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Revisão Bibliográfica e apresentação das fontes

Daniel Dias Michellon

BRANCO, Guilherme Castelo. Michel Foucault: filosofia e biopolítica. Belo Horizonte:


Autêntica Editora, 2015.

O autor trata dos textos de Foucault, fazendo com que sua produção faça parte de uma
coleção de livros da editora, chamado de Estudos Foucaultianos. Nesta obra, busca uma forma
de tentar estabelecer um sistema de estudo acerca das questões importantes que permearam
boa parte da carreira intelectual do autor francês, dando maior enfoque aos pensamentos
relacionados à ética e à política. Castelo Branco, ao ler a obra de Foucault, divide seu
pensamento e produção acadêmica em três fases:

A primeira fase, que cobre os anos 1960, é a da “arqueologia do saber”. Nessa


década, de fato, a preocupação com a ética e a política não é predominante em seus
livros, mas está em alguns de seus textos e entrevistas; a segunda fase, que começa
com a entrada de Foucault no Collège de France, em 1969, e que vai até 1977,
denomina-se, com toda e pertinência, como “analítica do poder” (alguns a chamam,
mas explicam pouco o que querem dizer com isso, “genealogia do poder”); a terceira
fase, que se inicia em 1978 e vai até sua morte, em 1984, pode ser denominada, com
toda propriedade, como “fase ético-política”, centrada nas relações de poder e nas
resistências ao poder (alguns também denominam esse período como “último
Foucalt”).” (BRANCO, 2015, p. 21-22).

O livro divide-se em duas partes, a primeira dedica a filosofia, enquanto a segunda se


dedica a biopolítica. Sobre a filosofia, Foucault da importância a muitas questões, onde
recortaremos algumas para explicitar.
Pensando o desenvolvimento de suas investigações acerca do mundo moderno
ocidental, traçando igualmente a contribuição de outros intelectuais para o desenvolvimento
de suas leituras, especialmente Kant, por ser considerado pelo intelectual, um pensador
inovador, principalmente pelo estabelecimento de um raciocínio filosófico sobre o Homem,
estruturado historicamente. Para Foucault essa forma inovadora de pensar o Homem,
categoria de pensamento segundo o autor, uma preocupação característica da modernidade,
seria um contraponto importante em face ao desenvolvido por Descartes, onde o Homem é o
centro de si mesmo, único e imutável. O mérito de Kant, então para o pensamento de sua
época e posterior, seria o de estabelecer o Homem como sim um agente de si e da natureza,
mas que está condicionado aos acontecimentos e as condições a ele apresentadas para o
desenvolvimento de si, sendo desta forma impensável uma imutabilidade do Homem frente o
ambiente e ao corpo social a que está vinculado, sendo mutuamente afetados e influenciados
na relação.
Outra característica relevante frente esta primeira parte do livro, está situada na
importância dada por Foucault a um conceito por ele chamado de “relações de poder”.
Extremamente pertinente e intrínseco as ideias elaboradas pelo autor, este conceito de certa
forma é algo importante para compreender a modernidade, algo que está presente para o autor
onde existe liberdade, e sendo impossível de existir exercício de poder sem liberdade.

… a condição do exercício do poder é sempre, e acima de tudo, a liberdade. Sem


liberdade, não há possibilidade de ocorrer nenhuma relação e exercício de poder
possível. Todo poder, quando relacional, requer liberdade de ação entre os
envolvidos; na ausência de liberdade, o que ocorre é relação autoritária, totalitária,
em sociedades onde não são possíveis, ao menos de maneira visível, deslocamentos
sociais, intelectuais e artísticos. Ainda assim, o exercício de poder autoritário pode
durar algum tempo, em certos casos muito tempo, mas nunca para sempre, e nunca
de modo absolutamente homogêneo. Pois a potência da liberdade, em Foucault, é
parte efetiva de todo homem inserido na história. A modernidade, em seu trajeto,
poderia ser entendida como a luta em prol da possibilidade de conquista real de
crescente liberdade, por parte dos homens, nesse momento histórico determinado,
em que existe a potência de se exprimir com coragem e vontade o pensamento e a
ação independentes. O exercício do poder, feita pela relação agonística entre homens
livres, acarreta sempre numa tensão e num confronto entre potências do agir. A
liberdade, a luta entre seres livres, está na emergência de todo processo individual e
social da modernidade. (BRANCO, 2015, p37-38).

