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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS
DISCENTE: ANA PAULA JARDIM MARTINS AFONSO1

Analisando a historicidade: biopolítica versus biopotência ou potências de vida

Trabalho apresentado como requisito de avaliação da


disciplina História Global e Estudos de Gênero,
ministrada pelxs Profxs. Dra. Joana Maria Pedro e Soraia
Carolina de Mello.

FLORIANÓPOLIS
2018

1
Doutorandx do programa de pós-graduação em História Global da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC)
1

Introdução

A fim de questionar o modo como se pensa o exercício da escrita e da construção da


narrativa histórica contemporânea e de refletir e problematizar o objeto de pesquisa de minha
tese de doutorado, ou seja, "as terroristas de gênero", compreendidas então como modos de
vida no limiar da vida nua e, portanto propriamente como potência de vida, utilizar-se-á as
noções de potência de vida de Maurizio Lazzarato 2, ou seja, a capacidade social de produção
de um novo sujeito e de novas forças sem que estes estejam presos às amarras do capital ou
mesmo sem nenhuma subordinação a sua valorização. Para isso, iniciamos a releitura do
filósofo Gabriel Tarde feito por Lazzarato que nos indica a produção constante de sujeitos e
forças que não estão, necessariamente, vinculados aos processos produtivos.
Apesar do que nos indica Félix Guatarri quando diz que “os conteúdos da
subjetividade dependem, cada vez mais, de uma infinidade de sistemas maquínicos,” 3 as
terroristas de gênero estão localizadas no limiar do deslocamento conceitual que será proposto
ao longo da análise, que nos fornecerá ferramentas para enxergá-las enquanto uma espécie de
“contrapoder”, ou seja, como supracitado, uma produção constante de novas forças que resiste
às investidas destes sistemas e, por sua vez, emanam sua capacidade de criação e invenção.
Aos escolher o ponto de partida, é oportuno apresentar breve reflexão acerca da
categoria de análise 'biopolítica', já que conforme Peter Pal Pelbart4, no momento em que
Michel Foucault amplia seu espectro analítico das relações de poder e sujeito, percebe
também que pela primeira vez a vida entra na ordem do saber e do poder, no campo das
técnicas políticas. Para que seja possível compreender o deslocamento teórico proposto na
presente análise e pensar de que modo reside a potência de vida, que queima como chama
viva da historicidade destas vidas que a maquinaria enferrujada do poder tenta aniquilar,
apresentaremos breve genealogia da ‘Biopolítica’. Essa categoria, por sua vez, nos permitirá
apontar a sua própria insuficiência analítica, no que tange ao objeto de pesquisa ao qual será
aplicada, bem como o desenvolvimento de outras categorias que surgem em função das
demandas apresentadas pelo panorama político brasileiro contemporâneo e se desdobra em
elaborações mais refinadas e atualizadas. 

2
LAZZARATO, Maurizio. Puissances de l’invention. Paris, Les Empêucheurs de pensar em rond. 2002.
3
GUATARRI, Félix. Da produção de subjetividade. In: _________. Caosmose: um novo paradigma estético.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. p.177.
4
PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2003.
2

