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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975

Psicol. educ. no.31 São Paulo ago. 2010

Psicologia da educação: conceitos, sentidos e contribuições

Psychology of education: concepts, senses and contributions

Psicología de la educación: conceptos, sentidos y contribuciones

Bernardete A. Gatti

Fundação Carlos Chagas. E-mail: gatti@fcc.org.br

RESUMO

O artigo procura discutir a questão dos conceitos nas investigações científicas, na conjunção das questões
teóricas, epistemológicas e histórico-sociais. Fatores de contexto sócio-cultural pesam na construção dos
sentidos e dos significados que se atribuem aos meios de articulação de conhecimentos. Os consensos são
importantes. Coloca três perspectivas sob as quais essas questões podem ser tratadas, levanta idéias
sobre conceituações e campo científico, conceitos e pré-conceitos, fazendo ao final uma retomada de
alguns trabalhos que trataram dos problemas relativos à constituição da área de Psicologia da Educação
enquanto área de investigação específica, trabalhos que tiveram impacto em seu tempo de produção e até
hoje.

Palavras chave: Afetividade; contexto escolar; estado do conhecimento.

Ao tratar da questão de conceitos em área científica, e seus sentidos, como também, ao discutir
características de um campo de conhecimentos, estamos diante não só de uma questão teórico-
epistemológica, mas de uma questão histórico-social. Muito do que se faz como ciência processa-se por
"consensos", mesmo que referidos a certo recorte da empiria. Ciência é construção de interpretações.
Construção de interpretações é um processo humano-social-histórico. A discussão sobre a
"independência" do pensamento científico, da criação científica apenas como construção "intra-ciência",
dentro de seus "muros" (uma cidadã acima de qualquer suspeita), versus a posição de que sua
construção é histórica e atravessada por condições específicas de sociedades, comunidades e suas
culturas, é uma discussão que por enquanto não teve fim. Embora tenhamos, contemporaneamente,
intérpretes dos caminhos da ciência que consideram a inter-relação desses dois pólos como a saída mais
viável para entender a história das ciências e a permanência de teorias e conceitos por períodos longos de
tempo, e também, as superações produzidas, as posições dicotômicas acima apontadas ainda
predominam nos ambientes científicos, polarizando de um lado as posições de fundo lógico-abstrato, e, de
outro, as posições de fundo sociológico-cultural.

Poderíamos, então, pensar em três aspectos a considerar na discussão relativa à produção científica:

1. Os constructos científicos, teorizações e conceitos, experimentos e dados, considerados dentro de uma


perspectiva predeterminada, destacados de seu "lócus" de produção, constituindo-se como um "universal", em
si. Exemplo: as teorias psicanalíticas, os comportamentalismos, teorias cognitivistas, etc., que buscam se
tornar independentes de condições externas à própria teoria afirmando sua capacidade ampla (e às vezes
única) de compreensão do real. Referimo-nos aqui aos arcabouços conceituais. Claro que estes podem ser
"recheados" com fatos, eventos, dados de condições específicas, mas para a compreensão destes eventos o
arcabouço pré-elaborado é o que comanda as interpretações e suas decorrências. Enquanto esses arcabouços
mostram uma "efetividade" concreta, eles, de certa forma, passam a representar um tipo de "verdade".

2. Os consensos de grupos científicos que aderem ou não a determinados arcabouços teóricos e que levam para
um plano social - até de disputa de espaços/verbas - suas divergências.

3. A socialização mais ampla das teorias e seus conceitos nas estruturas formativas, as escolares, por exemplo,
em que entram os processos de convencimento, construção de adesões, de cooptação, o que se associa a
posições conquistadas pelos emissários da abordagem (doutrina?). Aqui, como nos demais pontos levantados,
configura-se uma espécie de luta entre determinadas construções e posições simbólicas, ou luta para
manutenção de uma só perspectiva analítico-científica.

Seria pretensioso tentarmos dar conta dessas questões em um artigo. Por isso apenas as aponto como
elementos para reflexão, e, quem sabe, provocação de futuros trabalhos para seu exame mais detalhado
e fundamentado.

Apenas quero ainda sinalizar que não podemos deixar de considerar que há possibilidades, em certas
circunstâncias, que pesquisadores ou grupos de cientistas evidenciem construções de pensares críticos -
no sentido de desenvolverem uma atenção ampliada e diferenciada em relação à sua particular posição
nos arcabouços vigentes - científicos e societários. Aproximo-me aqui da ideia de Hanna Arendt (1999),
de preservar nossa condição e possibilidade de PENSAR. Nossas dinâmicas sociais, a pensar com Marx,
não favorecem a consciência aberta ou crítica, dado que processos de alienação constituem a regra de
nosso cotidiano em todos os setores de nossa vida societária, seres humanos e agregativos que somos,
na busca de nossa sobrevivência.

