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NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral – uma polêmica.

São Paulo: Companhia das


letras, 1998.

Nietzsche se afasta de explicações baseadas na utilidade das regras morais. É


impróprio, para Nietzsche, explicar o mundo interior normativo dos homens através da
passividade, do hábito, da inércia; pensar que algo que era útil acaba por se tornar bom, e
que a própria utilidade acaba sendo esquecida. Na realidade, a emergência da moral parte
dos nobres, dos de status superior, que, através do exercício e da vontade de poder
afirmaram aquilo que é seu como sendo bom e o que é dos seus inferiores como sendo
ruim. Há, assim, arbitrariedade na “gênese” da moral.

A vingança dos fracos é a revolta escrava na moral. O judeu subverte o sentido


original e afirmativo do bom enquanto parte da nobreza , e declara que aquele que não é
senhor é que é bom, aquele que não tem poder, que não domina. Note-se que sua definição
é puramente reativa, para Nietzsche, deficiente de força. Mesmo sem uma ação, apenas
através da paciência e da fuga, o escravo acaba por criar a sua própria tábua de valores,
imbuída de ódio e ressentimento, para punir seus senhores. E acaba por se tornar vitorioso:
através de um longo processo domesticador, sua nova ordem termina por vigorar,
envenenando a Europa, pois os bons agora são os doentes, os sofredores, os pobres e os
impotentes. Aqueles que aqui exercem seu poder não poderão o fazer no reino dos Céus, e
essa é a final vingança dos judeus contra seus senhores.

Se há uma utilidade em um órgão qualquer (biológico ou social), esta não deve nada
à sua gênese: deve apenas à vontade de poder que lhe imprimiu o sentido que hoje notamos.
Os fins existentes são precários, duram enquanto outros não se sobreporem a eles – não se
pode buscar um progresso na história, pois ela é a plena de ressignificações, ela é profusão
de símbolos, e assim, em larga medida, arbitrária.

Um dos pontos mais fascinantes deste livro é o §12 da terceira dissertação. Aí


Nietzsche não apenas critica a idéia de verdade, mas também dá pistas sobre a possibilidade
de um conhecimento construído através da intersubjetividade – algo análogo à
hermenêutica. Para Nietzsche, a objetividade buscada pelos cientistas da modernidade é
apenas mais uma forma de ascetismo a ser combatido. Isso porque a idéia de que a verdade
objetiva é sempre neutra, independente do eu, implica em uma negação de si mesmo
através da criação de um sujeito conhecedor puro, sem vontades: um fantasma, um asceta.
A proposta nietzscheana vai na direção oposta: a de um conhecimento perspectivo, de um
olho ligado a um sujeito, que não esquece das forças ativas que atuam a partir dele, e sobre
ele. Pensando assim. A única “objetividade” possível seria a da construção de um
conhecimento a partir de várias perspectivas (quanto mais melhor), de vários olhares,
subjetividades.

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