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Polymatheia – Revista de Filosofia 26

O NASCIMENTO DA BIOPOLÍTICA

Camilla Muniz18

Resumo: Este artigo tem como objetivo tornar mais claro ao leitor que está se lançando
na leitura de Foucault os conceitos de biopolítica-biopoder. Essa cartografia feita nesse
texto deixa bem explícita essa noção Foucaultiana de poder e de força. Sob a luz de M.
Foucault analisamos os mecanismos que regem a força política, a máquina estatal e com
isso as forças que atravessam o sujeito.

Palavras-Chave: Foucault. Biopolítica. Biopoder. Força.

THE BIRTH OF BIOPOLYTICS

Abstract: This article aims to make clear to the reader that is launching in reading
Foucault concepts of biopolitics, biopower. This mapping made this text makes it
explicit that Foucaultian notion of power and strength. In light of M. Foucault analyzed
the mechanisms governing political force, the state machine and that the forces that
cross the subject.

KeyWords: Foucault. Biopolitics. Biopower. Force.

I- O surgimento do conceito biopolítica.

O termo “biopolítica” aparece pela primeira vez, na obra de Michel Foucault, em


sua conferência proferida no Rio, de Janeiro em 1974 e intitulada “O nascimento da
19
medicina social”. De acordo com ele o capitalismo não teria acarretado uma
privatização da medicina, mas o contrário, uma socialização do corpo. “Para a
sociedade capitalista, é o biopolítico que importa antes de tudo, o biológico, o somático,
o corporal. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia
biopolítica”. 20

18
Mestranda em Filosofia pela UECE. Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). E-mail: camilla_muniz08@hotmail.com.
19
Esse texto de Michel Foucault foi publicado por Roberto Machado em Microfísica do poder, em 1979
(Rio de Janeiro, Graal) e retomado pelos organizadores de Dits et écrits, em 1994 (Paris, Gallimard).
20
FOUCALT, Michel. “La naissence de la medicine sociale”, in Dist et écrits, v. III. Op. Cit., p. 211.

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Posteriormente encontramos esse termo, ou expressão, num contexto mais


amplo, tanto no ultimo capítulo de A vontade de saber (intitulado “Direito de morte e
poder sobre a vida”) quanto na aula ministrada no Collège de France em março de 1976.
Nestes textos Foucault situa a biopolítica de forma mais ampla, que ele denomina de
“biopoder”. Foucault ao diferenciar biopoder de poder de soberania ao qual ele sucede
historicamente, fala que existe entre eles uma relação distinta como a vida e a morte:
enquanto o poder do soberano faz morrer e deixa viver, o biopoder faz viver e deixa
morrer, ou seja, dois regimes que tem suas lógicas próprias, concepções de morte, vida,
corpo diferentes.

Como é sabido na teoria clássica da soberania a vida e a morte não são


consideradas fenômenos naturais, exteriores ao campo político, pois o soberano detém o
poder e o direito, ou seja, o súdito deve sua vida e sua morte à vontade do soberano.
Devo falar que o súdito deve ao seu soberano mais a sua morte do que a sua vida.
Segundo Foucault, “é porque o soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a
21
vida. É essencialmente um direito de espada.” . Foucault fala do direito do soberano
em relação à morte, pois, é visto que aí se faz notório a manifestação de maneira
espetacular o poder absoluto do soberano. Quando o regime da soberania é posto para
trás, ele é deixado para trás, a morte muda de figura, pois antes ela era ritualizada, posto
que ela era a passagem do mundo terreno para um mundo do além, ou seja, a passagem
de um poder (terreno) a outro (além). Com isso a morte passa a ser o momento em que o
indivíduo escapa a qualquer poder. O interesse agora é pelo o fazer viver, de modo que a
morte cai como que fora do seu âmbito.

Deve-se a mudança de regime geral de poder essa passagem do fazer morrer e


deixar viver para o fazer viver e deixar morrer. No regime da soberania o poder é mais
um mecanismo de subtração, de extorsão, de retirada de riquezas, dos bens de consumo,
de vida, sangue, por exemplo, o sistema escravocrata que retirava de seus escravos a sua
vitalidade, porém aí eles não eram considerados como indivíduos e sim como objeto, no
entanto o que falar do sistema capitalista que retira de seus indivíduos, estes não são
considerados objetos, mas realmente indivíduos componentes de uma sociedade ou
comunidade, a sua vitalidade? O direito do soberano dá a ele o direito de apropriar-se

21
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p.287.

