diabo, do paraíso
morder". Logo, você tampouco pode falar com o copo real. Você (a cidade fictícia do romance de
r do iuferno, ou de Middlemarch
só pode falar com a palaura que designa copo _ cono _, que ( lerrrgc
é Eliot) e de Elizabeth (a heroína da obra Orgulho e ?recon-
o signo linguístico utilizado em português para nos referirmos a ttlto, tlc Jane Austen).
objetos nos quais bebemos água. E aqui é ,rd- a".rífresentaçao.lapa-
Atlrri, rotulamos isso como um "sistema de representaçâo". Ara-
rece: ela é a produçáo do significado dos conceitos da nossa
menre aAo é simples: ele consiste náo em conceitos individuais, mas em
por meio da linguage-. É conexáo entre conceitos e linguagem rlllircrrt"r maneiras de organizar, agrupar e classificáJos, bem como
"
que permite nos referirmos ao mundo ,,real,, dos objetos, sujeitos
etrr íilrrrr:rs de estabelecer relaçóes complexas entre eles. Por exem-
ou acontecimentos, ou ao mundo imaginário de objetos, sujeitos
e ;rLr, rrrls usamos os princípios da similaridade e da diferença para
acontecimentos fictícios.
ertuhclcccr relaçóes entre conceitos ou para distingui-los uns dos ou-
Assim, temos dois processos dois sistemas de representaçáo _
- ltor, Ncsse sentido, eu tenho a impressáo de qu.e, em alguns aspec-
envolvidos. Primeiro, há o "sistema" pelo qual toda ordem de ob-
Iui, 1rÍssalos sáo como avióes no céu, baseado no fato de que eles sáo
jetos, sujeitos e acontecimentos é correlacionada a um conjunto
de rrilte lllurtcs porque ambos podem voar. Contudo, também tenho a
conceitos ov re?reserutações mentais que nós carregamos. Sem eles
Irrr;lrt'ssao dc que, em outros aspectos, eles sáo diferentes, já que as
jamais conseguiríamos interpretar o mundo de maneira ho-
inteligível. .rv('à slr(, Partc da natureza enquanto as aeronaves sáo feitas pelo
Em primeiro lugar, portanro, o significado depende do sistema de ttrt'rrr, llsslr rnistura e a combinaçáo de relaçóes entre conceitos para
conceitos e imagens formados em nossos pensamentos, que podem
lurnirl itlcilrs e pensamentos complexos sáo possíveis porque nos-
"representar" ou "se colocar como" o mundo.
Este sistema possibi- rur t orrt'citos sáo organizados em diferentes sistemas classificatórios.
lita que façamos referências a coisas tanto dentro, quanto fora de Nruxc cxcrrrplo, o primeiro deles é baseado na distinçáo entre voa/
nossa mente.
llÍlo v()ir c o scgundo, entre natural/feito pelo homem. Há outros
O PAPEL DA REPRESENTAçÃO _ 37

36 CULTURAEREPRESENTAçÃO I STUARTHALL

correlacionemos nossos conceitos


princípios de otganizaçáo como estes oPerando em todos os siste- linguagem comum' para que assim
sons Pronunciados ou imagens
mas conceituais: por exemplo, classificar de acordo com e sequência c ideias com certas palavras escritas'
usamos para palavras' sons ou
imagens
(que conceito segue qual) ou causalidade (o que causa cada coisa) visuais. O termo geral que
clue carregam sentido é signo'
Os sign s

e assim por diante. O ponto aqui nâo é uma coleçáo aleatória de


conceitos e as relaçóes entre eles que
conceitos, mas sim organizados, dispostos e classificados em relaçóes
t1ue, juntos, constroem os sistemas de
complexas com os outros. É assim que o nosso sistema conceitual se
Signos sáo organizados em
linguagens' A existência de linguagens
apresenta. Isso náo enfraquece, entretanto, o Ponto básico. O senti- (conceitos) em
comuns nos possibilita traduzir nossos Pensamentos
-
do depende da relaçáo entre as coisas no mundo pessoas, objetos
ou imagens'
e eventos, reais ou ficcionais - e do sistema conceitual, que pode llnlavras, sons
sentidos e co
funcionar como r€?resentaçáo mental delas. l)1rra exPressar

