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O Almanaque do Paraná e a construção do Paranismo (1900-1930).

Alexandre Felipe Fiuza1


Stefany Dutra2
Este estudo busca refletir sobre o papel desempenhado pelos almanaques na construção de uma
identidade cultural para o estado do Paraná, no início do século XX, sobretudo o Almanach do
Paraná. Após a emancipação do estado de São Paulo (1853), surgiu a necessidade de se
desenvolver aspectos identitários capazes de representar o novo Estado e a população
paranaense. Diante disto, artistas e intelectuais da região iniciaram um movimento regionalista
chamado de Paranismo ou Movimento Paranista, que atingiu seu auge nas décadas de 1920 e
1930 e que buscou, nas características da fauna e flora local, a construção da imagem que se
pretendia consolidar no estado. Nesse sentido, o almanaque, impresso muito utilizado na época
como meio de comunicação e informação, constituiu uma ferramenta de disseminação de ideais
paranistas, principalmente através da divulgação de obras e artistas paranaenses, que enalteciam
as qualidades da região. Esta pesquisa se baseia em estudos relacionados ao desenvolvimento
de identidades culturais, a partir de autores que pesquisaram sobre o tema e suas ramificações
(identidades, tradições, culturas, nacionalismo), como por exemplo Eric Hobsbawm (1997) e
Stuart Hall (2006). Além disso, contamos com estudos de Roger Chartier (1999), Patrícia
Trizotti (2008) e Bruno Brasil (2015) para analisar relação do Almanach do Paraná com o
Movimento Paranista, assim como a cultura e identidade regional do Paraná neste período. Este
periódico, difundiu conteúdos estrategicamente selecionados, baseados em valores positivistas
e eurocêntricos, além de contar em suas fileiras com expoentes como Romário Martins, na
redação de textos e organização dos conteúdos. Assim, além de facilitar a comunicação e levar
informação às cidades paranaenses, os almanaques deste período também contribuíram para a
construção da identidade cultural do Paraná.
PALAVRAS-CHAVE: Almanaque; Paranismo; Identidade Cultural.
Introdução

“Ó menina vai ver nesse almanaque


como é que isso tudo começou
[...] Me responde por favor
Pra que que tudo começou
Quando tudo acaba.”
(Almanaque, Chico Buarque, 1981).

O encarte do disco Almanaque, de 1981, do músico Chico Buarque, reproduz na capa e


nos encartes de sua versão em vinil uma amostra de como eram os almanaques que
experimentavam forte circulação em diferentes sociedades ocidentais. A canção que dá título

1
Doutor e Pós-Doutor em História. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Cascavel-PR e do Departamento de História e do Mestrado em História
da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: alefiuza@uel.br
2
Licenciada em História pela Universidade Paranaense, com Especialização em História e Cultura Afro-Brasileira
e aluna do Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de História da Educação (Mestrado), da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, campus de Cascavel-PR. E-mail: tkstefany@gmail.com
ao disco igualmente traz algumas marcas do gênero almanaque, com perguntas e curiosidades,
obviamente a partir da livre interpretação artística do compositor e de sua indelével verve lírica
e polissêmica.

O gênero almanaque trazia uma estética e um apelo à curiosidade dos/as leitores/as,


valendo-se do uso de calendários e suas efemérides, ciclos lunares, anedotas, fragmentos
literários, descobertas científicas, humor gráfico, jogos, adivinhações, periodização de culturas
agrícolas, meteorologia, além de histórias atrativas. Conforme se pode aferir por sua própria
etimologia, a palavra “almanaque” tem origem na palavra árabe “almanakh”, e, por mais que
haja mais de uma explicação etimológica do termo aplicado à esta publicação, sua origem grega
e árabe remete ao calendário.

Se tomarmos sua extensa difusão no Brasil, há que se levar em consideração que os


almanaques tiveram forte inserção pelo interior do Brasil, combinando uma natureza científica
e religiosa. Não obstante, este suporte do ramo editorial era claramente polissêmico, como: “[...]
vasto mural dos conhecimentos produzidos sob a égide de uma universalidade cultural – aquela
que combina natureza e cultura, real e imaginário, razão e desrazão. Trata-se de uma explicação
total da vida; uma resistência à fragmentação do conhecimento”. (NOGUEIRA, 2011, p.112).

