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Contribuição a uma

análise da Psicologia
Dirceu Pinto Malheiro
Professor do Depto. de Comunicação da UFBA
Rosa Maria Nader
Professora do Depto. de Psicologia da UFPB

A produção do conhecimento, vre, nenhum pensamento, nenhuma

A
" ciência", essa instituição
concebida idealmente como científico ou não, é uma prática social idéia, nenhuma reflexão que tenham
a produtora e detentora de articulada a outros processos de pro- objeto e conteúdo podem ser comple-
um saber neutro, objetivo e dução (Lefebvre,1983: 49-50). O co- tamente neutros. Nem mesmo as ma-
imutável (portanto universal), está nhecimento científico concretiza-se temáticas! Elas não são neutras quan-
colocada em questão. A crise de ciên- como práticas científicas ligadas a do estão a serviço, quando entram na
cias particulares, como a das ciências uma prática ideológica determinada, prática social, quando se prestam a
sociais e a da Psicologia, coloca hoje no interior da qual os conhecimentos uma pedagogia que se dirige a deter-
em pauta questões relativas à com- são produzidos, transmitidos, apro- minadas pessoas e não a outras. Todo
preensão de como se produz o conhe- priados, sancionados e aplicados pensamento tem um conteúdo, um
cimento humano a respeito do univer- (Castells e Ipola, 1981: 10-11). objeto. Ao mesmo tempo, é uma von-
so. Essas crises estão intimamente A ciência, mantida sob o manto do tade. Existe alguma proposição que
vinculadas à crise geral da ideologia universal, do absoluto e do racional, não implique responsabilidade? Não
capitalista dominante nas sociedades está sendo desmistificada em seus existe! (Lefebvre, 1983: 30):
industriais (Castells e Ipola, 1981; fundamentos teóricos básicos: o da Desta forma, está abalada a aceita-
Carvajal, 1984; Molano, 1978; entre neutralidade e objetividade, definidas ção do critério de verdade de um co-
outros). pelo positivismo. Retomando Lefeb¬ nhecimento, baseada na definição de
objetividade enquanto atitude impar- variar conforme os interesses e objeti- lecer seu valor de verdade e objetivi-
cial e neutra do investigador, garanti- vos das classes envolvidas na formu- dade científicas, isto é, sua capacida-
da por uma metodologia empirista lação e na acumulação de conheci- de de reproduzir adequadamente uma
que "purifica" o objeto estudado. mento, ou seja, na sua produção. realidade social. (Vasquez, 1975: 20-
Hoje, cientistas das mais variadas dis- (Fals Borda, 1981:44). Esse acúmulo 21).
ciplinas já estão fazendo uma reflexão de conhecimentos, fatos, dados e fa- A atividade epistemológica, atra-
histórica sobre os pressupostos, os re- tores está articulado de acordo com vés da qual se discutem tanto concei-
sultados e a sua utilização, o lugar e o os interesses das classes sociais, e terá tos e meios de experimentação, como
alcance, os limites e a significação da relevância dentro da luta pelo poder as condições históricas de produção
atividade científica. Seu objetivo social, político e econômico. de conhecimentos específicos, impli-
maior é mostrar que a ciência, como Entre os cientistas, o questiona- ca: (a) o estudo dos aparelhos de pro-
qualquer outra prática social, é pro- mento de suas respectivas disciplinas dução desses conhecimentos, (b) seu
duzida a partir de um referencial tem-se alimentado das contradições relacionamento com a produção do
ideológico determinado pelas relações latentes e manifestas, tanto no plano discurso ideológico (em conformida-
sociais de produção dominantes. da própria prática científica, quanto de com a tese de que a teoria existe no
A ciência, como pesquisa metódica no plano geral da estrutura social em seio de formações teórico-ideológi¬
do saber, ao mesmo tempo que ma- que tal prática se insere (1). As con- cas), e (c) a determinação destes as-
neira de interpretar o mundo, é, na tradições internas ao processo de pro- pectos pela luta de classes(Castells e
realidade, uma instituição que está, dução de conhecimentos científicos Ipola, 1981: 167).