Breve genealogia da biopolítica

O termo biopolítica diz respeito ao modo como as relações de poder tendem a se


transformar, entre o final do século XVIII e início do século XIX, na tentativa de alcançar a
dimensão de governabilidade não apenas dos indivíduos, por meio de um determinado
número de procedimentos disciplinares, mas também o corpo social ou a população5 que vive
em determinada sociedade. Nesse sentido, a biopolítica - por meio de poderes locais – tem
como objeto de incidência, a gestão da saúde, da higiene, da alimentação, da mortalidade, da
natalidade, sobretudo da sexualidade – ou seja, a gestão da própria vida - na medida em que se
tornam também objetos de preocupações políticas. Nas palavras de Foucault o
biopoder/biopolítica é definido como “o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na
espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais, vai poder entrar numa
política, numa estratégia política, numa estratégia geral do poder”6
É possível dizer que, ao se tratar de um conceito historicamente circunscrito,
conforme  Pal Pelbart, uma de suas primeiras e tímidas aparições foi no ano de 1974, em
conferência proferida no Rio de Janeiro e intitulada 'O nascimento da medicina social';
todavia, só é possível localizar a emergência do termo nas elaborações do último capítulo de
'História da sexualidade: a vontade de saber' (1976), intitulado 'Direito de morte e poder sobre
a vida'.  Posteriormente, em março do mesmo ano, Foucault publica 'Em defesa da sociedade:
segurança, território e população' (1976), situando a biopolítica no interior de uma estratégia
de poder de soberania ao qual ele sucede historicamente e que "insiste, sobretudo na relação
distinta que entretém, cada um deles, com a vida e com a morte: enquanto o poder soberano
faz morrer e deixa viver, o biopoder faz viver e deixa morrer"7.  
  Por isso, não aparece a priori como uma ideia, mas enquanto uma prática política e,
com efeito, "são os modos históricos de exercê-la que lhe conferem diferentes significados. 8"
De que modo é possível, portanto, instrumentalizar esta categoria na pesquisa em história?
Ora, se a biopolítica e o biopoder têm por objeto a população e a massa global afetada por
processos de conjunto, no escopo de colocar as multiplicidades de modos de vida nos cálculos
do poder é precisamente neste ponto que, a história ao se ocupar também desse objeto valioso

5
A população é um conjunto de seres vivos e coexistentes que apresentam traços biológicos e patológicos
particulares e cuja própria vida é suscetível de ser controlada a fim de assegurar uma melhor gestão da força de
trabalho.
6
Foucault, M. Segurança, território, população: Curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo:
Martins Fontes. p.3.
7
Ibid., p.55
8
MUNCHAIL, Salma Tannus. Foucault simplesmente. São Paulo: Loyola, 2004. p.110.
3

que é a vida, ganha lentes ainda mais aguçadas para enxergar o modo de funcionamento desse
maquinário. 
Nesse sentido, é imprescindível lançar mão das análises feitas das sociedades
disciplinares de Michel Foucault que, por sua vez, são refinadas nas elaborações sobre o
biopoder e a biopolítica para que possamos localizar o campo de ação do deslocamento
teórico proposto neste fragmento. Por isso, no momento em que Gilles Deleuze problematiza
o conceito de ‘sociedade disciplinar’ revisitando as elaborações de Michel Foucault nos
elucida acerca da atualização dos processos não apenas de força local no que tange às
tecnologias políticas, mas também como generalização social. Ou seja, Deleuze identifica que
novas forças entravam nos cálculos do poder e que o modo como esse jogo fora pensado por
Foucault já não era suficiente para analisar a realidade contemporânea. Em entrevista a
Antonio Negri na obra Conversações (1990), Deleuze nos indica que “São as sociedades de
controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. “Controle” é o nome que
Burroughs propõe para designar o novo monstro e que Foucault reconhece como nosso futuro
mais próximo”9
As elaborações deleuzianas abrem caminhos para refletir de que modo as sociedades
disciplinares que podem ser brevemente localizadas na primeira fase da acumulação
capitalista e seu conjunto foi dando lugar às sociedades de controle, na transição do que se
caracteriza como moderno e o surgimento do contemporâneo. Assim, detectamos um novo
modus operandi dos mecanismos de poder típicos de uma sociedade de controle em que esses
“mecanismos do domínio exercidos se tornam cada vez mais ‘democráticos’, cada vez mais
imanentes ao campo social, difundindo-se no cérebro e no corpo dos cidadãos”10
A fim de compor a análise aqui proposta elenco além de Michel Foucault, com os
escritos supracitados, Giorgio Agamben com  "Homo Sacer: o poder do soberano e a vida
nua"11 e  "O estado de exceção"12, Peter Pal Pelbart com a obra 'Vida capital: ensaios sobre
biopolítica'; Crítica da Razão negra13 e "Necropolitica"14 de Achile Mbembe. Por fim e não

9
DELEUZE, G. Conversações. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 1992. p.113
10
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio 2004. Império. Lisboa: Editora Livros do Brasil. [Edição original,
Empire, 2000]. p.40
11
AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Henrique Búrigo (trad). Belo Horizonte,
Editora UFMG, 2002.
12
Id. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo Editorial , 2004.
13
Cf. MBEMBE, A crítica da razão negra. Ed. Antígona, Lisboa, 2017.
14
Cf. Mbembe A. Necropolítica. Sta. Cruz de Tenerife: Melusina; 2011.
4

menos potente, Judith Butler em "Problemas de gênero”. Ainda, Paul Beatriz Preciado e seu


'Manifesto Contrassexual"15 e "Multidões queer: nota para uma política dos anormais16.