Dessa forma, podemos pensar que toda relação estabelecida entre sujeitos livres, está
condicionada a uma relação de poder, presente nas mais diversas esferas do cotidiano, seja
relacionada ao público como também ao privado. Relações familiares, amorosas e até de
amizade de certa maneira estão condicionadas a este fator, não ficando limitada ao exercício
de poder do Estado frente sua população, onde a possibilidade de atuação está na potência de
exposição e de aceitação (é claro que temos que admitir a possibilidade e o grau de recusa
envolvidos nas diversas relações existentes, tornando em momentos está relação subjetiva,
mas que existe mesmo assim a possibilidade de negociação entre as partes em certa medida
dentro desta, ou seja, dentro de um ambiente de luta que nunca terminará, sempre será
renovada, em uma disputa contínua).
Pensando então na possibilidade de poder opositor, se estabelece uma tentativa de algo
que podemos chamar de manipulação das subjetividades. Esta tentativa, certa medida,
apresenta-se como uma forma padronizante de certas individualidades, em grande parte
tomadas estas iniciativas via instituições, que então agiriam de forma a dar uma unidade as
vidas, através de técnicas criadoras de um “estilo de vida” mais produtivo aos interesses em
jogo, na maioria das vezes do Estado, em aspectos econômicos, morais entre outros. O autor
argumenta sobre a questão da seguinte maneira:

… partindo da constatação fundamental dos procedimentos postos em ação pelos


Estados modernos para conhecer e dirigir a vida das pessoas, a começar por suas
vidas subjetivas, Foucault denomina, num de seus textos, “governo por
individuação” o ato de buscar reconhecer os modos pelos quais certos indivíduos
realizam, com êxito, um deslocamento ou uma subtração face aos saberes-poderes e
às múltiplas técnicas de poder e de assujeitamento utilizadas pelas instituições e pelo
Estado. A identidade pessoal, dessa maneira, pode ser e é, em boa parte e para a
maioria das pessoas, o resultado de uma ação institucional e estatal bem-sucedida
(para o ponto de vista dos dispositivos de poder, é claro); trata-se, nesse caso, de
uma subjetividade assujeitada, normalizada, controlada pelas técnicas de poder.
(BRANCO, 2015, p.38-39).

Essa busca pela padronização produtiva do indivíduo, estabeleceria o que podemos ter
em mente como as pessoas desajustadas. Estas pessoas então passariam a receberem olhares
diferenciados, de forma a estarem no centro de uma perspectiva de poder, como seres
indesejáveis, que embora não estejam cometendo algo de errado ao olhar judicializado, ao
mesmo tempo recebem certa carga de marginalização, em vista padronizações estabelecidas
pelos mais diversos mecanismos “reguladores” das sociedades na modernidade. Vista então
uma pretensa subjetividade dos sujeitos, acaba por internalizar nos indivíduos desejos
padronizados, numa ilusória existência de certas formas de autonomia. Seguindo a concepção
de Foucault, a liberdade só é conquistada pela luta, não necessariamente violenta, mas que
precisa ser alcançada, no caso de pessoas livres, por mecanismos organizados reivindicadores,
tanto para os aspectos coletivos quanto individuais, de forma sempre incessante em
estabelecendo um acréscimo de liberdade. Essas medidas reivindicatórias não se apresentam
como uma forma de rompimento com o Estado, ou outras formas de poder, mas sim como
uma tentativa de introdução ao “socialmente aceito”, como algo pertencente “ao todo” da
sociedade.
Na segunda metade de seu livro, Guilherme Castelo Branco, estabelece sua análise
acerca da biopolítica, algo que provocou muitas reflexões em Foucault, permeando uma fatia
bastante importante do seu trabalho analítico até sua morte.
Foucault talvez tenha sido um dos intelectuais que mais se dedicou a pensar a
biopolítica como uma espécie de representação da sociedade moderna, ou seja, a sociedade
burguesa ocidental. Estabelece essa nova característica partindo de uma nova importância
dada ao Homem, onde argumenta ser este o centro dos interesses por este novo Estado que vai
sendo moldado. Pensa que este fenômeno da sociedade ocidental, começa a ser desenhado ao
final do século XVII, e recebendo uma profundidade cada vez maior no século XVIII,
estabelecendo novos paradigmas que estão ainda refletindo na sociedade contemporânea. Em
face de uma sociedade cada vez mais industrializada, começa-se a se moldar estratégias para
este “novo mundo” que está sendo erigido. Demandas por abordagens diferentes aos sujeitos
começam a se mostrar necessárias, como possibilidade de tornar os corpos mais produtivos e
competentes ao desenvolvimento não apenas econômico, mas de certa maneira da sociedade
como um todo. Para o desenvolvimento destes seres produtivos, era necessário a criação de
mecanismo e técnicas que permitissem a realização destes desejos. O Estado moderno passa a
preocupar-se efetivamente com a vida biológica de seus cidadãos, estabelecendo novos
saberes para a preservação da vida, algo novo em face as preocupações primordiais deste até
então. Dentre os saberes desenvolvidos está a Estatística, mas não apenas ela, mas também
todo um leque de saberes vão surgindo, o que vai se estabelecer as ciências humanas.
Podemos pensar então a biopolítica não apenas como um fator de uma sociedade de controle,
ou como uma característica apenas negativa vista em um primeiro olhar de forma simplista,
mas sim algo muito mais complexo e que de certa forma deu a possibilidade ao
desenvolvimento de liberdades, assim como permitiu condições para o desenvolvimento da
qualidade de vida dos sujeitos. Ela tem esta dupla possibilidade de ser pensada, como algo
que sim tinha como objetivo tornar os indivíduos dóceis e produtivos, mas que também
preocupou-se em criar condições para vida melhor fosse desenvolvida.

