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CULTURA POPULAR NO RECÔNCAVO BAIANO: VISIBILIDADE

ATRAVÉS DAS MULHERES

Fania de Cerqueira Santos1

Resumo: O artigo intitulado: A Cultura Popular no Recôncavo Baiano: visibilidade


através das mulheres tem como objetivo, reconhecer a importância da mulher na
perpetuação e resgate da cultura popular. O recôncavo baiano é rico culturalmente, se
fossemos escrever todas as manifestações culturais presente neste território certamente
levaríamos anos e não caberia nos livros. Isso demonstra o quanto o recôncavo tem um
arsenal cultural diverso. Este trabalho está subdividido em três seções, sendo que na
primeira será abordado os conceitos de cultura popular no recôncavo fazendo um
recorte da mesma no que diz respeito a participação ativa das mulheres neste contexto e
um breve histórico da cidade do Recôncavo. Na segunda seção será discutido como as
memórias da cultura popular foram preservadas no recôncavo. A terceira e ultima seção
abordar o papel da mulher na cultura popular, trazendo para este tópico as figuras
culturais como Dona Cadú ceramista e representante do samba da cidade de Maragojipe
e Dona Dalva representando também o samba de roda de Cachoeira cidade histórica do
recôncavo. Por fim as considerações finais relevantes para esta oportunidade como
fechamento da escrita deste artigo. A cultura popular nos faz pensar no lugar de fala das
pessoas, através das manifestações culturais. O que se percebe é que nessas
manifestações culturais, as mulheres em sua grande maioria estão a frente das mesmas,
o que nos faz refletir, quais os papeis das mulheres na sociedade frente a cultura
popular?
Palavras-chave: Cultura, manifestações culturais, recôncavo, mulher .

1
Mestranda pelo Programa de Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos
Indígenas, pela UFRB. Pós- Graduada em Educação Infantil, pelo Centro Universitário Barão de
Mauá, Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Ciência e Tecnologia Albert Einstein.
INTRODUÇÃO
O artigo intitulado: A Cultura Popular no Recôncavo Baiano: visibilidade através das
mulheres tem como objetivo, reconhecer a importância da mulher na perpetuação e
resgate da cultura popular. O recôncavo baiano é rico culturalmente, se fossemos
escrever todas as manifestações culturais presente neste território certamente levaríamos
anos e não caberia nos livros. Isso demonstra o quanto o recôncavo tem um arsenal
cultural diverso.
O Recôncavo baiano é um território demarcado geograficamente em torno
da Baía de Todos-os-Santos.

O termo Recôncavo é utilizado para referir-se às cidades próximas à Baía de


Todos-os-Santos, limitando-se ao interior, ou seja, isenta-se Salvador, capital do estado,
no limite norte.

Vale ressaltar e destacar que o Recôncavo Baiano é bastante extenso sendo


composto pelas seguintes cidades: Amargosa, Aratuípe, Brejões, Cabaceiras do
Paraguaçu, Castro Alves, Conceição do Almeida, Conceição do Jacuípe, Cruz das
Almas, Dom Macedo Costa, Elísio Medrado, Governador Mangabeira,
Itatim, , Jaguaripe, Jiquiriçá, Laje, Maragogipe, Milagres, Muniz Ferreira, Muritiba,
Mutuípe, Nazaré das Farinhas, Nova Itarana, Salinas da Margarida, Santa
Terezinha, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Felix, São Miguel
das Matas, São Gonçalo dos Campos, Sapeaçu, Saubara, Ubaíra e Varzedo. Em cada
uma destas cidades, existem uma ou mais manifestações culturais, que marcam a
história deste povo.

No livro Sambadores e Sambadeiras da Bahia, tem-se uma pequena


demonstração de como a cultura é marcante neste território.

MEMÓRIAS DA CULTURA POPULAR FORAM PRESERVADAS NO


RECÔNCAVO.

O Recôncavo foi o berço do samba de roda, e tem sido o lugar onde, por volta
de 1860, teriam surgido as primeiras manifestações do gênero musical, recentemente
proclamado como Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade
pela UNESCO.

O que a cultura representa para as pessoas? Ao tentar responder estas


indagações é possível pontuar que a cultura na origem do termo não era a mesma que se
apresenta para nós hoje.
Muitas mulheres tem dentro de si um grande sentimento de sobreviver na sua
terra. Terra que foi dos seus antepassados e serão dos seus filhos, portanto além do
trabalho na sua maioria árduo, elas encontram nas manifestações culturais a resistência
e superação.
Há uma luta contínua, por parte da cultura dominante, no sentido de
desorganizar e reorganizar constantemente a cultura popular, para
cerca-la e confinar suas definições dentro de uma gama mais
abrangente de formas dominantes; no entanto, não se pode esquecer
que há pontos de resistência e também momentos de superação.
(ADALBERTO SANTOS, 2011, p.40).

