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Todos os problemas do mundo se originam no apego.

LAMA YESHE

Introdução

Este livro aborda um dos maiores conflitos psicológicos conhe-


cidos: a dependência emocional. Além disso, procura explicar os
mecanismos que nos levam a um envolvimento obsessivo com
um objeto, uma pessoa ou uma atividade e nos impedem de ter
uma vida plena e saudável.
Se você acredita que algo ou alguém na sua vida é indis-
pensável para sua felicidade, tem um grave problema pela frente:
está sendo dominado. E não me refiro ao ar que respira, à comida
que o alimenta ou ao sono que o refaz, mas sim a necessidades
secundárias das quais poderia prescindir sem que sua vivência
emocional e psicológica fosse afetada de alguma forma. Pessoas
realizadas são livres; pessoas apegadas são escravas de suas
necessidades. Não importa a fonte do apego, seja fama, poder,
beleza, autoridade, aprovação social, internet, jogo, moda ou ca-
samento, o vício psicológico tornará sua vida cada dia mais insa-
lubre: você vai se ajoelhar diante dele, cultuá-lo e viver sempre no
limite por medo de perdê-lo. Criar uma relação de dependência
significa entregar a alma em troca de prazer, segurança ou uma
duvidosa sensação de autorrealização.

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Talvez você imagine que não é o seu caso e que conseguiu
se afastar das tentações. Não se vanglorie: isso pode acontecer
com qualquer um. Quando entra na mente, o apego se instala,
e nem sempre é fácil detectá-lo. Muitas pessoas são dependen-
tes emocionais e não se dão conta disso. Estão sempre com uma
expressão sofredora e um sorriso forçado, mascarando uma au-
todestruição psicológica absurda e se deleitando com o autoen-
gano. Porém, não há remédio: o apego nos corrompe, afeta nossa
integridade e nos torna cada vez mais fracos.
Você pode alegar que é difícil se desapegar e/ou enfren-
tar os apegos. Isso é verdade. Entretanto, vale a pena tentar: é
possível adotar um estilo de vida inspirado no desapego e sofrer
menos. Não importa a que você esteja apegado, sempre poderá
se livrar daquilo que o incomoda psicologicamente e começar de
novo. Se fizer um esforço, conseguirá criar um estilo de vida
antiapego.
Não me refiro a cultivar uma autossuficiência radical ou
o isolamento, pois todos nós temos dependências obrigatórias.
Se você viaja de avião, depende do piloto; se está numa sala de
cirurgia, depende do cirurgião; se frequenta uma universidade,
precisa do professor e de um plano de estudo. Dependemos dos
adultos quando somos crianças e de um guia se nos perdemos.
Sempre haverá dependências razoáveis, úteis e saudáveis. O que
acho preocupante e prejudicial é a dependência irracional, supér-
flua e prescindível; aquela que não tem mais fundamento que seus
próprios medos, inseguranças e carências.
Vamos esclarecer: ser emocionalmente independente
(desa­pegado), no sentido que exponho aqui, não é cultivar uma
autonomia egoísta e supervalorizada, mas sim desenvolver a ca-
pacidade de ter consciência e prescindir daquilo que impede o

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aprimoramento pessoal. Esse é o comportamento recomendado
por Buda e em grande parte pela psicologia cognitiva moderna:
você pode ser livre interiormente, se quiser. O desafio é este:
livrar-se das dependências que o impedem de ser você mesmo.
Contudo, esse processo de libertação interior não é indolor,
como às vezes se insinua. Desapegar-se é assustador e doloro-
so, porque, ao fazê-lo, você perde grande parte dos pontos de
referência com os quais se identificou durante anos. Se decidir
emancipar-se emocionalmente, os objetos, pessoas e ideias que
supostamente o definiam e lhe serviam de suporte deixarão de ter
importância para você. Será um “sofrimento útil” que lhe permi-
tirá olhar-se de frente, sem escudos defensivos nem tensões mus-
culares. E, por mais que procure, não encontrará analgésicos para
suavizar os efeitos de despertar para a realidade: o desapego abala
a ordem estabelecida e leva a um crescimento pós-traumático radi-
cal. Você pode alegar que é um simples mortal e não tem nada de
transcendental. Não se preocupe: o desapego não é restrito a pes-
soas especiais ou a um grupo seleto de super-heróis e iluminados;
qualquer indivíduo com convicção e motivação suficientes tem
acesso a ele. A poetisa escocesa Alice Mackenzie Swaim escreveu:

