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FOUCAULT, PÓS ESTRUTURALISMO E RELAÇÕES DE PODER

Tópicos elaborados pelo Prof. Laerte Moreira dos Santos

1. Foucault jamais dedicou um livro ao tema do poder. No entanto a questão do poder aparece em todas as suas
obras.

2. O poder para Foucault deve ser entendido como PRODUTIVIDADE, como POSITIVIDADE. O poder não é
aquele que diz NÃO (do campo legislativo que se caracteriza pela repressão), e sim aquele que diz SIM (produz
discursos verdadeiros que julgam, condenam, CLASSIFICAM , obrigam, coagem. Ele diz faça, seja de tal
maneira, use tal roupa, tenha tal corpo.) Produz conhecimento. Age não pela repressão, mas pela produção. ELE
PRODUZ OS SUJEITOS através de TECNICAS e DISCURSOS. Enquanto para a teoria crítica de inspiração
marxista, o poder distorce, reprime, mistifica para Foucault e, poderemos dizer, para o pós-estruturalismo de
forma geral, o poder constitui, produz, cria subjetividades e identidades. Por exemplo, o exame, as avaliações na
escola – campo do poder/saber, das técnicas - ocupa um papel chave porque ele expõe para o indivíduo seu
“verdadeiro eu”, a “própria identidade”. Como resultado dos exames os indivíduos são classificados e
objetificados. E eles constroem seus “eus” e suas identidades, na medida em que essas classificações são aceitas
por eles. As atividades de autoconhecimento, autoretrato, experiência de si, revelam o mesmo objetivo de
controle. Ao dizer a “verdade” sobre si, a pessoa conhece a si própria e torna-se conhecida para os outros num
processo que é terapêutico, mas, também, controlador. Conhecer o próprio eu na modernidade significa aceitar um
conjunto de verdades das CIÊNCIAS HUMANAS como a Pedagogia, que ao serem aprendidas e postas em
prática constroem um sujeito com um certo modo de ser e uma certa maneira de agir. O sujeito que se pretende
descobrir através da experiência de si, da auto-análise, do autoretrato, é histórica e culturalmente contingente, é o
resultado de um complexo processo histórico de fabricação. Se na autoanálise o sujeito produz textos, discursos
sobre si também É PRODUZIDO POR ESTES DISCURSOS. Há a ilusão de que estes discursos são seus. No
entanto os dispositivos pedagógicos produzem e regulam os textos de identidade de seus autores.: “aprendem uma
certa imagem das pessoas e das relações entre as pessoas: que cada um tem determinadas qualidades pessoais, que
é possível conhecê-las e avaliá-las de acordo com certos critérios, que é possível mudar as coisas em si mesmo
para ser melhor, que as outras pessoas têm qualidades diferentes, que é possível comunicar o próprio modo de ser,
que é possível viver juntos, apesar das diferenças, dadas certas atitudes de compreensão, respeito e tolerância,
etc..” (O Sujeito da Educação, Vozes, 2002). CONCLUSÃO: NÃO HÁ O SUJEITO AUTÔNOMO / SUJEITO
=SUBJUGADO, ASSUJEITADO

3. O poder se situa no campo da NORMA (que se vincula ao verbo normalizar, tornar normal).

4. A partir do seu livro “Vigiar e Punir” (1975) sugere que na organização do poder na sociedade na
MODERNIDADE, devemos distinguir o aspecto LEGISLATIVO e o NORMATIVO ou técnico.

- Legislativo: representado pelo juiz. O mecanismo principal é a REPRESSÃO. É o campo do direito. Traça
limites, separa o permitido do proibido, busca impedir que condutas indesejáveis aconteçam.

- Norma (ou regulação): representada principalmente pelo médico, mas também exercida pelo psicólogo,
assistentes sociais, educadores, professores, etc...

