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Ruben Ferreira 2019135421

Ficha de leitura do artigo Malm e Hornborg, 2014 The geology of mankind?


A critique of the Anthropocene narrative, The Anthropocene Review

Nas palavras de ambos os autores, o Antropoceno – termo cunhado pelo laureado premio
nobel Paul Crutzen, é um conceito que desde 2002 tem tido uma ascensão meteórica de
popularidade em grande parte dos setores da sociedade. Esta nova época geológica, na
qual a Humanidade e as suas ações começam a ter um impacto no clima e sistemas da
vida na terra, demonstram que a separação entre a natureza e cultura se tornou obsoleta,
evidenciando que a convergência entre as ciências naturais e sociais para a compreensão
deste fenómeno é deveras importante

Para Malm e Hornborg mais do que colocar importância nas relações entre história,
ciência natural e ciência sociais, de igual forma é preciso perceber e contextualizar as
novas noções de modernidade e do que verdadeiramente é o significado da palavra
humano. Por isso, o grande objetivo dos autores torna-se assim, a necessidade de
questionar o uso do termo espécies, o homo sapiens – o Humano, para estudar a narrativa
do Antropoceno, de como a mesma analiticamente possui algumas falhas e de como essas
mesmas falhas impedem de se agirem sobre elas.

Apesar das duas noções de natureza e cultura se quererem mais diluídas, não separadas
como extremos opostos, as respostas para as consequências climáticas causadas pela
sociedade continuam primeiramente ancoradas nas ciências naturais. Com o abandono do
dualismo cartesiano, tornar-se-ia assim efetivo ter em conta as condições materiais dos
indivíduos, representações e as estruturas de poder que regem a sociedade e não só como
a ecologia humana influencia e é influenciada pela própria ação humana.

O Antropoceno é pensado como tendo originado a partir de duas hipóteses, apesar da


primeira ser a mais bem aceite. Uma defende aquando da revolução industrial com a
invenção do motor a vapor e a outra, defende que o mesmo tem um ponto cardeal
fundador muito mais antigo, no momento do advir das primeiras civilizações agrícolas.
O domínio do poder do vapor permitiu assim a transição para o uso de combustíveis
fosseis e o domínio do homem em todas as dimensões. É possível traçar assim o
nascimento do Antropoceno, onde as bases do seu nascimento teriam sido lançadas
aquando do domínio do fogo pelos nossos ancestrais hominídeos. O Antropoceno desta
forma define uma abrangência quase envolvente de toda a humanidade nas causas para
as grandes alterações climáticas e coloca o domínio das energias fosseis quase como uma
evolução da descoberta do fogo. Contudo, o uso de substâncias fosseis não é igual ao
longo do planeta.

Historicamente, é perfeitamente visível que o advento dos combustíveis fosseis se


originou de processos desiguais, fruto das dinâmicas mundiais e de bens comerciais. O
uso do motor a vapor não apareceu naturalmente por todos os indivíduos do mundo, não
partiu de uma essência. Partiu de um grupo de homens brancos ingleses, donos dos meios
de produção que os encabeçaram em todas as direções do globo, sem direito a escolha ou
votação por parte dos restantes indivíduos. Por isso, não pode ser visto coo o simples
processo evolucional da humanidade. É falso tentar atribui equivalência entre a
descoberta do fogo e o motor a vapor devido a necessidade de um para o outro. De igual
forma, na obtenção da capacidade de manipular e fazer uso dos combustíveis fosseis,
capacidades como a linguagem, aprendizagem, trabalho coletivo foram necessários, mas
as mesmas não são tidas como responsáveis pelas alterações climáticas,

As alterações climáticas encontram-se trespassadas de desigualdades. As novas formas


de combustíveis, modos de energia, investigação tecnológica são decididas por
mecanismos não democráticos, fruto de investimentos privados e de certos governos.
Também quem mais sente, sentiu e sentirá os efeitos das alterações climáticas são os
mesmos que menos contribuem para isso. Por isso, Malm e Hornborg afirmam que a
tecnologia não pode ser universalmente distribuída, uma vez que se encontram
dependentes das regras económicas do mundo – divisão global do trabalho, diferenças de
rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres, entre outras. O progresso tecnológico
encontra-se assim definido pelas estruturas que governam as sociedades e não como atos
de magia. A tecnologia está atrelada ao capital – quanto mais gastar hoje, mais gastará
amanhã, colocando assim a tecnologia no domínio da cultura, podendo ser usada para
manter estruturas de poder,

O crescimento populacional é visto como um dos principais responsáveis pelo aumento


de emissões mundiais e defendida pelos defensores do Antropoceno, o que colocaria
sociedades que historicamente produzem uma ínfima parte de emissões como uma das
principais culpadas. Acontece que estudos vieram provar não ser verdade, uma vez que
significativa parte da população mundial não está presente na economia fóssil mundial.
Criou-se assim uma jogada para justificar a inserção da humanidade como um todo no
“jogo” das emissões. Passa assim a colocar-se no mesmo plano de jogo de grandes
fenómenos geológicos. A mudança climática passou na natureza para a humanidade.

Esta mudança de estados, retirou a mudança climática da natureza para a ação humana
para a reificar de seguida como parte inerente à própria noção de humanidade. Todavia,
as evidencias demonstram que historicamente os humanos sempre criaram mudanças
climáticas e que as mesmas são fruto de fenómenos sociológicos e não de biologia
humana.

Ao se retirar as alterações climáticas dos ramos da natureza, é necessário aprofundar a


história social para que a mesma não caia numa inevitabilidade para a qual a grande parte
da sociedade pensa que não conseguirá sair nem que possui armas para o fazer. O
Antropoceno é assim o colocar do derrotismo em toda a Humanidade proveniente de um
termo cunhado pelas ciências naturais. É uma forma de aproximar o natural do social,
apesar de ambos já se encontrarem fundidos, acabando de criar noções dicotómicas onde
de um lado, na mudança climática, as relações socias moldam as condições naturais e, do
lado do Antropoceno, os cientistas naturais tentam moldar e empregam as suas visões ao
mundo, revelando uma tendência para a autoafirmação. Contudo, o acordar para o perigo
iminente que as alterações climáticas causam foi lento nas ciências sociais e demonstrará
que apesar de se colocar o Homem como principal culpado de tudo, não estaremos todos
no mesmo barco mesmo que a imagem da catástrofe climática se aproxime cada vez mais.

Já na parte final do artigo, a naturalização das mudanças climáticas, nas palavras de Malm
e Hornborg são naturalizadas, vistas como regras, naturais ao ser humano e incapazes de
serem mudadas, efetuando um paralelismo com a ideia de Marx, que afirmava que a
produção estaria envolvida em leis naturais, independentes do curso normal da história.
Se o Antropoceno está imbuído num traço ou propriedade essencial de todos os seres
humanos, como é que podemos imaginar o desmantelamento de uma economia fóssil e
fim, ou pelo menos, o remediar da catástrofe climática? Será que a célebre frase de Mark
Fisher se tornará uma evidência, onde é mais fácil imaginar o fim do mundo do que uma
mudança brutal do mundo em que vivemos? Fica demonstrado assim pelos autores que a
dominância das ciências naturais no que diz respeito as mudanças climáticas, torna o
Antropoceno numa ideologia por defeito, repleto de defeitos na vertente analítica e que
dificulta a ação contra as alterações climáticas.

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