Poderia ocorrer ainda que o mapa conceitual que carrego na l)cvemos nos lembrar' evid
rtsrrdo aqui de forma bem
amPla
minha cabeça fosse totalmente diferente do seu, o que nos levaria sáo ambos' obviamente'
sistcma falado de uma língua em Particular
- eu e você - a interpretar ou dar sentido ao mundo de manei- igualmente o sáo as imagens visuais'
ras totalmente diversas. Seríamos incapazes de compartilhar nos- t'onsiderados "linguagen'i' M"'
digital
scirrm elas produ'idai pela
via -"t""1' mecânica' eletrônica'
sos pensamentos ou de trocar ideias sobre o mundo. Na verdade,
provavelmente entenderíamos e interpretaríamos o mundo de uma ,, t)or outros
meios, d"::1::1:'::"{,i;ffiIf :fr::
nao
maneira única e individual. Somos, entretanto, c Pazes de nos co- tltnbém ocorre com outras cotsas ou
faciais ou dos gestos' por exemplo'
municar porque comPartilhamos praticamente os mesmos maPas rctrticlo usual: as expressóes
Até
"linguagern' da moda, do vestuário' ou das luzes do tráfego'
conceituais e, assim, damos sentido ou interpretamos o mundo de rr
"linguagem", com relaçóes
como uma
formas mais ou menos semelhantes. Isso é, de fato, o que significa ltrcsn)o a música se apresenta
contudo' de um
rotttplcxas ent,. difert"tes sons e acordes; trata-se'
pertencer "à mesme cultura". lJma vez que nós julgamos o mundo
náo pode ser facilmente utilizada
de maneira relativamente similar, podemos construir uma cultura tilso tnttito especial, já que ela
toi'"' ou objetos reais no mundo (este tema
de sentidos compartilhada e, entáo, criar um mundo social que ;utrt ílz.cr referência "
1997' e Mackay' 1997)' Enfim'
habitamos juntos. Náo é por acaso que l'culturi) é, por vezes, defi- ó ttrtis aprofundado em Du Gay'
como sig-
imagem ou objeto que funcionem
,1,,,,Iqt.,", som, palavra,
nida em termos de "sentidos compartilhados ou mapas conceituais e que esteiam
carregar e exPressar sentido
compartilhados" (ver Du Gay et al., 1997). ilrlfi, (ltlc seiam capazes de "uma
ut,plttrizlrtl<ls com outros em
um sistema, sáo, sob esta ótica,
Contudo, um mapa conceitual comPartilhado náo é o bastante' que vem
aspectoque aquele modelo de sentido
Deyemos também ser capazes de representar e de trocar sentidos e ii,,rr,,,*"r"' É "t'tt
descrito como "linguístico"'
conceitos - o eue só podemos fazer quando também temos acesso a rrtttl,r rtrritlisado aqui é frequentemente
esse modelo bási-
lrt'ttt t'otlttl u',d" teorias de sentid'o que seguem
uma linguagem comum. A linguagem se apresenta' Portanto' como "' nas
I ll ll;l§§illll lt scr descritas
como parte de uma "virada linguísticd'
o segundo sistema de representaçáo envolvido no processo global de
r iêtrt ilrs stlciris c nos estudos
culturais'
construçáo de sentido. Nosso mapa precisa ser traduzido em uma
38 _ CULTURA E REPRESENTAçÃO O PAPEL DA REPRESENTAÇÃO _ 39
I STUART HALL

Imagens e signos visuais, mesmo quando carregam uma


No cerne do processo de significaçáo na cultura surgem, seme-
en_
lhança próxima as coisas a que fazem referência' continuam
táo, dois 'tistemas de representaçáo" relacionados. O primeiro nos sendo

permite dar sentido ao mundo por meio da construçáo de um signos: eles carregam sentido e, entáo, têm que ser
interpretadob' Para
conjunto de correspondências, ou de uma cadeia de equivalências, írrz.er isso, nós devemos ter acesso aos dois
sistemas de representaçáo
o ani-
entre as coisas - pessoas, objetos, acontecimentos, ideias abstratas tliscutidos anteriormente: ao maPa conceitual que correlaciona
sistema de lingua-
etc. - e o nosso sistema de conceitos, os nosso§ mapas conceituais. rrtlrl no campo com o conceito de "ovelha" e a um
O segundo depende da construçâo de um conjunto de correspon- visual carrega alguma semelhança à coisa
l{crn, no qual a linguagem
dências entre esse nosso mapa conceitual e um conjunto de signos, ,'",,1 "p"r... com ela" de alguma forma' Esse argumento fica mais
o,,
dispostos ou organizados em diversas linguagens, que indicam ou clrrro se nós pensarmos em um desenho caricato
ou na pintura abs-
de um sofisticado
representam aqueles conceitos. A relaçáo entre "coisas", conceitos tt'rtta de uma "ovelhd', paÍâ'os quais nós precisamos

e signos se situa, assim, no cerne da produçáo do sentido na lin- ristcma conceitual e de linguística compartilhada a fim de teÍ ceÍteza

rlc que estamos todos "lendo" o signo da mesma


forma' Ainda assim'
guagem, fazendo do processo que liga esses três elementos o que
imagem de
chamamos de "represen taçáo" . ó p«rssível nos fagrarmos imaginando se é realmente a
no final das contas' À medida que a relaçáo entre o signo
rrntrt <lvelha,

