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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DE UMA


UNIVERSIDADE SEM CONDIÇÃO: INTERAÇÕES FILOSÓFICO-
PEDAGÓGICAS ENTRE BERNARD CHARLOT E JACQUES
DERRIDA

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2023
RAFAEL AUGUSTO DE ASSIS

SOBRE A PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DE UMA


UNIVERSIDADE SEM CONDIÇÃO: INTERAÇÕES FILOSÓFICO-
PEDAGÓGICAS ENTRE BERNARD CHARLOT E JACQUES
DERRIDA

Atividade apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação, nível
Doutorado, da Universidade Metodista
de São Paulo, para a Disciplina
Formação de Professores: Memórias e
Identidades.

Responsável: Prof. Dr. Marcelo Furlin.


RESENHA

O presente escrito corresponde ao esboço de um artigo científico a ser elaborado


em tempo futuro sob o título provisório de “Sobre a Pesquisa em Educação no contexto
de uma Universidade sem condição: interações filosófico-pedagógicas entre Bernard
Charlot e Jacques Derrida”. Nesse sentido, considerando-se os variados textos que
foram apresentados na disciplina “Pesquisa em Educação”, ministrada no primeiro
semestre do ano de 2023 no PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação – da
Universidade Metodista de São Paulo pelo Professor Dr. Marcelo Furlin, elegemos o
trabalho de Bernard Charlot (1944-) por duas razões específicas: em primeiro lugar,
mesmo tratando-se da transcrição de uma conferência proferida há mais de uma década
(2005), entendemos que muitos dos temas então abordados abrem profícuas
possibilidades de diálogo para com importantes questões concernentes ao nosso
contexto social e educacional, a exemplo do que o autor chama de “...problema de
identidade profissional” (CHARLOT, 2006, p.7). Além disso, enxergamos possíveis
pontos de intersecção quanto à supramencionada exposição e o pensamento de um dos
principais referenciais teóricos que orientam a produção de nossa tese doutoral, qual
seja, o filósofo – com as respectivas controvérsias ocasionais que esta expressão denota
– argelino Jacques Derrida (1930-2004), sobretudo, no que alude ao pronunciamento
intitulado “A Universidade sem Condição”, realizado por ele na Universidade de
Stanford, no mês de abril de 1998.
Nessa ocasião, ponderando acerca dos papéis cabíveis a uma instituição
universitária – e, por conseguinte, das assim ditas “Humanidades” – na era da
globalização, Derrida observará que nenhuma espécie de concessão é aceitável quando
o que está em jogo é a garantia incondicional do próprio fazer acadêmico. Dito de outro
modo, a quaisquer espécies de poderes estaria vetada a tutela sobre os pronunciamentos
públicos, os resultados das pesquisas ou a organização interna dos múltiplos
departamentos universitários, de forma que este espaço haveria de representar uma real
fronteira de resistência contra toda iniciativa de cerceamento. Aquilo que Derrida
nomeia enquanto desconstrução – por questões estruturais, não entraremos aqui nos
pormenores do termo – nada deveria poupar: do conceito de Homem à figura da
Democracia, dos lugares comuns do Direito às epistemologias, da História aos axiomas
científicos, tudo estaria sujeito a uma série irrestrita de questionamentos, ou, se
quisermos, à um processo investigativo integral. À Universidade, apenas uma condição:
a de estar livre de todas as condições que possam limitá-la, assujeitá-la aos interesses
religiosos, políticos e econômicos de um grupo, Estado ou Nação. Sublinha Derrida:

Pelo menos desse ponto de vista, a desconstrução [...] tem seu lugar
privilegiado na Universidade e nas Humanidades como lugar de resistência
irredentista, até mesmo, analogicamente, como uma espécie de princípio de
desobediência civil, ou ainda, de dissidência em nome de uma lei superior e
de uma justiça do pensamento (DERRIDA, pp.23-4).