Pensar no papel dos almanaques em relação às identidades e às tradições, remete-se


ainda às reflexões do historiador Eric Hobsbawm (1997), que problematizou as tradições
inventadas na pós-modernidade, analisando o desenvolvimento de identidades nacionalistas e
a criação de determinadas tradições, como as ocorridas no país de Gales, por exemplo. O autor
explica que muitas tradições que parecem antigas são recentes e foram forjadas
propositalmente, e não através da manutenção de costumes ao longo do tempo. Segundo
Hobsbawm:

O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca


indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e
formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais
difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes
coisa de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez. [...] A
“tradição” neste sentido deve ser nitidamente diferenciada do “costume”,
vigente nas sociedades ditas “tradicionais”. O objetivo e a característica das
“tradições”, inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O passado real ou
forjado a que elas se referem impõe práticas fixas (normalmente
formalizadas), tais como a repetição. (HOBSBAWM, 1997, p. 09-10).
Neste texto, que se trata da Introdução homônima do livro A invenção das tradições,
Hobsbawm (1997) reflete sobre tradições que foram construídas na modernidade, levando em
consideração fatores como o desenvolvimento dos Estados-Nação e a industrialização,
chegando à conclusão de que esses tipos de tradições possuem uma dificuldade maior em se
estabelecer de forma definitiva na sociedade. A diferenciação posta entre costume e tradição
revela nuances e diferenças significativas que ajudam a diferenciar processos com forte
conotação política e com vincado interesse em transformar ou preservar o tecido social:

O “costume”, nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e


volante. Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora
evidentemente seja tolhido pela exigência de que deve parecer compatível ou
idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer mudança desejada (ou
resistência à inovação) a sanção do precedente, continuidade histórica e
direitos naturais conforme o expresso na história. (HOBSBAWM, 1997,
p.10).

A discussão proposta e os argumentos utilizados pelo autor dão luz a alguns


questionamentos da contemporaneidade, como a dificuldade de manutenção de uma tradição
inventada e até mesmo a dispersão das identidades culturais.

Nesse âmbito, outro autor importante para este debate, Stuart Hall (2006), em A
identidade cultural da pós-modernidade, refletiu sobre o processo de identificação estar se
tornando cada vez mais problemático, relacionando a “pluralização de culturas e identidades
nacionais” (2006, p. 83) com as transformações ocorridas no mundo, sobretudo com a
globalização. Segundo o autor:

Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão
"mudando". O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade
unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma
única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não
resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as
paisagens sociais "lá fora" e que asseguravam nossa conformidade subjetiva
com as "necessidades" objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como
resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de
identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático. (HALL, 2006, p. 12).
Ainda que o autor problematize uma miríade de mudanças ocorridas nas identidades
contemporâneas, a discussão sobre a construção de uma identidade paranaense não se distancia
do debate. Ela se engendra na constituição de identidades nacionais, por si só já tênue pela
diversidade cultural brasileira, e se se complexifica na sua interação, sobreposição ou fusão
como uma identidade regional em construção. Hall (2006) igualmente analisa o processo de
interação cultural pós-moderna e a tendência de fragmentação de identidades e culturas,
apontando três possíveis consequências da globalização:

[...] a) globalização caminha em paralelo com um reforçamento das


identidades locais, embora isso ainda esteja dentro da lógica da compressão
espaço-tempo. b) A globalização é um produto desigual e tem sua própria
"geometria de poder". c) A globalização retém alguns aspectos da dominação
global ocidental, mas as identidades culturais estão, em toda parte sendo
relativizadas pelo impacto da compreensão espaço-tempo. (HALL, 2006, p.
81).

O autor também considera fatores como o imperialismo e a migração, questionando se


ainda existem de fato sentimentos nacionalistas (p. 84). Sobre o argumento “a”, onde afirma
que a globalização reforça as identidades locais, Hall explica que:

Outro efeito desse processo foi o de ter provocado um alargamento do campo


das identidades e na proliferação de novas posições de identidade, juntamente
com um aumento de polarização entre elas. Esses processos constituem a
segunda e a terceira consequências possíveis da globalização, anteriormente
referidas - a possibilidade de que a globalização possa levar a um
fortalecimento ele identidades locais ou à produção de novas identidades.
(HALL, 2006, p. 84 – grifo do autor).