… não estamos falando, quando o que está em questão são os excessos de poder, de
um fenômeno ideológico especial nem mesmo de um fato histórico particular e
localizado, como o nazismo e stalinismo e a Segunda Guerra Mundial; temos diante
de nós, isso sim, uma tecnologia de poder nascida em meados do século XVIII, e
que tem por alvo a regulação da população, que Foucault (1997, p.214) denomina de
“biopolítica da espécie humana”. Esse novo poder funcionaria diferentemente do
poder de soberania, que “fazia morrer e deixava viver”, ao passo que “agora surge
um poder que eu chamaria de regularização, e que consiste, pelo contrario, em fazer
viver e deixar morrer” (Foucault, 1997, p.220).” (BRANCO, 2015, p.72-73).

O livro segue na parte da biopolítica por outros aspectos identificados e


problematizados pelo autor inspirador do estudo, principalmente em questões ligadas a
psiquiatria, família e as formas de olhar a sexualidades (principalmente das crianças) pelas
instituições científicas ou não.
DANNER, Fernando. O Sentido da Biopolítica em Michel Foucault. In: Revista Estudos
Filosóficos n.4. São João Del Rei: UFSJ, 2010. p. 143-157.

O texto procura abordar, como a biopolítica representou uma prática do Estado


moderno, objetivando estabelecer mecanismos de controle tanto do indivíduo como da
sociedade de modo geral. Fernando Danner busca abordar as inquietações que permearam o
pensamento de Foucault em meados dos anos 1970, buscando estabelecer o poder como algo
está além de ser apenas uma concepção jurídica, assim como sua presença abarca mais que
apenas a figura do Estado, permeando outras relações onde ele se manifesta.

O objetivo da genealogia é desenvolver uma concepção não-jurídica do poder, isto é,


uma concepção alternativa àquela do poder como lei ou como direito originário que
se cede para construir soberania. Com isso, estabelece um deslocamento em relação
às teorias jurídico-políticas tradicionais que atribuem ao Estado a centralidade do
poder. O poder deve ser visto, em Foucault, como algo que funciona em rede, que
atravessa todo o corpo social. E mais: segundo ele, o poder não pode ser
caracterizado meramente, nem fundamentalmente, como repressivo, como algo que
diz essencialmente “não”; é preciso perceber seu aspecto positivo (aquele lado que o
faz tornar-se ideológico, aceito coletivamente), isto é, o de formação de
individualidades e de rituais de verdade. (DANNER, 2010, p. 143).