Teorias científicas e conceitos fazem parte de nossa cultura histórica, transformaram-se em mercadorias
e, assim podem ser negociadas em diferentes planos: nas formações, nos financiamentos, nas posições
de governos, em posições institucionais, etc. Esta condição de uso social não lhes tira o valor como
proposições de luta dos homens para se compreender, compreender a sociedade onde vivem e
compreender a natureza. Nem tira a possibilidade, a potência, de virem a ser constructos libertadores da
consciência humana de suas amarras e determinações sociais e históricas. A contradição envolvida no
papel científico e social das teorias, e no sentido de seus conceitos, aí se revela. Lembremos, também,
que elas integram modos de viver, introduzem substanciais mudanças nas condições de vida através da
disseminação de novas lógicas e das tecnologias que geram (o uso da eletricidade, a informática, a
ressonância magnética, o concreto protendido, as terapias psicológicas, etc.). Sua natureza contraditória,
e suas contradições na história, no social e no cotidiano institucional ou pessoal, é sua força. A força das
revoluções culturais humanas que se gestam nos embates das concretudes da vida humana.

1. Conceituações e campo

Encontramos grande dificuldade em conceituar Psicologia da Educação como campo de conhecimento,


dada a variedade de inclusão/exclusão de temas e enfoques na área, conforme pontos de vista exarados
nas produções existentes. Entram nesse processo as dificuldades de lidarmos com a interdisciplinaridade
ou a transdisciplinaridade, as disputas de poder acadêmico, disputas de projeção e financiamentos, etc.
Um exemplo que podemos lembrar aqui foi o ocorrido na Universidade de São Paulo no final dos anos
1960 - início dos 70, período em que se processou a reforma universitária, em que, na discussão sobre a
estruturação das faculdades e institutos, departamentos e disciplinas, entrou a questão "o que é de
quem". Nesse momento consolida-se a separação entre educação e psicologia, com a criação da
Faculdade de Educação e do Instituto de Psicologia. E, veio a questão: onde fica a Psicologia da
Educação? A solução não foi científica, mas, sim, semântica: no Instituto de Psicologia a denominação
seria Psicologia Escolar (hoje esse departamento chama-se Psicologia da Aprendizagem, do
Desenvolvimento e da Personalidade). Psicologia da Educação seria disciplina na área de Fundamentos da
Faculdade de Educação. Qual a diferença científica, conceitual e de pesquisa? Isso nunca ficou claro.
Portanto, seara pouco neutra. Também interferem aí as classificações dos organismos educacionais e
científicos (ex. CAPES, CNPq), que colocam esses estudos ora na área de educação, ora na área de
psicologia, sendo a atribuição mais ligada à origem institucional do que ao tipo conhecimento científico
propriamente dito.

Ao adotarmos a expressão Psicologia da Educação, temos três problemas conceituais como ponto de
partida (além de outros associados a cada um deles):
a) O que concebemos como "Educação", genericamente, e como campo de estudos e pesquisas - o que o
diferencia de outros campos?

b) O que concebemos como Psicologia, seu campo e enfoque básico. O que a diferencia de outras ciências?

c) Como a intersecção de psicologia com educação pode ser qualificada?

Enfim, não é tarefa confortável examinar a constituição histórica de um campo de natureza


inter/transdisciplinar, como tendencialmente parece ser algo requerido à Psicologia da Educação na
direção de uma perspectiva identitária própria. Estamos ainda bem longe disso, e as análises do que tem
sido feito como estudos e pesquisas nessa denominação mostram bem isso. Podemos adotar a
perspectiva de que um campo de conhecimento constitui-se do que ele tem sido no âmbito das
teorizações, conceitos, trabalhos, experimentos, que historicamente são produzidos e colocados sob sua
rubrica, mesmo com todas as suas diferenças epistêmicas e metodológicas. Também podemos conceituar
o campo no confronto com outros, a partir de sua base de enfoque. No caso das ciências humano-sociais
questões que podem ser colocadas: o estudo do social, sem distinção dos indivíduos que aí tecem suas
tramas. Seria o campo das sociologias? O estudo dos indivíduos dentro dessa trama, como seus
produtores/produto constituiriam o campo das psicologias?

