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Revista de Etologia 1999, Vol.

1, N°1,Comportamento
47-64 animal: entre o sujeito e o objeto

Comportamento Animal: entre o Sujeito e o Objeto

HILTON FERREIRA JAPYASSÚ


Instituto Butantan

Além da Etologia, a Psicologia e a Biologia são também abordagens importantes ao Comportamento Animal.
Estudos psicológicos enfatizam o subjetivo e a causalidade externa, e estudos na perspectiva biológica são mais
centrados na espécie, mais afeitos à causalidade interna. Apresento, de um lado, um histórico resumido das
condições de nascimento da Psicologia e de seu desenvolvimento desde a Psicologia Introspectiva até o
Behaviorismo; de outro lado, mostro o surgimento da Etologia, seus conflitos com as psicologias de inspiração
ambientalista, e as múltiplas e contraditórias influências que recebe em seu desenvolvimento histórico. A
Ecologia Comportamental é também apresentada (como um projeto ultradarwinista de análise do comporta-
mento) e seus vieses formativos são discutidos. Em meio a esta multiplicidade de abordagens, surge uma
síntese consensual que coloca na inter-ação entre sujeito e meio a construção dos caracteres comportamentais.
Tal síntese, no entanto, mais afeita ao espaço do desenvolvimento individual, apresenta dificuldades em inte-
grar duas abordagens importantes: a ontogenética (ou das causas proximais) e a filogenética (ou das causas
últimas). Além disto, este interacionismo se multiplicou em variadas nuances, as quais permitem a sobrevivên-
cia da dicotomia externalismo-internalismo. Procuro mostrar que a irresolução deste conflito reflete não
apenas uma crise acerca das concepções de comportamento animal, mas também uma crise de identidade do
ser humano e, mais que isto, uma crise acerca do processo de constituição do ser e do pensar.
Descritores: Etologia. Psicologia. Ecologia comportamental. História da Ciência. Epistemologia.

Animal behavior: between subject and object. The study of Animal Behaviour has been approached by two
other distinct scientific areas, besides Ethology itself. Psychological studies emphasize subjective and external
causes of behaviour, while biological studies focus on species level and internal causes of performance. I
present the historical scenario that led to the emergence of Psychology as a discipline, and sketch some aspects
of its development from Introspective Psychology to Behaviorism. I also show the emergence of Ethology, its
conflict with psychologies of environmental inspiration, and the multiple and conflictuous influences it receives
from other disciplines. Behavioural Ecology is presented as an ultradarwinian research project, and I discuss its
main theorethical presuppositions. From this multidisciplinary approach a consensus emerges that construction
of behaviour phenotypes lies upon the interaction between external and internal factors. Unfortunately, this
consensus is more akin to the developmental level of analysis, failing to integrate the ontogenetical (immediate
causes) and phylogenetical (ultimate causes) approaches. In addition, interactionism has branched into various
nuances which allow for the external-internal dichotomy survival. I try to show that this is not only a conceptual
problem in Animal Behaviour, but that it is also related to the question of human identity (or human nature),
and more than that, that it reflects a crisis about the constitution of being and thought.
Index terms: Ethology. Psychology. Behavioral Ecology. History of Science. Epistemology.

As perspectivas histórica e filosófica têm formalizadas. Tais perspectivas procuram desta


sido constantemente eliminadas do processo pe- maneira se tornar “objetivas” e impessoais,
dagógico. Isto ocorre também em várias áreas intersubjetivas e generalizáveis para amplos se-
do conhecimento, nas quais uma crescente pre- tores do saber, universalizando-se. Diz-se que a
ocupação com a “cientificidade” tem trazido à perspectiva histórica caminha no sentido inver-
tona formas de pensamento mais matematizadas,
Agradeço a Eduardo Ottoni, a Nelson Coelho e a
Laboratório de Artrópodes, Instituto Butantan Av. um revisor anônimo pela leitura crítica e pelas su-
Vital Brasil 1500, São Paulo, Brasil, 05503-900. E- gestões. Agradeço também a Cristina Anne Rheims
mail: japyassu@usp.br pela ajuda com o resumo em inglês.

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so, qual seja o da busca da origem individualiza- Pré-condições para o surgimento de


da, subjetiva (não apenas no sentido psicológi- uma Ciência do Comportamento 2
co, mas também no sentido de própria a cada
disciplina, a cada momento histórico), tendo desta Para que pudéssemos falar em uma deter-
forma uma utilidade restrita. Acredito, no en- minação interna ou internalizada do comporta-
tanto, que somente quando é contextualizada a mento (em fatores como características pessoais,
origem das idéias, quando elas são colocadas em tipos de aprendizagens, etc), ou seja, para que
seu embate teórico historicizado, é que ocorre nos preocupássemos em buscar as causas do com-
uma real compreensão das questões importantes portamento de um indivíduo nele mesmo, seria
em cada área. Além disso, a abordagem históri- necessário inicialmente que o indivíduo
co-crítica permite um trafegar mais livre entre vivenciasse espaços de liberdade. Para tanto, foi
os diversos discursos, estimulando o intercâm- necessário o esfacelamento das “civilizações fe-
bio de idéias entre contextos teóricos e sociais chadas” (a partir do século XVI), com uma con-
diversificados, de modo a ancorar o fazer cientí- seqüente expansão dos espaços de liberdade in-
fico em uma comunidade mais ampla. dividual. O incremento destes espaços de
O estudo do comportamento animal, por liberdade levou a uma multiplicação de papéis,
sua natureza interdisciplinar, é praticado tanto de vivências alternativas e alternantes (variáveis
em meio à Psicologia como junto à Biologia. Na e/ou contraditórias inclusive no curso de uma
Psicologia, cujo objeto de estudo principal é a mesma vida), a uma maior diversidade social,
subjetividade (ou os constructos internos ou aumentando o poder explicativo do singular em
internalizados do sujeito), o estudo do compor- relação ao geral, ressaltando o papel do particu-
tamento vai privilegiar o ambiente como lar sobre o coletivo.3
determinante da ação. Por outro lado, na Biolo- Esta maior diversificação de papéis e pos-
gia, cujo objeto principal de análise é a sibilidades diminuiu a força da identificação so-
morfologia da matéria viva, seus movimentos e cial como produtora de identidade, predomi-
inter-relações, o estudo do comportamento vai nante em civilizações fechadas como a sociedade
privilegiar as concepções inatistas. A idéia cen- agrária medieval. Figueiredo (1989) ressalta que
tral do presente trabalho é a de que o estudo do em tais sociedades o indivíduo era “em grande
comportamento, por receber influências tanto parte o que a comunidade definia, restringin-
das ciências que focalizam o animal como o su- do-se, ainda que não eliminando de todo, a fai-
jeito de sua ação (Psicologia) quanto daquelas xa das opções individuais capazes de ... contri-
que o consideram como o objeto de processos buir para sua identidade social” e que, a partir
naturais (Biologia), estaria em uma posição pri- da “dissolução dos vínculos pessoais calcados na
vilegiada para discutir as relações entre estas duas tradição, ... ser alguém passou a pressupor tor-
esferas do conhecimento e para propor possí- nar-se alguém” (pp. 20-22). Com o surgimento
veis rotas de integração entre elas. de grandes entrepostos comerciais e financeiros,
O objetivo do trabalho é apresentar histó- de grandes aglomerados humanos, surge tam-
rica e criticamente as principais idéias advindas bém uma multiplicidade de novos espaços urba-
de uma comunidade de pesquisadores que tra- nos com variados níveis de privatização (cafés,
balham com o comportamento animal, avalian- pubs, clubes, etc), nos quais se podem exercitar
do como se encaminhou a resolução dos princi- diversos níveis ou faces da subjetividade.
pais conflitos teóricos da área. Para tanto, inicio Após esta expansão dos espaços de liber-
o artigo contextualizando o surgimento de tais dade individual, seguem-se inúmeras tentativas
idéias, ressaltando as condições necessárias para de submetê-los a normas. Algumas passam pela
sua ocorrência. Discussões mais aprofundadas via do auto-controle, da metódica interiorização
sobre este assunto podem ser encontradas em de regras de comportamento (como entre alguns
Bukhardt (1981) e Figueiredo (1989, 1994).1 reformadores católicos); outras buscam
normatizar os novos espaços públicos, prescre-