Por meio de manifestações artísticas, das obras, da cultura popular, é possível


conhecer a cultura de uma sociedade ou de um grupo.
Desta forma e para inicio de conversa faz-se necessário destacar alguns termos
que considero relevante neste trabalho. O primeiro deles cultura que previamente foi
citado na primeira seção deste trabalho bem como no primeiro paragrafo desta seção,
que etimologicamente o seu termo significa:
Palavra derivada da raiz latina colare, é um termo empregado no uso
diário em diversos sentidos, sem um significado aceito de modo geral.
Os romanos consideravam a agricultura como uma atividade cultural
por excelência e utilizavam a palavra cultura em referencia ao cultivo
da terra. No século XVI, esse significado transladou ao cultivo da
mente e do intelecto. (ADALBERTO SANTOS, 2011, p.42).

As definições e conceitos para além da etimologia da palavra cultura são


inúmeras e não caberão neste espaço, por conta de sua amplitude.
Throsby (2001) citado por Adalberto Santos 2011, p 44 traz duas acepções para
o termo cultura.
Na primeira acepção, o uso do termo cultura descreve o conjunto de
atitudes, crenças, costumes, valores, convenções e práticas comuns ou
compartilhados por um grupo, e serve para estabelecer a identidade
dos diversos grupos e proporcionar meios para diferenciar os seus
membros. O segundo uso do termo denota ceras atividades
empreendidas por pessoas, e os produtos dessas atividades, que são
porta-vozes dos aspectos intelectuais, morais e artísticos da vida
humana. (THROSBY, 2001).

Compreende-se então que o termo cultura está implicado em alguma maneira de


forma criativa e isso é fácil de ver no que diz respeito ao samba de roda das mulheres do
Recôncavo. Assim pode-se dizer que “a cultura é o espaço dos valores no qual se inclui
a coexistência com as demais pessoas, as normas éticas e os vínculos com o mundo e a
sociedade”. (ADALBERTO SANTOS, 2011, p. 39-40)
Por meio das manifestações culturais surge um arsenal multicultural, que tem
muito a dizer sobre a identidade de povo. Isso é bastante visível no Recôncavo Baiano.
[...] o multiculturalismo aposta que os códigos culturais estão se
fragmentando. Essa tendência reflete-se na multiplicidade de estilos,
na ênfase ao efêmero, ao flutuante, ao que não permanece, na
diferença e no pluralismo cultural. Constava evidencias de um
afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional e um
esforço de novos laços e lealdades culturais, o que levaria a
argumentar que o efeito geral dos processos globais foi responsável
pelo enfraquecimento das formas nacionais de identidade cultural e, o
consequente, fortalecimento das identidades locais, regionais e
comunitárias. (HALL, 2005, p. 39)