Os deslocamentos teóricos da categoria

Para pensar biopolítica, nesse mote, é fundamental perpassarmos pela noção de


‘precariedade’ apresentada por Judith Butler e trabalhada também por Agamben com o
conceito de 'vida nua', ou seja “a redução das formas de vida (bios) ao fato da vida (zoé),” 17 é
a um só tempo objeto de inclusão e exclusão, submetida ao soberano e seu arbítrio. Assim, a
contemporaneidade suscita o constante alerta de emergência do estado que se presta a
administrar, em nome da defesa da vida sobre a qual pretende ter direito: a vida em sua forma
mais biologizante. Nesse sentido, a vida nua estaria no ponto cego das problemáticas
Foucaultianas, articulando dois processos que por ele foram detectados de maneira ilustre, os
das técnicas de individualização e os procedimentos de totalização.
Bem como Agamben, Achile Mbembe, a partir de elaborações sobre biopolítica traz à
tona o conceito de 'necropolítica'18, que se sustenta na tese de que não há somente uma política
de gestão da vida que faz viver e deixa morrer, mas também um investimento político
escancarado no fazer morrer. Pensar a necropolítica se aplica à lógica do desdobrar dos mais
recentes acontecimentos políticos de intervenção civil militar e aniquilamento de modos de
vida não hegemônicos. A crítica à razão negra nos orienta a refletir e problematizar os
entrelaçamentos e esvaziamentos, bem como a redução das potências de vida às vidas nuas. 
 Em linhas gerais, estas elaborações nos permitem uma análise da sexualidade como
dispositivo do biopoder e como objeto de investimento biopolítico. Para Foucault, as razões
especiais para que a sexualidade se tornasse um campo de estratégia política importante no
século XIX foram, “de um lado, a sexualidade enquanto comportamento exatamente corporal
que depende de um controle disciplinar, individualizante, em forma de vigilância
permanente”19. Por outro lado, “a sexualidade se insere e adquire efeito, por seus efeitos
procriadores, em processos biológicos amplos que concernem não mais ao do indivíduo, mas
a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população”20. 
15
Cf. PRECIADO, Beatriz. Manifesto contrassexual: práticas subversivas de identidade sexual. Trad. Maria
Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.
16
Cf. PRECIADO, P. B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas.
Santa Catarina, v. 19, n. 1, p. 11-20, 2011.
17
AGAMBEN, op. cit., loc. cit.
18
Cf. MBEMBE, A crítica da razão negra. Ed. Antígona, Lisboa, 2017.
19
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.300
20
FOUCAULT, op. cit., p.300.
5

