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2, 2015 2
PAULO ARANTES 9
Entrevista com Marcos Barreira e Maurílio Lima Botelho
ARTIGOS
A POTÊNCIA DO ABSTRATO 70
Resenha com questões para o livro de Moishe Postone
Cláudio R. Duarte
PÓS-NATUREZA 286
Pilhagem ecológica e os monstros do capital
André Villar Gomez
O CAPITALISMO E A MALDIÇÃO DA
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
O retorno do paradoxo de Jevons
O século XIX foi o século do carvão. Foi o carvão, acima de tudo, que moveu a
indústria britânica, e, portanto, o império britânico. Mas em 1863 o industrial Sir
William George Armstrong, em seu discurso anual para a Associação Britânica para o
Avanço da Ciência, questionou se a supremacia mundial britânica na produção
industrial poderia ser ameaçada no longo prazo pela exaustão das reservas disponíveis
de carvão.1 Naquele tempo, nenhum estudo econômico havia sido levado a cabo sobre o
consumo de carvão e o seu impacto no crescimento industrial.
1 Sir William George Armstrong, Presidential Address, Report of the 33rd Meeting of the British
Association for the Advancement of Science, Held at Newcastle-upon-Tyne (London: John Murray ,
1 864), li-lx iv. Ver também William Stanley Jevons, The Coal Question: An Inquiry Concerning the
Progress of the Nation, and the Probable Exhaustion of Our Coal -Mines, ed. A. W. Flux (London:
Macmillan, 1906 [1 865]), 32-36.
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O livro de Jevons teve enorme impacto. John Herschel, uma das grandes figuras
da ciência britânica, escreveu em apoio à tese de Jevons que “estamos usando nossos
recursos e expandindo nossa vida nacional a uma taxa enorme e crescente, e assim é
iminente um acerto de contas, mais cedo ou mais tarde”.3 Em abril de 1866, John Stuart
Mill saudou A questão do carvão na Casa dos Comuns, discursando em favor da
proposta de Jevons de compensar a exaustão desse recurso natural crítico através do
corte da dívida nacional. Essa causa foi assumida por William Gladstone, chanceler de
Exchequer, que instou o Parlamento a agir para reduzir a dívida, baseado nas
expectativas incertas para o desenvolvimento nacional futuro, devido à prevista
exaustão rápida das reservas de carvão. Como resultado, o livro de Jevons rapidamente
se tornou um bestseller.4
Utilitas 3/2 (November 1 991 ): 289-302; Leonard H. Courtney, “Jevons’s Coal Question: Thirty Years
After,” Journal of the Royal Statistical Society 60/4 (December 1897 ): 7 89; John Maynard Key nes,
Essays and Sketches in Biography (New York: Meridan Books, 1956), 132. O enfoque de Gladstone em
relação à obra de Jevons foi inicialmente um estratagema tático, usado politicamente para justificar o
argumento a fav or da redução da dív ida, que nunca foi de fato implementada no orçamento
5 Courtney, “Jevons’s Coal Question,” 7 97 .
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hidroeletricidade. 6 Em 1936, setenta anos depois do furor parlamentar gerado pelo livro
de Jevons, John Maynard Keynes comentou sobre a projeção de um declínio da
disponibilidade de carvão feita por Jevons, observando que ela foi “distorcida e
exagerada”. Pode-se acrescentar que o seu escopo foi bastante estreito. 7
O Paradoxo de Jevons
6 Jevons não estava sozinho nesse erro. John Ty ndall, um dos maiores físicos da época, observou em 1 865:
“Não vejo nenhuma perspectiva para um substituto do carvão como fonte de potência motriz.” Citado
em Jevons, The Coal Question, x i. V ale mencionar que a perfuração do histórico poço de petróleo de
Edwin Drake no noroeste da Pensilvânia ocorrera apenas seis anos antes, em 1 859, e o seu significado
ainda não havia sido bem compreendido.
7 Key nes, Essays and Sketches in Biography, 128.
8 Mario Giampietro and Kozo Mayumi, “Another V iew of Dev elopment, Ecological Degradation, and
North–South Trade,” Review of Social Economy 56/1 (1 998): 24-26; John M. Polimeni, Kozo Mayumi,
Mario Giampietro, and Blake Alcott, eds., The Jevons Paradox and the Myth o f Resource Efficiency
Improvements (London: Earthscan, 2008).