1.2 LTNGUAGEM E REPRESENTAçÃO (. () scu referente setorna menos clara, o sentido começa a deslizar e
ir cscflpar de nós, caminhando PaÍaaincerteza'
O sentido já náo está
de uma Pessoa à outra"'
fusim como as pessoas que pertencem à mesma cultura compar- lllrsslndo transParentemente
tilham um mapa conceitual relativamente parecido, elas também
devem compartilhar uma maneira semelhante de interpretar os sig-
nos de uma linguagem, pois só assim os sentidos seráo efetivamente
intercambiados entre os sujeitos. Mas como, afinal, sabemos que
conceito indica tal coisa? ou que palavra efetivamente representa
determinado conceito? Como saber que sons ou imagens traráo, por
meio da linguagem, o sentido de meus conceitos e do que quero
expressar com eles? Isso pode ser relativamente simples no caso dos
signos visuais, já que o desenho, a pintura ou a imagem de uma
ovelha na câmera e na rv, por exemplo , trazasemelhança do animal
peludo pastando em um campo ao qual eu quero me referir. Ainda
assim, precisamos ter em mente que uma versáo desenhada, pintada
ou digitalizada de uma ovelha náo é exaramente igual ao ser "real".
FIGURAl
Em primeiro lugar, a maioria das imagens possui duas dimensóes,
enquanto o animal "real" existe em três dimensóes. Nossa costa ingleso (" Ovelhos perdidas"\, 1852
O PAPELDA REPRESENTAÇÃO _ 41
40 - CULTURA E REPRESENTAçÁO I STUART HALL

siste-
elas fazem algum som!)' Nesses
como árvores "reais" (se é que
entre o signo' o conceito e o
objeto
masde representaçáo,
" "1"çáo arbitnirla' Usando esse
ao qual i^rr^referência é completam er,te
qualquer coleçáo de
termo, nós queremos dizer qt"' t,,, princípio'
ordem poderiam desempe-
letras ou quaisquer sons em qualquer
nhar o pai.l ig,r"lmente bem'
As árvores náo se importariam se
"árvores" escrito de trás púa a
nós ,sásr.-os a palavra sERovRA -
conceito delas' Isso fica claro quan-
fiente - a fim de representar o
o inglês' por exemplo' letras bem
clo, comparando o francês com
sáo usados Para se referir ao
que'
diferentes e um som bem distinto
coisa - uma árvore "Íeal" - e'
até
cm todos os asPectos, é a mesma
uma planta grande que cresce
.nde sabemos, ao mesmo conceito -
o mesmo
lua natureza. O francês
e o inglês Parecem estar usando
palavra TREE e' em
FIGURA 2 conceito, mas em inglês ele é representado pela
P: Quando uma ovelha não é uma ovelha? Írancês, Pela Palavra ARBRE'
R: Quando é uma obra de arte. (Damien Hirst, Longe do rebonho,1994)

I.3 COMPARTILHANDO OS CÓDIGOS

que Pertencem à mesma cul-


Entáo, mesmo no caso da linguagem visual, em que a relaçáo A questáo, entáo, é: como as Pessoas
mapa conceitual e que falam ou
entre o conceito e o signo parece bem direta, a questáo está longe de ,,,r., O,r. comPartilham o mesmo le-
que a combinaçáo arbitrária de
ser simples. É ainda maisdiffcil com as linguagens escrita ou falada, cscrcvem a mesma língua sabem
Ánvonn indica ou representa o
nas quais as palavras náo parecem nada com as coisas às quais se rrils c sons que constitui a palavra
cresce na naturezd'? Uma possibili-
referem, nem soam como elas. Em parte, isso ocorre porque existem t'rrttccito de "planta grande que
mundo' por eles mesmos' incor-
diferentes tipos de signos. Signos visuais sáo o que chamamos signos rlittlc seria a de que ãs obltto' no
Ou seja, eles carregam, em suas formas, uma certe seme- de algum jeito' seu sentido
icôruicos. lx)l'ilÍTl e fixam,
qu.e
lhança com o objeto, pessoa ou evento ao qual fazem referência. ó ccr«r que árvores de verdade saibam
que
Uma fotografia de uma árvore reproduz algo das reais condiçóes da rlrrc srtil'ram que a palavra em Português
nossâ percepçáo visual. Signos escritos ou ditos, por outro lado, sáo d'cstt'itt Ánvoru, enquanto em inglês é escr
forma' ser rePresentadas por vlce
chamados de indrxicais. rrltcttt, clas poderiam, da mesma
Eles náo carregam nenhuma relaçáo óbvia com as coisas às quais
se referem. As letras Á,& v, o, & E náo se parecem em nada com
as árvores na natureza, nem a palavra "árvore" em português soa
o 43
42 _ CULTURAEREPRESENTAçÃO I STUARTHALL
PAPEL DA REPRESENTAçÃo -