Biopolítica versus biopotência ou potências de vida

 Desse modo, à luz das elaborações teóricas de Michel Foucault, Gilles Deleuze,
Maurizio Lazzarato e Pal Pelbart encontraremos a possibilidade de operar um deslocamento
teórico ainda mais radical, no sentido de pensar como a “biopolítica” não se aloca mais como
poder sobre a vida, mas como potência de vida ou biopotência. A aposta é justamente em
pensar as “terroristas de gênero”, no sentido de compreender de que modo esses corpos e
sujeitos precarizados, a-históricos, se transformam em átomos que se multiplicam e se
pulverizam tornando-os uma multidão potente e cada vez mais vívida enquanto a lógica da
biolítica deseja a qualquer custo extirpá-los. 
Conforme Beatriz Preciado, “podemos compreender os corpos e as identidades dos
anormais como potências políticas, e não simplesmente como efeitos dos discursos sobre o
sexo”21. Preciado22 reitera ainda, que é preciso compreender que os corpos não são mais
dóceis, e que por isso é fundamental iniciar um processo de desterritorialização, a fim de
pensar lesbianas que não são mulheres, bichas que não são homens, e trans que não são nem
homens e nem mulheres.
A investida do poder sobre essas vidas desviantes serve, justamente para enganá-las de
que não há potência. É a partir desse giro epistemológico que conseguimos vislumbrar a ação
propulsora que o poder sobre a vida (biopoder) é capaz de produzir afirmativamente como
potências de vida (biopotência), que segundo Manuel Menezes,
[...] ao defenderem a necessidade de uma biopolítica afirmativa que,
produzindo subjectividade, potencie o sujeito, Michael Hardt e Antonio
Negri dão conta não só da realização total do poder enquanto biopoder no
Império, mas também da potência contida nos corpos e nas mentes. Ou seja,
o facto de estes se consubstanciarem como um locus de opressão não
invalida o extravasar da potência por eles contida e, por conseguinte, a sua
emergência enquanto propulsores de emancipação e libertação. Em epítome,
a par do poder sobre a vida (biopoder), há que valorizar, positivamente, o
poder da vida (biopotência).23

No contexto atual de refluxo conservador e de constante precarização da vida


é fundamental  tornar mais evidentes a existência destes modos de vida  que escapam ao
funcionamento biopolítico, e se constituem como potências de vida. Na contemporaneidade,
21
PRECIADO, P. B. Multidões queer: notas para uma política dos “anormais”. Revista Estudos Feministas.
Santa Catarina, v. 19, n. 1, p. 11-20, 2011. p.12.
22
PRECIADO. op. cit.,
23
MENEZES, M. A Biopolítica Enquanto Potência da Vida: A Biopolítica Enquanto Potência da Vida:
Contrapoder e os Biopoderes Contemporâneos. 2007. Interacções: número 12. pp. 111-134. p.115.
6

surgem novas demandas, implicando problematizar sexualidade, gênero, além de evocar as


demandas de etnia e classe. Gays, lésbicas, transexuais, travestis, crossdressers, dragqueens e
drag kings, negrxs, pobres, mulheres, vidas nuas, vidas precárias compõem o quadro da
multidão.   
Dessa forma, libertar a história e a historiografia da lógica do ressentimento, que fixa
modelos e cristaliza sujeitos, e constrói para eles, uma identidade, criando relações de
submissão, regulando as práticas sociais e estabelecendo critérios e níveis destas relações. Por
isso, a noção de biopotência, para análise dos acontecimentos históricos contribui, na medida
em que viabiliza novas formas de vida e destrói subjetividades cativas e identitárias. 
As terroristas de gênero serão, no contexto desta pesquisa, peças fundamentais no que
chamaremos de guerrilhas urbanas atualizadas, não somente por resistir às investidas
biopolítica e a obstinada vontade de transformá-las em vidas nuas, vidas precárias, mas,
sobretudo por se constituírem como potências de vida; é possível localizar a ação política das
terroristas de gênero,
Como dizendo respeito à ‘potencia da vida’ que se rebela contra ‘o poder
sobre a vida’, ‘[…] como a capacidade inerente à vida de resistir ao
biopoder, capacidade essa que, no fundo, explicita a potência da vida
(capacidade de criação, invenção, produção, subjectivação) face aos
investimentos poder’24

Diante disso, Deleuze e Guattari invocam as múltiplas modalidades de revide,


máquinas de guerra que justamente não têm a guerra por objeto, senão "suplementariamente"–
pode ser um movimento artístico, científico, ideológico, sob a condição de que trace um plano
de consistência, uma linha de fuga criadora – preservando o privilégio da afirmatividade já
reivindicada por Nietzsche. Nessa perspectiva, as “terroristas de gênero” desorganizam os
objetivos das normas regulatórias e do campo de inteligibilidade cultural. Sob essa lógica,
Butler enfatiza que:
[sic] sua persistência e proliferação criam oportunidades críticas para expor
os limites e objetivos reguladores desse campo de inteligibilidade e,
consequentemente, de disseminar, nos próprios termos dessa matriz,
matrizes rivais e subversivas de desordem de gênero. 25

