Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
O texto aborda a relação entre educação para uma cultura de paz no contexto da
necropolítica, com intersecções político-filosóficas com Achille Mbembe, Giorgio
Agamben e Michel Foucault. O artigo buscar defender que a análise crítica das
estruturas de poder e violência presentes na sociedade pode pavimentar caminhos para a
transformação social e para a promoção de valores que sustentem uma cultura de paz.
Nesse sentido, consideramos fundamental a reflexão crítica sobre a educação e seu papel
no contexto da necropolítica e biopolítica, visando alternativas que promovam uma
educação mais inclusiva, plural e respeitosa das diferenças. O artigo também apresenta
as contribuições de Giorgio Agamben e Michel Foucault para a compreensão da
biopolítica e do poder soberano.
Resumén
El texto aborda la relación entre la educación para una cultura de paz en el contexto de
la necropolítica, con cruces político-filosóficos con Achille Mbembe, Giorgio Agamben
y Michel Foucault. El artículo busca defender que el análisis crítico de las estructuras de
poder y violencia presentes en la sociedad puede allanar el camino para la
transformación social y para la promoción de valores que sustenten una cultura de paz.
En este sentido, consideramos fundamental la reflexión crítica sobre la educación y su
papel en el contexto de la necropolítica y la biopolítica, apuntando a alternativas que
promuevan una educación de las diferencias más inclusiva, plural y respetuosa. El
artículo también presenta las contribuciones de Giorgio Agamben y Michel Foucault a la
comprensión de la biopolítica y el poder soberano.
Embora Mbembe seja reconhecido por sua obra Crítica da Razão Negra (2018) e
por sua reflexão sobre temas como Necropolítica (2020) e políticas de inimizade, não há
referências diretas à sua abordagem específica em relação à educação para uma cultura
de paz. Suas pesquisas concentram-se principalmente nas questões pós-coloniais e na
análise crítica do legado colonial, bem como nas estruturas de poder e violência
presentes na sociedade contemporânea.
Apesar disso, suas reflexões sobre poder, violência e colonialismo podem ter
implicações indiretas na construção de uma cultura de paz. Ao analisar criticamente as
estruturas de poder e as dinâmicas de violência presentes nas sociedades, é possível
pavimentar caminhos para a transformação social e para a promoção de valores que
sustentem uma cultura de paz. Embora não haja uma abordagem específica de Achille
Mbembe sobre a educação para uma cultura de paz, podemos tecer estruturas de caráter
relacional da Necropolítica com a educação sustentadas nas análises críticas de Mbembe
que nos fornecem compreensões valiosas para repensar as relações sociais e os sistemas
de poder presentes na Educação formal.
É evidente, que o direito de espada não fora subtraído por completo das
constituições atuais, haja vista que em muitas jurisprudências – a exemplo da norte-
americana do Texas ou da Indonésia – a pena de morte conserva-se em pleno vigor.
Desta maneira, não restam dúvidas de que o Estado continua a dispor de mecanismos
afirmativos – isto é, positivos – de morte, nos padrões das cadeiras elétricas,
enforcamentos, apedrejamentos, decapitações, fuzilamentos e aplicações de injeções
letais, todos eles salvaguardados pela legitimidade dos códigos penais locais.
Destarte, faz-se possível dizer que o DNA de muitas estruturas estatais dos dias
de hoje ainda guardam, em sua essência, parcela considerável da genética dos antigos
modelos soberanos. Conforme prenunciamos, entretanto, Foucault constatará que uma
mudança fundamental se deu quanto ao alvo – ou, para sermos mais específicos, ao
campo de abrangência – do poder. Se em outrora o suplício público situava-se na esfera
individual, incidindo por meio de castigos disciplinadores aplicados sobre os corpos dos
desarranjados3, o que se verá, então, é o surgimento de uma modalidade de poder cujas
práticas se estenderão à espécie humana em sua totalidade. Disso, resultarão tecnologias
inovadoras de organização e regulação das massas, visando a manutenção do equilíbrio
global da população, ou seja, sua homeóstase4, expressão retirada por Foucault do léxico
das Ciências Naturais. Notemos, que a fórmula relativa ao poder soberano será, de
acordo com a concepção foucaultiana, colocada às avessas:
Aqui, reside uma das problemáticas centrais que orientam a proposta deste
trabalho: considerando-se que os dispositivos biopolíticos não dizem respeito
exclusivamente à disciplinarização anatômica de homens e mulheres em caráter pessoal
(seja produzindo seus gestos, estabelecendo critérios no que alude às suas relações com
3 Cf. FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã, e meu irmão: um
caso de parricídio do século XIX. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1977. 294 p. (Biblioteca de ciências sociais.