i.
sejam náo
e inevitável. O sentido é construíd.o pelo sistema de representaçáo. Ele ceitos. Isso é o que as crianças aprendem e faz com que
culturai§)
é consrruído e fixado pelo código, que estabelece a correlaçáo enrre apenas indivíduos simplesmente biológicos, masl-sujeitos
nosso sistema conceitual e nossa linguagem, de modo que, a cada El"s o sistema de convençóes e rePresentaçáo' os códigos
"pr..tdem
vez que pensamos em uma árvore, o código nos diz paÍa usar a d. ,r'r" lí.tg,ra e cultura, o que âs equipa com uma-habilldade cultural
competen-
palavra em português Árvonr, ou a palavra inglesa rnnB. Ele nos in- e permite que elas atuem como sujeitos culturalmente
tes. Náo porque esse conhecimento esteja impresso
em seus genes'
forma que, na nossa cultura - isto é, nos nossos códigos conceituais
mas porque elas aprendem suas convençóes e' entáo'
gradualmente
e de linguagem - o conceito "árvore" é representado pelas letras Á,
se tornam "pessoas cultas" - ou seja, membros de sua cultura' As
& v, o, & E, dispostas em certa sequência. De maneira semelhante,
que as permi-
no Código Morse o signo para V (que, na Segunda Guerra Mun- c:rianças, inconscientemente, internalizam os códigos
sistemas de
dial, Churchill fez indicar ou representar "Virória") é ponro, ponto, tcm expressar ceftos conceitos e ideias por meio de seus
ponto, treço; enquanto na "linguagem dos semáforos", verde = siga! rcpresentaçáo - escrita, fala, gestos, visualizaçáo e assim por diante
e vermelho = pare! -, bcm como interpretar ideias que sáo comunicadas a elas usando
Um jeito, entáo, de pensar a "cultura" é nos termos desses mapas 0s lllcsmos sistemas.
Agora você deve entender mais facilmente Por que sentido'
lin-
conceituais compartilhados, sistemas de linguagem compartilhada
sáo elementos táo fundamentais no estu-
e códigos que goaerndm as rekções de tradução entre eles. Os códi- §tlngem e rePresentaçáo
modo' ao
gos fixam as relaçóes entre conceitos e signos. Estabilizam o sentido tlrl clrr cultura. Pertencer a uma cultura é pertencer, grosso
conceitos e
dentro de diferentes linguagens e culturas. Eles nos dizem qual lin- mcttno universo conceitual e linguístico, saber como
ldclus sc traduzem em diferentes linguagens
e como a linguagem
guagem devemos usar para exprimir determinada ideia. O inyerso
servir de
também é verdadeiro: os códigos nos dizem quais conceitos estáo ptxle scr interpretada Para se referir ao mundo ou Para
em jogo quando ouvimos ou lemos certos signos. tçÍbrêrrcia a ele. Compartilhar esses asPectos é enxergar o mundo
conceitual e extrair sentido dele pelos mesmos
Assim, ao fixar arbitrariamente as relaçóes entre nosso sistema Jrlltl nresmo maPa
da linguagem'
conceitual e nossos sistemas linguísticos (note-se, "linguístico" em llrrnn,o* dc linguagem. Os primeiros antropólogos
um sentido amplo), os códigos nos possibilitam falar e ouvir inteli- gnnto sltpir c w'horf, levaram essa ideia à sua lógica extrema quando
presos em
e estabelecer uma "tradutibilidade" entre nossos concei-
givelfnente, Itlultlrntnram que todos nós estamos' por assim dizer'
e que a lingua-
tos e nossas línguas. Isso permite que o sentido passe do enunciador nllltHr Pcr§Pectives culturais ou estruturas mentais'
para entender esse universo
ao ouvinte e seja efetivamente comunicado dentro de uma cultura. ;nl é I tnclhor pista de que dispomos
a todas as culturas hu-
Essa "tradutibilidade" náo é dada pela natureza ou fixada por deuses, Itttuelrtrul, l:,sta observaçáo, quando aplicada
mas é criada socialmente e na cultura, como o resultado de um con- lgltttt, rclx)tls.I tras raízes do que hoje pensamos como relatiyi:yo-
junto de convençóes sociais. Ingleses, franceses ou hindus, através do rulttrrll utt lirrguístico.
tempo, sem decisáo ou escolha consciente, chegaram a um acordo
velado, a uma espécie de pacto náo escrito de que, em suas diversas
línguas, certos signos indicam ou representam determinados con-
47
o PAPEL DA REPRESENTAçA] -
46 _ cULTURA E REPRESENTAçÃo I STUART HALL