Como resistência e luta pelo reconhecimento de diferentes formas de saberes, da


identidade cultural de um povo que foram silenciadas ao longo da história. A Festa da
Irmandade Boa Morte de Cachoeira se revela como de fato o quanto muitos saberes
foram feridos na historia. Assim como diz Dallmayer (2000) “para serem congruentes
com a diversidade de culturas e povos, os governos precisam ser construídos de cima
para baixo, por meio de integrações laterais e movimentos transculturais e
transnacionais”. Pois, entende- se que a representação deste povo simboliza uma voz
que tem muito a dizer como enfatiza Taylor, “cada uma de nossas vozes têm algo único
que dizer [...]” (TAYLOR, 1993, p. 50), e que a cada dia mais encontram - se
suprimidas pelo processo de globalização hegemônica que é marcante na sociedade
atual, porém com um diferencial o de resistência a globalização, (HALL, 1995).
Diante desta resistência á globalização que a cultura popular se mantem
“protegida” e revitalizada.
Certeau, (1995, p. 55) vem dizer que: “A cultura popular supõe uma ação não-
confessada. Foi preciso que ela fosse censurada para ser estudada” compreendida
também como uma expressão que caracteriza um conjunto de elementos
culturais específicos da sociedade de uma nação ou região.
Muitas vezes classificada como cultura tradicional ou cultura de massas, a
cultura popular é um conjunto de manifestações criadas por um grupo de pessoas que
têm uma participação ativa nelas.
A cultura popular é de fácil generalização e expressa uma atitude adotada por
várias gerações em relação a um determinado problema da sociedade. A grande maioria
da cultura popular é transmitida oralmente, dos elementos mais velhos da sociedade
para os mais novos.
Entendendo a originalidade de cada cultura e sua maneira particular, percebemos
a forma como os indivíduos ou grupos sociais se aproximam de valores que são comuns
a todos os homens e mulheres, mas que, ainda assim, não nos tornam idênticos, pois
temos uma maneira própria de agrupar e excluir diferentes elementos culturais
(GOMES, 2005, p. 34-35).
As mulheres são as principais mobilizadoras no fazer artístico, bem como estão
a frente de varias festas da cultura popular. A partir deste espaço que é dado para elas,
que as mesmas constroem formas de viver e de ver o mundo, resistência, alternativa de
produção e forjam na luta ferramentas para mudar a realidade que enfrentam no
cotidiano.
A cultura popular surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões
diferentes e à necessidade do ser humano de se enquadrar ao seu ambiente envolvente.
A sociologia e etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer
juízos de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma
nação ou comunidade.
Alguns estudiosos indicam que cada pessoa tem no seu interior a noção do que é
popular, que é definido pela vertente de tradição e comunidade.
A cultura popular é influenciada pelas crenças do povo em questão e é formada
graças ao contato entre indivíduos de certas regiões. Pode envolver áreas m música,
literatura, gastronomia, etc.

O PAPEL DA MULHER NA CULTURA POPULAR: D. CADÚ E DONA


DALVA. O QUE ELAS TEM EM COMUM NO RECÔNCAVO BAIANO?
Em Cachoeira uma manifestação cultural que revela o sincretismo que ocorre no
Brasil, e principalmente na Bahia, é a Irmandade da Boa Morte que leva uma multidão a
acompanharem todos os rituais onde existe a mistura e vivência entre os cultos da igreja
católica e dos cultos das religiões afro-brasileira.

O Recôncavo baiano é uma região brasileira de enorme influência


africana. Para ali foram trazidos milhares de escravos, sobretudo para
trabalharem na produção de cana de açúcar.
O Samba de Roda é um acontecimento popular festivo que combina
música, dança e poesia. Surgiu no século XVII, na região do
Recôncavo no Estado da Bahia, e vem das danças e tradições culturais
dos escravos africanos da região. Além disso, contém elementos da
cultura portuguesa, como a língua, a poesia e alguns instrumentos
musicais. (UNESCO, 2008).

Esse acontecimento festivo tem grande representação no Recôncavo,


principalmente em Cachoeira, na pessoa da Mestra Dona Dalva que com mais de 90
anos, e com todo vigor não deixa o samba morrer. O samba de Dona Dalva é conhecido
como Samba de Roda Suerdieck, recebe este nome devido ao lugar onde as canções
surgiram.

Nascida em 27 de setembro na cidade de Cachoeira, Dona Dalva é um


dos patrimônios vivos do Recôncavo. É charuteira aposentada,
cantora, compositora, sambadeira e uma das integrantes da secular
Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Na antiga fábrica de
charutos Suerdieck, onde trabalhava, fundou o seu grupo de samba.
Resgatou cantigas que eram cantadas por sua avó materna e as formas
de vestir que sua avó paterna utilizava para mercar. As tabuinhas de
madeira que eram utilizadas durante a confecção de charutos, foram
transformadas em instrumento musical, utilizadas para reforçar o som
das palmas. ( SAMBADORES E SAMBADEIRAS DA BAHIA,
2008, p 19 )
Já em Maragojipe, também cidade do Recôncavo e muito próxima de Cachoeira,
onde o Carnaval dos mascarados é Patrimônio Imaterial dos além de todo esse contexto
se destaca uma mulher de 98 anos conhecida como Dona Cadú, Mestra do samba que
produz umas das cerâmicas mais populares do Recôncavo.

Devota de Santa Bárbara, a mestra sambadeira Ricardina Pereira da


Silva reside em Coqueiros, uma pequena comunidade de pescadores
de Maragojipe. Aos 10 anos, ensinada por uma vizinha, D. Cadú,
como é conhecida, aprendeu a fazer cerâmicas artesanais que produz e
vende em sua casa . Deve ao oficio de ceramista muito de sua relação
com o samba, pois o samba de D. Cadú surgiu na década de 80, do
canto de um grupo de ceramista enquanto laborava.
(SAMBADORES E SAMBADEIRAS DA BAHIA, 2008, p 34 )
O samba de roda foi inscrito na lista Representativa do Patrimônio Imaterial da
Humanidade em 2008 e se destaca com as características descritas a seguir.