cada vez mais, integrada no processo compreendem, entre outras, a disso- As contradições que permeiam a
social, industrial e político. Torna-se ciação entre a teoria e a prática, a prática científico-profissional da psi-
cada vez menos possível ao cientista investigação e a ação, o acadêmico e o cologia devem nos levar a enfrentar
deixar de colocar questões sobre sua social, enfim, entre a ciência e a reali- um processo de reflexão, à busca de
responsabilidade pelas conseqüências dade. Essas contradições se articulam elementos para uma análise epistemo-
sociais de suas descobertas e da fun- as contradições da estrutura social, na lógica dos conhecimentos psicológi-
ção social que ocupa no conjunto da medida em que a prática científica cos que utilizamos.Esse percurso refle-
sociedade (Japiassu, 1979 a: 137- implica uma escolha, que não é feita xivo deve estabelecer algumas condi-
138). Não há, hoje, como deixar de ao acaso, mas se relaciona organica- ções para o avanço, não apenas da
levantar questões colocadas pela ma- mente com uma perspectiva global da crítica, mas antes, e principalmente,
neira como a pesquisa científica é ins- sociedade. A ótica das classes sociais da superação desses conhecimentos
titucionalizada, organizada, finan- (a ideologia) condiciona a seleção de em direção a uma outra concepção e a
ciada, orientada e utilizada pela socie- problemas, o estabelecimento de con- uma outra modalidade de prática psi-
dade em que se insere. ceitos, a concepção sobre o objeto de cológica.
A investigação científica se dá atra- estudo, a definição do que é essencial O objetivo deste artigo é o de con-
vés de uma atuação sobre os fenôme- e do que é acessório na formulação tribuir para uma análise do espaço
nos e coisas envolvidas nela. A cons- das teorias, sua aceitação e utilização epistemológico da psicologia que se
trução do conhecimento torna-se uma (Vasquez, 1975: 20-21; Lowy, aprende, que se ensina e que se prati-
forma de consciência social, na medi- 1978:15). ca: a psicologia chamada científica. O
da em que os homens que a realizam Uma forma de garantir uma auto- pano de fundo para essa análise é o da
estão inseridos em uma cultura, em nomia relativa de uma ciência em re- função social que a psicologia cum-
uma classe social e passam a perceber lação aos discursos ideológicos que priu e cumpre em relação à prática
sua posição dentro deste contexto. engendram e permeiam suas práticas social. A intenção é a de iniciar uma
Há que ser avaliada a postura do de produção de conhecimentos é a discussão sobre as necessárias modifi-
cientista frente ao seu objeto de estu- prática epistemológica. Identificando cações no espaço epistemológico da
do, a direção em que caminham as as condições materiais e sociais em psicologia que se intenta colocar a
suas conclusões e modos de interpre- que esses conhecimentos foram histo- serviço da transformação social.
tar a realidade e, principalmente, a ricamente produzidos, além dos re-
quem toca o controle do conhecimen- quisitos científicos de sistematicidade Considerações sobre
to produzido. e ordenação lógica, é possível estabe- o espaço epistemológico
A ciência assume um caráter social, da psicologia
que vai além da compreensão de que é Refletir criticamente sobre uma
um produto resultante da ação de disciplina implica a consideração de
várias pessoas e não um produto indi- (1) Esse questionamento, que tem levado à
discussão sobre a psicologia, surgiu na Europa, como ela evolui historicamente em
vidual. O caráter social da ciência é através das obras de Politzer, Vigotsky, Leon- relação a pelo menos três aspectos
definido pela compreensão de que es- tiev e Wallon, entre outros: e alcançou a Amé- que constituem e delimitam seu espa-
rica Latina na década de 60, intensificando-se a
ses indivíduos que produzem o conhe- partir de um Congresso de Psicologia em Mia- ço epistemológico: os pressupostos, a
cimento científico, o fazem dentro de mi, em 1976. No Brasil, as obras de autores definição do objeto e a função social.
determinadas condições históricas. Es¬ como Silvia Leser, Fúlvia Rosemberg, Maria Esses aspectos, embora estejam dida-
Helena S. Patto e Silvia T. M. Lane, entre
se conhecimento poduzido não terá outros, foram decisivas para a abertura dessa ticamente abordados em separado,
valores absolutos, dado que ele irá discussão. não se configuram enquanto aspectos
isolados, mas constituem um todo or-
gânico cujas partes mantêm entre si
uma relação recíproca de determi-
nação.