2. Conceitos e Pré-conceitos

Podemos fazer um exame lógico-epistemológico de teorias e conceitos, com certeza. Temos doutrina para
tanto, quer nas vertentes lógico-empiristas, pós-positivistas, quer nas vertentes fenomenológico-
dialéticas. Mas, é interessante colocar a questão numa perspectiva de dinâmica social, considerando que a
ciência é um produto social, geradora de instituintes e instituições. Nesta perspectiva, os problemas
relativos à análise de conceitos, sentidos e contribuições de uma área de conhecimento são de difícil
abordagem, pois, além dos aspectos substantivos dos recortes de conhecimento adotados, envolvem
aspectos nada triviais das relações humanas e de trabalho, de interesses aí gerados pelas relações e
estruturas estabelecidas.

Aspectos próprios das sociedades humanas, entre eles os ideológicos, colocam nos grupos científicos, nos
vividos institucionais, ambiguidades e confundimentos próprios da dialética histórica, típicos dos processos
de alienação (dos quais raramente temos consciência) - alienação em relação ao concreto material no que
se refere à construção de conhecimentos e seus usos, o que traz anuviamentos de perspectivas, ou
inversão de perspectivas, ou domínio de uma só perspectiva (certas hegemonias) substituindo visões
esclarecidas vocacionadas à análise de um tipo de objeto em sua constituição. Fica então confundida a
perspectiva própria de determinados campos do conhecimento com derivações claras para campos
dominantes, social e academicamente falando. Por exemplo, a impregnação quase total do campo da
educação na década de 1960 e 1970 pela visão economicista, e nas de 1980 e 1990 pela sociologia,
processo que percebemos também estar sendo instaurado nas psicologias.

As adjetivações traduzem esse movimento e, em certos casos, ao invés de levar à constituição de objetos
de estudo em perspectiva diferencial, jogam no campo da fragmentação para criar áreas de domínio, ou
da homogeneização conformista/interessada no que se refere a enfoques de análise. Um pouco do que se
configura como submissão à moda; ou do que se configura como busca do estrelato em determinadas
condições de hegemonia deste ou daquele enfoque; ou como busca de legitimação por prestígio de outros
campos pelo processo de mimetização.

Encarando estas relações no real e seus consequentes a partir de análises da sociologia do conhecimento
- é que aparecem no cenário da história das ciências, nas discussões epistemológico-históricas e
metodológicas, propostas de exame crítico de posturas de "confundimento" nas áreas científicas, que têm
menos a ver, na expressão de Charlot (1998), com a concepção que temos de cada uma das ciências, e
particularmente de sua história, do que com a posição que se ocupa ou se quer ocupar no campo (cargos,
funções, vantagens, alianças). Portanto, defesa de posições (que são confundidas com concepções)
parece ter mais a ver com o histórico e a posição profissional dos que produzem no campo e menos a ver
com os significados, a questão conceitual, em si. Certas ancoragens profissionais e disciplinares acabam
por determinar a argumentação nesta ou naquela direção de tipos de produção científica, o que acaba por
descaracterizar campos de trabalho e perspectivas de abordagem do real. O que está em questão nestas
condições, não é, pois, a salvaguarda dos conhecimentos e suas construções, mas, sim, a salvaguarda de
prestígios, influências, comodidades e prerrogativas. A sociologia do conhecimento nos fornece boas
análises sobre este processo.
Por isso, é muito espinhoso entrar nessas questões, dada a multiplicidade de ângulos de abordagem e
fatores intervenientes, epistemologias em conflito e disputas com interesses diversos. São questões que
permeiam a concretude do cotidiano da atividade científica - que não é, de modo algum, neutra - e sobre
as quais precisamos nos conscientizar a fim de podermos construir momentos em que a vivência da
genericidade, nos termos de Agnes Heller, possa perdurar mais do que as vivências na particularidade, na
dialética de nossa existência como pesquisadores/cientistas/professores.

Retomando no tempo

Por tão espinhosa missão, optei, então, por fazer uma retomada de alguns trabalhos que trataram da
questão e que marcaram discussões entre nós. Eles foram reunidos na revista Psicologia da Educação,
número 9 (1999), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da PUC-SP. Nessa
Revista são reproduzidos alguns textos publicados anteriormente sobre o tema. O artigo de Maria Amélia
Azevedo, que já havia sido publicado em 1980, provoca com o título: Psicologia Educacional e Educação:
uma relação teoricamente eficaz, porém, praticamente ineficiente?. Aí discute a pertinência de se ter
como abordagem dominante nesse campo dois enfoques: o da Psicologia da Aprendizagem ou a Psicologia
do Ensino, mostrando suas decorrências teórico-práticas, e também quanto a métodos de pesquisa.