é pensado como rePousando


deríamos entender uns aos outros. Náo podemos acordar um dia e, Na abordagem refexiva' o sentido
subitamente, decidir representar o conceito de árvore com as letras rro objeto, ou evento no mundo real' e a linguagem
p.r*", ideia
o sentido verdadeiro como
ou a palavra .vyxz, e esperar que as pessoes acompanhem o que esta- frrnciona como um espelho, para refletir
Gertrude Stein uma vez ob-
mos dizendo. Por outro lado, náo há um sentido final ou absoluto. cle já existe .ro rnr'r.tdà' Como a Poeta
rosa"' No quarto século a'C" os
Convençóes sociais e linguísticas mudam, sim, através do tempo. scrvou, "lJma rosa é uma rosa é uma
a noçáo de ntimesispara explicar
como a linguagem' e
Na linguagem da administraçáo moderna, o que nós costumáyamos gregos usaram
Eles
chamar de alunos, clientes, ?acientes e passageiros viraram todos con- lrté o desenho e a pintura, espelhavam ou imitavam a natureza'
Ilíada'como "imitaçáo" de
sumidores. Códigos linguísticos yariam significativamente entre uma pcnsaram no grande Poema ãt Ho-t'o'
turna série de eventos heroicos'
Entáo' a teoria de que a linguagem
língua e outra. Muitas culturas náo têm palavras para conceitos que
Íirnciona simplesmente como refexáo
ou imitaçáo da verdade que
sáo normais e amplamente aceitáveis para nós.
"mimética"'
no mundo é às vezes chamada de
Palavras constantemente saem do uso comum, e novas frases sáo iit cxiste . .r,á fi""d,
teorias miméticas de repre-
cunhadas: pense, por exemplo, no uso de down-siziruglreduçâo) para Claro que há certa verdade óbvia nas
scntaçáo e linguagem. Como nós
pontuamos' signos visuais realmen-
representar o processo em que empresas demitem as pessoâs, deixan-
te carregam alguma relaçâo com o
formato e a textura dos objetos
do-as sem trabalho. Mesmo quando as palavras reais continuam es-
também já mencionamos'
táveis, suas conotaçóes rnudam ou elas adquirem ume nova nuance. tluc eles rePresentam' Mas, assim como
uma ro§d é Üm signo - ele
O problema é especialmente agudo nas traduçóes. Por exemplo, será ,,,','. i-"g.- visual bidimensional de
r*i. deve ser confundido com a planta real com espinhos e fores
que a diferença em português entre saber e entender corresponde e
há várias palavras'
captura exatamente a mesma distinçáo conceitual que os franceses (luc cresce no jardim' Lembre-se também de que
lrttts c imagens que nós entendemos
bem' mas que sáo inteiramente
têm entre sauoir e connaítre? Talvez; mas podemos ter certeza?
a mundos completamente ima-
O principal ponto é que o sentido náo é inerente 2.r_c_oisa_s, ao liçtícios ou fantasiosos e se referem
incluindo, comomuita gente agora pensa' a maior parte
mundo. Ele é construído, produzido. É o resultado de uma prática girrÍrios - à
,,J^ ,torrlorÉ cl.ro, podemos usar
a palavr a rosa patafazer referência
significante - uma prática que produz senrido, que faz os objetos
grlitrrta real e verdadeira crescendo
no jardim' como dissemos antes'
signifcarem.
o código que liga o conceito
Mrts iss«l funciona porque eu conheço
Eu náo Posso ?ensdr'folar ou
1.4 TEORTAS DA REPRESENTAÇAO É unur palavra o., i-"gt- Pârticular'
tlrrrttltrtr com uma rosa verdadeira.
E se alguém me diz que náo
certo vegetel em sua cultura'
Há, em termos gerais, três enfoques para explicar como a repr€sen- Itil ttctthuma palavra como rosa Para
a falha de comu-
taçâo do sentido pela linguagem funciona. Nós podemos chamá-los r l,lrtttta verdadeira no jardim náo pode resolver
dos diferentes códigos
de reflexivo, intencional e construtiyista. Você pode pensar em cada rrirrtr.,Ío cntre nós. Dentro das convençóes
certos - e para que nos
um como uma tentativa de responder às questóes: "De onde vêm os rl,'lingtragem que usamos, os dois estaráo
etttctttllttnos, um de nós deverá aprender
o código' associando na
significados?", "Como podemos dizer o significado verdadeiro' de
destinada a ela'
uma palavra ou imagem?". t ttltrtrit do outro a flor com a palavra
48 _ O PAPEL DA REPRESENTAçÂO 49
CULTURA E REPRESENTAçÃO I STUART HALL -