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vendo regras básicas de etiqueta, de condutas filiação. Por um lado encontram-se “os projetos
socialmente aceitáveis. Formas posteriores e mais de psicologia concebidos como desvelamento de
elaboradas de regulação dependeram inicialmen- ilusões, como genealogias de identidades civili-
te de uma cisão da subjetividade em duas por- zadas, como desconstrução de identidades fictí-
ções: uma mais previsível, comum a grupos de cias” (Figueiredo, 1994, p. 103).
indivíduos e portanto partilhável, passível de Nestes projetos cabe às psicologias apenas
exposição pública, e outra mais inconstante, su- o desvendamento de toda subjetividade como con-
jeita a desejos e movimentos passionais; esta últi- tingência, como fruto de dimensões históricas,
ma subjetividade passou a ser expurgada, exclu- políticas, religiosas, éticas e até biológicas da ex-
ída através do uso de métodos que privilegiavam periência, cuja principal característica é a arbi-
ora as idéias claras e distintas (a dúvida metódi- trariedade. Por isto, abdicam de toda pretensão
ca cartesiana), ora a observação baconiana, à “verdade” e, nas palavras de Figueiredo, “nos
empírica e despida de “ídolos.” Estas tentativas convidam a rir,” a nos divertirmos como em um
de circunscrição dos espaços de liberdade indi- grande baile de máscaras. Em contraposição a
vidual foram suplantadas por novas defesas da tais projetos de ciência psicológica encontramos
privacidade, movimentos que enfatizavam ora a as psicologias que se levam a sério como
igualdade de direitos e a liberdade individual4 conhecimento objetivo dos caracteres, ou
(individualismo “ilustrado,” mais afeito à esfera seja, das identidades substantivadas nos
pública), ora a singularidade e a necessidade de diversos “tipos psicológicos;” as psicologias
expressão destas particularidades (individualis- que se voltam para o estudo analítico-
funcional dos processos cognitivos ou das
mo “romântico,” mais afeito à esfera do privado).
paixões e demais “estados subjetivos.”
É a partir destes movimentos de expansão (Figueiredo, 1994, p. 103)
e retração dos espaços de liberdade privatizada
que o “psicológico” se constitui em um objeto São os projetos ditos “científicos” de Psi-
de investigação. Em seu movimento de expan- cologia, entre os quais se encontram aqueles que
são, o “psicológico” não requer análises; apenas influenciaram fortemente a Etologia, seja como
quando a privacidade entra em crise é que ela se fonte de inspiração (Psicologia Comparativa), seja
converte em objeto de suspeitas e de cuidados como contraponto teórico (Psicologia Experi-
especiais; apenas quando o conhecimento subje- mental). É entre tais “psicologias que se levam a
tivo passa a desconfiar de si mesmo é que surge a sério” que se encontram as “bases psicológicas”
necessidade de uma busca pelo que se encontra do estudo do comportamento animal.
para além das aparências e ilusões;5 é somente Nesta vertente de influências, a pesquisa
após expansões e, especialmente, retrações da em comportamento animal privilegia o
experiência subjetiva individualizada que os tem- destrinchamento causal das estruturas
pos estão maduros para uma ciência psicológica comportamentais, buscando evidenciar sua lógi-
do comportamento, a qual vai buscar as razões ca interna e os mecanismos responsáveis pelo
dos atos não no senso comum (que não é seu estabelecimento. O apreço às causas
confiável, que não tem isenção para falar de si proximais do desempenho, tanto no que se re-
próprio, que é ilusório), mas no campo da lógi- fere aos condicionantes externos enfatizados por
ca e do intersubjetivo.6 uma Psicologia Experimental, quanto no que
diz respeito aos determinantes internos estuda-
dos na tradição da Psicologia Comparativa, é uma
Os Projetos de uma Ciência do herança clara das psicologias presente na
Comportamento Etologia.
A Etologia, no entanto, sofre também for-
Como fruto destas expansões e retrações tes influências de uma outra área do saber: a
dos espaços de liberdade individual, as psicolo- Biologia, que privilegia a funcionalidade e as
gias contemporâneas apresentam uma dupla conseqüências evolutivas do desempenho. Esta

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ênfase na função pode se dar por influências da regulação que garantem a persecução da meta
Ecologia (com sua preocupação com o valor diante de resistências interpostas pelo ambiente.11
adaptativo das relações organismos/ambientes, a Seguindo uma tendência comum à época, eles
função mais imediata do desempenho) ou da Evo- procuram eliminar de sua metodologia a
lução (construção de genealogias, fruto da his- introspecção, colocando em seu lugar a experi-
tória das funções no tempo). mentação controlada. Na visão de Thorndike, o
modelo evolutivo darwiniano de variação e sele-
Sistemas Causais e Comportamento ção é mimetizado pelo modelo de aprendizagem
por ensaio e erro. Estes autores procuram um
Um dos primeiros pesquisadores a apre-
pragmatismo na solução de problemas clássicos
sentar uma proposta coerente para a compreen-
como o problema mente-corpo.12
são das causas do comportamento foi o
Neste contexto, surge a proposta radical
fisiologista alemão Wundt. Para ele, o objeto desta
do Behaviorismo norte-americano (inicialmente
nova ciência (localizada entre as ciências da na-
com Watson e posteriormente com Skinner). Este
tureza e as da cultura) é a experiência imediata,
movimento condena a pretensão de se ir além
cujos elementos (sentimentos, emoções, sensa-
do observável (com a completa desconsideração
ções) seriam os átomos da consciência. Tais ele-
da introspecção e da vida interior), trabalhando
mentos seriam identificados através da
exclusivamente com as respostas observáveis a
introspecção treinada e controlada (para que não
estímulos controlados pelo experimentador. Ele
houvesse “erro de estímulo:” o relato de algo
inaugura a concepção de caixa-preta, dentro da
acerca do objeto construído socialmente, e não
qual se encontram todos os supostos
acerca das sensações primárias). 7 Sua
determinantes internos do comportamento (fisi-
metodologia buscava a quantificação das opera-
ologia, conexões neurais, pré-disposições “ina-
ções mentais a partir de experimentos relativa-
tas”).13 O ambiente é decomposto em estímulos
mente simples.8
(e não mais em situação-problema) e os compor-
A tradição norte-americana. Um dos princi-
tamentos são analisados em termos de respostas
pais entraves para o projeto de Wundt era a sua
unitárias (e não mais em termos de ações que
abrangência (procurou manter unidos o mun-
transformam o ambiente para a solução de pro-
do “natural” e o cultural), que colocava proble-
blemas). Este projeto não nega a existência de
mas para a definição da natureza humana. Seu
estados internos e predisposições inatas, apenas
discípulo inglês, Titchener,9 procurou deixar de
os relega a um papel secundário, afirmando que
lado o estudo do comportamento social e das
o principal da existência se encontra naquilo que
expressões culturais, e aproximou sua análise da
o animal aprende ao longo de sua vida.
fisiologia reflexológica russa (Bechterev,
Toda a tradição americana no estudo da
Sechenov, Pavlov); a imagem de homem passa
ontogênese do comportamento foi caracterizada
então por uma decomposição em elementos (re-
por uma predominância da abordagem
flexos inatos ou aprendidos), que se associam uns
ambientalista. A tradição de pesquisa de
aos outros.10
Thorndike/Watson/Skinner (estudando a apren-
Neste período há uma breve passagem
dizagem) apresenta níveis crescentes de uso des-
funcionalista no pensamento da Psicologia dita
ta abordagem. O clímax se dá com Skinner, mas
“científica.” Opondo-se à tradição elementarista
já é claramente prenunciado por Watson, que
de Titchener, pesquisadores como Dewey e
dizia que a partir de uma criança qualquer ele
Thorndike procuraram direcionar suas observa-
poderia obter qualquer tipo de profissional ou
ções para a função. Para eles os comportamentos
de personalidade (desde que lhe fosse permiti-
dos seres vivos se distinguem claramente dos
do utilizar as leis da aprendizagem e do condi-
movimentos mecânicos da matéria inerte por se-
cionamento), numa clara indicação de que a
rem articulados e hierarquizados, visando uma
aprendizagem é todo poderosa e de que o orga-
meta, e por estarem submetidos a sistemas de auto-
nismo é uma tabula rasa, uma entidade

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despossuída de estrutura relevante e que, por- A tradição européia. A abordagem iniciada


tanto, está apta a ser moldada em qualquer dire- por Lorenz e seu colega Tinbergen (Etologia Clás-
ção. Para Skinner, o sujeito é controlado pelo sica), contemporânea e contrária à escola
ambiente (estímulos externos) que estrutura o behaviorista skinneriana, é o mais biologizante dos
organismo via reforço de respostas com conse- projetos de estudo do comportamento animal.
qüências. O ambientalismo norte-americano foi Pode-se dizer que a observação
marcante mesmo entre seus etólogos (p. ex., naturalística do comportamento animal teve
Schneirla),14 que valorizavam a interação com o como precursores proto-etologistas como Henri
ambiente mesmo nos comportamentos tidos como Fabre, George e Elizabeth Peckham, Julian
“instintivos”, típicos da espécie. Como conseqü- Huxley, naturalistas com uma aguda percepção,
ência desta abordagem, o sujeito é encarado de que descreviam episódios de comportamento nos
forma passiva, como sendo moldado pelas for- quais os animais eram o sujeito principal da nar-
ças ambientais: a imagem de sujeito é a de um rativa (Crist, 1998).
ser que apenas reage (paradigma estímulo>res- Entre os precursores do lado experimen-
posta), destituído de espontaneidade e de dire- tal da Etologia Clássica temos Müller e von
ção. Uexküll. A psicofisiologia de Müller (ou de
Figueiredo (1989) sugere haver um certo Hering), no século XIX, postulava que a sensa-
conjunto de idéias que vão sendo reforçadas ao ção seria determinada fundamentalmente pelo
longo desta tradição norte-americana de estudo que há de específico em cada via sensorial: um
do comportamento. Uma delas, paradoxalmen- mesmo estímulo (p.ex., uma batida) gera uma
te, é a eliminação do subjetivo, tanto no campo sensação luminosa (no olho), dolorosa (na pele)
metodológico (fim da introspecção como um ou sonora (no ouvido), o que mostra que é a via
método válido) como no teórico (para o sensorial que estrutura o estímulo. Esta idéia foi
behaviorista o sujeito é fruto de sua história de ampliada por von Uexküll que, estudando o
vida; sua liberdade é uma ilusão e sua individu- comportamento de diferentes espécies animais,
alidade um mero acaso histórico, em si despro- percebeu que uma explicação destes comporta-
vido de interesse científico).15 Na verdade, ao lon- mentos dependia do conhecimento da natureza
go do século XX o sujeito vai sendo do “mundo sensorial” de cada espécie. Assim o
gradativamente expulso não apenas das psicolo- ambiente de cada espécie não seria aquele que a
gias, mas das ciências humanas como um todo Física ou a Química descrevem, mas um con-
(história, sociologia, antropologia), fruto da pre- junto articulado de estímulos com valor e signi-
dominância dos determinismos neste período ficado: para um carrapato pendurado no galho
(Morin, 1996). Uma outra tendência constante é de uma árvore, o odor de um quadrúpede que
para a quantificação e a formalização de leis ge- passa abaixo tem um significado muito diferente
rais, que se acompanha de perto por uma do de todos os outros odores, tanto que resulta
atomização do sujeito, seqüência de eventos que no desprendimento do carrapato (que cai sobre
mimetiza a evolução histórica das ciências exatas o quadrúpede). Os estímulos percebidos pelas
(em particular a da Física). Uma outra concep- diferentes espécies não são os mesmos, de modo
ção que ganha progressivamente importância é que cada organismo vive dentro de seu próprio
a do funcionamento mecânico: o sujeito é con- universo sensorial (Umwelt): o ambiente efetiva-
cebido como um mecanismo programado para mente não controla o organismo e sim é selecio-
associar respostas com reforços ou recompen- nado, estruturado e valorado por ele.
sas. A história de vida vai cada vez mais se tor- As raízes desta abordagem etológica
nando a introjeção de associações com conseqü- nativista se encontram na permanente resistên-
ências positivas somada à eliminação daquelas cia dos fenômenos biológicos a se moldarem às
com conseqüências negativas, num processo se- concepções mecânicas e atomizadas da nature-
melhante ao da seleção natural darwiniana (veja za. Três fenômenos característicos dos seres vi-
p.ex., Skinner, 1981). vos desafiaram o poder compreensivo do