Estamos em momento de efervescência política, com os movimentos para o retorno da democracia ao


país, e na educação, com a entrada forte das teorias do conflito e a perspectiva marxista, portanto,
momento em que a sociologia e a ciência política ganham força no escopo dos chamados fundamentos da
educação, alijando outros enfoques como os da economia e os da psicologia. Uma forte reação ao
chamado "tecnicicismo" em educação, ao servilismo do campo educacional a disciplinas científicas
consideradas "maiores", rubrica na qual se enquadra a Psicologia da Educação, especialmente no que se
refere às psicologias da cognição. Nesse embate é que o artigo de Azevedo é produzido.

Essa autora, ao final de sua análise, a partir de estudo com as produções científicas da área, traz a
questão do polo dominante na relação Educação-Psicologia: dominantes são os enfoques da psicologia,
com a educação como polo menor, como ponto de passagem. Considera-se "a Educação como seu objeto,
encarando-a como fato psicológico" o que acaba enriquecendo o cabedal teórico da Psicologia e não o da
Educação. A Educação é assim, um campo de aplicação, uma atividade reflexa, o que leva a conflitos
históricos diante desse tipo de relação, uma vez que "a relação entre Psicologia Educacional e Educação
tenha servido muito mais aos propósitos de desenvolvimento científico da primeira que às necessidades
urgentes da segunda e, que, portanto os educadores, mais do que os psicólogos educacionais, estejam
insatisfeitos com essa relação" (op. cit.,1999, pp. 82-83). Os estudos em Psicologia da Educação, nessa
direção, parecem não ter contribuído com a superação da seletividade educacional e com a educação das
classes populares e sua luta. Ao contrário, seus estudos parecem reforçar as desigualdades de
aprendizagem e a seletividade nos processos de ensino. Esta, a perspectiva vigente no campo da
Educação, nesse momento, em que críticas acirradas à Psicologia Educacional são feitas, e, esta está
começando a perder espaço nos currículos formadores de professores, por exemplo. Azevedo termina
colocando: "... restaria indagar se educadores e psicólogos educacionais estariam dispostos a aceitar o
desafio de colocar em novas bases a relação entre Psicologia Educacional e Educação, de modo a torná-la
tão eficiente na prática quanto eficaz em teoria (sic)". Isso pressupõe, segundo a autora, "um diálogo
crítico e um ajuste de perspectivas entre psicólogos educacionais e educadores a fim de que ambos os
campos do conhecimento e da ação humanas possam se fertilizar mutuamente." (op. cit.,1999, p. 84, p.
85) Termina dizendo que, como isso ainda não ocorreu, ela deixa o capítulo em aberto...

Creio que o capítulo, 30 anos depois, ainda continua em aberto. Campos onde há transvariação de áreas
de conhecimento, nas ciências humanas, têm mostrado dificuldade em sair da perspectiva de domínio de
um sobre outro e entrar na perspectiva de uma verdadeira transdisciplinaridade - constituindo realmente
um novo campo. O que ocorre, em geral, é a emergência de subáreas, sem caracterizar inter ou
transdisciplinaridade. Aqui também cabe evocar a necessidade de se superar a visão tácita ou
espontaneísta de "educação" que geralmente se observa no campo da pesquisa em Psicologia da
Educação para se incorporar conceitualmente e trabalhar com uma visão mais esclarecida sobre seu
significado social e suas formas institucionais, conforme bem lembra Regina Maluf, em artigo reproduzido
na mesma revista acima citada (op. cit.,1999, p. 27). Educação não é "qualquer coisa".