A segunda abordagem pera o sentido na representaçáo argu- ( sistema de linguageri) ou qualquer outro que usemos Pera rePre-
menta o caso oposto. Defende que é o interlocutor, o eutor, quem
impóe seu único sentido no mundo, pela linguagem. As palavras
significam o que o auror pretende que signifiquem. Essa é a abor-
dagem intencional. Mais uma vez, há alguma validade neste ar-
gumento, uma vez que todos nós, como indivíduos, realmente tnente, Para outros.
material'
usamos a linguagem para conyencef ou comunicar coisas que sáo Certamente, signos também devem ter uma dimensáo
reais que emitimos
especiais ou únicas para nós, para o nosso modo de yer o mundo. Os sistemas representacionais consistem nos sons
com câmeras
Contudo, como uma teoria geral da representaçáo pela linguagem, com nossas cordas vocais, nas imagens que fazemos
a abordagem intencional também é falha. Cada um de nós náo
pode ser a única fonte de significados na linguagem, uma vez que
isso signiÊcaria que poderíamos nos expresser em linguagens in-
teiramente particulares. A essência da linguagem, entretanto, é a
comunicaçáo, e essa, por sua vez, depende de convençóes linguís_
ticas e códigos compartilhados. A linguagem nunca pode
ser um
jogo inteiramente privado. Nossos sentidos particularmente inten-
cionados, ainda que pessoais, têm que entrar nds regrds, códigos e §omo os construtivistas dizem, significar'
conuenções da linguagem para serem compartilhados e entendidos.
 linguagem é um sistema social por completo. Isso significa que t,5 A LINGUAGEM DOS 5EMÁFOROS
llo s§ 9 s p en s amen ro s p rivados p re cis am 6ré§dê iãirqm to {o -s. 9q .s-ç 4;
tidos das palavras ou imagens guardadas na linguagem que o uso do () cxcmplo mais simples crítico Para o entendi-
desse tópico, que é
rePre-
nosso sistema inevitavelmente desenc adeará. lncllto sobre como as linguagens funcionam como sistemes
é uma
A terceira abordagem reconhece esse caráter público e sociar da tctttitcionais, é o famoso caso dos semáforos' Um semáforo
linguagem. Ela atesta que nem as coisas nelas mesmas, nem os usuá- efeito
llltl(ltlln
rios individuais podem fixar os significados na linguagem. As coisas lumi-
ltt'ovoca áo de
náo signifcam: nós construímos sentido, usando sistemas represen- lllllils -
de verdade
tacionais -
conceitos e signos. Assim, esta abordagem é chamada de dlllrcrrtcs cores. Bom, essas coisas certamente existem
o espectro de
consúutivista. De acordo com ela, nós náo devemos confundir o lttt tttttttdo material, mas é a nossa cultura que quebra
e anexando
mundo rnaterial, onde as coisas e pessoas existem, com as práticas llu ctrr cliferentes cores, distinguindo-as umas das outras
e processos simbólicos pelos quais representaçáo, sentido e lingua- tolttcs - vermelho, verde, amarelo, azul - a elas'
Nós usamos um
f

cores que sáo di-


gem operam. Construtivistas náo negam a existência do mundo lttotlo tlc classif.car o esPectro colorido para criar
llrcrrtcs umas das outras. Nôs representdrnos ov
material. No entanto, náo é ele que transmite sentido, mas sim o simbolizamos as
O PAPEL DA REPRESENTAÇÃO _ 51

50 _ CULTURA E REPRESENTAçÃO I STUART HALL

um sistema rePresentâcional ou signi-


diversas cores e as classificamos de acordo com diferentes conceitos scrrráforos" funcionam como
representacionais de que falamos
de cor. Esse é o sistema conceitual de cores da nossa cultura. Nós lic,rnte. Recordem os d.oissistemas
maPa tottttitt'"l de cores
na nossa cultura
dizemos "nossa cultura" porque, claramente, outras culturas devem iultes. Primeiro, existe o
o modo com que as cores
d'ft"tttiadas umas das outras' clas-
dividir os espectros coloridos diferentemente. E, mais, eles certa- - 'Uo existem
mente usam diferentes palauras ou letras reais para identificar dife- siÍicadas e arranjadas no nosso universo mental' Segundo'
com
ou imagens sáo correlacionadas
rentes cores: o que nós chamamos "vermelho", os franceses chamam irs tnaneiras com que palavras Na
códigos linguísticos de cores'
"rouge" e assim por diante. Esse é o código linguístico ('ores na nossa linguagt- - nossos
- aquele que
cotes consiste em mais
que aPenas pa-
correlaciona certas palavras (signos) com certas cores (conceitos), e vcrrlade, uma lingaagem de
no espectro de cores' Ela
entáo nos permite comunicar sobre cores com outras pessoas, usan- luvrls individuais para diferentes Pontos com
funcionam na relaçáo de umas
do a "linguagem das cores". tlntbém depende de como elas e
que sáo governados pela gramática
Mas como nós usamos esse sistema representacional ou simbólico [s o.tras - aqueles aspectos
que nos Permltem
para regular o trânsito? As cores náo têm nenhum significado fixo ou ,into. nas linguagens escr
f.ln dos semáforos' a se-
"verdadeiro". Vermelho náo significa "pare" na nattJÍeza, nem verde cxl)Icssar ideias mais complexas'
assim c smas' permitem que
quer dizer "siga". Em outras configuraçóes, o vermelho pode indicar, .1,,e,r.i" e posiçáo das cores'
(,ores carreguem sentido e, entáo,
funcionem como signos'
simbolizar ou representar "sangue", "perigo" ou "comunismo"l e ver- lrn