9 Jevons, The Coal Question, 1 37 -41.
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“Tampouco é difícil ver”, escreveu Jevons, “como surge esse paradoxo”. Toda
inovação tecnológica na produção de máquinas a vapor, destacou ele em uma detalhada
descrição da evolução da máquina a vapor, resultara numa máquina
termodinamicamente mais eficiente. E cada máquina nova, aperfeiçoada, resultara em
uso aumentado de carvão. A máquina de Savery, uma das primeiras máquinas a vapor,
destacou ele, era tão ineficiente que “praticamente, o custo do funcionamento impedia a
sua utilização; ela não consumia carvão, porque a sua taxa de consumo era muito
alta”. 1 0 Modelos posteriores que eram mais eficientes, como a famosa máqu ina de Watt,
levaram a cada vez maiores demandas por carvão, a cada aperfeiçoamento. “Cada um
desses aperfeiçoamentos da máquina a vapor, quando levado a cabo, não faz mais do
que acelerar novamente o consumo de carvão. Todo ramo da manufatura recebe um
novo impulso – o trabalho manual é substituído ainda mais por trabalho mecânico, e
obras muito prolongadas, que não eram comercialmente viáveis com o uso da energia
mais cara, podem ser executadas.1 1
Ainda que Jevons tenha pensado que esse paradoxo se aplicav a a numerosos
casos, o seu foco n’A questão do carvão foi inteiramente no carvão como “agente geral”
da industrialização e como estímulo para indústrias de bens de investimento. O poder
do carvão para estimular o avanço econômico, o seu uso acelerado, apesar dos avanços
na eficiência, e a severidade dos efeitos a ser esperados do declínio de sua
disponibilidade, eram todas devido ao seu papel duplo como o combustível necessário
para a moderna máquina a vapor e como a base para a tecnologia do alto-forno.
Jevons escreveu o seu livro, mais de duas décadas mais tarde, isso havia diminuído para cerca de um
quinto do consumo nacional e dificilmente se aplicaria a esse argumento, que se focava na demanda
industrial de carv ão como a maior e indispensável origem da demanda. Como disse Jevo ns, “Não me
refiro aqui ao consumo doméstico de carvão . Esse pode sem dúv ida ser diminuído sem problemas
maiores além de diminuir nosso conforto domésticos e alterar de alguma forma nossos hábitos
nacionais arraigados”. V er Jevons, The Coal Question, 138-39; Eric J. Hobsbawm, Industry and Empire
(London: Penguin, 1969), 69.
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Essa foi a era do capital e a era da indústria na qual o poder industrial era
medido em termos da produção de carvão e ferro-gusa. A produção de carvão e ferro na
Grã-Bretanha cresceu em estreita correlação nesse período, ambas triplicando entre
1830 e 1860.1 6 Como coloca o próprio Jevons: “Depois do carvão... o ferro é a base
material do nosso poder. Ele é osso e o tendão de nosso sistema de trabalho. Analistas
políticos trataram corretamente a invenção do alto-forno de carvão como aquela que
13 Eric J. Hobsbawm, The Age of Capital, 1 848-1 873 (New York: V intage, 1 996), 39-40.
14 Jevons, The Coal Question, 1 40-42.
1 5 Os dados de 1869 foram fornecidos na edição anotada da obra de Jevons de A. W. Flux. Em 1903 as
relações mudaram, com as indústrias do ferro e do aço respondendo por 28 milhões de toneladas de
consumo de carv ão (menos do que no tempo de Jevons), enquanto o consumo das manufaturas em geral
cresceu para 53 milhões de toneladas e das ferrov ias para 13 milhões de toneladas. Ver Jevons, The Coal
Question, 138-39.
1 6 Hobsbawm, Industry and Empire, 7 0-7 1.
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mais contribuiu para a nossa riqueza material... A produção de ferro, o material de toda
a nossa maquinaria, é a melhor medida de nossa riqueza e poder”. 1 7
primas, em contraste com os alimentos, “ocorrem em grande abundância” e “a demanda... não deixará
de criá-las em quantidades tão grandes quanto forem desejadas”. Ver Thomas Robert Malthus, An
Essay on the Principle of Population and a Summary V iew of the Principle of Population (London:
Penguin, 1 97 0), 100.
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daí, basta um pequeno passo para colocar o carvão na posição ocupada pelo milho na
teoria de Malthus”.2 1
De fato, não havia em Jevons nenhuma consideração pela natureza como tal.
Ele simplesmente assumiu que os distúrbios e degradações em massa da terra eram um
1984). Ver também John Bellamy Foster, The Vulnerable Planet (New York: Monthly Rev iew Press,
1994), 50-59; Brett Clark e John Bellamy Foster, “The Env ironmental Conditions of the Working Class:
An Introduction to Selections from Friedrich Enge ls’s The Condition of the Working Class in England in
1 844,” Organization & Environment 19/3 (2006): 37 5-88.
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processo natural. Ainda que a falta de carvão, como fonte energética, tenha originado
questionamentos em sua análise sobre a possibilidade do crescimento sustentado, a
questão da sustentabilidade ecológica em si nunca foi abordada. Já que a economia tem
de permanecer em contínuo movimento, Jevons desconsiderou fontes sustentáveis de
energia, como a água e o vento, como inconfiáveis, limitadas a um tempo e local
particular. 2 6 O carvão ofereceu ao capital uma fonte energética universal para operar a
produção, sem distúrbios dos padrões comerciais.