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mecanicismo/atomicismo: a reprodução, o desen- Uma das preocupações fundamentais da


volvimento e a autoconservação.16 Tais caracte- nascente Etologia (Lorenz, 1993) dizia respeito
rísticas levaram inicialmente à postulação de à possibilidade de uso do comportamento para
energias vitais (vitalismo) e, posteriormente, com traçar filogenias, havendo um esforço teórico e
uma abordagem mais materialística, culminaram empírico para uma equiparação entre os
no surgimento das noções de “organismo,” “fun- caracteres comportamentais e a morfologia e a
ção” e “evolução,” dando origem a uma ciência fisiologia. Tal atitude era necessária para a fun-
biológica moderna. dação de um projeto vigoroso de pesquisas so-
A noção de organismo aparece já em bre a evolução do comportamento, e pressupu-
Cuvier, segundo o qual todos os órgãos de um nha uma causação endógena, uma forte base
mesmo animal formam um sistema único em que genética para o comportamento. Para tanto
todas as partes se sustentam, atuam e reagem umas Lorenz recupera o conceito de instinto, caracte-
às outras, não podendo haver modificações numa rizando-o como uma cadeia de atos funcionais
delas que não acarretem modificações análogas orientados para uma finalidade conservadora da
nas outras (Mayr, 1989). Assim, o organismo é espécie. Na busca desta ordenação endógena do
uma estrutura hierarquizada e funcional, que comportamento surgiram, entre outros, os con-
não pode ser reduzida à soma de suas partes. ceitos de padrão fixo de ação, mecanismo
Juntamente com a noção de estrutura (organis- liberador inato, atividade deslocada ou ativida-
mo hierarquizado) vem a de função adaptativa; de no vácuo e energia específica de ação, as prin-
os organismos tendem a atingir certas metas que cipais proposições conceituais da Etologia Clás-
os tornam mais aptos a viver em seu habitat;17 sica, que foram posteriormente sintetizadas em
para se explicar o fato de que tais metas são atin- um quadro teórico mais amplo, um sistema
gidas, criou-se em fisiologia o conceito de explicativo poderoso denominado modelo psico-
homeostase, de flutuações ao redor de uma mé- hidráulico do comportamento.21
dia (adaptativa): são mecanismos de auto- Tais propostas levaram a uma fértil con-
regulação, retro-alimentação positiva e negativa, trovérsia com um grupo de pesquisadores de
até então característicos dos seres vivos (e atual- propensão mais psicológica (p.ex. Lehrman,
mente, característicos também dos sistemas 1953), mais afeitos a explicações fundadas em
cibernéticos). O conceito de evolução, como é uma causação externa.22 Como fruto desta con-
sabido, manifestou-se inicialmente através de trovérsia, e também da influência de escolas
duas versões, a de Lamarck (enfocando basica- interacionistas, houve modificações e ajustes em
mente os aspectos plásticos da interação organis- ambos os lados do debate (ver abaixo, “As faces
mo/ambiente) e a de Darwin (enfatizando a sele- persitentes da interação”).
ção dos mais aptos dentre uma variabilidade Curiosamente, apesar da oposição, em
naturalmente dada). Posteriormente, a primeira ambos os grupos é a causalidade próxima que
versão foi descartada e a segunda foi está em jogo: Tinbergen estuda atentamente a
reinterpretada, salientando-se a base genética da estrutura dos mecanismos liberadores inatos, a
variabilidade natural (neodarwinismo). causa próxima endógena (filogeneticamente de-
Na abordagem da Etologia o finalismo é terminada) que dirige o comportamento; já um
substituído pela teleonomia e de certa maneira ambientalista extremado como Kuo (1932) estu-
materializado (quantificado), na medida que se da o ambiente estimulatório do pintinho dentro
expressa através de taxas de sobrevivência.18 O do ovo, considerando-o o determinante externo
mecanicismo é combatido pela sua incapacidade que produz o sistema comportamental respon-
de apreender a intencionalidade do comporta- sável pelas respostas do filhote, ou seja, estuda o
mento.19 O atomismo, por sua vez, perde, segun- modo como as causas próximas exógenas deter-
do os etólogos, a capacidade de lidar com as uni- minam o comportamento. Dessa forma ambas as
dades funcionais significativas para a adaptação, abordagens focalizam uma causalidade próxima
reduzindo-as a um aglomerado de elementos.20 (interna ou externa), o que permite uma articu-

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lação entre elas. Talvez mais complexa seja uma recebendo aí, entre outras, as críticas de Gould
integração entre aqueles que estudam esta cau- com seu paradigma panglossiano e as críticas
salidade próxima e os que privilegiam a função relativas à teleologia em Biologia. Pelos pressu-
e a adaptação do comportamento.23 postos atomicistas ela vai receber críticas mais
fundamentais, relativas à própria ontologia da
Sistemas Funcionais e Comportamento disciplina e, conseqüentemente, à sua validade
enquanto área do saber.
A Etologia também se dedicou ao estudo
Gould e o paradigma panglossiano. Um dos
da função e do valor adaptativo dos comporta-
objetivos básicos da EC é a detecção de adapta-
mentos, mas este enfoque foi mais prolífico jun-
ções e a identificação das pressões seletivas que
to a uma nova ciência, derivada da sociobiologia
moldaram a evolução dos comportamentos
e denominada Ecologia Comportamental.
adaptativos. A seleção é tomada como um pro-
Um dos compromissos básicos da Ecolo-
cesso otimizador de caracteres. Uma das críticas
gia Comportamental (EC) é a sua filiação a uma
que a EC recebe é a de que o pressuposto de que
leitura genetizante do neodarwinismo.24 Um se-
“os organismos estão constantemente exibindo a
gundo compromisso igualmente básico desta
melhor saída possível” não é verdadeiro: a sele-
disciplina é com o conceito de adaptação: não
ção não teria à sua disposição todas as alternati-
há um só artigo nesta linha de pesquisa que não
vas fenotípicas entre as quais escolher a melhor
inclua a palavra fitness ou aptidão (darwiniana,
opção. A EC responde a isto corretamente, di-
inclusiva, abrangente). O valor dos comporta-
zendo que realmente um comportamento é con-
mentos para a sobrevivência é uma das caixas de
siderado ótimo ou otimizado na medida em que
toque da Ecologia Comportamental. Poderíamos
é a melhor das alternativas que efetivamente surgiu
dizer que a linha mestra desta disciplina seria:
na história filogenética do grupo, e não a me-
“genoma>comportamento>valor adaptativo.” As
lhor alternativa possível. Para a EC, Gould e
ligações genoma>comporta-mento não são ao
Lewontin (1979), com sua crítica ao mundo
menos tematizadas:25 são sempre subentendidas,
panglossiano (onde tudo é ótimo, o melhor con-
não fazendo efetivamente parte do campo de in-
cebível ou imaginável), erraram ao tocar neste
vestigação sociobiológico. O que é efetivamente
ponto, pois a suposição de otimização que faz a
característico do fazer científico desta linha de
EC inclui uma relativização do conceito de óti-
pesquisa é a conexão comportamento>valor
mo (não o melhor panglossianamente concebí-
adaptativo. Sua prática consiste geralmente em
vel ou imaginável, mas o melhor entre as alterna-
medir unidades comportamentais e
tivas reais). A questão é que muitos pesquisadores
correlacionar variações nestas unidades a varia-
continuam a utilizar-se de argumentações
ções na aptidão darwiniana (tomada como o nú-
panglossianas. Como um exemplo (nada isola-
mero de descendentes) ou então a alguns proxi26
do) Dawkins (1989, pp. 13-18 e pp. 25-28) afir-
desta. São propostos experimentos (geralmente
ma que um comportamento é otimizado (ou foi
naturalísticos) nos quais intervenções simples
selecionado otimamente) quando ele se aproxi-
mostram as conseqüências adaptativas do com-
ma daquilo que um engenheiro poderia proje-
portamento. O imaginário por trás da investiga-
tar. Há aí apenas dois problemas: (1) supor que o
ção é o de uma constante competição por recur-
ótimo é o melhor projetável, concebível e (2)
sos (fêmeas, alimentos, habitats) considerados
supor que o melhor que o homem pode proje-
escassos e de difícil obtenção.
tar é o melhor projetável.
Vemos então que a EC tem nitidamente
Utilidade atual versus origem evolutiva. De
uma tradição funcionalista (estuda a função, o
qualquer maneira, sendo o comportamento o
valor adaptativo) associada a um atomicismo/
melhor projetável ou a melhor alternativa entre
mecanicismo subentendido (modelo nativista de
projetos reais (que existiram no passado
desenvolvimento). Pelo lado funcionalista ela vai
filogenético), existe embutida a noção de que os
propor a construção de modelos otimizadores,