No princípio, era o principal componente da cultura regional popular


entre os brasileiros de origem africana, mas logo o Samba de Roda foi
adotado pelos migrantes procedentes do Rio de Janeiro e influenciou a
evolução do samba urbano, que se converteu em símbolo da
identidade nacional brasileira no século XX.
A dança congrega pessoas em ocasiões específicas, como as festas
católicas populares e os cultos afro-brasileiros, mas às vezes também
surge de forma espontânea. Todos os presentes, incluindo os
principiantes, são convidados a participar da dança e a aprender por
observação e imitação.
Uma das características desse samba é que os participantes se reúnem
em um círculo chamado roda. Geralmente, apenas as mulheres
dançam. Uma por uma, elas vão se colocando no centro do círculo
formado pelos outros dançarinos, que cantam e batem palmas ao seu
redor. Essa coreografia frequentemente improvisada se baseia nos
movimentos dos pés, das pernas e dos quadris.
Um dos movimentos mais característicos é a
famosa umbigada (movimento de umbigo), de origem banto, pelo qual
a dançarina convida quem vai sucedê-la no centro do círculo.
Existem outros detalhes específicos, como canções típicas, o passo de
dança chamado miudinho, a utilização de instrumentos raspados e a
viola machete, um tipo de viola pequena, originária de Portugal, e
canções.
A influência dos meios de comunicação de massa e a competição com
a música popular contemporânea contribuíram para que este Samba
fosse desvalorizado aos olhos dos jovens. A idade dos praticantes e a
redução do número de artesãos capazes de confeccionar alguns dos
instrumentos impuseram mais uma ameaça à transmissão dessa
tradição. (UNESCO, 2008).
Por conta de todas essas características que o samba de roda possui, além de
respeitar, valorizar a imagem da mulher, o mesmo se destaca com glamour como uma
das manifestações culturais que se tornou Patrimônio Imaterial da Humanidade, é do
povo e para o povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cultura popular nos faz pensar no lugar de fala das pessoas, através das
manifestações culturais. O que se percebe é que nessas manifestações culturais, as
mulheres em sua grande maioria estão a frente das mesmas, o que nos faz refletir, quais
os papeis das mulheres na sociedade frente a cultura popular? Seja no samba de roda, na
produção da cerâmica, como membro de uma Irmandade, as mulheres tem um papel
fundamental na preservação das manifestações culturais. São elas que dividem o tempo
de uma maneira brilhante a ponto de sobrar um tempo para as preciosidades existentes.
As mulheres são as principais mobilizadoras no fazer artístico, bem como estão a
frente de varias festas da cultura popular. A partir deste espaço que é dado para elas, que
as mesmas constroem formas de viver e de ver o mundo, resistência, alternativa de
produção e forjam na luta ferramentas para mudar a realidade que enfrentam no
cotidiano.
A cultura popular surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões
diferentes e à necessidade do ser humano de se enquadrar ao seu ambiente envolvente.

REFERÊNCIAS
CERTEAU, Michel. A cultura no plural; tradução Enid Abreu Dobránszky. Campinas,
SP: Papirus, 1995. - (Coleção Travessia do Século).
DALLMAYR, Fred. Governo Global e diversidade cultural. Sociedade e Estado,
Brasilia, v.15, n.1jun/dez, p.20, 2000.
GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto: o processo de construção da
identidade racial de professoras negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.
HALL, Stuart. A questão da identidade cultural. Tradução Andrèa Borghi Moreira
Jacinta e Simone Maziana Fragella. São Paulo: Unicamp/IFCH, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2005.
http://www.unesco.org

SANTOS, Adalberto. Tradições populares e resistências culturais: políticas públicas


em perspectiva comparada. Salvador: EDUFBA, 2011.
SAMBADORES E SAMBADEIRAS DA BAHIA. Casa do Samba. Santo Amaro,
2008.
TAYLOR, C. La política del reconocimiento. In: TAYLOR, C. El multiculturalismo y
la política del reconocimiento. Tradução de Mónica Utrilla de Neira. México: Fondo de
Cultura Económica, 1993. p. 43-107.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e
conceitual In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). HALL, Stuart. WOODWARD,
Kathryn. Identidade e diferença: A perspectiva de estudos culturais. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 2005.

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