Jevons, portanto, não tinha resposta real para o paradoxo que levantou. A Grã-
Bretanha poderia ou rapidamente usar a sua fonte barata de combustível – o carvão
sobre o qual a sua industrialização repousava – ou poderia usá-lo mais lentamente. Ao
final, escolheu usá-lo rapidamente: “Se pródiga e corajosamente avançarmos na criação
de nossas riquezas, tanto materiais quanto intelectuais, é difícil estimar a grandeza da
influência positiva que podemos atingir no presente. Mas a manutenção de tal posição
é fisicamente impossível. Temos que fazer a escolha decisiva entre uma grandeza
breve, mas verdadeira, e uma longa e continuada mediocridade”. 2 7
Expresso nesses termos, o caminho a ser tomado era claro: buscar a glória no
presente e aceitar a perspectiva de uma posição drasticamente degradada para as
gerações futuras. Uma vez que Jevons não tinha resposta para o que ele viu como a
exaustão rápida e inevitável dos estoques de carvão da Grã-Bretanha – e a capital e o
governo britânicos não viram outro curso concebível a não ser “business as usual” – a
resposta ao livro de Jevons tomou a forma predominante, por estranho que pareça, de
uma justificação adicional para a redução da dívida nacional. Isso foi apresentado como
uma medida preventiva face à eventual desaceleração da indústria. Como escreveu
Keynes, “A proposição de que estávamos vivendo às custas de nosso capital natural”
levou à resposta irracional de que era necessário levar a cabo “uma rápida redução do
peso da dívida”. 2 8
29Karl Marx and Frederick Engels, Collected Works (New York: International Publishers, 1 97 5), vol. 46,
411 .
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a energia gasta por dólar do PIB foi cortada pela metade. Mas ao invés de cair, a
demanda energética aumentou em cerca de 40%. Além disso, a demanda cresce
mais rapidamente naqueles setores que têm os maiores gan hos de eficiência –
uso de energia no transporte e residencial. A eficiência de refrigeradores
aumentou 10%, mas o número de refrigeradores em uso aumentou em 20%. Na
av iação, o consumo de combustível por milha caiu mais de 40%, mas o uso total
de combustível cresceu 150%, porque a milhagem por passageiro aumentou.
Veículos têm história semelhante. E com a explosão da demanda, tivemos
ex plosão das emissões. O dióxido de carbono desses dois setores aumentou em
40%, o dobro da taxa da maior economia.
30Blake Alcott, “Historical Ov erv iew of the Jevons Paradox in the Literature,” in Polimeni, et al., The
Jevons Paradox, 8, 63. For the Club of Rome study, see Donella H. Meadows, Dennis L. Mea dows,
Jørgen Randers, William W. Behrens III, The Limits to Growth (New York: Universe Books, 197 2).
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31 Juliet B. Schor, Plenitude (New York: Penguin Press, 2010), 88-90. Para uma discussão detalhada dos
dados empíricos sobre o Paradoxo de Jevons, ver John M. Polimeni, “Empirical Ev idence for the Jevons
Paradox,” in Polimeni, et al., The Jevons Paradox, 1 41 -7 1.
32 Mario Giampietro and Kozo May umi, “The Jevons Paradox,” in Polimeni, et al., The Jevons Paradox,
80-81.
33 Para uma discussão de inovações que marcam épocas, ver Paul A. Baran and Paul M. Sweezy , Monopoly
A falácia da desmaterialização
37 Stephen G. Bunker, “Raw Materials and the Global Economy,” Society and Natural Resources 9/4
(July -August 1 996): 421 .
38 Robert L. Heilbroner, The Nature and Logic of Capitalism (New York: W.W. Norton, 1 985).
39 Emily Matthews, Christof Amann, Stefan Bringezu, Marina Fischer -Kowalski, Walter Hüttler, René
Kleijn, Yuichi Moriguchi, Christian Ottke, Eric Rodenburg, Don Rogich, Heinz Schandl, Helmut Schütz,
Ester van der Voet, and Helga Weisz, The Weight of Nations (Washington, D.C.: World Resources
Institute, 2000), 35.
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máximo fluxo energético. Um século e meio mais tarde, em nossa econom ia muito
maior e mais global – mas não menos cara – não é mais apenas a supremacia nacional
que está em jogo, mas o destino do próprio planeta. Certamente, há aqueles que
defendem que deveríamos “viver bem agora e deixar que o futuro cuide de si mesmo”.
Escolher esse caminho, porém, é flertar com o desastre planetário. A única resposta real
para a humanidade (incluindo as futuras gerações) e para a Terra como um todo é
alterar as relações sociais de produção, para criar um sistema no qual a eficiência não
seja mais uma maldição – um sistema mais elevado, no qual igualdade,
desenvolvimento humano, comunidade e sustentabilidade sejam objetivos explícitos.
http://monthlyreview.org/2010/11/01/capitalism-and-the-curse-of-energy-efficiency/
Também publicado em Foster, JB; Clark, B; York, R (2010) The Ecological Rift:
Capitalism’s War On The Earth, New York: Monthly Review Press, p. 169-181.)