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comportamentos são selecionados para uma de- tal) em termos de número de descendentes. Tal
terminada função, para a qual eles estão, dessa prática incorre num erro clássico: mede a cor-
forma, adaptados. Uma importante crítica é a relação entre duas variáveis (comportamento e
de que nem todas as características são aptidão darwiniana) e infere da correlação uma
adaptativas, podendo haver caracteres neutros causação. O problema é que correlação não im-
ou até mesmo deletérios presentes no repertório plica em causa. Formalmente, o teste da existên-
comportamental dos organismos. Gould e Vrba cia de causação só pode ser feito a partir de ma-
(1982) formulam o termo exaptação para se refe- trizes de correlação quando o sistema é
rir a características que (1) surgiram como adap- previamente especificado de maneira parcial ou
tações a uma determinada função e posterior- total.
mente foram cooptadas para outros usos ou (2) Uma outra prática da EC é a correlação
surgiram absolutamente neutras e foram depois de aspectos do comportamento não com a apti-
cooptadas para uma função específica. Ele argu- dão darwiniana, mas com alguns proxi dela. Ve-
menta que tais características são extremamente rifica-se, por exemplo, que o comportamento X
freqüentes e compõem uma parte importante do leva a um aumento na quantidade de alimento,
processo evolutivo. O primeiro tipo de exaptação energia, parceiros sexuais, etc, denominados
quebra a conexão origem evolutiva/uso presente proxi. Neste tipo de experimento subentende-se
de um caractere (a EC trabalha com o uso pre- que as correlações entre o comportamento X e o
sente). O segundo tipo de exaptação elimina da proxi e entre o proxi e a aptidão darwiniana são
origem evolutiva de um caractere a seleção e a ambas indicadoras da existência de uma relação
adaptação. Quando um caractere é uma adapta- causal. A pressuposição mais problemática é a
ção há uma seleção dos melhores variantes para da causalidade entre proxi e aptidão darwiniana:
uma determinada função (que permanece até o animal pode estar otimizando no curto prazo
hoje) de modo que faz sentido buscar as pres- (por exemplo, conseguindo bastante alimento)
sões seletivas que o moldaram ou avaliar o quan- mas não no longo prazo (por exemplo, perden-
to ele é otimizador para tal função; já quando se do locais para construção de refúgio). Assim o
trata de uma exaptação não cabe questionar-se otimizador de curto prazo pode facilmente ser
sobre o quanto a característica está otimizada, eliminado no longo prazo, visto que a seleção
dado que a função que modelou a característica não atua apenas sobre um aspecto da vida do
não existe mais ou nunca existiu. animal, mas sobre o seu funcionamento como
É certo que poderíamos considerar a adap- um todo.
tação uma hipótese a ser testada, de modo que Atomização. A Ecologia Comportamental
considerar adaptativos os comportamentos não procura criar modelos que levem em conta um
seria uma pré-concepção, mas sim uma ferra- grande número de variáveis ambientais e de es-
menta heurística. A questão é que poderíamos tratégias comportamentais alternativas para se
igualmente tomar como hipótese inicial a atingir uma determinada função (alimentação,
exaptação, o que seria igualmente heurístico e reprodução, defesa de território, etc). Um dos
conduziria à formulação de diferentes experi- grandes problemas para ela, no entanto, é que o
mentos, à busca de diferentes evidências. O fato organismo se comporta como um todo, respon-
de isto não ocorrer é um indicativo de que é dendo às pressões provenientes de todas as suas
muito mais habitual pensar-se no comportamen- áreas de atuação. Freqüentemente os modelos em
to como adaptativo que o contrário. EC são refutados após se verificar que o animal
Correlação e Causa. Uma das práticas da não reagia otimamente como previsto pelo mo-
EC é a mensuração de aspectos do comporta- delo em função de ter que simultaneamente aten-
mento (manipulados experimentalmente ou não) der a outras necessidades concomitantes. O pro-
seguida da mensuração das conseqüências cedimento quando destas refutações é o de
adaptativas das pequenas variações procurar reformular o modelo, incluindo nele
comportamentais (ou manipulação experimen- as novas necessidades descobertas como impor-

54
Comportamento animal: entre o sujeito e o objeto

tantes na determinação do comportamento do EC não teria razão de existir, sendo ela própria
animal. Isto frequentemente leva a uma sucessão gradualmente substituída por uma genética do
de modelos errôneos; muito tempo e esforço tal- comportamento.
vez fossem poupados se nos interessássemos em
montar experimentos que buscassem destrinchar
a estrutura causal do sistema em questão, a cas- Os interacionismos
cata de eventos que ligam o comportamento à
aptidão. Neste tipo de abordagem, o que estaria Atualmente não encontramos nunca as res-
em evidência seria a estrutura do sistema e sua postas ambientalistas e nativistas em seu estado
construção ao longo da história, o que poria em puro, pois neste estado elas destruiriam o que
relevo as limitações e possibilidades reais do sis- há de característico do ser vivo, que é a noção de
tema. organismo. Ambos os monismos, nativista e
Ahouse (1998) argumenta que, para que o ambientalista, destituem o organismo de valida-
modelo ultra-darwinista (adotado por boa parte de ontológica na medida que o explicam inteira-
dos ecólogos comportamentais) possa ser enca- mente a partir de conceitos internos (genes) ou
rado como correto, precisamos admitir que a externos (estímulos).
seleção é a responsável única pelo direciona- Baldwin e Lloyd Morgan, no final do sé-
mento da evolução. Tal raciocínio corre da se- culo XIX, procuraram desenvolver uma visão
guinte maneira: as variações herdáveis disponí- interacionista do desenvolvimento. Segundo
veis são abundantes, pequenas e aleatórias; uma Morgan, além das estruturas e formas de reagir
miríade de pequenas variações herdáveis não estereotipadas, um organismo herda uma certa
direcionadas não pode originar sozinha adapta- plasticidade inata (capacidade de aprender com
ções cumulativas; à seleção cabe o papel criativo a experiência); em situações estáveis, o mais van-
de moldar as futuras gerações. No entanto, ar- tajoso é a estereotipia das formas, e, em situações
gumenta Ahouse (1998, defendendo as idéias de variáveis, o mais vantajoso é a plasticidade, que
Gould), a dinâmica das variações possíveis dispo- permite modificações comportamentais origina-
níveis para uma determinada população são par- das da experiência individual; estas modificações
te da explanação: entre os processos que determi- não seriam transmitidas hereditariamente, como
nam esta dinâmica se encontram, entre outros, os pensavam os lamarckistas, mas poderiam de al-
constraints ontogenéticos e biofísicos, as contin- guma maneira afetar o rumo da evolução: quan-
gências históricas e a cooptação de funções. do as condições ambientais se alteram, sobrevi-
Uma outra questão importante é a pres- vem apenas os organismos cuja plasticidade é
suposição de uma determinação linear adequada a esta mudança (ou seja, num primeiro
gene>comportamento. Quando se pressupõe a momento, a plasticidade onto-genética é
determinação unidirecional gene>comporta- favorecida); a partir daí a estereotipia que
mento,27 admite-se que o estudo do comporta- mimetize o fenótipo plástico adaptado ao novo
mento é necessário apenas por uma falta tempo- ambiente seria selecionada (em um segundo mo-
rária de conhecimento acerca da genética. A mento, a estereotipia seria favorecida). Esta po-
questão fundamental que aí se coloca é a da exis- sição, que introduz a necessidade de se levar em
tência de algo no comportamento que o defina, conta a interação com o ambiente, é extrema-
que lhe seja próprio e exclusivo; na ausência dis- mente moderna para sua época, sendo totalmente
to, ele passa a ter uma existência meramente compatível com o atual neodarwinismo na me-
operacional, calcada no mundo das palavras, pas- dida que plasticidade e estereotipia são
sa a não ser ontologicamente distinto de suas uni- selecionadas dentro de uma variabilidade dis-
dades explicativas: os genes. Se fosse este o caso, as ponível na população.
ciências humanas já teriam desaparecido e sido Waddington, um embriologista e
substituídas pela sociobiologia, conforme profeti- geneticista contemporâneo de Piaget, foi um
zou Wilson (1975). Se fosse este o caso, a própria pouco além nas formulações interacionistas. Se-

