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1 INTRODUÇÃO
2 DISCUSSÃO
. 20/05/2010
4 Idem.
5 Idem.
6 FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. São Paulo: Ed. Graal, 1979. (p. 71)
Portanto, não é trivial a tese de que Foucault tenha feito exatamente isto – lutar
contra uma forma de poder, ao colocar em pauta a ‘ordem do discurso’ em sua aula
inaugural no Collège de France. Se o papel da Universidade é manter certa classe social
no poder; e se é verdade que a instituição deva ser atacada em seu âmago para ser
destruída, então, cogitar a subversão da ordem do discurso parece ter sido mesmo a
melhor estratégia para questionar o papel do sistema educacional numa sociedade
dividida em classes. A Universidade, o manicômio e a prisão são instituições que foram
alvo da genealogia do poder desenvolvida por Foucault ao longo da sua vida de trabalho.
Vejamos o que Foucault tem a dizer sobre o poder, enquanto discute o papel do
intelectual em seu debate com Deleuze:
Em “A ordem do discurso”, Foucault nos fala deste mesmo poder e o relaciona com
aquilo que seria um processo ordenado de produção de discursos em nossas sociedades.
Os discursos cotidianos são mais efêmeros do que os “discursos sérios” da instituição,
tais como o da medicina, da psiquiatria e da política. Para Foucault, “o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo
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que se luta, o poder que queremos nos apoderar.” Ele então abandona a hermenêutica
e toma o discurso como prática social. Foucault se coloca acima do nível da proposição
de um texto para analisar o discurso enquanto um ‘acontecimento’ que se dá mediante
condições de possibilidades e regras pré-estabelecidas. Em “A ordem do discurso”,
Foucault coloca a seguinte hipótese:
7 Idem.
8 FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso – Aula inaugural no College de France. Pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo.
Ed. Loyola: 1996. (p. 10)
perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e
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temível materialidade.”
“Acredito que seria uma grande pena deixar inteiramente de lado a tarefa
filosófica, e de certa forma mais abstrata, de tentar estabelecer conexões
entre um conceito de natureza humana – que permite total alcance à
liberdade, dignidade, criatividade e outras características humanas
fundamentais – e a noção de uma estrutura social na qual tais
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propriedades poderiam ser concretizadas (...)” [tradução nossa].
9 Idem. (p. 8)
10 CHOMSKY, N.; FOUCAULT, M. Human Nature: Justice versus Power. Disponível em
http://www.chomsky.info/debates/1971xxxx.htm . 20/05/2010
11 Idem.
12 Idem.
13 Idem.
Reconhecendo a inexistência de qualquer fundamento absoluto e universal,
como alguns pensadores atribuem à idéia de natureza humana, Foucault não se
compromete em propor um modelo de justiça para a sociedade. Ele chega a questionar a
validade da utilização da noção de justiça ideal como fundamento de uma crítica do
funcionamento da justiça instuticional. Para ele, é a utilidade para as lutas de classe que
justifica o conhecimento sobre a justiça, sobre como ela é disseminada nos discursos e
práticas das instituições, e sobre os objetivos de quem a instituiu e controla. Foucault
reconhece que a questão da justiça está sempre presente em todas as lutas sociais, mas
adverte, “ao invés de pensar a luta social em termos de ‘justiça’, deve-se enfatizar a
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justiça em termos de luta social.” [tradução nossa] A classe oprimida não inicia uma
guerra contra a classe opressora porque considera tal guerra justa, mas porque ela quer,
finalmente, tomar o poder. Por outro lado, no seio de uma sociedade divida em classes, a
noção de justiça pode funcionar como uma demanda dos oprimidos ou como uma
justificativa para tal demanda.
Ao invés de tratar a idéia de justiça como um princípio absoluto e inerente à
natureza do homem, Foucault a coloca no plano da historicidade das relações de poder. A
história da justiça demonstra que ela nada mais é do que algo inventado para servir como
instrumento de certo poder político e econômico ou de resistência contra este poder. Esta
civilização que constrói muros para separar classes sociais possui um tipo de
conhecimento e uma forma de filosofia que possibilitam a formação de certos conceitos,
tais como o de natureza humana, de essência do homem, e de justiça. Para Foucault,
seria infrutífera a tentativa de utilizar uma noção de justiça ideal para definir ou justificar a
luta das classes oprimidas contra seus opressores, porque esta luta deveria, em princípio,
modificar os fundamentos do nosso modelo civilizatório. Quiçá teríamos uma noção
diferente de justiça numa sociedade sem divisão de classes.
Como veremos a seguir, o estudo arqueológico que Foucault faz do sistema
judicial penal europeu enfatiza a noção de justiça como instrumento de poder e
dominação.
14 Idem.
tecnologia disciplinar e de uma ciência social normativa. Entre os séculos XVIII e XIX, a
Europa sofreu significativas transformações políticas e econômicas que nutriram o
surgimento do Estado moderno e, com ele, um novo poder de julgar e punir.
Nos antigos regimes monárquicos, o poder de fazer justiça estava inscrito na
pessoa do soberano, mesmo tendo ele conferido aos tribunais a tarefa de exercer tal
poder. Isto, no entanto, não é uma alienação do seu direito de julgar, já que ele resguarda
pra si o direito de suspender ou confirmar as decisões dos tribunais. O príncipe
personifica a justiça de tal forma que sempre quando um crime é cometido, o poder
soberano é diretamente atacado. Para Foucault, “a intervenção do soberano não é (...)