A coragem não é o carvalho majestoso


que vê passar as tempestades;
é o frágil broto de uma flor
que se abre na neve.1

Desapego sem anestesia, sem desculpas, tão radical quan-


to possível e até as últimas consequências, seja você um robusto
carvalho ou um broto delicado. E, quando finalmente resolver se
desligar daquilo que o aprisiona emocionalmente e lhe rouba a

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energia vital, seu pensamento será tão simples quanto libertador:
“Não preciso mais de você, não me interessa mais!”. E curta a
vida!

Algumas palavras sobre este livro


A obra se divide em três partes, dez lições e um apêndice. A pri-
meira parte, intitulada Esclarecendo os conceitos, consta de uma
lição introdutória em que se explicam os conceitos de “apego”
e “desapego”, bem como suas definições incorretas. A segunda
parte, Como identificar o apego e não se deixar vencer por ele, inclui
seis lições que apresentam as características básicas do apego, de
que maneira afetam nossa vida e como enfrentá-las. A terceira
parte, Por que nos apegamos? Três portas que conduzem ao apego,
é composta de três lições sobre as causas do apego, os caminhos
que levam à dependência e como preveni-la. Por fim, no apên-
dice, intitulado A que nos apegamos?, cito alguns exemplos de
apego, muitos deles ainda não classificados, que afetam negati-
vamente as pessoas.
Recorrendo às fontes mais atualizadas da psicologia cog-
nitiva e a diversos textos orientais (principalmente budistas),
procurei aliar essas informações à minha experiência clínica. O
objetivo deste livro é basicamente pragmático: aprender a viver
com menos apegos, conseguir encará-los e identificá-los a tempo.
Não é uma obra técnica nem acadêmica, mas sim de divulgação,
e por esse motivo tentei usar uma linguagem simples e acessível
a todos. Se compreendermos a natureza do apego e como ele se
infiltra e atua na mente, poderemos nos livrar dos problemas psi-
cológicos que tanto nos afligem e melhorar nossa qualidade de
vida. Espero que os leitores consigam atingir essa meta.

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primeira PARTE

Definindo conceitos
Converta-se em sua própria luz.
Confie em você mesmo:
não dependa de ninguém.
Mahaparinibbana sutta

Quem já não sofreu ou ainda sofre inutilmente por estar preso a


coisas ou pessoas que lhe sugam a energia e a vontade de viver?
Quem já não se perdeu em pensamentos irracionais, criando falsas
expectativas de segurança, e depois percebeu que suas ações foram
em vão e perigosas? A estratégia fundamental para alcançar o bem-
-estar emocional consiste em descobrir o que não é necessário e se
livrar disso, como faz um cachorro quando sai da água e procu-
ra se secar. Em seguida, afastar o restante, desvincular-se e dizer
adeus com a sabedoria de quem aprendeu o que não lhe faz bem.
Encarar a realidade sem se enganar, mesmo que incomode aos
mais sonhadores ou provoque desajustes temporários.
O apego ofusca e reduz a capacidade cognitiva, ao passo
que o desapego dá paz e ajuda a desatar os nós emocionais que
nos impedem de pensar livremente. O primeiro nos afunda, o
segundo nos salva.
A primeira lição para o desapego visa a evitar mal-enten-
didos e esclarecer alguns conceitos que orientarão você nas lições
posteriores.

Definindo conceitos 19

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