Quanto à produção de novas identidades, o autor citou as novas identidades que


emergiram nos anos 1970, exemplificando com a identificação Black, no contexto britânico,
onde comunidades negras passaram a se identificar não por cultura ou língua, mas porque eram
julgados como “os outros” pelos brancos (HALL, 2006, p. 86). Assim, concluiu que a
globalização consegue deslocar e pluralizar identidades centradas em uma cultura nacional,
“produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação e tornando as
identidades mais posicionais mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou
trans históricas” (HALL, 2006, p. 87), além da formação de culturas híbridas a partir da
interação de culturas diferentes. Se observa aqui neste texto, portanto, como estas análises sobre
as identidades, ainda que distantes algumas décadas do contexto de reflexão do proeminente
teórico, podem ser potentes para entender qual o papel da imigração no Paraná. Ademais, as
características das paisagens humanas e ambientais, e as relações estabelecidas com o âmbito
nacional, podem ter influenciado na construção desta identidade regional.

Isto posto, o Estado do Paraná foi criado no ano de 1853, a partir da emancipação da
então Província de São Paulo. Havia inúmeras críticas sobre a administração da parte que hoje
corresponde ao Paraná, onde a população estava descontente com o foco dos investimentos ser
destinado recorrentemente à capital, São Paulo, que se industrializava rapidamente, enquanto o
resto do território permanecia abandonado.

Após a criação da Província do Paraná, os intelectuais da região buscaram criar uma


história estadual (ou, para sermos mais precisos, provincial), além de símbolos, Hino e Bandeira
que representariam o Paraná, pois se fazia necessária a criação de uma tradição paranaense.
Algo que, como Hobsbawm asseverou, se remetesse à um passado em comum e que estivesse
tendo a sua continuidade no presente, ainda que através de uma tradição forjada.

A possibilidade de criar uma narrativa histórica permitiu a valorização de determinados


aspectos em detrimento de outros. Ao tratar a escravidão como branda, por exemplo, exaltando
os imigrantes europeus e negando a desigualdade social durante e após a Abolição, possibilitou
um cenário mais que propício ao desenvolvimento de preconceitos, além de prejudicar a busca
pela reparação histórica, social e econômica, influindo, inclusive, na tese do vazio demográfico.

Romário Martins foi um dos intelectuais paranaenses, sendo também político,


historiador, escritor e jornalista, além de expoente do Movimento Paranista (o já mencionado
movimento de cunho identitário, que buscava criar uma identidade cultural para o Paraná). O
autor chegou a escrever textos em formato de pinhão estilizado ou utilizando demais símbolos
paranistas, como forma de ajudar a difundir os ideais do movimento e a consolidar os símbolos
do Paraná no imaginário coletivo. Os textos apresentavam um caráter ufanista, valorizando
aspectos da fauna e da flora local, como a Pinha, a Araucária e a Gralha-Azul, além das
Cataratas do Iguaçu e dos imigrantes que colonizaram o território. Como os demais intelectuais
da época, Martins foi influenciado por ideias positivistas da Europa e acabou reproduzindo o
discurso preconceituoso sobre negros e indígenas em suas obras, sendo perceptível, por
exemplo, na História do Paraná, uma obra clássica do autor e da historiografia paranaense.3
Também foi um dos redatores do Almanach do Paraná, analisado neste estudo.