O poder possui está potencialidade de construir subjetividades, sendo socialmente


aceito ou mesmo desejado, estabelece normatizações em busca de uma idealização dos
sujeitos e das relações de um modo geral. Desta forma a constituição de um Estado disciplinar
e normativo, acaba por permear as mais intrínsecas possibilidades de escolha, servindo-se dos
mecanismos e instituições que possui, para desenvolver a moldagem não apenas das
individualidades, mas a própria gestão do poder frente a coletividade que controla.
Seguindo sua leitura de Foucault, o autor apresenta que para o intelectual, não existe o
poder enquanto teoria. Ele propõe ao que chamou de “analítica do poder”, onde estabeleceu
que não existe o Poder em si, mas sim relações de poder, ou seja, algo que é exercido por
alguém livre a outrem igualmente detentor de liberdade, não se restringuindo a atividade do
Estado frente a alguém ou a um coletivo. Citando Roberto Machado, estabelece que o “poder
não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída
historicamente”.1O poder não pode ser medido como algo centralizado e único, mas sim que
existe toda uma extensão rede de relações onde ele se apresenta, tanto em esferas da

1 MACHADO, Roberto. Por uma Genealogia do Poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio
de Janeiro: Graal, 1979, p.X.
sociedade onde teoricamente existiria menos poder, como em outras tidas como as grandes
detentoras deste.
Mais adiante em seu texto, o autor procura analisar o pensamento de Foucault de
acordo com o desenvolvimento de seu raciocínio a respeito das disciplinas.

O que são disciplinas? As disciplinas são uma técnica, um mecanismo, um


dispositivo de poder, são “métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhe impõem
uma relação de docilidade-utilidade”. (DANNER, 2010, p.150).

As disciplinas atuam como um molde idealizador do sujeito, servindo como uma


forma de desarticular e estabelecer os comportamentos dentro de uma perspectiva desejada,
de forma coercitiva. O disciplinamento dos corpos trabalha no aspecto de vigilância não
apenas de si, mas acaba por embarcar também a vigilância do indivíduo sobre os demais,
assim como dos demais sobre o indivíduo.
O panoptismo é talvez o ápice do poder disciplinar, pois sua concepção arquitetônica
elaborada no século XIX por Jeremy Bentham, o torna um dispositivo de vigilância
permanente, ao mesmo tempo que atua como individualizador pela distribuição dos
encarcerados em celas, sua estrutura permite que o vigilante possa observar sem ser visto, o
que promove ao sujeito preso, a impossibilidade de saber se está sendo observado ou não.
Essa técnica age então de forma transferir em grande medida a ação de autopoliciamento ao
detento.

O dispositivo panóptico é um verdadeiro produtor de individualidades; nele, a


multidão é abolida em prol de um grande número de individualidades separadas.
Mas o mais importante deste dispositivo é sua capacidade de induzir os indivíduos a
um estado permanente de visibilidade que assegura perfeitamente o funcionamento
automático do poder. (DANNER, 2010, p. 152).

Podemos de certa maneira entender as câmeras de videomonitoramento, presentes de


forma cada vez mais massiva nas cidades, como um aperfeiçoamento do panoptismo, pois sua
essência e objetivos são os mesmos, com a peculiaridade de que neste cenário todas as
pessoas estão no papel do prisioneiro, dando a sensação de que todas as pessoas são
consideradas em grande medida, como potencialmente perigosas e dignas de vigilância
constante.
Crítica das fontes.

Trabalhar histórias em quadrinhos (também conhecida como a Nona Arte) sob uma
perspectiva de uma produção realizada dentro de um contexto histórico, permite pensarmos
como a arte e principalmente o artista estabelecem uma leitura de sua época. Essa leitura
carrega significados pessoais e muitas vezes coletivos sobre as sensações produzidas pelo
período de realização e como estas influenciam, em certa medida, o produto final do artista.
Trabalhar a história sobre a perspectiva da arte (neste caso os quadrinhos), nos permite tanto
traçar um paralelo histórico próprio desta mídia em questão, como analisá-la
individualmente, como será o caso neste trabalho.
Estabelecer um estudo histórico frente a uma produção com Alan Moore envolvido, é
algo que já bastante instigante já no processo de selecionar qual obra trabalhar. Detentor de
uma grande quantidade de produções interessantes, densas e polêmicas, é apontado como um
dos mais influentes e criativos autores desta mídia no mundo ocidental, contribuindo com
inúmeras inovações e reinvenções para os quadrinhos, buscando trabalhar sempre de forma
eclética quanto aos temas abordados em seus projetos, trabalhou com o terror, suspense,
sobrenatural, ficção científica, distopia, erotismo, comédia, entre outras temáticas, além de
aventurar-se na literatura, na música, como ator e como mago.
Entre todas as possibilidades de escolha para realizar a análise historiográfica, ficou
decidido a realização do estudo pela perspectiva do quadrinho “V de Vingança”, publicada
originalmente em preto e branco na Inglaterra de forma serializada em 1981 pela revista
Warrior (posteriormente ganhou uma versão americana na editora DC Comics, desta vez
colorida, lançada em outros países sob a licença da editora americana, no mesmo formato). A
escolha desta obra também teve como fator, a atualidade dos preceitos que inspiraram a
realização da obra em sua época. Vivemos um momento de grande crescimento de ideais
conservadores (um jeito aparentemente inocente e moderado a se referir a muito desses ideais
em notoriedade atualmente), e novamente, assim como na época voltamos a sermos
assombrados pelo espectro de uma possível guerra nuclear.
A história se passa em um futuro distópico, ano de 1997 onde a Inglaterra encontra-se
sob um regime totalitário de cunho fascista.

