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MICHEL FOUCAULT: CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Dianna Taylor

Michel Foucault não foi um pensador sistemático, referia-se a si mesmo como


um experimentador em oposição a um teórico. Evitava a rotulagem de sua obra em
termos de categorias existentes, e afirmava que pensar de maneira diferente e
autotransformação ao em vez de validar o que já é conhecido repousa no cerne de sua
obra filosófica, “eu não sinto que seja necessário saber exatamente o que eu sou”.
Um dos objetivos principais da obra de Foucault é ilustrar a natureza histórica e
contingente do que a filosofia tem tradicionalmente visto como absoluto e universal.
Com efeito Foucault argumenta que as próprias ideias de conhecimento absoluto e
universal e valores morais são elas próprias fenômenos históricos. Foucault portanto não
procura identificar as estruturas universais de todo conhecimento ou de toda ação moral
possível, em vez disso, ele conduz uma ontologia do presente, um tipo de análise
filosófica que por um lado procura identificar as condições a partir das quais as nossas
formas correntes de conhecimento e moralidade emergiram e que continuam a legitimar
essas formas.
Foucault concebe o poder moderno como uma rede de relações inconstantes e
em mudança dentre e entre indivíduos, grupos, instituições e estruturas. Consiste em
relações sociais, políticas, econômicas e até mesmo relações pessoais. É dessa noção
soberana de poder que devemos nos livrar se quisermos analisar o poder dentro do
quadro concreto e histórico de sua operação.
Se o poder não é algo tangível que se possua e uso de maneira repressiva contra
os outros, então a liberdade não se encontra em uma relação opositiva com o poder.
Tradicionalmente o poder tem sido entendido como estando no topo da pirâmide e isso
era tudo o que entendia a seu respeito. Mas, Foucault expande o que constitui o poder e
mostra como esta visão tradicional pode ser situada dentro de um entendimento mais
completo. Ele observou que na realidade, o poder surge em todos os tipos de
relacionamentos e pode ser construído a partir da base de uma pirâmide. Esse tipo de
poder não se dirige diretamente a indivíduos particulares, mas sim a grupos de pessoas e
populações como um todo. Este exemplo é uma ilustração do que Foucault chama de
biopoder.
A teoria de poder de Foucault sugere que o poder seja onipresente, isto é, o
poder pode ser encontrado em todas as interações sociais. Não significa que o poder
funcione como uma armadilha ou gaiola, mas apenas que ele está presente em todas as
nossas relações sociais, mesmo as mais intimas e igualitárias.
O poder não consolida tudo, ou abraça tudo, ou responde a tudo. O poder
sozinho pode não ser suficiente para explicar todas as relações sociais ou cada um dos
seus aspectos. A tarefa teórica de Foucault é trabalhar por uma analítica do poder, isto é,
por uma definição do domínio específico formado pelas relações de poder e por uma
determinação dos instrumentos que possibilitarão a sua análise.
A concepção equivocada mais importante é aquela que Foucault chama de um
entendimento jurídico-discursivo do poder. De acordo com essa teoria jurídico-
discursiva o poder tem cinco características principais. Em primeiro lugar, o poder
sempre opera negativamente, ou seja, por meio de interdições. Em segundo lugar, o
poder sempre assume a forma de uma regra ou lei, isto implica em um sistema binário
de permitido e proibido, legal e ilegal. Estas duas características constituem a terceira. O
poder opera através de um ciclo de proibição, uma lei de interdição. O quarto lugar, este
poder manifesta-se em três formas de proibição: afirmando que uma tal coisa não é
permitida, impedindo-a de ser dita, negando que exista, que revelam uma lógica de
censura. Em quinto e último lugar, o aparato desse poder é universal e uniforme em seu
modo de funcionamento.
O poder deve ser entendido no nível micro das relações de força. Foucault não é
ambíguo sobre esse ponto. É nessa esfera de relações de força que devemos tentar
analisar os mecanismos de poder. As relações de força parecem ser a unidade básica, o
indefinido ou dado nesta abordagem do poder. Em linhas gerais, as relações de força
consistem no que quer se seja, nas interações sociais de alguém, algo que o empurre,
incite ou obrigue a fazer algo.