de pode representar "Irlanda", "o campo" ou "ambientalismo". Até llnPorta quais cores nós
si
esses sentidos podem mudar. Na "linguagem dos plugues elétricos", llvisrits. Isso Porque o que
tttits: it) o fato de serem
diferente
vermelho costumava signiÊcar "a conexáo com a carga positiva", mas
de est
isso, arbitrariamente e sem explicaçáo, mudou para marrom! Entáo, tlltttts clas outras' e b) o fato
com' algumas vezes'
por muitos anos os produtores de plugues tiyeram que anexâr um pe- t'lr ctl particular vermelho seguido áe verde
- "Fique alerta! fu
eles que diz, na realidade,
daço de papel contando às pessoas que aquele código ou convençáo arrr irviso amarelo entre
esse ponto da se-
havia mudado, pois como eles saberiam de outra forma? Ittr,es cstáo paramudar"' Construtivistas colocam
o que caÍÍegasentido' eles argumen-
Vermelho e verde funcionam na linguagem dos semáforos pttirrtc forma: o que significa'
palavra para
mes oa nem o conceito ou
porque "pare" e "siga" sáo os sentidos que foram atribuídos a eles lrtttt, ttittl é cadacor Por si
é um prin-
e uerd'eque signifrca' Este
na nossa cultura pelos códigos ou conyençóes que governam essa Íi ,r rliferença
.1,r,
'nto "'-'lbogeral' sobre representaçáo e sentido' e
r ígrio ttlttito importante'
em
linguagem. Esse código é amplamente conhecido e quase univer-
salmente obedecido em nossa cultura e em outras semelhantes à Itr'rr .lcvcre mos retornar '
tlt à mais de uma ocasiáo à frente' Penpe
ver-
náo pudesse diferenciar entre
nossa - embora possamos bem imaginar algumas que náo possuem o r,lrrc iss«r nesses termos: se você "pare" e o outro
código, nas quais essa linguagem seria um completo mistério. tttclltrt c verde' náo poderia usar um para significar
mesma forma' é apenas a
diferença entre as
Permitam-nos continuar com o exemplo por um momento, prt.r sig,rrifica' "'ig"'l Da ligada'
let rrts l' c
'[' que permitem que a palavra sHEEP [ovelha] seja
para explorar um pouco mais além: como, de acordo com a aborda- quatro per-
ao conceito de "animal com
gem construtivista paraarepresentaçáo, as cores e a "linguagem dos tto tirtlig,tl <1a língua inglesa'
O PAPEL DA REPRESENTAÇÂO _ 53

52 - CULTURAEREPRESENTAçÀO I STUARTHALL

bem diferente: MouToN'


ú referido utilizando um signo linguístico
nas e pele coberta de lí', [lençol], àquele "material
e a palavra SHEET
sáo fixados por códigos'
Signos sáo arbitrários. Seus sentidos
que usamos na cama à noite para nos cobrir". sáo máquinas' e co-
Como observamos anteriormente, semáforos
Em princípio, qualquer combinaçáo de cores - como qualquer
rc:s sáo o efeito material das
ondas de luz na retina do olho' Contudo'
coleçáo de letras na linguagem escrita ou de sons na linguagem falada como signos' conside-
olljetos - coisas - também podem funcionar
- funcionaria, dado que as cores fossem suficientemente diferentes
,.,l,1o q.r. tenham sido atribuídos a eles
um conceito e um sentido
para náo serem confundidas. Os construtivistas expressam essa ideia
linguísticos' Como signos' os
tlctttro dos nossos códigos culturais e
dizendo que todos os signos sáo "arbitrários". Esse termo signiÊca e sig-
ollictos funcionam simbolicamente Íepresentam conceitos
-
que náo existe nenhuma relaçáo natural entre o signo e seu sentido
sentidos no mundo material
trificam. Seus efeitos, no entanto' sáo
ou conceito. Uma yez que vermelho só significa "paÍe" porque é
dos semáforos
r vermelho e verde funcionam na linguagem
social.
assim que o código funciona, em tese, qualquer cor poderia estar ali,
corrt«l signos, mas eles têm efeitos
materiais e sociais reais' Eles regu-
incluindo o verde. É o código que fixa o sentido' náo a cor por si
lutttctttam o comPortamento social dos motoristas e' sem eles' have-
própria. Isso também tem implicaçóes mais amplas paraa teoria da interseçóes das ruas'
tlu trtttito mais acidentes de trânsito nas
representaçáo e sentido na linguagem, e significa que :iqlo: p9I e!91
mesmos náo podem fixar sentido. Em vez disso, o sentido depende
-
I.ó RESUMO
da relaç,io entre um signo e um conceito, o que é 6xado Por um
código. O significado, os construtivistas diriam, é "relativo"' a nettJÍeza da repre-
t,erlrlcmos um longo caminho explorando
lfe
aPrendemos sobre a abordagem
ATIVIDADE 3
,unroçii,,' É hom dt rtsuti' o que
da linguagem'
ellflrtrtltivista da representaçáo por meio
Iteprcsentaç âo é aP-{94"9.19 d9
seltido pela linguagem' Na re-
Por que não testar você mesmo esse ponto sobre a natureza arbitrá- signos'
argumentam os construtivistas' nós usamos
ria do signo e a importância do código? Construa um código para Flcrslltilçáo,
tipos' para nos comuni-
governar o movimento do tráfego usando duas cores diferentes - i,,'gr,tlru,lu, em linguagens de diferentes
podem usar signos
amarelo e azul - como segue: tet ltrteligivclmente com os outros' Linguagens
objetos' pessoas e eYentos no
petn rlrlrholizar, indicar ou referenciar
fazet refe-
ttrtrndo "real"' Entretanto' elas também podem
ehntltur'kr
Quando a luz amarela está aparecendo'..
Agora adicione uma instruçáo permitindo apenas aos pedestres e
ciclistas atravessar, usando rosa.

