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Aqui, Andreas Malm sugere que essa era, chamada de Antropoceno, talvez não
seja a época geológica de toda uma espécie, mas somente de alguns poucos
humanos.
Quem está nos conduzindo em direção ao desastre? Uma resposta radical seria a
dependência do sistema econômico da extração e do uso de energia fóssil. Algumas
pessoas, no entanto, prefeririam identificar outros culpados.
Aí entra Naomi Klein, que em This Changes Everything (Isso Muda Tudo)
apresenta como o acúmulo de capital joga combustível no fogo que hoje consome
o sistema da Terra. Despachando sem cerimônias toda a conversa sobre o humano
maldoso, ela escreve: “Estamos parados no mesmo lugar, porque as ações que nos
dariam a melhor chance de evitar uma catástrofe – e beneficiariam a vasta maioria
– são extremamente ameaçadoras para uma elite minoritária que controla nossa
economia, processos políticos e a maioria das mídias”.
Será que é mesmo mais próxima da realidade? Seis fatos simples demonstram o
contrário. Em primeiro lugar, o motor a vapor é amplamente e corretamente visto
como a locomotiva inicial da lógica da continuidade a qualquer custo. A partir daí
a combustão do carvão foi ligada pela primeira vez à espiral sempre em expansão
da produção de commodities.
Ainda que seja banal comentar, motores a vapor não foram adotados por
representantes natos da espécie humana. A escolha de um impulsor primário para a
produção de commodities não pode ter sido uma prerrogativa da espécie, já que,
para começar, isso pressupôs a instituição do trabalho assalariado. Foram os donos
dos meios de produção que instalaram o novo motor primário. Composta por
homens brancos, essa classe de pessoas (uma pequena minoria, mesmo na
Inglaterra) formava uma fração infinitesimal da humanidade no início do século
XIX.
Em quarto lugar, provavelmente não existe indústria que encontre mais oposição
popular do que a de petróleo e gás. Como Klein bem exprime, comunidades locais
têm se revoltado contra fraturas hidráulicas, exploração e dutos do Alasca até o
delta do Nilo, passando por Grécia e Equador. Mas está contra eles um interesse
recentemente declarado de forma clara por Rex Tillerson, presidente e CEO da
ExxonMobil: “Minha filosofia é ganhar dinheiro. Se eu puder fazer dinheiro
perfurando o solo, então é isso que eu quero fazer”.
Sexto fato, e talvez o mais óbvio: poucos recursos são consumidos de forma tão
desigual quanto a energia. Os 19 milhões de habitantes de Nova Iorque consomem
mais energia do que 900 milhões de habitantes da África Subsaariana. Um
canadense comum pode consumir até mil vezes mais energia do que um pastor
africano da região do Sahel – e estamos falando de um canadense mediano, não de
um que seja dono de três casas, cinco carros utilitários e um avião particular.
Na medicina, uma pergunta parecida seria algo como por que concentrar os
esforços de pesquisa no câncer e não na varíola? Ambos podem ser fatais! Mas
apenas um deles ainda existe. A História encerrou o capítulo do sistema soviético,
então voltamos para o início, onde a economia fóssil é ligada ao modo capitalista
de produção – só que, agora, em escala global.
De acordo com esse último, “está claro agora que acabar com a mudança
climática é impossível” – e, aliás, construir um parque de produção de energia
eólica é tão ruim quanto abrir outra mina de carvão, já que ambas profanam a
paisagem. Sem antagonismo, nunca pode haver nenhum tipo de mudança na
sociedade humana. O pensamento voltado para a espécie, no que tange à mudança
climática, induz à estagnação. Se todo mundo é culpado, então ninguém o é.
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