O Almanach do Paraná e o Movimento Paranista

Os almanaques possuem a função de difundir informações específicas ou diversas para


um público-alvo heterogêneo e costumam apresentar uma linguagem acessível, além de utilizar
imagens para facilitar a compreensão do assunto abordado. Podem ser almanaques específicos
de farmácia, de mercado, de História etc., ou um almanaque que apresente diversos temas na
mesma obra. Também podem apresentar um caráter comercial, a partir dos anúncios contidos
na parte de publicidade, inseridos tanto no começo, ao longo da obra ou no final. Nos
almanaques de farmácia brasileiros, por exemplo, era comum aparecer a figura do Jeca-Tatu,
personagem fictício que costumava se queixar de mal-estar e sintomas de amarelão, servindo
de propaganda para o Biotônico Fontoura. Visto que a circulação de jornais muitas vezes ficava
restrita à metrópole, os almanaques eram muito utilizados na zona rural (é importante lembrar
que boa parte do país era rural nesse período), e a figura do caboclo Jeca-Tatu, criada por
Monteiro Lobato, promovia a identificação com os leitores a partir do estereótipo e de suas
histórias.

No Brasil, os almanaques desempenharam um importante papel, sobretudo no século


XX, atuando como meio impresso de informação e comunicação popular, que circulava pelo
país em um cenário de tardia industrialização, difundindo textos, informações e anúncios. Sobre
a adesão social dos almanaques, num artigo de Roger Chartier, originalmente, uma introdução
à obra de Margareth Brandini Park (1999), este afirma que:

Mas desde o século XVIII, mesmo antes, o almanaque é um gênero ao mesmo


tempo literário e editorial utilizado para difundir textos de natureza
extremamente diferente. Daí o sucesso perpetuado de um livro que pode ser,
ao mesmo tempo, útil e prazeroso, didático e de devoção, tradicional e
“esclarecido”. Essa diversidade organiza a tipologia das obras, dos simples
calendários, que indicam os santos de cada dia e as fases da lua, até os
almanaques poéticos ou enciclopédicos. Ela se encontra igualmente no seio
de muitos almanaques compostos de textos capazes de responder a todas as
demandas, de satisfazer a todas as necessidades. (p. 139).

3
Nesse período, teorias como a do Branqueamento Racial se fortaleciam sob o argumento de que seria necessário
mesclar negros com brancos para “branquear” a genética da população, discurso que impulsionou a busca por
imigrantes europeus para o Brasil.
Os almanaques farmacêuticos no Brasil tinham “a tarefa da educação sanitária e moral
do maior número de pessoas” (CHARTIER, 1999, p. 140), e podem ser incluídos na lista dos
impressos que promoveram um contato com a comunidade. Alguns almanaques eram
periódicos e por assinatura, sendo impressos a cada seis ou doze meses, como no caso do
almanaque analisado.

Patrícia Trizotti (2008), por sua vez, em Almanaques: história, contribuições e


esquecimento, reflete sobre a história dos almanaques, sobretudo no Brasil. Discutindo sobre
as diversas tipologias de almanaques, a autora destaca a sua importância, afirmando que:

Percebe-se assim que por essa diversidade de tipos, os almanaques tornam-se


inventários minuciosos acerca dos pormenores da vida cotidiana de muitas
cidades, além de abarcar ainda personagens mais específicos, com a nomeação
de pessoas ilustres das localidades, que tiveram ligação não só com o
financiamento do café e estradas de ferro, mas também acionistas de casas
bancárias e ligados à produção intelectual da época. Pesquisar almanaques
propicia ainda reconstruir o passado por meio de imagens presentes em muitos
deles. (TRIZOTTI, 2008, p. 310).

Também considerando os almanaques como uma importante fonte histórica, a autora


afirma ainda que escasseiam “[...] pesquisadores dedicados a explorar os almanaques enquanto
objeto, mas falta antes de tudo inventariar os almanaques presentes nos acervos, não só
paulistas, mas como do país inteiro” (TRIZOTTI, 2008, p. 312), ressaltando, inclusive, a
ansiedade pela qual eram aguardados pela população.

A respeito do Almanach do Paraná, de acordo com um artigo de Bruno Brasil (2015),


consistiu-se em um anuário, lançado em Curitiba-PR no ano de 1896, sendo um
empreendimento de Annibal Requião e Cia, donos da Livraria Econômica. Segundo o autor:

Impresso em preto e branco, o Almanach do Paraná vinha inicialmente com


cerca de 200 páginas (número que posteriormente se expandiria para quase o
dobro), apresentando assuntos diversos: indicadores para comércio e
indústria, história e literatura, tarifas, estatísticas, tabelas de câmbio, serviços
de transporte, agricultura, entretenimento, calendários e notas cronológicas,
informações geográficas e sobre a organização política brasileira, orientação
sobre questões jurídicas e burocráticas em geral, notícias gerais, informes de
utilidade pública, homenagens e perfis. Curiosidades, charadas, anedotas e
publicidade, entre outras coisas. Abordavam-se predominantemente temas e
questões locais, mas não só este. As edições vinham com poucas imagens, em
geral vinhetas ornamentais e “finíssimas photogravuras” com retratos de
personalidades ou paisagens e monumentos locais. (BRASIL, 2015, s/p.).