55
Hilton Ferreira Japyassú

gundo ele, é freqüente observarmos que varia- Piaget faz uma crítica ao esquema
ções tanto no ambiente quanto na composição estímulo>resposta ao tornar relativos os elemen-
genética de um organismo não promovem alte- tos de tal esquema: o estímulo sofre metamorfo-
rações no fenótipo resultante. Para explicar este ses ao ser assimilado, e a resposta carrega em si
fenômeno ele propõe o conceito de canalização.28 traços deste estímulo, da integração deste sinal
Segundo este conceito, as possibilidades aos mecanismos internos (pp. 17-19); a percep-
genotípicas de uma espécie, quando em interação ção é uma leitura do objeto, que é assimilada a
com os possíveis ambientes desta espécie, forma- um esquema de ação de forma a alterá-lo: estí-
riam uma estrutura multidimen-sional que, para mulo e resposta se modificam na interação. Desta
fins de compreensão, poderia ser imaginada forma, o ser vivo deixa de ser passivo, de ser um
como um relevo, uma paisagem. Cada indivíduo conjunto de mecanismos que apenas respondem
desta espécie, dotado de um genoma e exposto a aos estímulos do ambiente; o organismo modifica
um ambiente particular, inicia sua ontogênese o estímulo, impondo-lhe certa estrutura própria.
em um determinado ponto deste relevo. Poderí- Por outro lado ele faz também uma crítica (mais
amos imaginar este indivíduo como uma peque- amena) à Etologia Clássica, à causalidade
na esfera solta na paisagem a partir das coorde- centrada nos mecanismos inatos (que seriam,
nadas X e Y (seu particular genoma e ambiente). segundo o próprio Lorenz, a materialização das
Dadas estas condições iniciais, a bola percorre- proposições apriorísticas de Kant),30 na medida
ria todos os vales do relevo, descendo sempre e que os esquemas “fixos” de ação seriam constan-
traçando um caminho: sua ontogênese. Depen- temente alterados pela experiência, modificados
dendo da topografia, indivíduos soltos em dife- no processo de acomodação, de ajuste às condi-
rentes pontos do relevo poderiam apresentar tra- ções dadas.
jetórias ontogenéticas semelhantes ou distintas.29 Piaget nos traz a imagem de um organis-
O conjunto dos caminhos possíveis seriam as múl- mo ativo, cujo desenvolvimento não é uma mera
tiplas possibilidades de trajetórias ontogenéticas resposta aos estímulos, mas uma elaboração pro-
(developmental pathways) da espécie. Esta proposi- gressiva a partir dos problemas colocados pelo
ção já amarra mais fortemente as influências ambiente. Há duas estruturas (a organísmica e a
ambientais e genéticas, costurando-as em uma ambiental) que se entrechocam, se atritam, e é
mesma paisagem fenotípica e forçando a seleção como resultado deste confronto que a estrutura
a atuar não apenas sobre os genes, mas sim so- organísmica se modifica e atualiza, ao mesmo
bre todo o organismo. tempo em que modifica o próprio ambiente. Uma
Piaget, biólogo, psicólogo do desenvolvi- imagem muito interessante para se entender este
mento e epistemólogo, também segue uma trilha interacionismo é apresentada por Oyama (1986).
semelhante, só que agora na área da cognição. O processo de produção de lentes esféricas junta
Para ele todo conhecimento envolve um proces- duas peças rígidas, uma levemente côncava e a
so duplo de assimilação/acomodação, no qual os outra convexa, que se movimentam de uma
dados exteriores são assimilados às estruturas maneira bastante imprevisível, para todos os la-
internas vigentes (que fazem em um certo senti- dos; um pedaço do material que compõe a lente
do uma “leitura” estruturada de tais dados) e atrita-se em meio a estes movimentos caóticos e o
tais estruturas se acomodam ou se ajustam às resultado invariável é uma lente perfeita. A for-
novidades e dificuldades colocadas pelo meio. ma final da lente não está prevista em nenhuma
Dessa forma, nenhuma cognição é cópia dos das duas peças que se movimentam
dados exteriores; ao contrário, ela é mais rica (analogicamente, genoma e ambiente) e nem seria
que eles, posto que se integra a informações previsível a partir dos movimentos caóticos delas.
endógenas e a esquemas internos de ação, modi- Este exemplo mostra um processo estocástico ine-
ficando-os de forma a ajustá-los às novidades do rentemente preciso, que serve perfeitamente como
meio (Piaget, 1973, pp. 12-18). uma analogia para os conceitos interacionistas de
desenvolvimento.

56
Comportamento animal: entre o sujeito e o objeto

As faces persistentes da interação um modo geral as mesmas coisas, nos mesmos


Apesar do relativo consenso atual acerca momentos de suas vidas). Apesar das concessões
de um referencial teórico interacionista, que re- à estruturação endógena, o Behaviorismo per-
solve os problemas dos monismos genético siste em sua ênfase na estrutura externa (estímu-
(inatismo apriorístico) e ambiental ao introdu- los e conseqüências a eles associadas) como fonte
zir na produção das estruturas biológicas (ou da organização interna, de modo que o agente
do conhecimento) uma relação causal dialética causal está, não nesta organização, mas sim nas
entre os mecanismos internos e a estimulação ex- contingências de reforçamento. Tais considera-
terna, tanto a Etologia quanto a análise experi- ções mostram que, apesar das alterações buscan-
mental do comportamento (Behaviorismo) per- do aproximar tais epistemologias opostas,
sistem enquanto projetos válidos e atuantes de direcionando-as no sentido de uma síntese
pesquisa científica; e persistem apesar das críti- interacionista, os interacionismos assim obtidos
cas mútuas que tais epistemologias claramente apresentam matizes diferenciados, os quais per-
opostas se lançaram ao longo de sua história em mitem uma sobrevivência da dicotomia clássica
comum. A sobrevivência e vitalidade de tais pro- instinto-aprendizagem.
jetos é fruto de um amadurecimento conceitual Por outro lado, o interacionismo
promovido inclusive por tais entrechoques piagetiano, apesar de apresentar uma solução
conceituais. original para esta dicotomia, parece mais afeito
No que se refere à Etologia Clássica, as à integração entre a estimulação externa e a in-
críticas acerca do foco excessivo na determina- terna conforme se manifestam no desenvolvimen-
ção endógena do comportamento foram assimi- to do comportamento ao longo de uma vida; é
ladas através da incorporação dos mecanismos mais propriamente no espaço das causalidades
de aprendizagem no quadro teórico da discipli- próximas, dos determinantes imediatos, que tal
na,31 permitindo assim a intromissão de variá- solução se situa. Suas tentativas de ligar tais cau-
veis ambientais na determinação do comporta- salidades próximas às causalidades últimas (Eco-
mento. Quanto ao behaviorismo, a visão de um logia - funções adaptativas - e Evolução - históri-
Skinner mais maduro (p.ex., 1981) já apresenta co destas adaptações) estão fortemente apoiadas
algumas nuances que apontam na direção de uma nas analogias (que ele chama de isomorfismos
integração etologia/behaviorismo; ele já se per- parciais) entre seus trabalhos e os de
mite falar, por exemplo, em “susceptibilidades Waddington, que também é um estudioso do
espécie-específicas” a determinados estímulos, de desenvolvimento; mas, em ambas as linhas de
modo a valorizar a organização endógena da pesquisa, é precisamente quando se tenta rom-
percepção. Dessa forma, ajustes em ambas as per a barreira de uma geração, quando se tenta
partes levaram a uma certa aproximação entre a ultrapassar o tempo das influências no desen-
Etologia e o Behaviorismo, resultando em uma volvimento de um indivíduo, passando-se então
aproximação mútua ao referencial teórico para o campo da evolução, é justamente neste
interacionista. momento que suas inferências se tornam mais fra-
Apesar destas transformações, estes “no- cas, menos corroboradas e menos exploradas em
vos interacionistas” preservam fortes traços de pesquisas posteriores. A noção de assimilação ge-
seus projetos iniciais de pesquisa. A incorpora- nética (ponte entre ontogênese e filogênese: a he-
ção da aprendizagem elaborada pelos etólogos rança genética de caracteres adquiridos), proposta
não deixa de privilegiar o endógeno, na medida por Waddington e tão cara a Piaget, pode facil-
em que se introduz o conceito de aprendizagem mente conformar-se a uma explanação
programada ou de auto-aprendizagem (numa neodarwiniana tradicional (e portanto, próxima
tentativa de dar conta do fato de que os animais à Etologia Clássica, às concepções de determina-
de uma mesma espécie, apesar de estarem ex- ção endógena), aliás, conforme aponta o próprio
postos a contextos muito variados, aprendem de Piaget (1973, pp. 127-128).