Esta nossa reflexão, ainda inicial e
lacunar, sobre a psicologia "tradicio-
nal" constituída sobre os alicerces da
filosofia idealista do conhecimento, é
feita a partir de referenciais forneci-
dos pelo materialismo dialético e pela
própria prática comprometida com a
transformação das condições sociais
da vida do homem.

Pressupostos
A formação das correntes teóricas
nas ciências humanas, e na psicologia
em particular, fundamenta-se, de
acordo com Piaget, em três filosofias:
o empirismo, a fenomenologia e a
dialética. Estas filosofias imprimem à
formação e desenvolvimento dessas
disciplinas não apenas as orientações
de pesquisa, mas os métodos e pressu-
postos fundamentais. uma disciplina, estarão dando-lhe um não é possível, pois declarar-se neutro
Na psicologia dita científica, o em- caráter de ciência e contribuindo para já implica assumir uma visão, ou uma
pirismo é a filosofia que informa a o seu crescimento, na medida em que posição dentro do processo de conhe-
maioria das correntes e escolas, im- se estabelece uma forma padrão, que cimento científico.
pondo a experimentação como méto- possa ser transmitida a outros pesqui- Ao estudar o comportamento, a
do privilegiado. O empirismo, en- sadores que, sendo competentes e psicologia positivista reduz o homem
quanto obstáculo epistemológico ao treinados, estejam em condições de a um objeto como outro qualquer,
desenvolvimento das ciências sociais, obter resultados idênticos. A coloca- despojado de qualquer atividade, fun-
encarna-se em uma ideologia teórica ção do instrumental técnico-científico cionando como uma máquina de rea-
— o positivismo. O positivismo im- entre o pesquisador e seu objeto de ção a um meio externo oposto a ele. A
põe não apenas a necessidade de ex- estudo garante, por um lado, a possi- psicologia positivista desloca o ho-
perimentação como condição de cien- bilidade da reprodução dos procedi- mem para um meio abstrato, descon-
tificidade; ele impõe também uma mentos e, por outro lado, possibilita textualiza-o do meio histórico e so-
forma particular de interpretação da um distanciamento e frieza entre os cial, fragmenta-o em compartimentos
experiência: ela é reduzida a um regis- dois pólos. Na perspectiva positivista, isolados, ocupados por qualidades
tro dos dados observados, não consi- essas condições dão a validade, a ve- psíquicas próprias ao homem, como:
derando a estrutura ativa dos objetos racidade e objetividade dos resultados percepções, pensamento, vontade,
estudados e suas relações com as obtidos na pesquisa. sentimentos etc. Dentro da psicologia
ações do sujeito que conhece e suas No positivismo, para que a cientifi¬ não há consideração do aspecto histó-
tentativas de interpretação. cidade e validade dos dados objetivos rico na compreensão do comporta-
O que se pretende, na ótica de não sejam prejudicadas, a neutralida- mento humano. Seus procedimentos
análise da realidade fornecida pelo de do pesquisador deve ser garantida. tradicionais de pesquisa e suas formas
positivismo, é enfatizar a objetividade O que significa que ele, no processo quantitativas de análise nos fornecem
e o rigor científicos. O conhecimento de construção do conhecimento, em dados exploratórios para o caminhar
gerado pela observação da realidade interação com seu objeto de estudo, das investigações, mas não podem ser
não levaria em si qualquer implicação não poderá ter seus valores interferin- dados conclusivos sobre o comporta-
política ou ética, na medida em que o do na análise dos dados que estiver mento, pois fornecem o empírico e
cientista, atendo-se aos procedimen- coletando. Porém, o que há são cien- não o concreto. O concreto, ponto de
tos científicos, deixasse de lado seus tistas que estão inseridos em uma rea- partida e de chegada da investigação,
preconceitos subjetivos e suas inten¬ lidade histórica, pertencentes a uma vai muito além de impressões empíri-
cionalidades políticas, preocupando- classe social, comprometidos politica- cas ou representações de fenômenos;
se apenas em constatar, medir, des- mente com alguma visão da sociedade ele é uma síntese de múltiplas deter-
crever e prever os fatos. E esses proce- e, enquanto indivíduos, com sua sub- minações, inclusive determinações so-
dimentos, ao serem utilizados por jetividade; a neutralidade científica ciais e históricas.