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das coisas, de corpo, de vida de tempo, ou seja, de controle da vida e morte de seus
indivíduos que compõe a sua sociedade. Esse poder é um poder negativo sobre a vida,
pois limita, restringe, é mecanizado.

Foucault diz que no novo poder, o poder da época clássica, ele deixa de se
basear predominantemente na retirada e na apropriação como era no regime do
soberano. Esse novo poder passa a funcionar na base da incitação, do reforço, do
controle, da vigilância, visando a otimização das forças que ele submete. Nesse novo
regime o poder é destinado a produzir forças e as fazer crescê-las, fazer com que elas
sejam frutíferas, a ordená-las, mais do que a barrá-las ou destruí-las. Aqui se quer gerir
a vida para que seus indivíduos, que fazem a base, já que eles constituem a base e força
produtiva, do Estado.

Foucault analisa a questão das guerras e fala das mudanças e motivos que levava
a elas. Posto que, a guerra é um mecanismo de defesa da vida a que o Estado ou o
soberano de dispôs a administrar. É quando se fala em defesa da vida que acontece as
guerras mais abomináveis e genocidas. As guerras deixam de ser feitas em nome de um
soberano ao qual era preciso defender; elas se fazem em nome da existência de todos.
Nações, populações, inteiras são treinadas a matarem-se reciprocamente em nome da
necessidade para elas de viverem. As guerras e os massacres se tonarem vitais. Muda-se
de lógica, portanto, se antes se tratava de defender a soberania de um Estado (lógica da
soberania) trata-se agora de garantir a sobrevivência de uma população (lógica
biológica). O poder matar para poder viver, princípio alçado a estratégia do Estado.

O “fazer viver” ao qual Foucault se refere que é característico do biopoder é


revestido de duas formas principais: a disciplina e a biopolítica. A primeira tem um
caráter de vigiar e punir, está datada do século 17, surge nas escolas, hospitais,
manicômios, fábricas, ou seja, os órgãos reguladores da sociedade que visa como
resultado a docilização e disciplinarização do corpo. O sujeito é visto como uma
máquina, pois ela se baseia no adestramento do corpo, otimização de suas forças, na sua
integração em sistemas de controle. A segunda forma, a biopolítica, surgi no século
posterior, seguinte, e mobiliza outro componente estratégico que é a gestão da vida não

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incidindo já não sobre os indivíduos, mas sobre a população enquanto população,


enquanto espécie.

Podemos ver a aí a dupla face do biopoder: por um lado as disciplinas, as


regulações, os órgãos reguladores, por outro a biopolítica da população, a espécie, os
processos da vida. Em alguns trechos Foucault chega a associar a emergência do
biopoder e de suas duas formas a uma exigência de ajuste do capitalismo: “Este não se
pode garantir senão ao preço de uma inserção controlada dos corpos no aparelho de
produção e através de um ajuste dos fenômenos de população aos processos
econômicos.”. Em outra passagem Foucault lembra que a velha forma de poder do
soberano, ou de soberania, se torna inoperante diante da explosão demográfica e da
industrialização.

O autor afirma que as disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens


enquanto indivíduos sujeitos à vigilância, ao treino, eventualmente a punição, a
biopolítica se dirige a multiplicidade dos homens enquanto massa global, afetada por
processos próprios da vida. Percebemos que a primeira forma tentar um poder sobre o
modo da indidualização e segue-se a segunda forma que tem caráter massificante.

II- A vida entra no cálculo do Poder e do Saber.

Quando Foucault amplia a perspectiva da biopolítica ele a insere dentro


de uma relação problemática entre a vida e a história. Pela primeira vez a vida entrou na
história, ou seja, fenômenos da espécie humana entraram na ordem do saber e do poder,
no campo das técnicas políticas. Aqui a vida e os seus mecanismos entraram nos
cálculos explícitos do poder e do saber, enquanto estes se tornaram agentes de
transformação de vida. A espécie torna-se a grande variável nas próprias estratégias
políticas.

Ele ainda diz que as que resistem se apoiam sobre aquilo mesmo que elas
investem ― isto é, sobre a vida e o homem enquanto ser vivo. E esclarece: deste então
as lutas não se fazem mais em nome dos antigos direitos, mas em nome da vida, suas
necessidades fundamentais, a realizações de suas virtualidades etc., no entanto se a vida
foi tomada pelo poder como objeto político, ela também foi revirada pelo poder que

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tomou seu controle. O diretito à vida, a felicidade, ao corpo são réplicas políticas aos
novos procedimentos do poder, tão diferentes do direito tradicional da soberania.