contanto que o código nos diga claramenre como ler ou interPretar

cada cor, e que todo mundo concorde em interpretálas dessa forma,


qualquer uma funcionaria. Elas sáo apenas cores, assim como a palavre
linguagem, dentro e por meio de vários
sistemas
r tlctttt'r, tlt
ouelha é apenas uma mistura de letras. Em francês, o mesmo animal
55
54 _ CULTURA E REPRESENTAçÁO I STUART HALL O PAPEL DA REPRESENTAÇÃO -

representacionais que, por conveniência, nós chamamos de "lingua- forma de representaçã o reflexiva ou mimética - uma pintura refletin-

gens". O sentido é produzido pela prática, pelo trabalho, da repre- doo"sentidoverdadeiro"doquejáexistianacozinhadeCotán?Ou


a linguagem
sentaçáo. Ele é construído pela prática significante, isto é, aquela nós podemos encontrar a operação de certos códigos'
com a per-
que produz sentidos. da pintura usada para produzir certos sentidos? Comece
Como isso acontece? Na verdade, depende de dois distintos - gunta: o que a pintura significa para você? O que ela está'dizendo"?
porém relacionados - sistemas de representaçáo. Primeiro, os con- Entáo continue e questione como ela está dizendo isso - como a

ceitos que sáo formados na mente funcionam como um sistema de representaçáo funciona nessa pintura?
representaçáo que classifica e organiza o mundo em categorias inte-
ligíveis. um conceito para alguma coisa, nós podemos
Se nós temos Escreva quaisquer pensamentos que surjam enquanto
olha Para a

dizer que sabemos seu "sentido". pintura. Oque esses objetos dizem para você? Que sentidos eles
Náo podemos, contudo, comunicar esse sentido sem um segundo desencadeiam?
sistema de representaçâo - a linguagem, que consiste em signos orga-
nizados em várias relaçóes. Os signos, por sua vez, só podem transpor-
tar sentidos se possuirmos códigos que nos permitam traduzir nossos
conceitos em linguagem - e vice-yersa. Esses códigos, que sáo cru-
ciais para o sentido e a representaçáo, náo existem na naturezâ, mas
sáo o resultado de convençóes sociais. Eles formam uma parte crucial
da nossa cultura - nossos "mapas de sentido" compartilhados - que
aprendemos e, inconscienremente, internalizamos quando dela nos
tornamos membros. Essa abordagem construtivista para a linguagem
entáo introduz o domínio simbólico da vida, em que palavras e coisas
funcionam como signos, no coraçáo da própria vida social.

ATIVIDADE 4

Tudo isso pode parecer um tanto abstrato. Mas nós podemos rapi-
damente demonstrar sua relevância com o exemplo de uma pintura. FIGURA 3

Olhe para a natureza-morta do pintor espanhol Juan Sanchez Cotán Juan Cotán, Mormelo, repolho, melao e pepino, c' 1602
(1521-1627), intitulada Marmelo, repolho, melão e pepino (Figura 3).
É como se o pintor tivesse feito todos os esforços para usar a "lin-
guagem da pintura" para refletir esses quatro objetos precisamente,
para capturar ou "imitar a natureza'i É este, então, o exemplo de uma

Você também pode gostar