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uma arbitragem entre dois adversários; (...) é uma réplica direta àquele que o ofendeu.”
O castigo do condenado servirá para demonstrar a força quase infinita do príncipe, de
onde provém o direito de fazer justiça. O aparelho de justiça deixa claro que tal direito não
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pertence aos súditos. “Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar.”
Talvez o castigo não funcione como reparação do dano causado à vítima, mas como
vingança pessoal do príncipe.
Até meados do século XVIII, o suplício dos condenados era uma prática comum
em toda a Europa. De acordo com Foucault, em Vigiar e Punir:
Para Foucault, seria um exagero atribuir como causa da mitigação das penas
na reforma do sistema penal o aumento de sensibilidade da sociedade européia ou os
esforços de reformadores humanistas:
15 FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
16 Idem.
17 Idem.
“Não foram os mais esclarecidos dos expostos à ação da justiça, nem os
filósofos inimigos do despotismo e amigos da humanidade, não foram
nem os grupos sociais opostos aos parlamentares que suscitaram a
reforma. (...) A reforma não foi preparada fora do aparato judiciário e
contra todos os seus representantes; foi preparada, e no essencial, de
dentro, por um grande número de magistrados e a partir de objetivos que
lhes eram comuns e dos conflitos de poder que os opunham uns aos
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outros.”
A reforma do sistema judicial penal não visava estabelecer uma nova justiça
com base em princípios humanitários, mas instituir o que Foucault chama de “uma nova
19,
‘economia’ do poder de castigar” garantindo, assim, a sua melhor distribuição. De
acordo com Dreyfus e Rabinow (1995), com a reforma, o crime deixa de ser visto como
ataque direto ao corpo do soberano para ser tratado como quebra do contrato social que
vitima a sociedade como um todo. Antes de princípios democráticos, o que determina
essa mudança é uma necessidade estratégica de distribuir o poder de julgar e punir. A
punição, então, deixa de ser um direito do soberano para se consolidar como uma
obrigação da sociedade. O objetivo da reforma não é punir menos, mas punir com maior
eficácia.
Com a dissolução dos governos monárquicos e o surgimento do estado burguês, o
poder de fazer justiça passa a se fundamentar e obter suas justificativas e regras a partir
do desenvolvimento de um ‘complexo científico-judiciário’, até então inexistente. Foucault
demonstra como os novos saberes produzidos pelas chamadas ciências do espírito, tais
como a psicologia, a psiquiatria e a psicopedagogia, foram postos a serviço do aparato
jurídico do Estado. Chegamos à era dos ‘castigos incorpóreos’. O alvo agora não é mais o
corpo do condenado, mas a sua alma. O objetivo não é mais punir o autor de um crime,
mas estudar, classificar, qualificar, prender e recuperar o sujeito delinquente. No lugar do
crime, temos agora a criminalidade como objeto da intervenção da justiça penal. De
acordo com Dreyfus e Rabinow, “em Vigiar e Punir, Foucault apresenta a genealogia do
20.
indivíduo moderno como um corpo dócil e mudo (...)”
“No caso que eu cito, o Tribunal Popular, tal como funcionou durante a
Revolução Francesa, tendia a ser uma terceira instância, aliás bem
determinada socialmente; representava uma linha intermediária entre a
burguesia no poder e a plebe parisiense, uma pequena burguesia
composta de pequenos proprietários, pequenos comerciantes, artesãos.
Colocaram-se como intermediários, fizeram funcionar um tribunal
mediador e, para fazê-lo funcionar referiram-se a uma ideologia que era
até certo ponto a ideologia da classe dominante, ao que era "bom" e "não
bom" fazer ou ser. (...) Vê-se bem então que eles retomaram o lugar
"mediano" da instância judiciária tal como ela tinha funcionado no Antigo
Regime. Eles substituíram o revide das massas àqueles que eram os seus
inimigos pelo funcionamento de um tribunal e boa parte de sua
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ideologia.”
3 Considerações Finais
De acordo com Nithamar Oliveira, “(...) podemos apenas falar de uma ética não-
cognitivista, não-universalizável e contextualista em Foucault, onde as práticas de
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resistência e as lutas pela liberdade desautorizam qualquer pretensão humanista.”
A primeira hipótese proposta no Projeto de Pesquisa CIDADANIA E JUSTIÇA:
Exigências Ético-Políticas do Estado Democrático Tocquevilliano, fala sobre uma “idéia de
justiça” que desempenha “o papel de norma moral universal”. Foucault, por outro lado,
não toma uma idéia de justiça como fundamento absoluto e universal para “julgar a
22 Idem.
23 Idem.
24 OLIVEIRA, N. Tractatus Ethico-Politicus – Genealogia do Ethos Moderno. Porto Alegre: Edipucrs, 1999.
própria ação e a ação coletiva”. O que está em foco na analítica foucaultiana da justiça
enquanto instrumento de poder é a norma como dado a ser avaliado quanto à sua
eficácia, como dizia Abbagnano, “sua capacidade de possibilitar as relações humanas.”
Por outro lado, a busca por critérios últimos para discernir o justo do injusto aponta para a
necessidade de direcionar a continuação desta pesquisa para a compreensão dos
processos de constituição do ‘sujeito de justiça’, a partir da hermenêutica de Michel
Foucault.
4 Resultados
REFERÊNCIAS
Livros
Transcrição de Debate