Mas a que o termo “biopolítica” e a que se refere? Entende-se por “biopolítica” a


maneira pela qual se tentou, desde o século ХVІІІ, racionalizar os problemas propostos
à prática governamental, pelos fenômenos próprios a um conjunto de seres vivos
constituídos em população: natalidade, saúde, higiene, raças... Sabe-se o lugar crescente
que esses problemas ocuparam, desde o século ХІV, e as questões políticas e
econômicas em que eles se constituíram até os dias de hoje.

Pareceu-lhe que não poderia haver uma dissociação, pois há uma relação
intrínseca entre esses a racionalidade política no interior do qual surgiram e adquiriram
sua acuidade. Foucault procura reconstruir a história do que ele chama de “arte de
governar”. Em seu curso regido no ano de 1979 ele só considera em seu curso, tanto em
1979 como 1978, o governar em sentido estrito, ou seja, ele aqui trata apenas do
governo dos homens referente a um exercício de soberania política.

“Arte de governar” – vocês lembram em que sentido restritivo eu a entendi,


pois eu havia utilizado a própria palavra “governar”, deixando de lado todas
as mil maneiras, modalidades e possibilidades que existem de guiar os
homens, de dirigir sua conduta, de forçar suas ações e reações, etc. Eu havia
deixado de lado, portanto, tudo o que normalmente se entende, tudo o que foi
entendido por muito tempo como o governo dos filhos, o governo das
famílias, o governo de uma casa, o governo das almas, o governo das
comunidades, etc. Só havia considerado, e este ano também só considerei, o
governo dos homens na medida em que, e somente na medida em que, ele se
apresenta como exercício da soberania política. (FOUCAULT, M., 1979, p.3)

Porém como “arte de governar” Foucault não entendia a maneira que


efetivamente os governantes governavam, ou seja, ele não entende apenas de maneira
restrita a palavra “governar”, mas também a palavra “arte”. Foucault procura estudar a
maneira de pensada de governar o melhor possível e também a reflexão da melhor
maneira possível de governar. Ele faz ao mesmo tempo uma reflexão na prática de
governo e sobre a prática de governo. Ele procurou captar a maneira como, dentro e fora
do governo, conceitualização dessa prática de governar. Em suma, ele busca o estudo da
racionalização da prática governamental, no exercício da soberania política.

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III- A arte de governar

Explicitarei agora o percurso que Foucault percorre em relação ao entendimento


das práticas de governo e do governo em si, ou seja, a arte de governar a qual ele se
refere. Ele deixa claro que isso implica em certa opção de método onde se procura
deixar de lado, pois a se propôs partir da prática governamental, os entes universais ―
Estado, o soberano, a soberania, a sociedade civil ―, contudo, ele faz justamente o
movimento dialético contrário, inverso, do que aqueles que se propuseram
anteriormente como a análise sociológica assim como a análise histórica e da filosofia
política que se utilizavam de entes universais para explicar a prática governamental. Ele
(Foucault) procura partir dessas práticas propriamente dita, tal como ela se apresenta,
ele parte do concreto e com isso ele tenta fazer com que os universais passem pela grade
dessas práticas, o que anteriormente era feito o contrário, pois se partia dos universais
com intuito de deduzir os fenômenos concretos, pois se tinha que os universais era uma
grade de inteligibilidade obrigatória para certo número de práticas concretas.