57
Hilton Ferreira Japyassú

Interação e sujeito epistêmico em jogo no conflito entre as diversas concep-


ções, entre os diversos matizes que o
Os vários matizes que o interacionismo interacionismo possa assumir, são as condições
apresenta, em função dos projetos de pesquisa de possibilidade do conhecimento. Uma outra
aos quais se filia, produzem diferentes concep- forma de se ver a conexão entre o tipo de deter-
ções de sujeito (e, conseqüentemente, de obje- minação do comportamento (interna ou exter-
to). Sujeito e objeto são noções muito amplas e na) e a objetividade na pesquisa científica é atra-
com um histórico bastante longo; mantêm entre vés da questão: as teorias científicas são fruto da
si estreita relação de dependência: sujeito é aque- observação sistemática e metodológica (vindo por-
le que fala, e objeto é o predicado, é aquilo de tanto da “ordem natural” dos dados empíricos,
que se fala; ao falar de si, o sujeito se transforma exteriores) ou justamente direcionam e ordenam
em seu próprio objeto, um objeto de pesquisa tais observações (sendo de certa forma concep-
eminentemente filosófico. Com o advento da ciên- ções “apriorísticas”, no sentido de conceitos pré-
cia moderna, a Filosofia passa a partilhar este vios do pesquisador)?
objeto de pesquisa com outras ciências, tais como A tradição skinneriana privilegia, na
a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia, as interação sujeito-objeto, os aspectos do ambien-
quais nascem desde sempre no bojo de uma cri- te. Neste sentido, aproxima-se do empiricismo,
se de objetividade, que basicamente se resume à e constitui uma imagem de homem desprovido
inerente dificuldade de se falar de si próprio de de estrutura relevante, moldável conforme as
maneira isenta e imparcial. Esta crise é mais acen- contingências, as quais poderiam ser controla-
tuada na Psicologia, possivelmente pelo fato de das para o melhor funcionamento das socieda-
ela se ater mais diretamente ao “si-próprio,” de des (como chegou a propor Skinner em seu ro-
ela realizar tentativas de circunscrever e delimi- mance Walden II). A existência de características
tar este difícil objeto de estudo: o sujeito psico- espécie-específicas ou de diferenças individuais
lógico. de origem endógena é minorada, sendo de um
No entanto, o que parecia uma crise res- modo geral considerada como superável pela
trita às ciências humanas em geral, ou à Psicolo- história de contingências à qual as espécies (ou
gia em particular, se converteu em uma crise mais os indivíduos) são submetidas.
geral na medida em que esta investigação sobre A tradição iniciada por Lorenz postula
os meandros da subjetividade humana colocou uma interação que não implica necessariamente
em evidência a existência de limites da razão, de em uma abertura para o mundo. O contato com
alguns a priori que delimitam as condições de este ambiente externo é controlado pelo orga-
possibilidade do conhecimento. A subjetividade nismo. Ele só pode ocorrer em momentos espe-
estaria inevitavelmente imiscuída em qualquer cíficos do desenvolvimento, em janelas
pretensão a um conhecimento objetivo. É neste ontogenéticas de aprendizagem,34 momentos es-
momento que o estudo do sujeito eminentemen- peciais nos quais os organismos se abrem à
te psicológico ou individual, vale dizer, de cada estimulação externa, antes de retornarem aos seus
“eu” tendo consciência de sua unidade (apesar mecanismos endógenos. Além de a aprendiza-
da diversidade de pensamentos ou percepções), gem estar submetida a uma temporização con-
leva à noção de sujeito epistêmico, qual seja, da trolada, o conteúdo desta aprendizagem também
existência de um conjunto de propriedades da está sob controle orgânico na medida em que se
razão, universais e idênticas em todo indivíduo.32 postula uma auto-aprendizagem, algo como um
Pois é justamente com os limites de tais proprie- tutor endógeno que garante uma aprendizagem
dades universais, ou com os modos universais típica da espécie. Esta tradição de um fechamento
de construção desta razão, que as psicologias vão do orgânico sobre si mesmo, de uma autonomia
lidar. 33 É aqui que ganham relevância o mais completa possível do ser vivo em relação
epistemológica o jogo entre os determinantes in- ao ambiente, encontra paralelos modernos no
ternos e externos do comportamento: o que está conceito de autopoiese conforme formulado por

58
Comportamento animal: entre o sujeito e o objeto

Maturana e Varela.35 Nesta visão, o orgânico é assimilados e que, portanto, vão contribuir para
isomórfico ao mundo exterior devido à sua his- a construção de sua estrutura.
tória evolutiva conjunta com este mesmo mun- Este estado atual das reflexões sobre o com-
do. O orgânico não incorpora as regularidades portamento, com abordagens interacio-nistas que
relevantes do mundo externo ao longo de seu focalizam ora a história filogenética, ora a
desenvolvimento, ele as mimetiza de maneira ontogenética, de certa forma reflete ainda a du-
endógena. As interações relevantes se dão no pla filiação do estudo do comportamento ani-
plano evolutivo, na história filogenética comum mal. Nascido entre a Biologia e a Psicologia, entre
entre organismo e ambiente. uma prática que privilegia o típico da espécie, o
Já as proposições de Waddington 36 e universal, e outra que privilegia o indivíduo, o
Piaget admitem uma participação mais subjetivo, o estudo do comportamento animal
determinante do meio externo na construção do guarda este vício de origem,37 esta cisão radical
fenótipo. O organismo é tomado como um siste- entre o olhar que se olha de fora (as forças sele-
ma mais aberto, mais suceptível a perturbações tivas que moldam de fora o processo) e o que se
exteriores que modifiquem seu comportamento. observa de dentro (os processos morfogenéticos
O conceito de paisagem ontogenética proposto do desenvolvimento). A prática da pesquisa em
por Waddington admite mesmo a existência de Etologia, longe de resolver este dilema, reflete
uma mutação fenotípica, ou seja, fruto de varian- esta crise epistemológica, incorporando ambos
tes ambientais (e não genéticas). A herança de os aspectos na pesquisa científica: em um pri-
influências ambientais tem sido documentada em meiro momento o olhar é ingênuo, ad libitum,
vários organismos e níveis de organização buscando a lógica interna, inerente ao compor-
(Jablonka & Lamb, 1995; Landman, 1991; tamento; neste momento a subjetividade está pre-
Rossiter, 1996), o que dá suporte empírico à idéia sente na observação (embora renegada, pela su-
de mutação fenotípica (por oposição a mutação posição de “ingenuidade” no olhar). Em uma
genética). Tais posições, por formarem uma ima- segunda fase há a imposição de estrutura ao
gem de ser vivo como sistemas abertos e dinâmi- observável: o olhar se torna exterior,
cos, guardam afinidades com as idéias de auto- metodológico, objetivo, aliando-se a ferramen-
organização, que acrescentam que tais sistemas tas conceituais impessoais, visto serem fruto não
devem se encontrar longe do equilíbrio termo- de um indivíduo, mas de um processo histórico
dinâmico (Prigogine & Stengers, 1979). Prigogine do qual participa uma coletividade de pesquisa-
mostra que quando estes modelos de sistemas dores.
dinâmicos longe do equilíbrio levam a pontos Agora o cientista não pode ser empirista,
de bifurcação, introduz-se no sistema um ele- no sentido de ser objetivo e externo aos dados
mento histórico (Prigogine, 1996). Desta forma, que “coleta.” Tampouco pode ser o matemático
considerar os sistemas vivos como auto- que formaliza rigorosamente regras a partir de
organizadores permite a inclusão de sua histó- princípios lógicos imateriais por natureza, alheio
ria (ontogenética) como um fator explicativo, e aos dados empíricos. Não há mais espaço para a
de pequenas perturbações neste histórico como ingenuidade empirista ou para o solipsismo de
elementos que decidem seu estado atual. Nesta um mundo lógico fechado.
abordagem ao papel da interação na construção Apesar das idas e vindas conceituais e da
do fenótipo, as interações organismo-ambiente gama de proposições interacionistas que apre-
que se dão ao longo do desenvolvimento ganham senta o estudo do comportamento, acredito que
maior relevância, e a noção de homem é a de um esta área do saber, nascida e embebida na
organismo que, a partir de uma estrutura bioló- dualidade dos determinismos, está em uma po-
gica mínima, elabora novas estruturas através de sição privilegiada para propor soluções para a
um processo continuado de equilibrações e re- dicotomia internalismo-externalismo. Muito já
equilibrações. O organismo tem um papel ativo se caminhou neste sentido, sendo a posição
na escolha dos ambientes que vão ser por ele interacionista piagetiana a que mais se aproxi-

59
Hilton Ferreira Japyassú

mou de uma solução localizada.38 A unificação solidários e fraternos, o que faz com que ele só seja viável
enquanto utopia.
entre tal síntese do desenvolvimento e a síntese
neodarwinista ainda está por ser proposta; se ela
5
Aqui também, a crise no autoconhecimento abre espaço
para a problematização - sempre num grau inferior (como
for de fato possível, acredito que o estudo do “convém” aos seres inferiores) - do espaço interior dos
comportamento animal deve contribuir muito animais não humanos.
para sua efetivação, visto ser aí que se manifes- 6
A crise da subjetividade é uma condição para o
tam mais clara e fortemente ambas as influênci- surgimento da objetividade em qualquer área da ciência,
sendo um pré-requisito para o desenvolvimento da ciên-
as. Cabe aos estudiosos do Comportamento Ani-
cia moderna. Os caminhos que percorreu esta objetivi-
mal buscar respostas para o que é não apenas dade (lógica e intersubjetiva) ao longo dos cerca de 400
uma crise de identidade do ser humano, mas anos de sua existência são brevemente analisados em Keller
uma crise acerca do processo de constituição do (1996).

