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a seu ver uma nova política feminista de representação é necessária. E para construir algo novo,
ela salienta que um novo conceito de identidade precisa ser trabalhado.
Deste modo, compreende-se de que não há uma verdade fixa e imutável sobre as
mulheres, porém percebe-se a importância de reunir características que são comuns entre
grupos de mulheres para encaminhar proposições afim de tratar de problemáticas recorrentes
como as relacionadas a desigualdades de gênero no que tangem a sobrecarga materna e
responsabilidades parentais por exemplo ou as questões específicas das mulheres negras ou
trans.
Nesse contexto, observamos atualmente na sociedade brasileira que são muitas e
diversas as mulheres chefes de família responsabilizadas culturalmente pelo cuidado de toda a
família, por homens, crianças e idosos. Fator este que aumenta ainda mais a jornada e
sobrecarga dessas mulheres e evidencia a opressão vinda de mais de um lugar, ou seja, da
violência de gênero, de raça e de classe.
Tais concepções, assemelham-se com o conceito de interseccionalidade trabalhado
também pela autora Carla Akotirene, (2019) que discute na perspectiva das mulheres negras,
cujas demandas não eram vistas pelo feminismo branco e pelo movimento negro, pois o enfoque
estava no homem negro segundo a autora. Onde, objetiva se com este conceito não separar
questões fundamentais que articulam as questões de classe, raça e o patriarcado heterossexual.
Ou seja: “A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à
inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado.” AKOTIRENE
(2019, p. 16)
Este ponto acerca de uma diversidade na noção do sujeito feminino é reiterado por
Butler e observa-se como se mantém como um desafio a ser enfrentado devido as resistências
em prol de concepções anteriores de uma união excludente, como o feminismo branco. Nesse
sentido, a autora salienta haver: “limites necessários na política de identidade”. BUTLER
(2003, p. 22) Devido também a esta pluralidade que não têm sido incluída de modo considerável
em vários âmbitos, inclusive político.
Butler (2003) afirma existir ainda uma ideia de “patriarcado universal” embora tenham
sido realizadas diversas críticas, devido a não se atentarem às diferenças culturais dos territórios
que possuem suas especificidades totalmente distintas muitas vezes. Um exemplo disso é o
estudo realizado por Edenilse Rosa (2007), acerca da participação política feminina na
implementação de um projeto habitacional popular na Região Chico Mendes em Florianópolis,
considerou que a gestão política municipal do local sendo conservadora não atendeu as
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demandas que tangem a questão de gênero e não teve a devida preocupação com as
particularidades territoriais e costumes dos moradores como observa-se prática recorrente
também em outras cidades.
Além de um tratamento colonizador ao possuir como parâmetro de outras sociedades a
sua própria, ou seja, tratar a cultura em que vive como modelo a ser seguido. Deste modo, de
acordo com Butler (2003), uma visão de um feminismo mais geral, que abarque tudo em um só
movimento, pode não ser a opção que seja mais acertada e que se obtenha um melhor resultado.
A autora deixa evidente que já ocorre um movimento pela emancipação feminina, porém
chama a atenção para uma crítica no sentido de que essas mesmas instâncias que clamam pelas
mulheres e oferecem apoio, por terem até mesmo o objetivo e obrigação de prestar esse serviço,
como a jurídica, também as atacam de diversas formas. Nesse sentido a autora chama a atenção
para as relações de controle, poder e dominação que estão relacionadas a essas instituições.
BUTLER (2003)
A noção de mulher é atravessada e constituída pela cultura, política, raça, classe, dentre
outros, ou seja, um conjunto de forças e poder. Assim, esta ideia vai de encontro a concepção
de uma “noção singular de identidade”. BUTLER (2003, p.21) Ou seja, uma compreensão
particularizada, como se pudesse ser possível desvencilhar-se da realidade social por completo.
Para Butler (2003), não há como separar “a noção de gênero”, (que é apresentada por
ela em contraponto à concepção biológica), da ligação com a cultura e a política pois estes são
condicionantes nesta compreensão.
Nesta perspectiva, encontra-se um ponto importante da contribuição de Butler (2003),
ao dividir as concepções de sexo e gênero e compreender este último como socialmente
construído. Deste modo, não há um padrão de gênero pré determinado biologicamente para um
determinado sexo ou outro. O que ela propõe que ocorre é uma incorporação de gênero que se
encontra na cultura. Assim, o ser homem ou mulher não cabe necessariamente no sexo
masculino ou feminino, e possibilita assim o reconhecimento de pessoas transgêneros por
exemplo que não se identificam com o sexo biológico.
Entretanto, Butler (2003) irá problematizar essa questão que apresenta ao realizar uma
serie de indagações acerca de como o gênero é construído por exemplo e se ele não possui
diferenças com relação ao sexo em uma visão determinista ao compreendermos o gênero vindo
pronto pela cultura e assim integrar os corpos dos sujeitos como se estes fossem passivos a esta
força. Logo, a cultura tomaria um lugar antes ocupado pelo biológico.
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A autora provoca inquietações com suas indagações e acaba por nos levar a reflexões e
a questionar mais ainda acerca de temas tão complexos. Assim, surge a seguinte questão: se o
sujeito receber um gênero cultural ao nascer que com o decorrer da sua independência mínima
com relação ao ambiente familiar que vive ou em um momento de maior maturação da
constituição do seu ser para si mesmo, obter assim, a possibilidade de poder se identificar ou
não com outros gêneros?
Por fim, Butler (2003) compreende o gênero não como uma construção cultural e sim
em sua relação com o poder. Ou seja, de imposições e controles ditados de um gênero a outro
ou por meio de instituições e políticas excludentes. A relação de dominância também se torna
evidente. Deste modo, a antropóloga indiana Veena Das (2008), também discorre acerca da
constituição de sujeito das mulheres (em seu estudo com as indianas) que para ela está associada
a subjugação, que irá afetar ainda a construção de subjetiva dessas mulheres por conta das
experiências cotidianas que vivenciam.
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Referências
DAS, V. Sujetos del dolor, agentes de dignidad / Bogotá: ed. Francisco A. Ortega. –:
Universidad Nacional de Colombia. Facultad de Ciencias Humanas: Pontificia Universidad
Javeriana. Instituto Pensar, 2008. 568 p.