[...] de fazer precisamente o inverso, isto é, partir dessa prática tal como ela
se apresenta, mas ao mesmo tempo tal como ela é refletida e racionalizada,
para ver, a partir daí, como pode efetivamente se construir, um certo número
de coisas, sobre o estatuto das quais será evidentemente necessário se
interrogar, que são o Estado e a sociedade, o soberano e os súditos, etc. Em
outras palavras, em vez de partir dos universais para deles deduzir fenômenos
concretos, em vez de partir dos universais para deles deduzir fenômenos
concretos, ou antes, em vez de partir dos universais como grade de
inteligibilidade obrigatória para um certo número de práticas concretas,
gostaria de partir dessas práticas concretas e, de certo modo, passar os
universais pela grade dessas práticas. Não que se trate do que se poderia
chamar de uma redução historicista essa que consistiria em quê? Pois bem,
precisamente, em partir desses universais tais como são dados e em ver como
a história, ou os modula, ou os modifica, ou estabelece finalmente sua não-
validade. O historicismo parte do universal e passa-o, de certo modo, pelo
ralador da história. Meu problema é o inverso disso. Parto da decisão, ao
mesmo tempo teórica e metodológica, que consiste em dizer: suponhamos
que os universais não existem; e formulo nesse momento a questão à história
e aos historiadores: como vocês podem escrever a história, se não admitem a
priori que algo como o Estado, a sociedade, o soberano os súditos existe? Era
a mesma questão que eu formulava quando indagava, não se a loucura existe,
vou examinar se a história me dar, me remete algo como a loucura; não, ela
não me remete algo como a loucura, logo a loucura não existe. Não era esse o
raciocínio, não era esse o método, de fato. O método consistia em dizer:
suponhamos que a loucura não exista. Qual é, por conseguinte, a história que
podemos fazer desses diferentes acontecimentos, dessas diferentes práticas de
que, aparentemente, se pautam por esse suposto algo que é a loucura?
Portanto e exatamente o inverso do historicismo que eu gostaria de
estabelecer aqui. Nada, portanto, de interrogar os universais utilizando como

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método crítico a história, mas partir da decisão da inexistência dos universais


para indagar que a história se pode fazer. (FOUCAULT, M., 1979, p.5)

Foucault faz uma indagação muito importante que se refere ao que seria o
governar, ele explicita governar segundo o princípio da razão de Estado é fazer com que
ele possa se tornar sólido e permanente, que ele possa se tornar rico, que possa se
fortificar para se defender diante de tudo aquilo que chega a ameaça-lo, ou seja, se
tornar forte para se defender daquilo que pode destruí-lo.
Na Idade Média o soberano tinha uma certa relação paternal com seus súditos
onde ele tinha a preocupação de salvar seus súditos no outro mundo, pois ele tinha
como obrigação, ele tinha que respeitar as leis divinas, naturais, morais, mesmo não
sendo leis homogêneas e intrínsecas ao Estado. Na nova razão de Estado, de governar, o
Estado não é visto mais como uma casa, uma igreja, nem um império como tinha o
soberano. O Estado não tem como obrigação ou preocupação a salvação de seus súditos
no outro mundo, pelo menos não de forma direta. O Estado é uma realidade específica
e descontínua. O Estado só existe no Estado plural, ou seja, ele só existe em si e para si
mesmo, isto é, ele não possui um horizonte histórico mais ou menos próximo ou
distante, ele não tem que se fundir ou se submeter a algo como uma estrutura imperial.
Ele refere-se ao mercantilismo não somente como uma doutrina econômica, mas
também como uma organização da produção e dos circuitos comerciais de acordo com
princípio o primeiro é que o Estado deve se enriquecer pela acumulação monetária;
segundo, que deve se fortalecer pelo crescimento da população; terceiro ele deverá tá
em situação de concorrência permanente com as potencias estrangeiras. Segundo a
razão de Estado a segunda maneira pela qual ele se organiza é a gestão interna, aí ele se
refere a polícia, que tinha como objetivo a regulamentação indefinida do país de acordo
com o modelo de organização urbana densa. Último e terceiro ponto é a organização de
um exército permanente e de uma diplomacia também permanente. Isso é uma
organização de um aparelho diplomático-militar permanente tendo em vista preservar o
caráter pluralista do Estado evitando assim que aja qualquer absorção do tipo imperial
afim de que aja um equilíbrio entre os Estados, assim mantendo a pluralidade.
O mercantilismo, o Estado de polícia, a abalança europeia: tudo isso é o que foi
o corpo concreto dessa nova arte de governar que era pautada pelo princípio da razão de