A trajetória dos trabalhos editados sob a rubrica Psicologia da Educação ou Psicologia Educacional
continuam privilegiando o enfoque das várias vertentes de abordagem da Psicologia tomando aspectos da
Educação como foco de análise, ficando as interpretações no âmbito das psicologias. Não há propriamente
superação dessa dicotomia, nem propriamente uma possível relação epistemológica de inspiração dialética
no âmbito da produção de conhecimentos no campo. Está-se no âmbito das Psicologias, uma, ou outra,
ou outra, etc.. Isto em nada desmerece os estudos, apenas recolocamos essa questão porque as tensões
entre educadores e psicólogos não têm sido minoradas, o que acarreta flutuações e ambiguidades na
compreensão e nas ações educacionais em que a interação com os conhecimentos da psicologia da
educação se coloca (claro, juntamente - e aqui temos uma palavra-chave - com conhecimentos de várias
outras áreas que têm implicações para os processos educacionais formais ou não, como a antropologia, a
sociologia, a comunicação, a semiótica, a linguística, etc.). Campos complexos exigem novas formas
epistêmicas e a construção de forma inédita de objetos de estudo, como ocorreu nos anos 1930 com a
criação do campo da Cibernética. Isto só se dá pela exacerbação de contradições entre campos de estudo
diante da empiria, chegando-se à insuportabilidade das limitações interpretativas ante os fatos visados ou
partes deles. Voluntarismo aqui talvez, realmente, não seja um caminho para novas formas do conhecer,
mas resposta a necessidades inelutáveis para a compreensão do real, sim. E isto só a temporalidade
científico-histórica permite, em momentos que possibilitem a eclosão de novas formas de pensar, com
rupturas de amarras nos saberes científicos consolidados e nos lugares acadêmicos "conquistados".

Seguindo a ideia de um rastro histórico das ciências, o artigo de Joel Martins (op. cit.,1999, p. 53),
publicado originalmente em 1983, sobre os limites da Psicologia da Educação, em que destaca o processo
de dissolução das grandes doutrinas científicas, enfocando em particular a Psicologia. Atribui essa
dissolução às excessivas especializações que se arvoram em subcampos autônomos e que se afirmam não
por teorizações fortes, mas, por suas atividades diversas, gerando nomenclaturas inúmeras (psicologia
experimental, psicologia clínica, social, educacional, psicologia fisiológica, projetiva, política, etc., etc.),
com adjetivações variadas, considerando o autor que este movimento se mostra como "uma solução
desesperada de definir uma ciência segundo aquilo que os pesquisadores fazem e os métodos que
empregam nas suas buscas, mais do que o gênero de coisas pesquisadas que deve produzir o
conhecimento". Propõe-se a examinar historicamente como se colocou a Psicologia Educacional e traz a
lembrança de que se associa o surgimento dessa área à obra de Thorndike, publicada em 1903. Isso já
vinculou a Psicologia Educacional a um tipo de pensamento e método, na tradição de legitimação
cientificista, que, segundo ele, continuaria a dominar o pensamento dos pesquisadores da área, travestido
de uma forma ou outra. Repassando no tempo a contribuição de vários pensadores e pesquisadores,
problematiza os limites epistemológicos que envolvem os trabalhos nesse campo, mostrando como a
atividade real, histórica, determina encaminhamentos diversos, porém, com o mesmo pano de fundo, a
saber: o querer fazer valer um campo como "científico", o que acaba por subjugá-lo a mimetismos, a
critérios externos e vicissitudes de momentos. Ao lembrar a contribuição de George Santayana, nos
inícios do século XX, "que vê a Psicologia derivando da literatura e assumindo fórum de ciência quando
busca as bases mecânicas e materiais para qualquer evento mental" (op. cit., 1999, p. 58), encontra as
bases das concepções da Psicologia como ciência, que estarão presentes até hoje, mesmo que sob
variadas formas lógicas. Então, para esse autor, a Psicologia da Educação, nesse contexto, nasce como
uma área de estudo da Psicologia aplicada à Educação, e assim se mantinha. A saída estaria na
capacidade dos estudiosos em criar novas formas de enunciar seus problemas de pesquisa, formas que
refletissem um programa realmente inovador de pesquisa. Sua reflexão é convergente com a análise de
Maria Amélia Azevedo, acima referida.

O texto de Sérgio V. Luna, publicado inicialmente em 1989 e reproduzido na Revista que estamos citando
(1999), escrevendo sobre o problema de delimitação do campo da Psicologia Educacional coloca a
dificuldade de delimitação desse campo assumindo que o que existe é uma vasta área, demarcada por
diferentes regiões com contornos diversos em que se usam instrumentos diferenciados entre si, onde não
há consenso sobre se a área tem ou não objeto próprio. Na discussão do tema, encontram-se interligados
problemas tanto de ordem histórica, como de ordem epistemológica. Após debater ideias correntes à
época sobre a Psicologia Educacional, sob o ângulo, de um lado, de educadores, e de outro, da psicologia,
conclui parecer "inviável falar-se em delimitação do campo da Psicologia Educacional" (op. cit., 1999, p.
51). Coloca-se de modo autoral como não assumindo a Psicologia Educacional como um ramo de
aplicação da Psicologia à Educação, não pensando, também, fazer sentido a separação entre Psicologia
Escolar e Educacional, podendo "a primeira estar contida na segunda", sem esgotá-la. Termina, com uma
proposição, que, de certa forma, é uma colocação sobre uma alternativa viável aos dilemas que
encontrou, porém, partindo da Psicologia. Diz: "... a Psicologia Educacional deveria estar retomando a
produção em Psicologia e usando-a para estudar as interações recíprocas entre o indivíduo e o seu
ambiente" (op. cit., 1999, p. 51). Mas, isto deve levar em consideração "uma leitura adequada do
contexto em que o fenômeno ocorre" e "um conhecimento tão completo quanto possível, das interações
passadas dos indivíduos, já que nelas estará contida parte da compreensão do fenômeno estudado"
(idem). Aqui há um avanço interessante na medida em que a problemática a ser abordada com enfoque
de Psicologia da Educação precisaria, nas condições postas por Luna, nascer da interlocução com outros
campos de conhecimento construindo-se uma síntese, dentro de certas possibilidades.