Três características dessas relações de força são portanto delineadas. Em
primeiro lugar, que haja uma multiplicidade significativa que encontraremos muitas
diferentes relações de força se entre cruzando e se sobrepondo em nossas interações
sociais. Essa multiplicidade sugere que essas relações de força não serão todas da
mesma qualidade ou tipo. Haverá múltiplos tipos de relação de força que poderão ter
diferentes características ou impactos particulares. A segunda característica, é que as
relações de força são imanentes a esfera na qual operam. Significa que elas existem
exclusivamente dentro de um determinado domínio ou discurso. Elas não são concretas
como corpos, mas incorpóreas como as leis da física, elas estão genuinamente presentes
e como as leis, sua presença pode ser sentida de maneiras muito concretas. O poder não
é uma instituição ou uma estrutura, tão pouco, uma capacidade individual, mas antes um
arranjo complexo de forças na sociedade. O poder está em toda a parte, não porque
abrange tudo, mas porque vem de toda a parte. A terceira particularidade é que essas
relações de força constituem a sua própria organização, por um lado, essas relações de
força são os efeitos imediatos das divisões, desigualdades e desiquilíbrios que ocorrem
em outros tipos de relacionamentos. Devemos olhar para as teias complexas de relações
entrelaçadas, o que Foucault chama de microfísica do poder. O poder desenvolve-se em
escolhas, comportamentos, e interações específicos, locais e individuais.
O poder está sempre acompanhado pela resistência. A resistência é de fato uma
característica estrutural fundamental do poder. Onde há poder, há resistência. E no
entanto, ou antes, consequentemente, esta resistência nunca está em uma posição de
exterioridade, em relação ao poder. Sem resistência, sem dois corpos empurrando ou
puxando um contra o outro, não há relação de poder. E através da resistência as relações
de poder podem sempre ser alteradas.
O poder é exercido na própria interação de força e resistência. Esta interação está
presente em todas as interações sociais. Força e resistência são manifestadas mesmo em
micro interações entre indivíduos e entre estados e embora cada pessoa possa escolher
entre aplicar força ou resistir, o resultado final da relação não pode ser controlado por
um partido, e não subjetivo.
O biopoder é capaz de acessar o corpo porque funciona através de normas, em
vez de leis. Porque é internalizado por sujeitos em vez de exercido de cima mediante
atos ou ameaças de violência, e porque está disperso por toda a sociedade em vez de
localizado em um único individuo ou organismo do governo. Foucault escreve sobre
uma transformação muito profunda desses mecanismos de poder na qual a dedução seria
substituída por um poder que opera para incitar, reforçar, controlar, monitorar, otimizar
e organizar as forças sob ele. Um poder inclinado a gerar forças, a faze-las crescer e
ordena-las, em vez de um poder dedicado a impedi-las, submete-las ou destruí-las.
O biopoder é um poder sobre o bios ou a vida, e as vidas podem ser
administradas tanto na esfera individual, quanto na de grupo. O poder disciplinar
funciona principalmente, através das instituições enquanto o biopoder funciona
principalmente através do Estado, embora o estado também esteja envolvido em muitas
instituições, tais como a prisão.
Ladelle não apenas traça a extensa da eugenia dos Estados Unidos, mas
argumenta que nesse país o movimento contemporâneo pró-família predominantemente
inquestionado é mera reformulação e extensão do movimento eugenista. Essas práticas
biopolíticas consolidam ainda mais os preconceitos de uma sociedade capacitista, ao
mesmo tempo em que continuam os objetivos da eugenia de maneiras que se tornaram
cada vez mais irrestritas pelo estado.
O poder deve ser sentido como sendo mais complexo do que um termo, tem
múltiplas formas e pode ser enunciado a partir de qualquer lugar. Foucault exorta-nos a
não pensarmos no poder apenas em termos da sua antiga forma monárquica, como algo
que um indivíduo possua ou exerça sobre outro ou outros. Para ele, o poder funciona
mediante a cultura e os costumes, as instituições e os indivíduos, da mesma maneira
seus efeitos também são múltiplos, não simplesmente negativos ou positivos, mas como
ele o coloca, produtivos. São avaliações instáveis, tanto positivas quanto negativas que
podem ser revertidas através da história.
Desse modo, um aspecto inovador do poder disciplinar moderno, é que ele não é
externo aos corpos que sujeita, embora o corpo também tenha no passado sendo
intimamente vinculado ao poder e a ordem social. Foucault afirma que o poder
disciplinar é essencialmente um fenômeno moderno, difere de formas anteriores de
manipulação corporal, as quais eram violentas e muitas vezes performativas.
O poder disciplinar não sujeita o corpo a violência extrema. Reconstrói o corpo
para produzir novos tipos de gestos, hábitos e habilidades. Ele enfoca detalhes
singulares, seu tempo e rapidez, ele organiza corpos no espaço e programa cada uma das
suas ações para o máximo efeito. O poder disciplinar não destrói o corpo, mas o
reconstrói. Os indivíduos literalmente incorporam os objetivos do poder, os quais se
tornam parte do seu próprio ser: ações, objetivos, hábitos. Nos modificamos nosso
comportamento em uma tentativa interminável de nos aproximarmos do normal, e nesse
processo nos tornamos certos tipos de sujeito.