Saber e sociedade; 1).
4 Conceito fundamental na biologia e na fisiologia que descreve a capacidade dos organismos de
manter condições internas estáveis e equilibradas, apesar das mudanças no ambiente externo. O termo
"homeostase" foi proposto pelo fisiologista Walter Bradford Cannon no início do século XX e é derivado
das palavras gregas "homoios" (igual) e "stasis" (estado).
o tempo ou mesmo delimitando como cada um deles deve se alocar nos mais diversos
espaços de sequestro, tais quais as fábricas, os hospitais, as casernas, os asilos, etc.),
estaríamos a falar, neste contexto, em determinados agrupamentos humanos que, não
por simples obra do acaso, mas pelos desígnios assassinos do maquinário estatal,
viveriam entregues à si mesmos, sendo abandonados à morte. Assim, temos que:
Em razão desta cisão, surgirá uma disposição verticalizada, piramidal, onde raças
inferiores ou sub-raças – o povo cigano é uma clara amostra disto, posto que sobre ele,
há séculos, pairam estereótipos demeritórios, tal como episódios históricos de tortura,
perseguição étnica e expulsões territoriais5 – ocuparão uma posição de inferioridade
quanto à outras, sendo passíveis de eliminação, movimento visto de forma igualmente
nítida mediante ao massacre dos judeus no transcorrer da Segunda Guerra Mundial.
Todavia, isso não significa que o racismo tenha sido uma invenção exclusiva
desta época. Voltando-nos à Grécia Antiga – à Atenas do período clássico, em especial –
não se constituirá nenhuma tarefa árdua encontrarmos menções de rebaixamento ou de
plena negação ontológica àqueles que permaneciam alheios à língua e à cultura locais,
os ditos bárbaros.
5 Cf. MARTINEZ, Nicole. Os Ciganos. Tradução de Josette Gian. Campinas: Papirus, 1989. 130 p.
6 O termo é frequentemente usado no contexto da música e da literatura, referindo-se a um tema
ou motivo recorrente que representa um personagem, ideia ou emoção específica ao longo de uma obra.
Na literatura, um leitmotiv pode ser um símbolo, frase ou ideia recorrente que serve como elemento
unificador na narrativa.
Em suma, o racismo moderno é antes de tudo uma política expansionista e
disciplinarizadora de morte, levada à termo historicamente pelo nazifascismo. A
primazia do Estado alemão nacional-socialista deu-se à base dos campos de trabalhos
forçados e de extermínio, característica presente, em diferentes contornos, mas, em
análogo grau de violência, nos Estados soviéticos 7. Capitalistas ou Socialistas, os
Estados guardam entre si, no parecer foucaultiano, mais afinidades do que dissensões:
são irmãos gerados no mesmo ventre, quem sabe, apartados na infância.
7 Sobre este tema, cf. também: MERLEAU-PONTY, Maurice. Humanismo e terror: ensaios
sobre o problema comunista. Tradução de Naume Ladosky. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro, 1968.
183 p. 10 Foi o quarto campo de extermínio alemão onde judeus foram exterminados em câmaras de gás
alimentadas por motores a explosão localizado nos arredores da cidade de Treblinka, na Polônia ocupada
pelos alemães.
pelos Estados que espraiaram a economia de guerra por todas as suas engrenagens,
intentando de tal modo promover a normalização do corpo populacional. E se,
frequentemente, associamos a morte às investidas afirmativas dos braços armados do
Estado (exércitos, polícias, etc.), Foucault nos alertará de que, para além delas, há
muitos outros meios de suscitá-la. Alguns, inclusive, desprovidos das marcas de
sangue das vítimas, não se dando através da ação, mas, ao contrário, pela proposital
inação estatal:
“[...] por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas
também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de
multiplicar para alguns o risco ou, pura e simplesmente, a morte política, a
expulsão, a rejeição, etc.” (FOUCAULT, 2005, p.306).
Imerso num estágio onde nem a fome e nem a dor eram capazes de violentá-lo
expressivamente, Borkowski indica-nos que a morte nos campos adquiria muitas
roupagens, não se restringindo tão-só às câmaras de gás e execuções sumárias. A
gratuita perambulação, o nomadismo depauperado, desprovido de sinais de esperança,
que equiparava o mulçumano à um cão vagabundo (AGAMBEN, 2008, p.169), explicita
como um vivente pode ser reduzido às cinzas e ainda assim prosseguir existindo.