Avançando em dez anos, o artigo de Maria Regina Maluf, publicado em 1998 e reproduzido em 1999 (p.
15) na Revista citada acima, sobre os novos rumos para a Psicologia e os psicólogos da Educação, lembra
os dilemas enfrentados pelos estudos e pela ação profissional no campo. Olhando a partir da Psicologia, e
considerando "o caráter significativo do comportamento humano", volta-se "especificamente para as
questões que dizem respeito à pesquisa e à prática da Psicologia" com algumas hipóteses-guia: "1. o
paradigma emergente na Psicologia aponta para a consideração da cultura; 2. a pesquisa em Psicologia
Educacional vem adotando procedimentos metodológicos compatíveis com a noção de que a realidade é
uma construção social da qual o investigador participa; 3. a compreensão do fenômeno educacional em
toda sua complexidade é uma exigência que se impõe, de modo aparentemente irreversível, ao psicólogo
que trabalha com educação" (op. cit., 1999, p. 21). Esta terceira questão supõe "a superação da noção
espontaneísta do que é educação" (op. cit., 1999, p. 27). Após discutir a pesquisa e a prática em
Psicologia Educacional, a partir da ideia de cultura e das contribuições da Psicologia Cultural, e dos
procedimentos qualitativos de pesquisa em Psicologia Educacional, comenta a emergência de um
pluralismo metodológico e de avanços na crítica epistemológica, em perspectiva pós-moderna, conduzindo
seu olhar para a relação do psicólogo com a Educação. Esta relação é comentada a partir de dados de
uma pesquisa realizada pela autora em que constatou que os entrevistados "admitem que estão
ocorrendo mudanças na teoria e na prática do psicólogo educacional, embora ainda predominem práticas
inspiradas em referenciais teóricos tradicionais e não críticos. Deixa-se de "buscar respostas definitivas e
irretorquíveis..." (op. cit., 1999, p. 35). Propõe, então, que o psicólogo da educação deve receber uma
formação que o habilite a atuar na sociedade em transformação, com olhar amplo, capaz de abarcar a
complexidade do real, podendo analisar as constantes inovações com as quais se defronta e buscando
soluções, inclusive institucionais, que exigem amplo leque de cooperação. Para isso, terá que desenvolver
esquemas conceituais mais abrangentes, social e historicamente, ao mesmo tempo em que desenvolve
habilidades sociais, de interação e cooperação com o outro. Está colocado em aberto um grande desafio
tanto para a pesquisa em Psicologia da Educação, como para a formação do psicólogo que atuará nessa
área como profissional.

As três análises aqui rapidamente apresentadas confirmam o que apontamos de início. A dificuldade
associa-se à não-constituição, ainda, da Psicologia da Educação como campo transdisciplinar, havendo, no
entanto, sinais que emergem e apontam nessa direção e que transparecem aqui e ali nos textos
analisados. Podemos dizer que pelo menos a angústia em relação à dúbia posição atual da Psicologia da
Educação está posta, de um lado pelas críticas de educadores às suas visões e contribuições, de outro,
pelas buscas de psicólogos quanto a se situarem nos contextos do conhecimento científico contemporâneo
que nos incita à criação de novas formas epistemológicas. Há "incômodos" visíveis nesse âmbito de
estudos e de práticas decorrentes.