O entendimento de Foucault sobre a constituição histórica do corpo através de
mecanismos de poder, tem influenciado a teoria feminista profundamente. Ele tem
proporcionado uma maneira de priorizar o corpo em sua materialidade, enquanto evita
todas as formulações naturalistas. Também tem concedido ferramentas para o
entendimento da produção disciplinar do corpo feminino. Feministas tem se apropriado
das ideias de Foucault, sobre o poder e o corpo para estudar as diferentes maneiras
segundo as quais, as mulheres moldam seus corpos e analisar estas práticas cotidianas
como tecnologias disciplinares a serviço do poder patriarcal normalizados. Essas
práticas feministas normativas treinam o corpo feminismo na docilidade e na obediência
as exigências culturais, ao mesmo tempo, em que são paradoxalmente experimentadas
em termos de poder e controle pelas próprias mulheres.
A liberdade nunca é una, nunca é estável, nunca é um a priori, tão pouco, é
alguma vez transcendental. É sempre contingente, sempre deve ser praticado, é sempre
discursiva e relacional, deve sempre ser alcançada, sustentada, preservada e arrancada
dos jogos de poder, nos quais circula como sangue em um organismo vivo.
Enfrentar resolutamente essa tarefa paradoxal de sermos nos mesmo é o que
Foucault chama de cuidado de si. Ele define a nossa subjetividade como o que fazemos
de nós mesmo quando realmente nos dedicados a cuidar de nós mesmos.
Esse caráter pronto da vida vem do que Foucault chama de poder disciplinar ou
governamentalidade. Ao passar por todas as instituições que dão forma a minha vida, eu
me encontro apanhado em uma intrincada rede de escolha, desejo e necessidade. O
resultado final é um homem calculado, um animal altamente disciplinado, muito capaz,
mas também muito dócil. Esse processo é o que Foucault chama de normalização. Esse
processo tem continuado a se tornar mais disseminado e mais intensivo, mesmo ao se
tornar menos óbvio ou intrusivo.
A disciplina me torna mais produtivo, me treina e desenvolve as minhas
capacidades de viver, tornando muito difícil resistir. Uma vez que parece estar do meu
lado, provendo recursos para viver a minha vida, no entanto, enquanto todas essas
coisas me moldam, dão forma e ordem a minha vida e me ajudam a compor uma ideia
de quem eu sou e como devo sentir as coisas e fazer as coisas, eu as vezes tenho a
sensação de que este não é realmente quem sou.
O termo chama que Foucault utiliza para capturar o surgimento de
subjetividades, é assujjetissement. Capta a ideia de que somos sujeitados, ou oprimidos
por relações de poder. Quando se nos impõe uma norma, somos pressionados a segui-la.
Nesse sentido, o termo descreve um processo de constrangimento e limitação. Para
Foucault, o poder sempre também desempenha um papel positivo. Ele permite certas
posições de sujeito.
Para Foucault a subjetividade não é um estado que ocupamos, mas sim, uma
atividade que realizamos. Ademais, trata-se de uma atividade que sempre ocorre dentro
de um contexto de restrição. Nós nos constituímos como sujeitos, por meio de várias
práticas de si, as quais incluem atividades como a escrita, a dieta, o exercício e o dizer a
verdade. Ao mesmo tempo, somos constituídos na medida em que a maneira como
realizamos essas práticas, é moldada por instituições como escolas, tribunais de justiça,
hospitais e aparelhos de segurança do estado, bem como, pelas normas e valores mais
gerais prevalecentes da sociedade na qual vivemos.
Foucault tem em comum com o resto da tradição filosófica ocidental o desejo de
romper com o ciclo de obediência inconsciente, exame ininterrupto e confissão
exaustiva que sustenta a subjetividade moderna. No entanto, ao contrário da tradição,
Foucault deseja se afastar do autossacrifício, não porque viole a independência e
autonomia do sujeito, mas porque cultiva uma relação destrutiva e portanto, prejudicial
de si, consigo mesmo. Para ele, a crítica fornece meios de negociar relações modernas
de poder, que afrouxem as interconexões entre verdade e poder. Que caracterizam as
relações de poder, modernas e portanto abrem possibilidades de sermos constituídos e
constituímo-nos a nós mesmos como sujeitos de maneiras que não reproduzem
simplesmente uma auto relação de abnegação.
Embora não possamos nos desembaraçar completamente, de relações de poder,
não somos simplesmente determinados por elas. Não estamos fadados a reproduzir
acriticamente as normas e valores prevalecentes da nossa sociedade.

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