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*** MICROFÍSICA DO PODER – MICHEL FOUCAULT

As teorias sobre o saber, o poder e o sujeito romperam com as concepções modernas destes
termos, motivo pelo qual é considerado por certos autores, contrariando a própria opinião de si
mesmo, um pós-moderno. Os primeiros trabalhos (História da Loucura, O Nascimento da
Clínica, As Palavras e as Coisas, A Arqueologia do Saber) seguem uma linha estruturalista, o
que não impede que seja considerado geralmente como um pós-estruturalista devido a obras
posteriores como Vigiar e Punir e A História da Sexualidade. Além desses livros, são
publicadas hoje em dia transcrições de seus cursos realizados no Collège de France e inúmeras
entrevistas, que auxiliam na introdução ao pensamento deste autor. Foucault trata
principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas deste termo. Para ele,
o poder não pode ser localizado em uma instituição ou no Estado, o que tornaria impossível a
"tomada de poder" proposta pelos marxistas. O poder não é considerado como algo que o
indivíduo cede a um soberano (concepção contratual jurídico-política), mas sim como uma
relação de forças. Ao ser relação, o poder está em todas as partes, uma pessoa está atravessada
por relações de poder, não pode ser considerada independente delas. Para Foucault, o poder não
somente reprime, mas também produz efeitos de verdade e saber, constituindo verdades,
práticas e subjetividades. Para analisar o poder, Foucault estuda o poder disciplinar e o
biopoder, e os dispositivos da loucura e da sexualidade. Para isto, em lugar de uma análise
histórica, realiza uma genealogia, um estudo histórico que não busca uma origem única e causal,
mas que se baseia no estudo das multiplicidades e das lutas. Também abriu novos campos no
estudo da história e da epistemologia.