Enquanto psicólogos e educadores se puserem em campos culturais e acadêmicos com fronteiras


defensivas, em disputa de campo e de poder simbólico (cf. Bourdieu, 1983; 1989), interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade estão fora de questão como perspectivas dialógicas e integrantes. Saltos cognitivos-
teóricos nesta direção dependerão de uma crise profunda no campo, que gere um insight novo, ou até
mesmo de algo como um efeito "serendypity", ou efeito de um pó mágico de "pirlimpinpim". Brinco
porque o que aponto aqui é como uma "luta de classes", se pensarmos em Marx. Não podemos alimentar
a ideia de que pesquisadores/cientistas são cidadãos acima de qualquer "suspeita" e que seu processo de
ancoragem a certa perspectiva teórico-científica é "neutra", muito mais nos campos dos conhecimentos
relativos a humanidades e à sociedade. Cada conjunto de "parceiros" defende "sua verdade". O processo
de alienação que se aplica à vida em geral, aplica-se à vida científica. Dificilmente encontramos
investigadores nas ciências humano-sociais que trabalham com o conflito entre teorizações, na fronteira
destas. As especializações necessárias ao exercício do trabalho nesses campos, especialização "para ver
melhor", traz em si, dialeticamente, o reverso - o aprofundamento da compreensão em uma única
vertente teórica que chega ao limite de ser "defendida com a vida" acaba por gerar certa cegueira em
relação aos fenômenos emergentes na empiria histórica, social e individual, e, ao movimento e dinâmicas
que vão se gerando historicamente na vida humano e no próprio campo de conhecimento. A ancoragem é
necessária, mas a consciência crítica também, e, esta demanda ampliação de perspectiva e atenção crítica
ao real/concreto.

Concretizemos, lançando um olhar para uma questão relevante na educação no momento atual: a
formação de professores. As evidências encontradas na relação Psicologia da Educação - Formação de
Professores parecem refletir, nas práticas formativas, os "nós górdios" acima referidos, tanto pela diluição
de sua contribuição nos cursos de formação inicial de docentes, como pela fragmentação curricular
encontrada quando a Psicologia da Educação é referida.

Psicologia da Educação e formação de professores

Em estudo recente relativo à contribuição da Psicologia da Educação à formação de professores (Anped,


2009, apresentação no GT-Psicologia da Educação) verifiquei que o espaço dos conhecimentos do campo
da Psicologia da Educação veio se reduzindo, no tempo, no conjunto de conhecimentos oferecidos na
formação formal inicial de docentes para a educação básica, com exceção de alguns poucos cursos
oferecidos em universidades públicas. Nas políticas públicas, apenas quando se trata de formar
alfabetizadores em programas de educação continuada ou em serviço é que verificamos um forte apoio
em correntes da psicologia cognitiva (em várias de suas vertentes). No entanto, aí, também,
concorrentemente, estão incorporados conhecimentos advindos da linguística, bem como da neurociência.
Já se vê aqui, tanto a parcialidade curricular e o reducionismo teórico-prático processado em relação à
área, como também a concorrência intra-área e entre áreas.

Na maioria das licenciaturas não se oferece essa disciplina. Nas poucas em que a disciplina é ofertada, o
típico é a oferta de um semestre, seja com a denominação de Psicologia da Educação ou Fundamentos de
Psicologia da Educação ou Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem entre outras denominações. As
ementas mostram uma abordagem eclética, e as bibliografias mais indicadas refletem uma perspectiva
mais estrutural e funcionalista da psicologia. As bibliografias que refletem concepções mais processuais-
sócio-históricas aparecem pouco.

Certo é que a Psicologia, e consequentemente a Psicologia da Educação, abriga em seu campo de estudos
muitas formas diferentes de abordagens, com lógicas que se distanciam entre si, o que cria para os
processos de ensino da disciplina alguns constritores. As escolhas de temas e bibliografia que aparecem
nas ementas dessa disciplina, nas licenciaturas, mostram uma tendência a abarcar várias das facetas com
que ela se apresenta nos estudos acadêmicos, redundando numa espécie de colcha de retalhos, um tanto
rala, em que não se percebe quais as formas de articulação entre as facetas apresentadas. Hipotetizamos
que o impacto dos conhecimentos de Psicologia da Educação na formação e ação dos professores é bem
pequeno atualmente - falamos das diferentes licenciaturas: pedagogia, letras, matemática, ciências
biológicas, etc., etc. Assim, não dá para dimensionar seu real impacto nas questões da educação escolar.
Fica ao lado dos desafios quanto ao campo de conhecimento da Psicologia da Educação, o desafio de
voltar a fazer chegar aos futuros professores - portanto às salas de aula, às relações pedagógicas - o
conhecimento construído nessas circunstâncias teóricas e metodológicas tão tensionadas; de qualquer
forma, conhecimentos sobre o humano aprendente. Parte dessa problemática pode estar aliada às
disputas no próprio campo, e à percepção de seus limites contributivos como um dos fundamentos para
as práticas escolares e educacionais. Isto põe um desafio bem razoável aos psicólogos da educação,
desafio trazido por circunstâncias e situações históricas, no âmbito social e no âmbito científico.

