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Rio de Janeiro:
Graal, 1988.
I - NÓS, OS VITORIANOS
II - A HIPÓTESE REPRESSIVA
A INCITAÇÃO DOS DISCURSOS
Foucault afirma que, do séc. XVII para cá, ao invés da crescente censura e silêncio
em torno do sexo, o que se constata é uma explosão discursiva sobre o mesmo. Os
discursos vinham mediados por alusões, metáforas, claro, e haviam regiões interditas (não é
em todo local, nem com qualquer pessoa que se fala sobre sexo), mas ainda assim: não
apenas de forma ilícita, mas também entre aqueles que exercem o poder, o sexo foi cada
vez mais tratado. A confissão, cada vez mais descritiva, na igreja, é um exemplo, criando
meticulosas regras de auto-exame e dando crescente importância aos pecados carnais, até
mesmo o desejo, que toma um primado em relação ao ato. Trata-se de uma colocação de
todas as formas de sexo como discurso (com regras, é certo)
O essencial é bem isso: que o homem ocidental há três séculos tenha permanecido atado a
essa tarefa que consiste em dizer tudo sobre seu sexo; que, a partir da época clássica, tenha
havido uma majoração constante e uma valorização cada vez maior do discurso sobre o
sexo; e que se tenha esperado desse discurso, cuidadosamente analítico, efeitos múltiplos de
deslocamento, de intensificação, de reorientação, de modificação sobre o próprio desejo
(26).
Também os libertinos transformavam o sexo em discurso detalhado, mas estes com
o intuito de prolongar e estimular o desejo. O essencial é saber que esta crescente
transcrição do desejo de alguma forma modifica-o. Para “além da moral”, discursos e
pesquisas quantitativas ou causais sobre sexo também surgiram buscando um ponto de vista
da racionalidade. Aqui, “[...] cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve
simplesmente condenar ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para
o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas,
administra-se” (27).
A conduta sexual da população é cerne e alvo de uma intervenção da demografia,
transformando-a em conduta política e econômica. A sexualidade dentro dos colégios
torna-se um problema público discutido por pais, pedagogos e professores – e pelas
próprias crianças, enredadas numa teia de discurso canônico que propagava uma estrutura
de poderes. Médicos, psiquiatras, juristas e outros também falavam sobre o sexo, de forma
que, antes de uma binarização discurso/silêncio, Foucault propõe que observemos uma
multiplicidade crescente de discursos e de silêncios acerca do sexo (30)
Assim, de cotidiano, o sexo foi tornado público, observado, analisado,
teorizado.”[...] o sexo se tornou, de todo modo, algo que se deve dizer, e dizer
exaustivamente, segundo dispositivos discursivos diversos, mas todos constrangedores,
cada um à sua maneira” (34). Tal erotismo discursivo, múltiplo e generalizado torna o sexo
central em nossa sociedade. Quebrou-se a unidade e a linearidade no discurso sobre o sexo,
agora polimorficamente incitado. Para tal, o próprio fato do sexo ter sido valorizado como
O segredo, contribuiu.
A IMPLANTAÇÃO PERVERSA
Sob uma amálgama da hipótese repressiva com que o que Foucault contrastou até
agora, vemos que não o silêncio, mas os múltiplos discursos em torno da sexualidade é que
teriam como objetivo organizar uma sexualidade canônica e útil, centrada na genitalidade e
na reprodução. ”O século XIX e o nosso foram, antes de mais nada, a idade da
multiplicação: uma dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma
implantação múltipla das ‘perversões’. Nossa época foi iniciadora de heterogeneidades
sexuais.” (38).
Até o séc. XVIII, o foco do discurso sexual explícito era as relações matrimoniais, o
que era lícito e ilícito entre cônjuges – não havia nítida distinção entre regras de aliança e
desvios de genitalidade: adultério e sodomia eram igualmente condenados como atos anti-
naturais, fora-da-lei e pecaminosos. Aos poucos, mesmo o casal legítimo mantendo-se
como norma rigorosa, o discurso se desloca para o que há de “periférico”: as crianças, os
loucos, os criminosos, ainda condenados mas agora escutados. Cada uma destas formas
ganha autonomia e se diferencia das demais – surge a figura do perverso, qual os antigos
libertinos, porém mais próximo da delinqüência e da loucura.