- A norma, enquanto poder disciplinar, pode adotar a repressão em sua tática. Mas traz consigo um modo
específico de punir. O castigo tem a função de reduzir os desvios, ele é CORRETIVO. Com a sanção, os
indivíduos são diferenciados em função de sua natureza, de suas características, de seu valor. São avaliados e
conseqüentemente individualizados. Esta punição não visa a repressão nem a expiação, mas compara, diferencia,
hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, há a NORMALIZAÇÃO. (Vigiar e Punir, 2001, p. 153). Visa
produzir sujeitos normais. O controle através da NORMA se dá não só pela abolição das condutas inaceitáveis,
mas principalmente pela PRODUÇÃO de novas características corporais, psíquicas e sociais... A norma enquanto
poder disciplinar “...é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como função maior adestrar;
ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (Vigiar e Punir, 2001, p. 143). A
disciplina fabrica indivíduos úteis. Faz crescer e aumentar tudo. Amplia a produtividade dos operários nas
fábricas, mas aumenta também a produção de saber e de aptidões nas escolas, etc... Foucault fala em um triplo
objetivo da disciplina: ela objetiva tornar o exercício do poder menos custoso tanto do ponto de vista econômico
como político. Busca estender e intensificar os efeitos do poder o máximo possível pretendendo ao mesmo tempo
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ampliar a DOCILIDADE e a UTILIDADE de todos os indivíduos submetidos ao sistema (Vigiar e Punir, 2001, p.
179-180).
- Mas a norma, agindo à margem da lei, visa sobretudo a PREVENÇÃO. Se afirma não pela imposição de regras
jurídicas, mas pela criação de PRECEITOS que baseados em argumentos científicos vai induzir os indivíduos a
aceitá-las como regras naturais. A norma não quer proibir, QUER CONVENCER. O mecanismo fundamental da
norma é a REGULAÇÃO que vai estimular e incentivar comportamentos e atitudes até então inexistentes.
- Progressivamente os mecanismos de NORMALIZAÇÃO foram invadindo os espaços da lei. Agora temos os
PROFISSIONAIS DA NORMA como o médico, o pedagogo, o professor, o diretor de escola, o psicoterapeuta,
etc... ocupando o espaço do juiz. Estes mecanismos permitiram que todo um conjunto de condutas que eram
indiferentes ao sistema jurídico, pois não eram consideradas crimes ou delitos, se tornassem alvo de julgamentos e
punições. Vai estabelecer o que Foucault chama de MICROPENALIDADES que podem ser aplicadas para vários
tipos de comportamentos como: atrasos, ausências, negligência nas atividades, desatenção, desobediência,
grosseria. Em relação ao corpo: sujeira, gestos e atitudes incorretas. Em relação à sexualidade: devassidão,
indecência. Enfim, os JUÍZES DA NORMALIDADE vão se multiplicar. As micropenalidades se expressam
através de castigos físicos leves, advertências, pequenas privações, anotações na carteira, medicamentos ou
psicoterapias. A norma na MODERNIDADE “corta a cabeça do rei”.

7. Como sair de um suposto determinismo e fatalismo que perpassa a filosofia de Foucault e o pós
estruturalismo:

a) Problematizar as idéias de autonomia, de autodeterminação analisando as condições históricas de sua formação


porque nelas se encontra subjacente a tentativa de controle. Mesmo as pedagogias críticas como a de Paulo Freire
e o Construtivismo, estão vinculadas com relações de poder. A perspectiva de Foucault vai nos desalojar de nossa
posição privilegiada, a partir da qual podemos criticar o poder sem estar envolvido com ele. O objetivo não é mais
buscar uma situação de não-poder, porque isto é impossível. Mas sim desenvolver uma luta contra as posições e
relações de poder incluindo aquelas nas quais, como educadores, estamos envolvidos. “O objetivo já não será
mais buscar uma situação de não-poder, mas sim um estado permanente de luta contra as posições e relações de
poder, incluindo, talvez principalmente, aquelas nas quais, como educadores/as, nós próprios/as estamos
envolvidos” (Sujeitos da Educação, p. 251). As pedagogias críticas somente poderão ser consideradas melhores se
aplicarem a si mesmas os instrumentos de crítica que aplicam às outras. A reflexão crítica deve ser uma constante.

b) Porque os professores falam tão facilmente sobre o fracasso escolar de um estudante, seu desrespeito para com
os professores, sua incapacidade em falar e compreender a língua padrão, sobre estudantes de risco, e assim por
diante, como constituindo comportamentos desviantes, e muito pouco sobre essas condições como formas de ação
de resistência e como oportunidades para cultivar a agência discente? Os professores devem evitar práticas
discursos que essencializem categorias de desvio nas mentes dos estudantes, assim como nas suas próprias (O
sujeito da educação, in Foucault e a questão da Liberdade e da Agência Docente, 2002, p. 137)

c) Os intelectuais não devem falar em nome do oprimido e dizer-lhe como resistir. Devem ficar ao seu lado, minar
o poder dos opressores e expor suas práticas. Deleuze (também pós-estruturalista) afirma sobre Foucault: “foi o
primeiro a nos ensinar — tanto em seus livros quanto no domínio da prática — algo de fundamental: a
indignidade de falar pelos outros. Quero dizer que se ridicularizava a representação, dizia-se que ela tinha
acabado, mas não se tirava a conseqüência desta conversão ‘teórica’, isto é, que a teoria exigia que as pessoas a
quem ela concerne falassem por elas próprias”

e) Pós estruturalismo e Marxismo: “enquanto para a teorização crítica de inspiração marxista o poder distorce,
reprime, mistifica, para a perspectiva pós-estruturalista, o poder constitui, produz, cria identidades e
subjetividades.” (Sujeitos da Educação, p. 252)

f) Fim das oposições binárias: libertação/opressão, repressão/liberação, teoria/prática, racional/irracional. A


perspectiva pós-estruturalista de inspiração foucaultiana e de Derrida descontroem estas oposições. Um termo não
representa a superação do outro. As oposições supõem uma essência que lhes está subjacente. Na verdade essa
essência não existe, a identidade que é definida pela oposição é flutuante e não fixa.

g) Questionar as metanarrativas que se orientam pela busca do significado último de todas as coisas. Por exemplo,
quando buscamos uma teoria que nos permitisse explicar de uma vez por todas o processo educacional.

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