À luz das considerações precedentes [...] insinua-se uma terceira [...] já não
fazer morrer, nem fazer viver, mas fazer sobreviver. Nem a vida nem a morte,
mas a produção de uma sobrevivência modulável e virtualmente infinita
constitui a tarefa decisiva do biopoder em nosso tempo. Trata-se, no homem,
de separar cada vez a vida orgânica da vida animal, o não-humano do
humano, o muçulmano da testemunha, a vida vegetal mantida em
funcionamento mediante as técnicas de reanimação da vida consciente, até
alcançar um ponto- limite que, assim como as fronteiras da geopolítica, é
essencialmente móvel e se desloca segundo o progresso das tecnologias
científicas e políticas (AGAMBEN, 2008, pp.155-156).
Eis o que Agamben nomeia de Estado de Exceção: uma anomalia jurídica que,
sob justificavas variadas, converteu-se em status quo definitivo. Tomando qualquer
constituição de um dito Estado Democrático em mãos, iremos notar que os direitos
fundamentais de todos os cidadãos às condições básicas de saúde, trabalho, moradia,
segurança e educação – além disso, à alimentação – aparecem previstos já em seus
primeiros incisos. Ou seja, o asseguramento de tais garantias não dependeria, em caráter
de possibilidade, da junção de uma série favorável de fatores, tampouco, da
benevolência deste ou daquele departamento governamental. Antes, trata-se de um dever
institucional a ser cumprido. O que sucede na prática, inversamente, indica uma
realidade antagônica, e não coloca – dirá Agamben – a negligência estatal na instância
do imponderável: a supressão de centenas e milhares de vidas humanas periodicamente
compõe parte imprescindível das políticas públicas vigentes nas ordens do dia:
Por outro lado, a necropolítica, termo cunhado por Mbembe, refere-se ao poder
soberano sobre a morte e à capacidade de decidir quem vive e quem morre. Ela está
intrinsecamente ligada ao conceito de "nuda vida", que se refere a uma vida despojada
de valor político, relegada a uma existência precária e desprovida de direitos. Na
educação, a necropolítica pode se manifestar através de práticas discriminatórias que
excluem grupos minoritários ou marginalizados, negando-lhes acesso à educação de
qualidade e, assim, perpetuando desigualdades sociais.
É importante notar que biopolítica e necropolítica não são opostas, mas sim
complementares. Em muitos casos, a educação pode ser atravessada por ambos os
dispositivos de poder. Por exemplo, quando certos grupos são marginalizados na
educação, sua vida é desvalorizada e suas perspectivas são reduzidas a meras vidas
biológicas sem importância política. Ao mesmo tempo, o controle disciplinar nas
instituições educacionais busca moldar as mentes e corpos dos indivíduos, regulando
suas condutas e moldando-os de acordo com as normas estabelecidas pelo poder.
Diante dessa análise, é fundamental uma reflexão crítica sobre a educação e seu
papel no contexto da necropolítica e biopolítica. É preciso questionar as estruturas de
poder presentes no sistema educacional e buscar alternativas que promovam uma
educação mais inclusiva, plural e respeitosa das diferenças. Isso implica em reconhecer
a diversidade de experiências e perspectivas, garantindo a equidade de acesso à
educação e valorizando a singularidade de cada sujeito. Uma educação que almeje uma
transformação social.
A educação é uma ferramenta poderosa que pode ser usada para transformar a
sociedade. Ela pode ajudar a quebrar o ciclo da pobreza, a promover a democracia e a
criar uma sociedade mais justa e igualitária. Mbembe defende uma visão crítica da
educação, que deve ser emancipadora, inclusiva e relevante para as experiências das
pessoas.
Agamben critica a forma como a educação pode ser usada pelo poder soberano
para manter o status quo e perpetuar estruturas de dominação. Ele destaca como o
sistema educacional pode operar como um mecanismo de inclusão e exclusão,
determinando quem é considerado cidadão legítimo e quem é relegado ao estado de
exceção. Isso pode acontecer, por exemplo, por meio de práticas de exclusão escolar,
que negam o acesso à educação para certos grupos sociais, perpetuando desigualdades e
injustiças.
Outro conceito chave de Agamben é o "nuda vida12" (bare life), que se refere à
vida humana reduzida a uma existência biológica desprovida de direitos políticos e
sociais. Ele argumenta que a educação, em muitos casos, pode contribuir para a
produção do "nuda vida" ao impor normas, padrões e disciplinas que desumanizam e
despossuem os indivíduos de sua capacidade de agir e resistir. Isso pode ocorrer, por
exemplo, através de práticas de educação autoritárias que reprimem a criatividade e a
individualidade em prol da conformidade.
Considerações Finais
Referências bibliográficas