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governar. Com isso ele demonstra que o Estado está longe de ser uma espécie de dado
histórico-natural que se desenvolveria pelo seu próprio dinamismo.
Tratarei aqui do nascimento da biopolítica, o qual tal conceito só pode vir a ser
compreendido com quase duas décadas depois de sua publicação. Interessante perceber
como no nascimento da biopolítica Foucault já havia percebido que seria necessário
quebrar essa dicotomia entre esquerda e direita não apenas no nazismo e no stalinismo,
mas também nas democracias liberais e de mercado.
Nos conceitos de micro-poder e biopolítica são onde se encontra a genialidade
do pensamento de Foucault onde ele coloca a questão dos micro-poderes disciplinares.
E esses micro-poderes disciplinares consistem em visar administração do corpo
individual, como em instituições como escolas, prisões e hospitais. Mas no século XVII
e principalmente na virada do século XIX foi que Foucault percebeu melhor e chegou
aos conceitos de biopolítica e biopoder, pois nesses séculos pode-se notar melhor um
poder disciplinador e normalizador que não se exercia, mas sobre os corpos
individualizados e nem se encontrava somente nas instituições da sociedade e sim na
figura do Estado e era exercido a titulo estatal a fim de controlar, administrar, a vida e o
corpo da população.
O movimento que Foucault se utiliza é bastante instigante, pois ele parte das
pequenas relações para se entender as grades relações, ele parte das relações que
aparentemente parecem ser mais simples e menos complexas para entender as mais
complicadas, portanto mais complexas, por exemplo, ele parte da relação que um aluno
tem com um zelador, que o zelador tem com um professor e que esse professor tem com
o diretor e assim vai. É como se fosse uma teia, uma cadeia alimentar como na biologia
só que aqui se trata de uma cadeia de poder e administração da vida dos indivíduos que
fazem parte desse Estado.
A forma de como ele pensou que as políticas públicas não surgiram como uma
forma do Estado, governo, ajudar seu povo, sua população, mas sim de uma forma de
política de administração da vida dos indivíduos que estão inseridos nela. Pois a nossa
observação nos levaria a acreditarmos que era um caráter humanizador do Estado
querendo ajudar seus indivíduos e quando na verdade acontece justo o contrário disso, é
só mais uma forma de ter poder e controlar a população, pois ficam lubridiada e
alienada.

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A descoberta não apenas da biopolítica, mas também do paradoxal modus


operandi do biopoder, do qual, para produzir e incentivar de maneira calculada e
administrada a vida de uma dada população, tem de impor o genocídio aos corpos
populacionais considerados exógenos, é certamente uma das grandes teses que Foucault
legou ao século XXI. Ou seja, para que alguns continuem a viver se faz necessária a
morte de outros, para que esses, digamos escolhidos, privilegiados continuem a viver
bem.
Com a recente publicação do curso da década de 70 o qual foi intitulado O
nascimento da biopolítica se pode ver a real importância desse conceito para Foucault.
Após ter analisado modus operandi do biopoder em suas formas estatais mais evidentes.
Foucault percebeu e antecipa-se para as novas formas de controle da biopolítica, que
não é mais sobre o eixo do poder estatal soberano, mas segundo o eixo flexível sobre as
economias de mercados influenciadas pelo neoliberalismo econômico. Foucault
percebeu no neoliberalismo do pós-guerra que o homem havia se tornado um agente
econômico, ou seja, que responde aos estímulos do mercador de trocas mais do que
como uma personalidade jurídico-política autônoma. Foucault considera que “É preciso
governar para o mercado, em vez de governar por causa do mercado”. Ou seja, Foucault
pensa o mercado como instância suprema de formação da verdade no mundo
contemporâneo, ou seja, onde o certo e o errado, o permitido e o proibido são definidos
por meio da reconstituição da maquinaria jurídico-política que resultou na definição do
poder soberano. Foucault se interessa pelas formas flexíveis de controle e governo das
populações e dos indivíduos de acordo como elas se exercem por meio das regras da
economia de mercado globalizada.
Notamos que no centro sobre a nova consideração de sua biopolítica de acordo
com o neoliberalismo notaremos a fusão entre o homo economicus e a teoria do “capital
humano”. Quando essa fusão se dá o homem econômico deixa de ser um mero
empreendedor no mercado de troca e passa a ser um empreendedor se si mesmo.
Foucault compreendeu que seria necessária a valorização e ampliação das nossas
habilidades profissionais, a fim de nos tornarmos mais competitivos no mercado de
trabalho, pois o homem transformou-se em seu próprio rendimento de trabalho, ele se
vende, vende sua força de trabalho.