Microfísica do Poder

O conceito de poder é central dentro da obra de Michel Foucault. Para o autor, o poder não é
algo que se possa possuir. Portanto, não existe em nenhuma sociedade divisão entre os que têm
e os que não têm poder. Pode-se dizer que poder se exerce ou se pratica. O poder, segundo
Foucault, não existe. O que há são relações, práticas de poder. O poder circula. Para Foucault,
ao contrário das teses althusserianas - segundo as quais todo poder emana do Estado para os
Aparelhos Ideológicos - há as chamadas micropráticas do poder. “De modo geral, penso que é
preciso ver como as grandes estratégias de poder se incrustam, encontram suas condições de
exercício em micro-relações de poder. Mas sempre há também movimentos de retorno, que
fazem com que estratégias que coordenam as relações de poder produzam efeitos novos e
avancem sobre domínios que, até o momento, não estavam concernidos.”O tema, no seu
desenvolvimento, é retirado do exclusivo campo político para ser instalado no cotidiano. Sem
deixar de reconhecer que os interesses hegemônicos de diferentes grupos sociais se encontram
por trás de situações de poder generalizadas, considera-se que não é a única manifestação do
poder propriamente dito. O poder é, em essência, uma personagem que atravessa todos os
cenários da vida humana. “Quero dizer o seguinte: a idéia de que existe, em um determinado
lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma
análise de enganosa e que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de
fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou
menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. (…) Mas se o poder na realidade é um feixe
aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações, então o único
problema é munir-se de princípios de análise que permitam uma analítica das relações do
poder.” Sua natureza final não pode ser apreendida senão ali onde sua intenção está totalmente
investida: no interior de práticas reais e efetivas e na relação direta com seu campo de aplicação.
Resulta lógico então não tomar o nível macro como ponto de partida para sua análise, sem a
multiplicidade de atos que diariamente são protagonizados pelo indivíduo. Não é algo que se
precipita sobre o indivíduo e que se encontra institucionalizado nas formações sociais. Não
importa a legitimidade do mesmo se emana dos interesses do grupo hegemônico ou se é produto
da vontade da maioria. A idéia é que o poder se gera e materializa em uma gama extensa de
relações pessoais desde as quais se leva a constituir estruturas impessoais. Se ao analisar o
discurso existem normas que regem nossa percepção, devem existir, por sua vez, mecanismos
que possibilitem que se estruturem e se reproduzam. Não pode-se deixar de reconhecer a
presença de pelo menos dois grandes planos em que se agrupam as diferentes manifestações de
poder tomando como critério a extensão das mesmas. Uma estaria constituída pelas relações
interpessoais, que não alcançam a totalidade de integrantes de um grupo e outra está
caracterizada por formas institucionalizadas que operam como espaços fechados. Nesses casos,
já não é poder de um indivíduo sobre outro. mas de um grupo sobre outro, com as características
que seus integrantes queiram ou não, ficam presas no seu exercício. Os dois planos têm
dinâmicas diferentes e geram formas de perpetuação e defesa diferentes. Foucault parte do
princípio de que existem duas esferas em que se consolidam as práticas, cada uma delas têm
seus próprios mecanismos de legitimação, atuam como “centros” de poder e elaboram seu
discurso e sua legitimidade. Uma das ditas esferas está constituída pela ciência. A outra, pelo
contrário, está formada por todos os demais elementos que podem ser definidos como
integrantes da cultura. O ideológico, as diferenciações de gênero, as práticas discriminatórias, as
normas e os critérios de normalidade estão dentro da segunda esfera. Tanto uma quanto a outra
com uma referência notória a um tempo e espaço determinado. Utilizado a genealogia do
sistema, Foucault chega à conclusão de que a instauração da sociedade moderna supôs uma
transformação na consagração de novos instrumentos pelos quais pode-se canalizar o poder. De
forma paralela se construiu um conjunto extenso de discursos que conferiram força e capacidade
de expandir-se a essas novas formas de poder. Estas já não se baseia, como no passado, na força
e sua legitimação religiosa. Dado que como afirma o homem, em sua atual dimensão é uma
criação recente, o poder deve materializar-se por meio de diferentes formas de disciplina. É
necessário que passe a integrar parte do próprio ser de cada indivíduo. O dominado deve
considerar natural ser subjugado. O poder produz o real. Por possuir essa eficácia produtiva, o
poder volta-se para o corpo do indivíduo, não com a intenção de reprimi-lo, mas de adestrá-lo.
No entanto, todo poder pressupõe resistência. O poder não está em uma pista de mão única. Para
alcançar essa meta deve-se estruturar uma retícula de poderes entrecruzados que vão, no seu
caminho, conformando os indivíduos. O poder não tem uma única fonte nem uma única
manifestação. Tem, pelo contrário, uma extensa gama de formas. Quando um grupo social é
capaz de apoderar-se dos mecanismos que regulam determinada manifestação a põe a seu
serviço e elabora uma estrutura que se aplica a potenciais dominados. Se cria, assim, um
discurso que se apresenta como “natural” e procura bloquear as possibilidades de aparição de
outros discursos que tenham capacidade questionadora. Essa necessidade de se contar com um
discurso de respaldo, com uma determinada forma de verdade, leva necessariamente a
estabelecer uma relação entre poder e saber.

*** NATUREZA, FRONTEIRAS E TERRITÓRIOS - GILMAR ARRUDA

Livro trata da intervenção sobre a natureza

Reúne dez textos de especialistas que debatem o impacto da criação de territórios sobre a
natureza e o cotidiano de seus habitantes. Mostra como a percepção das categorias espaço e
tempo mudam nas pessoas. O espaço ficou mais "curto" e o tempo mais "acelerado". A natureza
tem sido um das principais fontes de inspiração para a produção de discursos, símbolos e
imagens que representam as Américas. Tornou-se suporte para fronteiras entre o europeu e o
nativo; entre o civilizado e o bárbaro; o progresso e o atraso; o urbano e a mata. A presença da
natureza em leis, construção de canais, abertura das fronteiras, processos de colonização,
utilização de praias e deflorestamento em deflorestamento em assentamentos de sem-terras são
alguns dos objetos analisados neste livro.

