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FLORIANÓPOLIS
2018
1
Doutorandx do programa de pós-graduação em História Global da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC)
1
Introdução
2
LAZZARATO, Maurizio. Puissances de l’invention. Paris, Les Empêucheurs de pensar em rond. 2002.
3
GUATARRI, Félix. Da produção de subjetividade. In: _________. Caosmose: um novo paradigma estético.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p.177.
4
PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2003.
2
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A população é um conjunto de seres vivos e coexistentes que apresentam traços biológicos e patológicos
particulares e cuja própria vida é suscetível de ser controlada a fim de assegurar uma melhor gestão da força de
trabalho.
6
Foucault, M. Segurança, território, população: Curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo:
Martins Fontes. p.3.
7
Ibid., p.55
8
MUNCHAIL, Salma Tannus. Foucault simplesmente. São Paulo: Loyola, 2004. p.110.
3
que é a vida, ganha lentes ainda mais aguçadas para enxergar o modo de funcionamento desse
maquinário.
Nesse sentido, é imprescindível lançar mão das análises feitas das sociedades
disciplinares de Michel Foucault que, por sua vez, são refinadas nas elaborações sobre o
biopoder e a biopolítica para que possamos localizar o campo de ação do deslocamento
teórico proposto neste fragmento. Por isso, no momento em que Gilles Deleuze problematiza
o conceito de ‘sociedade disciplinar’ revisitando as elaborações de Michel Foucault nos
elucida acerca da atualização dos processos não apenas de força local no que tange às
tecnologias políticas, mas também como generalização social. Ou seja, Deleuze identifica que
novas forças entravam nos cálculos do poder e que o modo como esse jogo fora pensado por
Foucault já não era suficiente para analisar a realidade contemporânea. Em entrevista a
Antonio Negri na obra Conversações (1990), Deleuze nos indica que “São as sociedades de
controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. “Controle” é o nome que
Burroughs propõe para designar o novo monstro e que Foucault reconhece como nosso futuro
mais próximo”9
As elaborações deleuzianas abrem caminhos para refletir de que modo as sociedades
disciplinares que podem ser brevemente localizadas na primeira fase da acumulação
capitalista e seu conjunto foi dando lugar às sociedades de controle, na transição do que se
caracteriza como moderno e o surgimento do contemporâneo. Assim, detectamos um novo
modus operandi dos mecanismos de poder típicos de uma sociedade de controle em que esses
“mecanismos do domínio exercidos se tornam cada vez mais ‘democráticos’, cada vez mais
imanentes ao campo social, difundindo-se no cérebro e no corpo dos cidadãos”10
A fim de compor a análise aqui proposta elenco além de Michel Foucault, com os
escritos supracitados, Giorgio Agamben com "Homo Sacer: o poder do soberano e a vida
nua"11 e "O estado de exceção"12, Peter Pal Pelbart com a obra 'Vida capital: ensaios sobre
biopolítica'; Crítica da Razão negra13 e "Necropolitica"14 de Achile Mbembe. Por fim e não
9
DELEUZE, G. Conversações. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 1992. p.113
10
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio 2004. Império. Lisboa: Editora Livros do Brasil. [Edição original,
Empire, 2000]. p.40
11
AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Henrique Búrigo (trad). Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2002.
12
Id. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo Editorial , 2004.
13
Cf. MBEMBE, A crítica da razão negra. Ed. Antígona, Lisboa, 2017.
14
Cf. Mbembe A. Necropolítica. Sta. Cruz de Tenerife: Melusina; 2011.
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Desse modo, à luz das elaborações teóricas de Michel Foucault, Gilles Deleuze,
Maurizio Lazzarato e Pal Pelbart encontraremos a possibilidade de operar um deslocamento
teórico ainda mais radical, no sentido de pensar como a “biopolítica” não se aloca mais como
poder sobre a vida, mas como potência de vida ou biopotência. A aposta é justamente em
pensar as “terroristas de gênero”, no sentido de compreender de que modo esses corpos e
sujeitos precarizados, a-históricos, se transformam em átomos que se multiplicam e se
pulverizam tornando-os uma multidão potente e cada vez mais vívida enquanto a lógica da
biolítica deseja a qualquer custo extirpá-los.
Conforme Beatriz Preciado, “podemos compreender os corpos e as identidades dos
anormais como potências políticas, e não simplesmente como efeitos dos discursos sobre o
sexo”21. Preciado22 reitera ainda, que é preciso compreender que os corpos não são mais
dóceis, e que por isso é fundamental iniciar um processo de desterritorialização, a fim de
pensar lesbianas que não são mulheres, bichas que não são homens, e trans que não são nem
homens e nem mulheres.
A investida do poder sobre essas vidas desviantes serve, justamente para enganá-las de
que não há potência. É a partir desse giro epistemológico que conseguimos vislumbrar a ação
propulsora que o poder sobre a vida (biopoder) é capaz de produzir afirmativamente como
potências de vida (biopotência), que segundo Manuel Menezes,
[...] ao defenderem a necessidade de uma biopolítica afirmativa que,
produzindo subjectividade, potencie o sujeito, Michael Hardt e Antonio
Negri dão conta não só da realização total do poder enquanto biopoder no
Império, mas também da potência contida nos corpos e nas mentes. Ou seja,
o facto de estes se consubstanciarem como um locus de opressão não
invalida o extravasar da potência por eles contida e, por conseguinte, a sua
emergência enquanto propulsores de emancipação e libertação. Em epítome,
a par do poder sobre a vida (biopoder), há que valorizar, positivamente, o
poder da vida (biopotência).23
são tão caras a nós. Além disso, importa-nos o trânsito, as fronteiras e o outro – que a
produção de saberes historiográficos “esqueceu” de mencionar como elemento imprescindível
nas lutas, conquistas.
Esse tal biopoder ou essa biopolítica não quer barrar a vida, mas se encarrega de
intensificá-la, aperfeiçoá-la. Daí nossa dificuldade absurda em resistir e criar linhas de fuga
eficientes, já que mal sabemos onde está o poder e onde estamos nós, o que ele nos diz, o que
pretendemos com ele e por fim, encarregamos nós mesmos de administrar nosso controle, de
adestrar nossos corpos. E é na contra-mão dessa ingenuidade que é preciso pensar a
biopotência. É a vida desfazendo-se do que a aprisiona. E é lá também aonde menos
enxergamos a saída é que reside a potência, intensificando as rasuras do que há muito já se
amassou e foi jogado fora.
Por fim, para aquilo que Deleuze chamou de vida possa emergir em sua forma mais
ativa e potente é preciso que ela tenha se despido de tudo o que pretende reduzir à
suas músicas criam vidas rizomáticas de afetos que se desfazem pouco a pouco do que tenta
Referências bibliográficas
AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Henrique Búrigo (trad). Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2002.
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PAL PELBART, Peter. Vida e morte no contexto de dominação biopolítica. Conferência proferida no dia 3 de
outubro de 2008 no Ciclo "O Fundamentalismo Contemporâneo em Questão", organizado pelo Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da USP.
8
____________. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo Editorial ,
2004.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio 2004. Império. Lisboa: Editora Livros do Brasil. [Edição
original, Empire, 2000]
Negri, Antonio. 2003. Del Retorno: Abecedario Biopolitico. Barcelona: Editorial Debate.
[Edição original, Du Retour, 2002]
PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2003.