A psicologia dita científica, através e passa ser considerada como epifenô¬
de uma psicologização do social, uma meno de modificações orgânicas. Sob
biologização do psiquismo e de uma a influência de Taylor e Bergson,
naturalização do homem, nega o ca- Watson considera que a psicologia,
ráter fundamentalmente histórico dos para tornar-se uma ciência ao nível da
fatos humanos e passa a acreditar física e da fisiologia, deve ater-se ao
numa natureza imutável em sua es- estudo da conduta (behavior) do ho-
sência. Ao considerar o homem um mem, aplicando o método e o voca-
objeto como outro qualquer, consti- bulário que muitos pesquisadores
tuído pela soma de seus comporta- consideram vantajoso para o estudo
mentos e atitudes, a psicologia não dos animais inferiores (Watson, J.B.
consegue apreender o sentido pelo transitórios, perecíveis, suscetíveis de — Behaviorism, In Merani, 1972:
qual o homem se revela e existe. Ela transformação pela ação dos homens; 14). Adotando uma fórmula mecani-
não consegue unificar, nem totalizar, (b) identidade parcial entre o sujeito e cista da conduta, a psicologia experi-
uma imagem de homem sujeito que se o objeto de conhecimento; (c) o fato mental exaure a consciência de sua
constrói constantemente por sua pre- de que os problemas sociais suscitam significação e a substitui pela ação,
sença no mundo. Assim, a psicologia a entrada em jogo de concepções an- automática como o reflexo e finalista
torna-se um conjunto de técnicas que tagônicas das diferentes classes so- como o instinto. Fazendo isto, substi-
possibilitam, no plano teórico, situar ciais e (d) as implicações político- tui a dicotomia cartesiana corpo-
o indivíduo numa coletividade, graças ideológicas da teoria social: o conhe- alma, pela divisão entre organismo e
a uma série de normas: normas que o cimento da verdade pode ter conse- meio.
reintegram, quando delas se desvia, qüências diretas sobre a luta de
que o excluem, quando for considera- classes. A incorporação, pela psicologia,
do "anormal" e que o selecionam, do modelo da biologia não é fortuita:
quando for considerado "apto" (Ja¬ Objeto da psicologia ao fazer a analogia entre meio natural
piassu, 1982: 217). Profundamente marcada pela dico- e meio social, ao qual o homem nada
As psicologias diversificam-se de tomia cartesiana, a psicologia, ao des- pode fazer, além de ajustar-se, a psi-
acordo com os ângulos de análise do tacar-se da filosofia, elegeu como seu cologia incorpora e ajuda a consoli-
homem: há uma psicopatologia para objeto de estudo os estados da cons- dar a ideologia capitalista dominante.
os doentes; há uma psicologia social, ciência, considerada distinta e inde- Concebendo o homem como um
se o indivíduo está em relação; há pendente da matéria. universo fechado em si mesmo, com
uma psicologia diferencial, se ele é A necessidade imperiosa de aten- uma essência que resume suas quali-
sexuado; há uma psicologia genética, der aos critérios de cientificidade, es- dades e determina sua natureza, a
se ele é criança etc. Localizando-se tabelecidos pela época, impõe a intro- psicologia aceita que as estruturas do
como "uma teoria geral da conduta", dução do método experimental no es- homem são permanentes e imutáveis,
a psicologia facilmente subordina-se à tudo da consciência. A introspecção, cumprindo um destino inexorável,
ideologia dominante, pois seu objeto método utilizado para o acesso direto que pesa ao longo da história da espé-
é o homem situado em uma sociedade à consciência, não respondia, sozi- cie (a ontogênese repete a filogênese,
regulada e reguladora, à qual ele deve nha, à exigência de objetividade. A admitiu Stanley Hall). Para a psicolo-
integrar-se e adaptar-se. relação entre o físico e o psíquico gia, a sociedade é considerada como
Neste sentido, a psicologia tornou- (paralelismo psicofisiológico) é reco- algo "dado", apresentando-se como
se uma ciência do homem em geral, nhecida e, dessa forma, as manifesta- um epifenômeno que se acrescenta ao
tomando de empréstimo os modelos ções corporais dos estados da cons- fenômeno essencial (o ser humano),
da biologia, modelos estes que se ciência (as sensações) são eleitas co- sem, no entanto, alterar-lhe os rumos.