Devemos considerar um sistema de composição com as minorias para aumentar as


tensões, e possibilitar, minimamente, as transformações. Ouso dizer, que abandonamos,
enquanto historiadores, a perseguição obstinada às origens fundacionais da vida humana, que
24
Negri, Antonio. 2003. Del Retorno: Abecedario Biopolitico. Barcelona: Editorial Debate. [Edição original, Du
Retour, 2002] p.63
25
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2017. p.44.
7

são tão caras a nós. Além disso, importa-nos o trânsito, as fronteiras e o outro – que a
produção de saberes historiográficos “esqueceu” de mencionar como elemento imprescindível
nas lutas, conquistas. 
Esse tal biopoder ou essa biopolítica não quer barrar a vida, mas se encarrega de
intensificá-la, aperfeiçoá-la. Daí nossa dificuldade absurda em resistir e criar linhas de fuga
eficientes, já que mal sabemos onde está o poder e onde estamos nós, o que ele nos diz, o que
pretendemos com ele e por fim, encarregamos nós mesmos de administrar nosso controle, de
adestrar nossos corpos. E é na contra-mão dessa ingenuidade que é preciso pensar a
biopotência. É a vida desfazendo-se do que a aprisiona. E é lá também aonde menos
enxergamos a saída é que reside a potência, intensificando as rasuras do que há muito já se
amassou e foi jogado fora.

Ao lado do poder, há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a


insubordinação. E trata-se de cavar, de continuar a cavar, a partir do ponto
mais baixo: este ponto (...) é simplesmente lá onde as pessoas sofrem, ali
onde elas são as mais pobres e as mais exploradas; ali onde as linguagens e
os sentidos estão mais separados de qualquer poder de ação e onde, no
entanto, ele existe; pois tudo isso é a vida e não a morte. 26

Por fim, para aquilo que Deleuze chamou de vida possa emergir em sua forma mais

ativa e potente é preciso que ela tenha se despido de tudo o que pretende reduzir à

representação a explosão de experimentação. Nesse mote, compreendo que as terroristas de

gênero, sobretudo Mc Linn da Quebrada enquanto performer, artivista de gênero, terrorista e

suas músicas criam vidas rizomáticas de afetos que se desfazem pouco a pouco do que tenta

os aprisionar. É no extremo do que Giorgio Agamben chamou de ‘vida nua’ ou sobrevida é

que se descobre a vida potência pura. É a bicha-preta-louca-pobre-favelada pura potência e

dispersão múltipla no tempo.

Referências bibliográficas

AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Henrique Búrigo (trad). Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2002.

26
PAL PELBART, Peter. Vida e morte no contexto de dominação biopolítica. Conferência proferida no dia 3 de
outubro de 2008 no Ciclo "O Fundamentalismo Contemporâneo em Questão", organizado pelo Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da USP.
8

____________. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo Editorial ,
2004.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

DELEUZE, G. Conversações. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 1992.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: Curso dado no Collège de France


(1977-1978). São Paulo: Martins Fontes.
__________________. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p.300
GUATARRI, Félix. Da produção de subjetividade. In: _________. Caosmose: um novo
paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio 2004. Império. Lisboa: Editora Livros do Brasil. [Edição
original, Empire, 2000]

LAZZARATO, Maurizio. Puissances de l’invention. Paris, Les Empêucheurs de pensar em


rond. 2002.

MBEMBE, Achile. A crítica da razão negra. Ed. Antígona, Lisboa, 2017.


_______________. Necropolítica. Sta. Cruz de Tenerife: Melusina; 2011.

MENEZES, M. A Biopolítica Enquanto Potência da Vida: A Biopolítica Enquanto Potência


da Vida: Contrapoder e os Biopoderes Contemporâneos. 2007. Interacções: número 12. pp.
111-134.

MUNCHAIL, Salma Tannus. Foucault simplesmente. São Paulo: Loyola, 2004.

Negri, Antonio. 2003. Del Retorno: Abecedario Biopolitico. Barcelona: Editorial Debate.
[Edição original, Du Retour, 2002]
PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2003.

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