ser e do pensar. 7
Wundt inaugura uma indagação epistemológica fun-
damental acerca da possibilidade do conhecimento. Pos-
tula a existência de alguns a priori neurais que se interpõem
entre as sensações simples (cor, forma) e a formulação do
Notas objeto (nomeado e individualizado socialmente); tais
mecanismos de interpretação estariam indissociavelmente
1
Até onde sei, são poucos os textos que lidam diretamen- ligados à percepção, dando-lhe forma e sentido. Para ele,
te com a história da Etologia. Informações sobre as esco- enquanto todas as outras ciências trabalhariam com os
las precursoras podem ser encontradas em Heidbreder objetos conforme percebidos por nós, a Psicologia lidaria
(1981). Textos originais de alguns autores podem ser com a relação entre o objeto em si e os mecanismos inter-
encontrados em Herrnstein e Boring (1971). Cunha nos de decodificação do mesmo. Apenas através do co-
(1983) examina os principais conceitos etológicos, intro- nhecimento destes mecanismos internos é que seria
duzindo um histórico da Etologia. Ades (1989) analisa a possível um conhecimento deste objeto em si, ao invés de
trajetória de Lorenz, uma das mais eminentes figuras da um conhecimento acerca da representação que fazemos do
Etologia. O próprio Lorenz (1993) tem em seu livro Os objeto.
Fundamentos da Etologia um capítulo introdutório com 8
Media a velocidade de resposta de seus sujeitos aos pro-
informações históricas. Reflexologia e Behaviorismo, blemas propostos, os quais inicialmente eram compostos
importantes contrapontos à visão etológica, são estuda- por situações simples (discriminação de cores, formas)
dos por Pessotti (1976, que faz uma conexão entre a que se tornavam progressivamente mais complexas (es-
escola reflexológica russa e o behaviorismo) e Japiassú colha, julgamento). Subtraindo-se o tempo gasto nas mais
(1995, que mostra o surgimento do behaviorismo a par- simples daquele gasto nas mais complexas, pretendia-se
tir das chamadas psicologias científicas, avaliando sua base medir a duração de cada uma das operações mentais.
epistemológica).
9
Migrou para os EUA, sendo um dos fundadores desta
2
Este primeiro tópico do trabalho pode ser lido como nova ciência na América do Norte.
uma resenha comentada do livro A invenção do psicológico:
quatro séculos de subjetivação (Figueiredo, 1994).
10
Pela simplificação do contexto experimental, pela de-
composição deste contexto e do organismo em elemen-
3
Isto é importante não apenas para o surgimento de tos e pelo papel dado às conexões entre tais elementos, tal
uma Psicologia do Homem, como também para que este concepção ensaia uma aproximação com idéias mais
mesmo homem possa procurar em outras espécies cau- mecanísticas.
sas individualizadas do comportamento. Desta forma,
isto é também um pré-requisito não só para uma análise
11
O pensamento funcional (a preocupação com a função
individualizada (por oposição a típica-da-espécie) do com- adaptativa dos comportamentos) é tributário direto da
portamento animal, mas também para a proposição de tradição darwinista, e traz embutida a idéia de uma
estruturas cognitivas internas governando o comporta- intencionalidade do ato, de um ser vivo que busca suas
mento visível. A imagem de homem interfere na imagem metas adaptativas, selecionadas naturalmente em sua his-
de “animal” que fazemos; a busca e o reconhecimento de tória filogenética. Esta teleologia (forma de pensamento
estruturas internas no homem se segue pelo mesmo segundo a qual a causa de um evento biológico é posteri-
movimento em relação aos outros animais. Neste senti- or a ele, é a realização de uma determinada função no
do, deve haver um paralelo entre o histórico das concep- futuro), muito comum no pensamento biológico, foi
ções de homem e o das concepções acerca dos outros substituída mais recentemente pelo que se chamou de
animais. teleonomia, ou seja, a seqüência de estados pelos quais
passa um organismo (ou máquina organizada) enquanto
4
O nascente liberalismo, segundo o qual, para que não se realiza um programa (Atlan, 1979, p. 22) .
conjugue liberdade/igualdade com caos - ruptura com-
pleta do tecido social - seria necessário que todos fossem
12
Para eles, podemos atribuir consciência a um cão por-
que isto é útil, no sentido de aumentar nosso poder de
previsão e controle sobre o comportamento do animal;

60
Comportamento animal: entre o sujeito e o objeto

inversamente, atribuir consciência a uma pedra não au- locam como sujeito da ação os estímulos (p.ex.: “a cor
menta em nada nossa capacidade preditiva acerca de seu vermelha do macho elicia a resposta agressiva no oponen-
comportamento. te”); além disso, utiliza-se repetidamente de construções
gramaticais com a voz passiva, que associam o animal a
13
Para os behavioristas deste período, até mesmo
um mecanismo passivo de respostas (p.ex: “a resposta do
constructos teóricos que impliquem numa vida mental
besouro é eliciada por estímulos químicos e tácteis”). Crist
são deletérios para a ciência, visto não serem quantificáveis
mostra que, enquanto nas descrições dos proto-etologistas
ou refutáveis. Para eles as ciências do comportamento
(naturalistas) o animal é dotado de razão, sentimentos,
devem lidar única e exclusivamente com a associação en-
agindo como um ser vivo íntegro na busca de soluções
tre estímulo externo e resposta observável. Devem ser
para seus problemas cotidianos reais, os etólogos descre-
propostas leis que generalizem as associações estímulo-
vem este mesmo ser vivo como um conglomerado de
resposta, leis estas que prescindem de conceitos acerca
mecanismos liberadores inatos que respondem, não a si-
do funcionamento interno (fisiológico ou mental) do
tuações significativas, mas a estímulos-signo, a partes do
organismo.
ambiente desprovidas de significação (o que permite in-
14
O pensamento de Schneirla, embora marcado pelo clusive respostas aos famosos estímulos supernormais,
ambientalismo, é mais complexo que este, situando-se que acentuariam o detalhe do ambiente ao qual o meca-
mais claramente como um interacionismo. O importan- nismo liberador inato é responsivo); desta forma, a
te aqui é marcar a idéia de que, dentro da cultura norte- etologia clássica operaria a transmutação do ser vivo de
americana (e talvez anglo-saxônica), todos os ativo a mecanístico (no entanto, ver nota seguinte).
pesquisadores tenderam a explicações ambientalizantes, 20
O sucesso do animal é assegurado não pela existência
e que mesmo um etólogo (tradicionalmente instintivista)
de elementos, mas por sua perfeita coordenação e
se aproxima do ambientalismo quando inserido no con-
hierarquização: os elementos de um conjunto
texto cultural norte-americano.
(estruturado) só podem ser compreendidos simultanea-
15
O importante não é o indivíduo e sua vida interior, mas mente ou não se compreendem de maneira nenhuma.
aquilo que o transcende e é comum a todos os indivídu- Dessa maneira, a partição da unidade organísmica em
os, à espécie ou até mesmo aos seres vivos: as leis da apren- sub-unidades não é necessariamente atomizante, na me-
dizagem. Curiosamente, a Biologia chega a uma dida que busca compreender a integração funcional des-
concepção similar por caminhos totalmente diferentes; tas partes. Da mesma forma, embora o linguajar etológico
com a descoberta do código genético e dos mecanismos possa ser mecanístico, isto não implica necessariamente
de expressão fenotípica, há um desinteresse pela origem numa visão mecanística do comportamento (que, no
dos caracteres, tida como fruto de uma contingência entanto, é sem dúvida presente em boa parte dos etólogos
histórica em si desprovida de interesse científico, como – como, de resto, em boa parte dos cientistas da nature-
um evento de baixíssima probabilidade (uma mutação) za): este linguajar pode ser entendido de duas maneiras:
que ocorreu em um determinado momento na evolução (1) como uma concessão de uma ciência nascente a uma
da espécie (Atlan, 1979, p. 18). cosmovisão mecanística então imperante e (2) como uma
16
Nenhum ser inanimado se reproduz e nenhuma má- reação a um holismo anterior paralisante e anti-heurístico.
quina constrói outra máquina que se lhe assemelhe ou Não há, como supõe Crist (1998), uma adesão da Etologia
que se conserta a si mesma, mantendo-se em funciona- ao paradigma behaviorista mecanicista do estímulo-res-
mento apesar dos desafios do meio ambiente. posta; uma das principais contribuições de Lorenz e
Tinbergen é mostrar que o estímulo externo está inter-
17
A noção de função neste período é acompanhada de namente representado, via estruturação do mecanismo
uma certa teleologia, ou seja, um certo finalismo, uma liberador inato: o organismo não responde passivamente
concepção de que os organismos têm um objetivo a ser ao meio, mas sim representa-o de maneira endógena:
alcançado; a plasticidade que os organismos apresentam todo o esforço da etologia clássica é o de tornar o orga-
ao longo de seu desenvolvimento ou nas atividades de nismo autônomo em relação ao seu meio, enfatizando a
solução de problemas é sempre uma plasticidade que visa auto-regulação, a estereotipia, o típico da espécie. Na
atingir um objetivo, um desvio de rota necessário para verdade, a Etologia se debate constantemente entre uma
que não se perca a meta principal. visão subjetivizante e empática para com o animal, que
18
Isto é uma decorrência natural das correntes próximas busca suas próprias razões e motivos, e uma quantificação
à teoria da evolução. Atualmente a Ecologia e objetivização dessa observação empática, momento em
Comportamental é o ramo da Biologia que mais investe que o animal é deixado de lado e observado sob um pris-
neste programa de pesquisas, qual seja, o das conseqüên- ma numérico. É do trafegar entre estas duas “observa-
cias do comportamento para a aptidão darwiniana e, ções” que se elaboram os constructos etológicos.
portanto, para a evolução. 21
No modelo psico-hidráulico do comportamento, a pri-
19
Não há um pleno acordo quanto à eliminação do vação da execução de um determinado comportamento
atomicismo/mecanicismo na abordagem etológica. Crist gera, de maneira endógena, uma energia específica de ação
(1998), numa deliciosa análise linguística dos textos clás- (visualizada no modelo como um líguido que se armaze-
sicos da etologia, sugere que na descrição etológica o ani- na progressivamente em um receptáculo). Este líquido
mal não é o sujeito de sua ação e que apenas responde pode escoar por um ladrão, dependendo da pressão da
passivamente à estimulação presente. As construções gra- coluna líquida forçando o tampo deste ladrão, e ainda de
maticais destes textos, afirma Crist, insistentemente co- um mecanismo que pode facilitar a abertura do tampo.