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Foucault faz uma análise histórica das formas de poder e como essas formas de
poder chagaram a se tornarem uma forma de poder baseada no mercado e nas leis que
estão à mercê das leis do mercado, pois é assim a política neoliberal, é o movimento do
mercado que define as decisões políticas a serem tomadas pelos governantes. A política
aqui gira em torno das leis de mercado e suas transações. Assim nasce um Estado
baseado na economia, no mercado, ou seja, o Estado de ordem-legal-econômico que
tem um regime bastante rígido em cima dos mecanismos econômicos. Mas no Estado de
direito o poder público criará leis, medidas, para que só ele seja o sujeito que domina os
processos econômicos como é nos Estados “democráticos” americanos. Porém essas leis
mantém o povo, os indivíduos, afastados de sua criação, das criações de tais leis para
regularem o mercado e torná-lo a mercê do Estado de direito.
Foucault aponta uma nova forma de renovar o capitalismo seria introduzir a ele
os princípios gerais do Estado de direito na legislação econômica. Ou seja, as leis que o
Estado havia criado. O Estado tem agora como apoio, ou arma, as Leis e a ordem, pois
como é o Estado que formula as leis ele acaba por criar as regras de mercado e isso dar
ao Estado a manutenção do poder.
Podemos inferir, então, a virada do jogo em que o Estado passa a controlar de
certa forma o mercado econômico, mas não somente isso o corpo individual também é
controlado pelo Estado, vemos o Estado aqui como um órgão regulador da vida e da
economia e se utiliza das leis e das corporações que tem como dever manter a ordem
como é o caso da polícia e das prisões.
Podemos destacar que Foucault parte da periferia, das margens, para depois
analisar o centro dos problemas, das relações.

Considerações Finais

Foucault ao analisar o desenvolvimento das sociedades modernas e das novas


relações de produção capitalista afirma que elas tinham a necessidade de uma tecnologia
de poder que age de modo a gerir e controlar as multiplicidades humanas. No decorrer
da segunda metade do século XVII e no decorrer do século XVIII se desenvolveu dois
mecanismo de poder que são a anátomo-política do corpo (ou disciplinas) e a biopolítica
da espécie humana e eram utilizados afim de uma formatação e normalização dos
indivíduos e das populações, uma espécie de ajustamento dos indivíduos as novas

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relações de produção em desenvolvimento. Por isso que as instituições reguladoras e


punitivas, geralmente, se fazem necessárias para o Estado, principalmente ao antigo
regime, pois, quanto mais fraca uma sociedade mais severas são as suas leis (essas tais
leis também são um mecanismo de normalização das sociedades, muito utilizadas pelo
Estado). Porém cada sociedade deverá modular suas leis e penas segundo as suas
necessidades por isso que as leis são diferentes em muitos aspectos nas duas razões
governamentais, pois cada uma tem umas necessidades peculiares, no entanto, não se
abandona a ideia de controle dos indivíduos por meio de tais instituições.

O Nascimento da biopolítica vem em sequência e dando continuidade a


Segurança, Território e população no qual ele explicita e faz a análise do aparecimento
de uma nova forma de governar, posteriormente ele analisa essa formação de uma
“governamentalidade”22 política: ou seja, a maneira como a conduta de um conjunto de
indivíduos esteve implicada, de modo cada vez mais marcado, no exercício do poder do
soberano e mais adiante na obra ele fará a elaboração do problema população-riqueza,
na qual constitui uma das condições de formação da economia política.

Era no Estado liberal que esses mecanismos encontravam o seu sentido, pois
para Foucault esses só podem ser entendidos convenientemente no quadro instituído
pela racionalidade do liberalismo clássico atrelado ao desenvolvimento das relações de
produção capitalista. A análise de Foucault permite que possamos localizar esses
procedimentos institucionais dentro do âmbito de ação do Estado liberal clássico e ligar
as instituições centrais para a sociedade moderna à racionalidade do liberalismo
clássico.

Referências:

FOUCAULT, Michel. Resumos dos cursos do Collège de France. Andréia Daher. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 81-97.

______. Estratégia, Poder-Saber. Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2ª ed. São Paulo:
Forense Universitária, 2006. p. 281-305.

22
“governamentalidade” é o termo utilizado por Foucault que aparece no Resumos dos Cursos do Collège
de France em Segurança, Território e População na página 82.

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______. Nascimento da Biopolítica. Eduardo Brandão. 1ª ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2008. p. 4-31.

JUNIOR ,José de Souza. Resenhas[exertos]: Nascimento da Biopolítica (Michel


Foucault). Disponível em<http://resenhasexcertos.blogspot.com/2009/09/nascimento-
da-biopolitica-michel.html> acesso em: 31 de Maio 2012.

PELBART, Peter Pál. Vida Capital: ensaios de biopolítica. 1ª ed. São Paulo;
Iluminuras; 2003. p. 55-67.

PONTIN, Fabrício; Biopolítica, eugenia e ética: Uma análise dos limites da intervenção
genética em Jonas, Habermas, Foucault e Agambem. 2007. Trabalho de Conclusão de
Curso (Mestrado em Filosofia) ─ Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul ─ PUC-RS, Porto Alegre, 2007.

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