equilibram em torno do conceito de mo objeto de observação e mensu¬ A natureza histórica do homem e os
"função" e "norma". O positivismo, ração, e como meios indiretos de co- fatos sociais, e a relação entre homem
ao partir de duas premissas essenciais nhecimento dos fatos psíquicos, com- e sociedade não são consideradas,
— (a) a sociedade pode ser epistemo- plementando o conhecimento direto mascarando, assim, a existência das
logicamente assimilada à natureza, e permitido pela introspecção. classes sociais, da ideologia e do
(b) a vida social é harmônica e é De recurso auxiliar ao conheci- poder.
regida por leis naturais, invariáveis e mento da consciência, os dados exte- Essa maneira de considerar o ho-
independentes da vontade e ação hu- riores a ela, passíveis de observação e mem e a sociedade dão os subsídios
manas — não reconhece que as ciên- mensuração, passam a constituir o para a orientação da prática psicoló-
cias sociais, e em particular a psicolo- objeto de estudo da psicologia. A gica que consiste, para a grande maio-
gia, devem ter especificidades meto- consciência (que engloba a razão, os ria das teorias e correntes psicológi-
dológicas que as diferenciam das ciên- estados, as funções, os fenômenos psí- cas, em ajudar o homem a suportar e
cias naturais. Estas especificidades se quicos e mentais e a vida interior), a se adaptar às engrenagens do sis-
devem, para Lowy (Lowy, 1978: 15) admitida pelos primeiros psicólogos tema.
a quatro fatores principais: (a)o cará- experimentalistas, é descartada en- Contendo o modelo teórico domi-
ter histórico dos fenômenos sociais, quanto objeto de estudo da psicologia nante nas várias escolas psicológicas,
a concepção behaviorista foi determi- logos, já alienados pelas escolas de mundo e de sua personalidade, como
nante para a direção tomada pela psi- psicologia que os formam, compreen- um existente cujo sentido precisa ser
cologia contemporânea, produzida, dam que a psicologia, desde o início manifestado, é o primeiro passo que a
em sua quase totalidade, sobre o pa- deste século, está dividida em duas psicologia deve dar para abrir-se à
radigma oferecido pela filosofia idea- correntes: a dos técnicos que exercem possibilidade de tornar-se um conjun-
lista do conhecimento. As psicologias função de saber, e dos tecnocratas, to de conhecimentos que facilitem ao
produzidas a partir de outras concep- que exercem função de poder (Mera- homem reconhecer-se como sujeito de
ções a respeito do conhecimento e do ni, 1.972:2). Os psicólogos nem po- sua própria libertação.
sujeito cognoscente são ainda pratica- dem suspeitar que essa divisão é pro- Abrir-se a essa possibilidade impli-
mente inexpressivas entre nós. duto da pressão do sistema industrial. ca a construção de conhecimentos so-
Esclarecê-lo é um dever, denunciá-lo é bre a dimensão psicológica da reali-
Função social da psicologia uma obrigação moral ( M e r a n i , dade a partir de uma outra opção de
1972:2). A preocupação maior da função social da psicologia: a de
Vista por vários autores, (entre ou- psicologia foi a de se desenvolver no agente de transformação. Assumi-la
tros, Sastre, 1974; Merani, 1972; campo da prática, convertendo-se com a possibilidade de contribuir so-
Bernard, 1974; Japiassu; Deleule, mais em instrumento de poder, do cialmente para a transformação das
1972), como instrumento de aliena- que em elaborar um corpo teórico de relações sociais baseadas na explora-
ção, a psicologia construída sobre o conhecimentos a respeito do homem, ção, implica assumir outros conceitos
paradigma positivista cumpre a fun- exercendo secundariamente sua fun- fundamentais a respeito do homem,
ção social de agente de adaptação dos ção de saber. de sociedade, de métodos de produ-
indivíduos à sociedade e suas institui- Em decorrência dessa opção, a psi- ção de conhecimentos, enfim, uma
ções. cologia deve seu desenvolvimento outra concepção de ciência.
