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A sexualidade entre o poder disciplinar e o biopoder: pistas para uma reterritorialização subversiva do processo de 1
subjetivação
A sexualidade entre o poder disciplinar e o biopoder: pistas para uma reterritorialização subversiva do processo de 2
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Do início da era clássica à modernidade surgem novas modalidades do exercício de
dominação que, progressivamente, se afastam do poder tradicional. O poder disciplinar
e a biopolítica buscam assegurar o atrelamento mais eficiente das massas
populacionais aos processos econômicos orientados para a produção capitalista.
O corpo se torna objeto e alvo de poder na era clássica, porém é após o séc. XVIII que
esse processo se intensifica, ganha uma nova forma e uma centralidade nas relações
de dominação. Isso se deve ao desenvolvimento de diversos investimentos
estratégicos visando o controle do corpo social e a produção de saberes, gestados em
boa medida dentro de espaços institucionais como colégios, quartéis e prisões. A
observação e gestão minuciosa da sociedade levada a cabo por essas instituições
conseguem colocar em funcionamento um investimento do poder no que há de mais
íntimo em nós: o nosso corpo.
O poder é, por excelência, construtor de realidades. Dessa maneira, não deve ser
simplesmente descrito em termos negativos de exclusão, repressão, mascaramento da
realidade, etc.
Um frutífero debate surge dessa noção de poder. Dessa maneira, seria interessante
pensar em como a sexualidade encontra-se disposta nessa trama de poderes e
discursos.
O poder, nessa nova configuração, portanto, assumiu a função de gerir a vida. É sobre
a vida e seu desenvolvimento que o poder estabelece seu domínio. O poder tradicional
de morte do soberano é recoberto pelo poder administrativo sobre os corpos. O bio-
poder, de espírito analítico e administrador, foi um elemento crucial para o
desenvolvimento do capitalismo, pois a consolidação dele só pôde ser assegurada
graças a incidências diretas de controle da população que garantiu uma inserção de
corpos-dóceis ao trabalho e atrelou de maneira mais efetiva os fenômenos
populacionais aos processos econômicos. O bio-poder no capitalismo é dotado de
tanta importância na analítica foucaultiana que o autor sugere que a repartição
diferencial do lucro e a gestão da sociedade relativamente à expansão das forças
produtivas só se tornou possível sob a sua égide.
Nesse aspecto, a prevalência de uma nova modalidade de poder cujo cerne está na
produção ativa de realidade e não mais na dominação tradicional, pode nos deslocar
para uma visão “menos repressiva” do que concerne a sexualidade.
Ao traçar um debate com concepções sobre a relação entre sexo e poder, Michel
Foucault rejeita o que chama de “hipósetese repressiva” que considerava que a
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sociedade Ocidental entrara em um grande processo de repressão sexual iniciada no
séc. XVII e arrastada, em boa medida, até o séc. XX. Não que, de fato, não houvesse
repressão das práticas sexuais na sociedade moderna; o que Foucault busca é, na
verdade, reinserir o discurso da repressão em todo um complexo encadeamento de
práticas discursivas, de poder-saber que se desenvolveram ao redor do sexo
historicamente e que não se reduzem apenas à repressão. É que ao buscar a
libertação da sexualidade das investidas do poder social dominante da burguesia, a
hipótese repressiva acaba pressupondo uma verdade que diria respeito à natureza
humana, uma verdade contida no sujeito que, de fora, seria obstruída pelo poder e se
revelada poderia libertar o indivíduo. Foucault argumenta que a produção de verdade,
antes de estar fora das relações poder-saber, está inscrita de maneira imanente a elas.
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dá através do controle minucioso dos corpos. E sua razão de ser não está na
reprodução, mas sim, na difusão dentro do corpo social, da produção de saberes e da
construção de um controle cada vez mais global e minucioso das populações.
Não sem razão, no fim do séc. XVIII, o sexo passa do campo leigo ao negócio de
Estado. A pedagogia se encarrega de analisar o sexo da criança: atenção ao “pecado
de juventude”. O hospital medicaliza o sexo da mulher transformando-as em histéricas
e cria um campo de domínio epistêmico das “doenças dos nervos”. Perversos passam
a ser especificados. A economia, por sua vez, nutrida de ideais malthusianos incide
sobre o sexo da população a fim de regular a demografia.
E qual seria o lugar do sujeito nessa história? Vimos até agora técnicas minuciosas de
dominação que se atrelam a estratégias globais, sempre em concordância com aqueles
que conseguem exercer o poder ativamente e subjugar indivíduos. Porém, o poder só
se efetiva em pura imanência com o corpo. E o subalterno? A “bicha”? As desviantes?
Cabe a nós pensarmos nas técnicas de si. Como, construímos a nós mesmos em meio
às normas, sendo atravessados por poderes institucionais, forças culturais e sociais
que pressupõem certas normas gerais.
Em seu comentário sobre Foucault em “A vida psíquica do poder”, Judith Butler afirma
que, por mais que ele use a subjetivação do prisioneiro em suas análises, o francês se
utiliza da metáfora da prisão visando teorizar sobre o processo de subjetivação do
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corpo. O ideal que o “prisioneiro” deve seguir para se atrelar a norma estabelecida
constitui-se como a “alma”.
A questão que se coloca é como podemos nos livrar dessa prisão que é a identidade.
Foucault aponta para uma reconstrução subjetiva fora dos grilhões jurídicos. Essa
política identitária ocorre, pois o Estado opera no reconhecimento e garantia de direitos
apenas a sujeitos totalizados e normalizados, mesmo que possua uma identidade
específica. Não se trata de dar vazão a uma individualidade reprimida, mas sim criar
uma nova constituição de subjetividade. Não se trata de descobrir o que somos em
nossa interioridade profunda, mas antes, negarmos o que fomos até agora.
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Reconhecer em nós o processo de subjetificação atrelado à técnicas de dominação
social e destruí-lo em nosso seio para, assim, nos guiarmos de maneira insubmissa.
Referências bibliográficas:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20. ed. Petrópolis: Vozes,
1987
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