Ao invés de proibição, agora exercem-se quatro operações (ver pp. 42-26). Em
relação ao onanismo, há a penetração e a difusão infinita de poder; no que diz respeito ao
homossexualismo, houve uma maior individuação – o perverso agora é um personagem,
possui história, etc. Além disso, mais que no ato da sodomia, centra-se agora na condição
interior do homossexual – enquanto espécie de natureza singularmente andrógina.
Especifica-se cada sexualidade aberrante disseminando-as no real e incorporando-as ao
indivíduo. O poder se aproxima de seus objetos e assim sensualiza-se na medida em que há
prazer tanto em fiscalizar os sujeitos quanto em burlar o poder. Por fim,
Poder-se-ia também dizer que ela [a sociedade moderna] inventou, ou pelo menos organizou
cuidadosamente e fez proliferar, grupos com elementos múltiplos e sexualidade circulante:
uma distribuição de pontos de poder hierarquizados ou nivelados, uma “busca” de prazeres
– no duplo sentido de desejados e perseguidos; sexualidades parcelares toleradas ou
encorajadas; proximidades que se apresentam como procedimentos de vigilância e
funcionam como mecanismos de intensificação; contatos indutores (45-46)
O poder sobre o corpo e o sexo, exercido em nossas sociedades atiça as diversas
formas da sexualidade, provocando sua explosão e fragmentação. A sociedade moderna
organiza e fixa as diversas perversões, através de uma prática discursiva que extrai dos – e
consolida nos – corpos seus prazeres. O movimento não é de uma maior perversão dada
uma maior repressão, nem tampouco de uma descoberta das perversões por parte dos
mecanismos reguladores, mas de um entrelaçamentos poderes-prazeres que ramificam-se
em uma perseguição infinita um pelo outro.
IV - O DISPOSITIVO DA SEXUALIDADE
1 – O QUE ESTÁ EM JOGO
Aqui Foucault irá mais a fundo nas relações entre desejo e poder. Na visão dos
psicanalistas, não se pode falar de duas energias contrárias – uma selvagem e natural do
desejo sedo barrada por outra, a das leis, do poder – pois “é a lei que é constitutiva do
desejo e da falha que o instaura” (79). No entanto, para o autor, esta visão não constrói uma
noção de poder distinta que é usada nas teorias “tradicionais” da relação desejo/poder
(repressão dos instintos, poder externo ao desejo). Trata-se da representação jurídico-
discursiva do poder, que, aliás, é muito geral no pensamento ocidental, e é caracterizada por
Foucault segundo seus traços principais:
Relação negativa com o sexo (só diz não, só produz falhas).
Instância de regra (cria as regras, através do discurso, decifrando o sexo ao
encerrá-lo em um regime de lícito/ilícito).
Ciclo da interdição (impõe a renuncia do sexo ou sua supressão – duas
alternativas de inexistência).
Lógica da censura (“afirmar que não é permitido, impedir que se diga, negar que
exista.” (82)).
Unidade do dispositivo (apenas uma forma de poder sobre diferentes escalas, do
pai ao Estado).
Esta concepção de poder acima apresentada é, para Foucault, limitada. Ela emerge
junto com aparelhos como a monarquia, que são colocados como formas de ordenar os
múltiplos poderes existentes – ordená-los funcionando juridicamente – sendo unitários,
sendo lei, tendo capacidade de interdição e sanção. Para Foucault, a teoria ocidental do
poder está ligada umbilicalmente à forma histórica da monarquia jurídica, apesar dos
mecanismos através dos quais funciona o poder atualmente terem se distanciado desta
forma que deveria ser considerada transitória.
2 – MÉTODO
3 – DOMÍNIO
4 – PERIODIZAÇÃO