Brasil (2015) também trata de Romário Martins, citando o período em que ele trabalhou
como redator do Almanaque:

Após o lançamento do nº 2 de Almanach do Paraná, a publicação foi editada


com regularidade anual por algum tempo. Romário Martins se manteve no
cargo de redator somente até 7ª edição, do ano de 1904, vindo Corrêa Neto a
assumir a redação. Em 1909, quando já chegava em sua 12ª edição, o
almanaque acabou sendo suspenso. Quando reapareceu, somente em 1912, a
13ª edição do Almanach do Paraná já tinha outro redator: Alcides Munhoz.
Na ocasião, como editor aparecia no expediente da publicação apenas o nome
de Leopoldino Rocha, como dono da Livraria Econômica e, portanto,
responsável pela tipografia da casa. Após lançar sua 14ª edição, para 1913, o
almanaque acabou sendo suspenso novamente. (BRASIL, 2015, s/p.).

É possível notar como a parte histórica é valorizada nas edições em que Martins
participou. O autor aproveitou o trabalho como editor do Almanaque para apresentar o
Movimento Paranista à população, exaltando as qualidades do Estado e das pessoas que o
compõem. Mostrando os símbolos paranaenses ao longo da obra, fez questão de diferenciar o
paranista do paranaense, sendo o primeiro aquele que se identifica com a terra e trabalha pelo
seu desenvolvimento e o segundo, apenas o que nasceu no Estado. Assim, o Paraná é descrito
como uma terra fértil, com um povo trabalhador e feliz, em pleno desenvolvimento industrial e
cultural, ignorando qualquer resquício da escravidão, como o preconceito étnico e a
desigualdade socioeconômica.

As edições do Almanaque costumavam iniciar com a apresentação de calendários


(incluindo lunar e do agricultor), feriados e datas comemorativas religiosas, informações sobre
plantio e colheita, horários e valores de passagens de trem, entre outros assuntos de interesse
geral. Também traz uma parte literária, destinada a poesias e contos, acompanhada de uma
extensa parte publicitária, contendo os mais diversos anúncios, como propagandas de
alfaiatarias, marcas de café, máquinas de costura, armazéns, entre outros. Também é possível
observar crenças e opiniões próprias dos redatores, evidenciando pouca neutralidade no
conteúdo abordado, o que possui um lado positivo e outro negativo: se por um lado,
descredibiliza a veracidade das informações, por outro, contribui para a compreensão de
costumes e do pensamento coletivo e/ou intelectual paranaense. Além disso, também eram
divulgados os trabalhos de artistas paranaenses, que enalteciam as qualidades da região e
serviam de base cultural para o Paranismo, como Zaco Paraná, Lange de Morretes e o próprio
Romário Martins, entre outros artistas.

O Almanach do Paraná teve sua última edição publicada em 1929. Embora os anúncios
tenham permanecido com destaque, aos poucos, as ilustrações vão dando espaço para
fotografias e as edições ficaram mais curtas, bem como o formato e tamanho das letras
mudaram, assim como a ordem dos assuntos.