Quando nos voltamos ao campo da Educação, não se faz necessário realizarmos


grandes esforços para notarmos que encontramo-nos diante de um território demarcado
por inúmeros discursos de verdade. Entretanto, é possível que não haja tema mais
amplo e que reúna definições tão díspares – e, em muitos casos, autoexcludentes – em
torno de si, sendo disputado por vertentes que abrangem do reacionarismo ao
progressismo do que o domínio educacional. Eis aqui uma das problemáticas que mais
chamarão a atenção de Charlot, posto que – precisamente, por agregar definições que
vão desde apreciações adquiridas por meio de experiências pessoais à reprodução de
fragmentos conceituais extraídos da obra deste ou daquele autor – a Educação diz
respeito a um espaço saturado, obscuro, conforme podemos averiguar:

Cada um tem uma experiência de educação, a sua ou a de seus filhos, e


“sabe”, ou acha que sabe, alguma coisa. Mas não se pode confundir ter uma
opinião (dizer o que acreditamos, a partir de uma experiência pessoal) e
produzir um saber (um discurso no qual a significação das palavras é
controlada, no qual levamos em conta diversas formas de colocar o problema,
vários pontos de vista, no qual nos apoiamos em provas que podem ser
verificadas por qualquer um). Quem deseja fazer pesquisa em educação deve
sair da esfera da opinião e entrar no campo do conhecimento (CHARLOT,
2006, p.10).

Daí resulta, inicialmente, em ocasião de um empreendimento universitário de


pesquisa voltado ao âmbito da Educação, a premência do trabalho desconstrutivo
visando não só o radical rompimento em relação às impressões procedentes daquilo que
se denomina como senso comum (“afastemo-nos do senso comum”, orientação esta
reproduzida por docentes experimentados, frequentemente, dos primeiros dias de aula
nos cursos de licenciatura às pós-graduações em nível de mestrado e doutorado), mas,
também e em especial, das teorias e métodos sedimentados que assumem a função de
genuínas cartilhas universais, estabelecendo normas e ditames a serem seguidos com
vistas à obtenção de resultados pedagógicos mais proveitosos. Como destacará Charlot,
afastar os a prioris das reflexões que envolvem os aspectos teóricos e práticos da
Educação implica em abrirmos espaços para que as experiências imediatas de cada
contexto sejam de fato privilegiadas:

É preciso ter a coragem de dizer que a prática não é um argumento, e sim um


elemento do debate que deve, ele próprio, ser analisado. É preciso também
ter a coragem de dizer que a recusa do pesquisador ou do professor
universitário de confrontar as teorias que ele ensina com as situações e
práticas do professor ou do formador levanta suspeitas, sérias, sobre o valor
de suas teorias, incluindo-se aí a questão do valor do ponto de vista da
verdade. É óbvio que não é possível dar “receitas”, isto é, modos de fazer que
funcionam de imediato, que só precisam ser aplicados. A prática é sempre
contextualizada, e uma receita nunca funciona (CHARLOT, 2006, p. 11).

Com isso, não se quer dizer que a Educação não possa agregar saberes e
técnicas, procedimentos e ensinamentos. Ao contrário, quanto mais extensas e alargadas
forem suas compreensões, mais faremos jus à noção de mestiçagem trazida por Charlot,
ou seja, quanto mais entrecruzadas e estrangeiras forem as linhagens dos conhecimentos
que atravessam suas fronteiras, mais fecundas serão as chances de surgirem posições
epistemológicas desafiadoras e que sejam capazes de dizer algo de efetivo face à
complexidade característica do mundo contemporâneo.
O que ora está posta, é a necessidade de não fixarmos novas tábuas de salvação,
novas narrativas sacralizadas, intocáveis, paradigmas outros – valendo-nos da
igualmente desgastada expressão que se transformou numa modalidade de coringa
acadêmico a partir de sua utilização pelo teórico norte-americano Thomas Kuhn (1922-
1996) na obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962) – ainda que às avessas,
com o propósito de delinear e delimitar, por exemplo, como um estudante de
determinada idade poderia alcançar melhor desempenho caso fosse submetido a certos
conjuntos de prescrições professorais. Da Educação, diz-nos Charlot: “Portanto, [...] é
uma disciplina epistemologicamente fraca: mal definida [...] Quem desenvolve
pesquisas na área da educação é sempre um pouco suspeito. Quem deseja estudar um
fenômeno complexo não pode ter um discurso simples, unidimensional (CHARLOT,
2006, p.9).
Falando particularmente de Derrida, temos à mão um maquinário conceitual que
em muito se distancia das correntes predominantes no cenário intelectual europeu do
século vinte, tais quais a psicanálise de matriz freudo-lacaniana, o estruturalismo, a
fenomenologia e o marxismo ortodoxo. Desprovido de um solo no qual pudesse ser
classificado e posteriormente indexado a uma escola filosófica particular, nos
encontramos com um pensador nômade, solitário, que demonstrou considerável apreço
pelos clássicos da tradição ocidental – inclusive, a ponto de esmiuçá-los e dedicar-lhes
trabalhos de fôlego, como se passa com o ensaio “A Farmácia de Platão”, publicado
originalmente na coletânea “Disseminação” (1972) – mas, em contrapartida, sequer por
alguns instantes manteve-se fiel à aura de autoridade a eles imputada por seus discípulos
imediatos e seguidores ulteriores. Destarte:

...não há “conceitos” nem “ideias” filosóficas propriamente ditas em Derrida.


Há noções e categorias não-fechadas, ou ainda operadores textuais, alguns
dos quais ele nomeia como “indecidíveis”, e que estruturam seus textos de
maneira dinâmica” (NASCIMENTO, 2004, p.12).

Levando às últimas consequências a perspectiva dos sofistas gregos, Derrida


entenderá que um texto – bem como a linguagem – não possui, por si mesmo, uma vez
aporético e repleto de contradições internas, nenhum valor intrínseco: o sentido e o
significado (na realidade, seria mais preciso dizermos no plural, os sentidos e os
significados) atribuídos a ele são resultados de uma trama que envolve diversificados
fatores convencionais, onde decisões arbitrárias e, por que não, até mesmo interesses de
ordem política, estariam presentes. Justamente por isso, uma dissertação que não
dialogue diretamente com seu entorno, encastelando-se no ensimesmamento de suas
conjecturas, acabará por se tornar estéril, esfacelando-se ao primeiro contato consigo
mesma. Nossa proposta de escrita consiste, pois, em articular o já citado princípio
charlotiano de mestiçagem e os principais operadores da desconstrução derridiana,
intentando, desta maneira, ressaltar a imprescindibilidade de cultivarmos a arenosidade,
o caráter transitório, o constante por fazer da Pesquisa em Educação avaliando-se que:

A educação é um triplo processo de humanização, socialização e entrada


numa cultura, singularização-subjetivação. Educa-se um ser humano, o
membro de uma sociedade e de uma cultura, um sujeito singular. Podemos
prestar mais atenção a uma dimensão do que a outra, mas, na realidade do
processo educacional, as três permanecem indissociáveis. Se queremos
educar um ser humano, não podemos deixar de educar, ao mesmo tempo, um
membro de uma sociedade e de uma cultura e um sujeito singular. E, partindo
da socialização ou da singularização, podemos produzir enunciados análogos
(CHARLOT, 2006, p.15).

Se o ente humano é marcado pelo devir, às Ciências que se dispõem a estudá-lo


não caberia outra peculiaridade que não estivesse atrelada à inconclusão de suas
diretrizes. Charlot, como Derrida, abstiveram-se de criar modelos e prontuários
genéricos que, em algum grau, objetivassem nos apontar supostos caminhos. Tomando-
os em diálogo, tentaremos então percorrer seus rastros, não pensando necessariamente o
novo, mas sim para além daquilo que se encontra estabelecido e assume aspectos
incontornáveis de verdade, sendo, na melhor das suposições, algo não maior do que o
verossímil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARLOT, Bernard. A pesquisa educacional entre conhecimentos, políticas e práticas:


especificidades e desafios de uma área de saber. Rev. Bras. Educ. [online]. 2006, vol.11,
n.31, pp.07-18. ISSN 1413-2478.

DERRIDA, Jacques. A Universidade sem Condição. Tradução de Evandro Nascimento.


São Paulo: Estação Liberdade, 2003. 86 p.

NASCIMENTO, Evandro. Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 79 p.

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