A concepção de homem que a psi- atual às possibilidades práticas que
cologia ainda utiliza atribui ao ser ela coloca à disposição das atividades Bibliografia
humano uma substância homogênea mais diversas: na readaptação, na
BERNARD, M. A filosofia das ciências
e permanente, com qualidades pró- orientação educacional e profissional, sociais, Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1974.
prias e inalienáveis, qualquer que seja na empresa, no comércio, na propa- CARVAJAL, C.A. La psicologia social co-
o meio em que viva. Para a psicologia, ganda, nos meios de comunicação de munitaria: uma discusión abierta. Bogotá,
1984, mimeo.
o homem, como o inseto, terá maior massa etc. CASTELLS, M. e IPOLA, E. Metodologia
grau de desenvolvimento e de equilí- Porém, esse discurso e essa função y epistemologia de las ciencias sociales.
brio quanto maior for sua adequação Madrid, Editorial Ayuso, 1981.
social não são inerentes à psicologia. DELEULE, D. La psicologia, mito cientifi-
às formas das relações fundamentais Eles foram encontrados por necessi- co. Barcelona, Anagrama, 1972.
existentes na sociedade, que são inva- dades históricas de consolidação do FALS BORDA, O. Aspectos teóricos_ da
pesquisa participante. In: BRANDÃO,
riáveis e independentes da vontade do capitalismo, que orientaram toda a C.R. Pesquisa participante. São Paulo,
homem. dinâmica das relações sociais, incluin- Brasiliense, 1981.
Com tais pressupostos a respeito do-se a produção de conhecimentos JAPIASSU, Introdução ao pensamento
epistemológico. Rio de Janeiro, Francisco
do homem e sociedade e, sendo pro- científicos. A função histórica da psi- Alves, 1979 a 3 o ed.
duzida numa sociedade em que os cologia é compreender o homem con- JAPIASSU, H. A psicologia dos psicólo¬
gos. Rio de Janeiro, Imago, 1979.
imperativos do mercado de trabalho creto, definir o ser real, o vivente, e JAPIASSU, H. Nascimento e morte das
fazem apelo a um tipo de "racionali- não apenas as qualidades desse ser, ciências humanas. Rio de Janeiro, Francis-
dade" e "produtividade", a psicolo- como se faz com os conceitos abstra- co Alves, 1982, 2° ed.
LEFEBVRE, H. Lógica formal/lógica dia-
gia pode ser concebida a partir do tos (Merani, 1972:5). lética. Rio de Janeiro, Civ. Brasileira,
modo como é utilizada. A função de A piscologia deve ser a ciência do 1983, 3° ed.
servilizar os indivíduos se explicita e o sujeito e de sua libertação, e não a LOWY, M. Método dialético e teoria po¬
lítica. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978
discurso ideológico adaptacionista fi- ciência do homem em geral e da inte- MERANI, A.L. Psicologia e alienação. Rio
ca evidente. gração social; a ciência do sentido, e de Janeiro, Paz e Terra, 1972
O discurso adaptacionista parece não da palavra modelada pelas estru- MOLANO, A. Naturaleza y limites de
esta introducción. In: PUNTA DE LAN-
constituir a unidade básica dissimula- turas; a ciência do subjetivo e da cria- ZA (ed.) - Crítica y política en ciencias
da sob a aparente heterogeneidade e tividade, e não das mentalidades este¬ sociales: el debate sobre teoria y pratica—
Simposio Mundial de Cartagena, Cartage-
antagonismo entre as escolas e cor- riotipadas exigidas pela racionalidade na, 1978, Tomo I
rentes da psicologia. Ele existe nas técnica e tecnocrática. Seu projeto PATTO, M.H.S. Psicologia e ideologia:
várias versões do behaviorismo, pas- não pode deixar de ser o de uma uma introdução critica à psicologia esco-
lar. São Paulo, T.A. Queiróz Ed., 1984
sando pelo movimento psicometrista ciência da compreensão, da comuni- SASTRE, C.L La psicologia, red ideológi-
de fundamentação cognitivista e hu- cação e do encontro do homem e do ca. Buenos Aires, Ed. Tiempo Contempo-
manista, até a teoria piagetiana, o mundo (Japiassu, 1979 8: 27). raneo, 1974
VASQUEZ, A.S. La ideologia de la "neu¬
psicodrama, as teorias da personali- Pensar o homem como um sujeito tralidad ideológica" en las ciencias socia-
dade e as de terapia (Patto, 1984:93). presente no mundo, como subjetivi- les, in: Revista História y Sociedad. Méxi-
dade em conquista permanente de seu co, 7, 1975, 9-25
É necessário que os próprios psicó-

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