IMAGENS E NARRATIVAS
Nesse sentido, a análise das narrativas discursivas, produções simbólicas e imagéticas referentes
às possíveis fronteiras entre o mundo civilizado e a barbárie, tratadas nos dez capítulos da obra,
“Natureza, fronteiras e territórios” contribuem para a compreensão das questões relacionadas à
valorização das diferentes culturas e a interpretação das transformações das relações entre o
homem e o meio.
No cômputo geral, o livro organizado por Gilmar Arruda, chama especial atenção para as
conseqüências da segunda revolução industrial, quando se intensifica a procura de matérias-
primas necessárias ao desenvolvimento capitalista e se acirra o deslocamento de verdadeiros
contingentes populacionais pelo planeta. Nesse processo, não são desprezíveis as modificações
da paisagem natural e o desmatamento, além de outras agressões ao meio, decorrentes da
tentativa de incorporação dos espaços ao circuito da modernidade então vivenciado na Europa.
No decorrer dessa trajetória o homem engendrou várias formas de se relacionar com seus pares,
com os fenômenos culturais e naturais. Assim, a presente obra analisa como alguns elementos
da cultura e da paisagem tornaram-se objetos de rememoração capazes de revelar formas de
apropriação do espaço e signos do progresso em diferentes cidades da América.
Nessa linha interpretativa, o primeiro capítulo intitulado "Monumentos, Semióforos e Natureza
nas Fronteiras”, de autoria de Gilmar Arruda –organizador do volume, versa sobre as
modificações da paisagem no norte do Estado do Paraná, decorrentes do processo de
incorporação do interior do país ao circuito da modernidade então vivenciado por outras regiões
brasileiras.
Para tanto, o autor toma as narrativas sobre a ocupação e o desenvolvimento da cidade de
Londrina– cristalizadas em murais de azulejo confeccionados por ocasião das efemérides que
marcaram os vinte e cinco anos e o cinqüentenário de fundação do município, tratando-os como
semióforos que tendem a articular o tempo pretérito ao presente, oferecendo visualidade ao
futuro almejado pelas elites políticas locais.
Os capítulos redigidos por Marcos Gerhardt, Marlon Salomon, Vicente Lucio Michaliszyn,
Samuel Klauck e Zueleide Casagrande de Paula analisam discursos e representações acerca do
processo de ocupação das terras no Sul do Brasil. Ao fazer uso dos recursos de avançada
tecnologia, Michaliszyn tomou as imagens de satélite como base para a investigação sobre os
impactos ambientais na área do assentamento rural Ireno Alves dos Santos, localizado no
sudoeste do Estado do Paraná, na segunda metade da década de 1990. Mediante a análise
comparada das imagens captadas pelo satélite antes e depois da consolidação do assentamento,
o autor constatou a alarmante redução da cobertura florestal na referida área. Talvez, essa
aferição relativise a tão combatida idéia propagada pelas correntes naturalistas do século XIX,
segundo as quais a maneira mais adequada de garantir a proteção das áreas naturais residia em
afastá-las do homem. E indica a urgência de se investigar formas de manejo que permitam a
convivência harmoniosa entre o homem e a natureza.
Aliás, entre as temáticas abordadas, destacam-se as formas como as elites latino-americanas
enfrentaram o desafio de debelar a natureza “selvagem” do continente e legislaram em favor da
normatização da apropriação do que consideravam ser seus territórios. Christian Brannstron
ocupa-se no capítulo “O canal que poderia ter sido: visões da comunicação interoceânica através
do sul da Nicarágua”, analisando propostas cartográficas da construção de um canal
interoceânico, apresentadas entre os séculos XVIII e XX, que desconsideravam as condições
naturais.
Não obstante, enquanto Brannstron tende a desmistificar os discursos técnicos da engenharia
justificados em função de concepções ideológicas, Zélia Lopes da Silva aborda os embates
políticos que envolveram as origens das políticas ambientalistas no Brasil, no capítulo “As
percepções das elites brasileiras dos anos de 1930 sobre a natureza: das projeções simbólicas às
normas para seu uso”.
É sabido que a emergência de uma “consciência preservacionista” na esfera ambiental se
consolidou apenas nas décadas finais do século XX, embora os debates sobre a preservação das
matas remontem ao século XIX. Todavia, como salientou Zélia Lopes da Silva, as mobilizações
em torno do direito e da proteção ao meio ambiente, como afirmam os especialistas, não
partiram diretamente do Estado como ocorreu em relação à proteção do patrimônio histórico no
século XVIII. Nessa acepção, apresentam subsídios valiosos para a reflexão sobre a
educação ambiental, diversidade cultural e a preservação do patrimônio histórico.

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