61
Hilton Ferreira Japyassú

O tampo e o mecanismo facilitador (que pode ser mais uma parte da genética que se desenvolveu posteriormen-
ou menos eficiente dependendo da qualidade do estímu- te, qual seja, a que lida com os mecanismos de expressão
lo-sinal) representam vias aferentes, órgãos do sentido, e controle gênico, com a produção do fenótipo a partir
porção de sistema nervoso associado e mecanismos de do genótipo. Neste sentido, pode-se dizer que o
facilitação sináptica que, juntos, compõem o mecanismo neodarwinismo é fruto de uma leitura genetizante (visto
liberador inato. A energia específica de ação “cai” sobre uma serem possíveis outras versões também genetizantes).
bandeja multi-perfurada, que representa o sistema 25
Apesar de um discurso às vezes interacionista, a base da
eferente de repostas, o padrão fixo de ação, o qual pode ser
argumentação sociobiológica pressupõe fortemente uma
acionado em diferentes níveis (diferentes perfurações)
causação linear genoma>comportamento. Os modelos
conforme o volume do líquido. Este modelo mecanístico,
matemáticos que abundam na literatura pressupõem esta
concebido como uma resposta às correntes vitalistas e
causação simplificada e, dessa forma, as conclusões e pre-
emergentistas ao estudo do comportamento, tem o mé-
visões de tais modelos dependem dessa premissa.
rito de tornar visíveis os componentes - mesmo que na
forma metafórica - do sistema estudado, o que permite a
26
Quantidade de energia ou tempo ganho, qualidade
formulação e o teste de hipóteses acerca dele, trazendo-o dos recursos ou habitats resultantes destas unidades
para o campo do científico. Por outro lado, algumas das comportamentais, medidas que, embora não sejam dire-
metáforas empregadas na descrição do sistema não obti- tamente o número de descendentes (a aptidão
veram comprovação empírica forte e sustentada (por darwiniana real), são tomadas como fortes preditores ou
exemplo, a energia específica de ação), o que fez com que o como aproximações deste.
modelo caísse gradualmente em desuso (para uma dis- 27
Praticamente não existem pesquisadores que defen-
cussão mais recente sobre os principais conceitos do dam explicitamente esta posição. No entanto, a imensa
modelo, ver Dawkins, 1989). maioria das pesquisas sobre desenvolvimento biológico
22
Faz sentido que um projeto de pesquisa (psicológico) encaram o ambiente como fonte de variabilidade e o
mais voltado para as especificidades do sujeito, para as genoma como fonte de estabilidade. As pesquisas mos-
razões do indivíduo, termine encontrando na causalida- tram acertadamente a influência tanto de variáveis
de externa sua maior fonte explicativa, dada a seqüência ambientais como genéticas na produção da variabilida-
única de ambientes estimulatórios presentes na história de, mas, no momento de interpretar os resultados obti-
de cada organismo. Já projetos que se fundam em uma dos, ao genoma é oferecido o papel de agente causal,
causalidade interna devem privilegiar o típico da espécie, o controlador do processo, ao passo que ao ambiente é
universal, por focalizar um sistema interno, mais contro- oferecido o papel coadjuvante de “influência” (muito
lado e regulado biologicamente e, portanto, mais comum diferente de causa).
ao grupo, mais coletivo. É evidente que cada indivíduo é Ver Scharloo (1991) para um histórico e uma atualiza-
28

único não apenas por sua história de vida única, mas ção deste conceito.
também por seu patrimônio genético único, assim como
cada indivíduo é universal não apenas por seus genes
29
Pequenas diferenças genéticas ou ambientais entre os
compartilhados com inúmeros outros organismos (de indivíduos (entre as coordenadas X e Y) geralmente
inúmeras espécies), mas também pelo que há de univer- resultariam numa mesma trajetória ontogenética. Dife-
sal nos ambientes estimulatórios de cada espécie. No en- renças maiores teriam maior chance de gerar trajetórias
tanto esta é uma consideração eminentemente diferentes, ou seja, de o indivíduo percorrer “vales” dife-
contemporânea, fundada nos avanços do conhecimento rentes na paisagem; no entanto, em vales muito profun-
biológico (epistasia, pleiotropia, e outras interações dos (ou seja, em trajetórias muito canalizadas) nem
gênicas que tornam cada genótipo único), e que dificil- mesmo grandes variações na composição genotípica ou
mente seria formulada antes da década de 60, antes do na estimulação ambiental alterariam o fenótipo resultan-
destrinchamento do funcionamento da maquinaria ge- te: há um grande vale, com um percurso tão amplamen-
nética. te favorecido, que todos os indivíduos o percorrerão
necessariamente.
23
A questão sobre a função de um determinado compor-
tamento guarda afinidades com o olhar endógeno da
30
Piaget (1973, pp. 67, 79) cita trechos de um artigo de
Etologia européia, uma perspectiva que busca o que está Lorenz (1941 - Kant´s Lehre vom apriorishen im Lichte
inscrito nos genes: o valor adaptativo das estruturas, sua gegenwärtigen Biologie. Bläter f. Deutsche Philosophie, 15,
função, é a motivação filogenética desta incorporação. 94-125) no qual ele sugere haver uma estreita relação,
“de natureza funcional e provavelmente genética, entre
24
Na verdade, há uma certa dificuldade em se fazer ou- esses a priori próprios dos animais e aqueles do homem”
tras leituras deste corpo teórico cuja contribuição básica (que seriam os propostos por Kant, as “estruturas funci-
é justamente a de incorporar ao darwinismo as descober- onais antes de toda experiência individual”). Mais à fren-
tas então recentes no campo da genética, preenchendo te (pp. 138-140), ele mostra que os a priori biológicos de
uma “lacuna” na proposição de Darwin (cujas crenças a Lorenz diferem das categorias kantianas por não serem
respeito da hereditariedade passavam pela idéia do necessários (de um ponto de vista lógico), mas apenas con-
homúnculo, com sua decorrente regressão lógica ao infi- tingentes a um processo de seleção ao longo da evolução.
nito). No entanto, Raff (1996) argumenta que o
darwinismo fundiu-se com um dos lados da genética, a
31
Um claro sintoma disto é o vasto espaço dedicado por
genética de populações, e que atualmente se faz necessá- um Lorenz mais maduro (1993) em seu livro Os Funda-
ria uma síntese que incorpore ao paradigma evolutivo mentos da Etologia (quase 1/4 de suas 466 páginas) ao que

62
Comportamento animal: entre o sujeito e o objeto

ele denominou “modificação adaptativa do comporta- of Konrad Lorenz and Nikolaas Tinbergen.
mento”, ou seja, à inclusão das várias formas de aprendi- Biology and Philosophy, 13, 61-102.
zagem como determinantes da conduta animal.
Cunha, W. H. de A. (1983). Introdução ao desenvol-
32
Adoto para fins desta exposição as definições de sujeito vimento histórico e aos princípios básicos da
epistêmico e psicológico apresentadas por Japiassú e etologia. Em M. J. R. Paranhos da Costa (Coord.),
Marcondes (1989). Anais do I Encontro Paulista de Etologia (pp. 1-34).
33
Não pretendo e nem estou apto a desenvolver aqui Jaboticabal, SP: AZESP / FCAVJ / FUNEP.
toda a gama de propostas apresentadas pelas psicologias Dawkins, M. S. (1989). Explicando o comportamento
buscando solucionar tal problemática fundamental, de
animal. São Paulo: Manole.
modo que me atenho neste ponto aos projetos de pes-
quisa que analisam o comportamento através de uma Figueiredo, L. C. M. (1989). Matrizes do pensamento
abordagem experimental ou comparativa. psicológico. Petrópolis, RJ: Vozes.
34
Para uma apresentação deste conceito, veja Alcock (1993, Figueiredo, L. C. M. (1994). A invenção do psicológico:
pp. 95-105). Evidentemente, a aprendizagem não ocor- Quatro séculos de subjetivação - 1500-1900. São Pau-
re em todos os organismos dentro destas janelas tempo- lo: Escuta/Educ.
rais; o que eu enfatizo aqui é a tendência da Etologia Gould, S. J., & Lewontin, R. C. (1979). The spandrels
Clássica de buscar as limitações que o organismo impõe à of San Marco and the Panglossian paradigm: a
intromissão do meio externo, às aprendizagens.
critique of the adaptacionist program. Proceedings
35
Maturana & Varela (1987), Varela (1979). of the Royal Society of London, B 205, 581-598.
36
Para uma exposição crítica da obra de Waddington, ver Gould, S.J., & Vrba, E. S. (1982). Exaptation - a
Scharloo (1991). missing term in the science of form. Paleobiology,
37
Isto não implica em uma estagnação científica: os vários 8, 4-15.
conceitos abandonados ao longo de sua história (vitalismo, Heidbreder, E. (1981). Psicologias do século XX. São
mecanicismo, atomicismo) atestam sua constante reno- Paulo: Mestre Jou. (Originalmente publicado em
vação. Curiosamente a própria subjetividade, atormen- 1933)
tada entre os determinismos, parece figurar no hall dos
ilustres desconhecidos, desta vez não só do estudo do Herrnstein, R. J., & Boring, E. G. (Orgs.). (1971).
Comportamento Animal, mas das ciências em geral Textos básicos de história da psicologia. São Paulo:
(Keller, 1996). Herder/EDUSP.
38
Embora, conforme ressaltado acima (em “As faces per- Jablonka, E., & Lamb, M. J. (1995). Epigenetic
sistentes da interação”), a síntese piagetiana seja mais afeita inheritance and evolution: The L amarckian
às causas imediatas, à integração internalismo- dimension. Oxford: Oxford University Press.
externalismo na ontogênese, e não na filogênese (onde Japiassú, H. F. (1995). Introdução à epistemologia da
ainda prevalecem os quadros conceituais que privilegiam
psicologia. São Paulo: Letras & Letras.
as influências endógenas, genéticas).
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