Campo de tensões

Já escrevi que penso que o campo de conhecimento que chamamos de Psicologia da Educação situa-se
entre as formas de tratar fenômenos com características mais abrangentes, e só pode encontrar
significado se construído com um "olhar complexo", com uma perspectiva nova, diferente da praticada em
geral e observada nos estudos, cujas origens podem estar na psicologia e na educação como campos de
conhecimento, mas que na integração mostra-se como uma nova síntese. Não se trata do olhar da
psicologia para os fenômenos educacionais, ou dos fenômenos educacionais vistos em sua base
psicológica, mas da tentativa de construção de uma perspectiva característica cujo eixo vincula-se às
subjetividades em desenvolvimento, em e para uma dada cultura, a partir das ações, intencionais ou
ritualísticas, de outras subjetividades (GATTI, 1997).

A questão a ser colocada, talvez seja a de como se caracterizam estudos de um campo em que duas
áreas de conhecimento devem integrar-se mutuamente, gerando uma nova perspectiva de compreensão
de certos fenômenos. Se pensarmos as questões de psicologia da educação tentando superar a dicotomia
que a acompanha, e as particularidades das teorizações vigentes em um campo e noutro, talvez se possa
delinear melhor este ponto de interseção na produção de um conhecimento específico. Até aqui observa-
se uma psicologia da educação que em geral produz estudos que pretendem dar suporte à educação, e
mais especificamente ao ensino, utilizando-se de contribuições da psicologia cognitiva, da psicologia da
criança e do adolescente; ou estudos que visam a compreensão das relações no âmbito dos instituídos
educacionais a partir de diferentes teorias ou conceitos da psicologia social; ou ainda, trabalhos que se
propõem estudar as modificações psicológicas (cognitivas, afetivas, etc.) propiciadas por uma ação
pedagógica.

Bruner (1986, 1990), com outros e entre outros, vem sinalizando que a Psicologia da Educação poderia
buscar suas bases no fato de que todos, e as novas gerações também, participamos de matrizes sociais,
que compreendem a cultura e a ciência, e, nelas e com elas, adquirimos maneiras de entender e
participar, construímos representações e referências, formas cognitivas e destrezas específicas. As
subjetividades - que têm o seu lastro no social - organizam-se nas redes destas representações e
referentes, com a construção de perspectivas que criam suposições, pressupostos, projetos, portanto,
desejos, motivações, expectativas. O olhar é, pois, sobre a transformação e a transmutação que se
processa nas pessoas, crianças, jovens, adultos, idosos, pelas interações de caráter educativo -
intencionais -, como também pelos processos autoeducativos. A ótica a privilegiar é multidimensional,
transformadora, uma ótica de alternativas, de flutuações, ou seja, ao lado dos processos construtivos e
auto-organizativos deve-se considerar a mudança e a incerteza presentes nesses processos. Para a
compreensão desses fenômenos respostas genéricas, ou as fragmentárias e específicas, vêm se
mostrando pouco consequentes, e por esta razão tem-se buscado na Psicologia da Educação novas formas
de olhar os fenômenos educativos. Formas que permitam integrar, sob certas condições, o social e o
pessoal, sem dissolver um no outro. Este é um desafio e tanto para os cientistas do campo.

Bibliografia

Arendt, H. (1999). A vida do espírito. Volume I - Pensar. Lisboa, Instituto Piaget.

Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero.

______. (1989). O poder simbólico. Rio de Janeiro/Lisboa, Bertrand Brasil/Difel.

Bruner, J. (1986). Actual minds, possible worlds. Cambridge, University Press.

______. (1990). Acts of meaning. Cambridge, University Press.

Charlot, B. (1998). Les sciences de l'éducation en France: une discipline apaisée, une culture commune,
un front de recherche incertain. In: Hofstetter, R.; Schneuwly, B. (eds.). Le pari des sciences de
l'éducation. Raisons éducatives, 98, pp.1-2, Paris-Bruxelles, De Boeck Université .

Gatti, B. A. (1997). O que é Psicologia da Educação? Ou, o que ela pode vir a ser como área de
conhecimento?. Psicologia da Educação, 5, São Paulo, Educ.

Psicologia da Educação: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação -


PUC-SP, 9, São Paulo, Educ, 1999.

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