A premissa de V de Vingança é a de que uma guerra nuclear obliterou a África e a


Europa continental, e o subsequente colapso da sociedade deixou a Inglaterra
governada por um governo autoritário fascista. Todos os subversivos em potencial,
incluindo radicais, negros, asiáticos, judeus ou gays foram agrupados em um mesmo
lugar, deixando o país vivendo com medo. (MILLIDGE, 2012, p. 86).

Moore argumenta que a técnica narrativa de situar sua história em futuro distópico,
não é uma novidade nas narrativas deste mesmo gênero, onde segundo o autor estas narrativas
na verdade simbolizam o presente em que foram realizadas. Margaret Thatcher assume o
poder em 1979, momento em que a Inglaterra sofre uma grande crise econômica, a maior em
muitas décadas, assim como elementos de pensamentos fascistas ficando cada vez mais
populares, em especial com o surgimento da Frente Nacional.2
No ano 1988, em texto de abertura para a edição compilada da obra, Moore argumenta
sobre o contexto da Inglaterra de então:

Estamos em 1988 agora. Margaret Thatcher está entrando em seu terceiro mandato e
fala confiante de uma liderança ininterrupta dos Conservadores no próximo século.
Minha filha caçula de sete anos, e um jornal tabloide acalenta a ideia de campos de
concentração para pessoas com AIDS. Os soldados da tropa de choque usam visores
negros, bem como seus cavalos; e suas unidades móveis têm câmeras de vídeo
rotativas instaladas no teto, O governo expressou o desejo de erradicar a
homossexualidade até como conceito abstrato. Só posso especular sobre qual
minoria será alvo dos próximos ataques. (MOORE; LLOYD. 2012, p.6).

Escrita sobre esta perspectiva de temor quanto as possibilidades de futuro, cada vez
mais desestimulantes, ela carrega na figura de seu protagonista um anti-heroi misterioso,
caracterizado como um terrorista anarquista conhecido apenas pelo codinome V. V utiliza uma
máscara inspirada em Guy Fawkes, este que realizou uma fracassada tentativa de explodir o
Parlamento britânico em 5 de novembro 1605. Após intervir na abordagem que estava sendo
realizada por forças de campo da repressão, contra uma garota que transitava pelas ruas após
o toque de recolher, V explode as casas do Parlamento, isto tudo no dia 5 de novembro de
1997 (dia de Guy Fawkes), realizando de forma bem-sucedida, em oposição a tentativa
fracassada por Fawkes séculos antes.
Partindo deste capítulo introdutório, passamos a acompanhar a história por duas
perspectivas: de um lado temos o olhar de V sobre os acontecimentos e as consequências
destes; do outro temos o das forças repressoras e de investigação, na tentativa de capturar
codinome V.
A análise do quadrinho como da biografia de Alan Moore, estão em processos iniciais,
onde ainda falta um aprofundamento analítico tanto da obra em si, como também das teorias
sobre às práticas de produção de quadrinhos que será bastante importante para o

2 MILLIGDE, Gary Spencer. Alan Moore: o mago das histórias. São Paulo: Mythos Editora, 2012, p.84.
aprofundamento tanto dentro da história, como para os conceitos estabelecidos para o estudo
dos quadrinhos enquanto narrativa cheia de possibilidades e particularidades.

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