Apesar do esforço realizado pelos intelectuais paranaenses na década de 1920 e 1930


para consolidar uma identidade cultural Paraná, atualmente, os paranaenses ainda encontram
dificuldade em delimitar uma identidade de si mesmos, sendo comum ouvir o questionamento
“mas o Paraná tem uma identidade?” dos próprios moradores da região. Nesse sentido, nos
apoiamos no discurso de Hobsbawm (1997), que trata da dificuldade de consolidação de
tradições inventadas de Hall (2006), que aborda a tendência de fragmentação das identidades
associando-as com a globalização. Isso, provavelmente, porque o contexto em que o Paraná foi
criado se trata do mesmo período em que esses autores se referem, um Estado que foi criado
em meados do século XIX, que teve que buscar elementos simbólicos para produzir uma
identidade regional e que encontrou dificuldades na sua consolidação. Podemos citar como
fatores importantes nesta análise a interação cultural ocorrida na região, a partir de culturas
diferentes, o que promoveu um sincretismo cultural, que vem sendo intensificado pela
sociedade globalizada.

Considerações Finais

Neste estudo, buscamos analisar o Almanach do Paraná e compreender a sua


importância como meio de informação e comunicação regional, isso num cenário de
desenvolvimento industrial tardio e de busca por uma identidade regional. Os almanaques
desempenharam um importante papel na sociedade, principalmente pela sua acessibilidade,
sendo distribuídos muitas vezes gratuitamente em farmácias ou mercados, também existindo os
periódicos por assinatura, apresentando uma escrita de fácil leitura, ilustrações e anúncios.
Conforme enfatizado por Chartier (1999), no Brasil, os almanaques também
contribuíram como uma forma de educação sanitária à população e, segundo Trizotti (2008), os
periódicos eram esperados com ansiedade e, portanto, é necessário que mais pesquisadores se
debrucem para estudar os almanaques, visto que se constituem em importantes fontes históricas
para compreensão da sociedade e da realidade da época.

Devido ao caráter informativo, o Almanach do Paraná contribuiu para a disseminação


dos valores do Movimento Paranista, movimento identitário do Paraná, ocorrido no início do
século XX, e que teve como um dos principais expoentes Romário Martins. Este intelectual
também foi um dos redatores do Almanaque e contribuiu de forma significativa para a
historiografia da região, valorizando a fauna e a flora local, a partir de textos ufanistas e
símbolos regionais, como a Araucária e o Pinhão.

Apesar da produção cultural paranista, ainda existe uma dificuldade na consolidação de


uma identidade cultural no Paraná, o que pode ser explicada através dos escritos de Hobsbawm
(1997) e Hall (2006), como na dificuldade de manutenção das tradições e culturas inventadas
ou na fragmentação de identidades, considerando o sincretismo cultural promovido pela
globalização e refletido sobre a formação de culturas híbridas.

Por fim, é possível identificar um caráter positivista no conteúdo do Almanaque, assim


como era comum nesse período entre os intelectuais brasileiros, fortemente influenciados por
teorias da Europa, como a teoria do branqueamento racial e o seu decorrente preconceito étnico.
Cabe aos historiadores, portanto, analisar criticamente as obras, a fim de conseguir separar os
fatos das narrativas, pois embora a ausência de neutralidade prejudique a veracidade das
informações, também ajuda a demonstrar como era o pensamento coletivo e intelectual desse
período, evidenciando dogmas, crenças e preconceitos em seus discursos.

Referências

Almanach do Paraná: Commercio, Historia e Literatura (PR) - 1896 a 1929. Disponível em:
<http://bndigital.bn.br/acervo-digital/almanach-parana/214752>. Acesso em set/2022.

BRASIL, Bruno. Almanach do Paraná - Commercio, Historia e Litteratura. BN Digital, 2015.


Disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/artigos/almanach-do-parana-commercio-historia-e-
litteratura/>. Acesso em dezembro de 2021.
BUARQUE, Chico. Almanaque. Ariola, LP (vinil), nº 201.640, 1981.

CHARTIER, Roger. O livro dos livros: os Almanaques no Brasil. Estudos Sociedade e


Agricultura, v. 7, n. 2, out. 1999 - mar. 2000, p.139-42.

HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. 11ª edição. Tradução Tomaz Tadeu
da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1997.

NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. A Sagração do Tempo. In: AMORIM, M. A.;


NOGUEIRA, M. A. L. (orgs.). Leituras de Almanaque. Recife: Editora da UFPE, 2011, p.111-
121.

TRIZOTTI, Patrícia Trindade. Almanaques: história, contribuições e esquecimento. Ribeirão


Preto: Dialogus, v.4, n.1, 2008.

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