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21/03/2021 Ciclo 1 – A dimensão antropológica do ser humano – Antropologia, Ética e Cultura

ANTROPOLOGIA, ÉTICA E CULTURA

CICLO 1 – A DIMENSÃO ANTROPOLÓGICA DO SER


HUMANO

Orientação para o estudo

O estudo da Antropologia é marcado pela relação entre diversos conteúdos e áreas


do conhecimento, por ser muito abrangente e complexo. Dessa forma, requer um
conhecimento básico dos conceitos que serão apresentados. Para isso, sugere-se
uma busca nos dicionários, principalmente de Filosofia e, especificamente, de


Antropologia.

Além de englobar e se referir a diversos conteúdos relacionados à cultura,


linguagem, entre outros, o estudo da Antropologia não se refere somente à
compreensão do ser humano numa única ciência, mas abrange várias disciplinas
que se relacionam, tais como: História, Biologia, Filosofia, Teologia, entre outras.
Dessa forma, esta é uma área interessante para o ensino e para a aprendizagem,
visto que é interdisciplinar, quando não transdisciplinar, envolvendo várias áreas do
conhecimento.

Sávio Carlos Desan Scopinho

INTRODUÇÃO
Para estudar a disciplina e ter clareza do conteúdo que será apresentado, é importante entender quem é o ser humano.
Na história da humanidade, sabe-se de muitas e variadas tentativas de compreendê-lo, passando por interpretações
religiosas, filosóficas, científicas, poéticas, entre outras formas de linguagem, que procuraram elaborar uma leitura
coerente desse ser racional e que, por causa disso, se coloca como diferente de todos os demais seres da natureza.

Assim, nosso propósito não é apresentar uma reflexão que considere somente um estudo mais aprofundado dessas
dimensões nem as diferentes formas de compreensão do ser humano. O objetivo é propor uma tentativa de resposta à
seguinte questão: por que o ser humano é um ser que pergunta diante da realidade que o circunda?

DISTINÇÃO ENTRE NATUREZA E CULTURA


O ponto de partida para uma resposta coerente ao problema levantado é entender o ser humano como ser de cultura.
Muitas definições a respeito já foram elaboradas sobre a respectiva temática, mas, sem entrar na especificação de cada
uma delas, partimos do fato de que cultura é uma atitude do ser humano frente ao mundo. De momento, o importante é
saber que “cultura” foi um termo sintetizado por Edward Tylor (1832-1917) e pode ser entendido como:

[...] um extenso e contínuo processo de seleção e filtragem de conhecimentos e experiências, não somente de
um indivíduo, mas sobretudo de um grupo social; no entanto, cada grupo distingue-se por uma determinada
cultura, com características próprias (GOMES MACHADO, 2002, p. 11).

Tal compreensão de cultura, presente no universo humano, faz com que se constate uma diferença substancial com
relação aos demais seres da natureza, por uma especificação bem particularizada. O ser humano, além de se adaptar ao
meio, interage com ele, transformando-o segundo suas necessidades, que vão além das exigidas pela própria natureza.

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O animal tem uma forma de “responder” à natureza, sem necessariamente transformá-la. Sua ação é interativa e de
adequação aos limites do próprio meio. Numa linguagem oferecida pelas ciências biológicas, o animal entende-se como
um “sistema fechado”, ou seja, sua necessidade é de duas instâncias: sobrevivência e conservação. Por isso, pode-se
afirmar que ele se adapta ao meio em que está inserido. O ser animal relaciona-se com seu próprio corpo e com os
demais seres da natureza, segundo leis necessárias e universais. “Dizer que alguma coisa é natural ou por natureza
significa dizer que essa coisa existe necessária e universalmente como efeito de uma causa necessária e universal”
(CHAUÍ, 1994, p. 289). O animal age por instinto, sendo possível prever seu comportamento ou atitude diante das
diferentes situações em que se encontra.

Por sua vez, o ser humano faz parte de um “sistema aberto”. Sua relação com o mundo não é simplesmente de
adaptação, mas de transformação do próprio meio. É possível afirmar que “[...] o homem é a única criatura que se recusa
a ser o que ela é” (CAMUS apud ALVES, 1990, p. 14). Sua maneira de se relacionar com a realidade leva em
consideração critérios que não se pautam por leis necessárias e universais, presentes na natureza – ainda que o
positivismo considere essa possibilidade –, mas por leis históricas e sociais. Nesta perspectiva, parte-se do princípio de
que o ser humano não é simplesmente o seu corpo, mas ele tem um corpo, no sentido de que os objetos que estão a
sua volta se apresentam como extensão do seu próprio corpo. “Porque o homem, diferentemente do animal que é o seu
corpo, tem o seu corpo” (ALVES, 1990, p. 16).

O filósofo E. Cassirer ajuda-nos a entender essa abordagem, quando afirma que o ser humano tem uma diferença que
não é simplesmente quantitativa, mas, principalmente, qualitativa, quando comparado com os demais seres da natureza.
E isso se deve ao fato de que os seres humanos são capazes de atribuir sentido às suas ações. Desse modo, afirma o
filósofo:

É evidente que este mundo não constitui exceção às regras biológicas que governam a vida de todos os outros
organismos. Entretanto, no mundo humano encontramos uma nova característica, que parece ser a marca
distintiva da vida humana. O círculo funcional do homem não foi apenas quantitativamente aumentado; sofreu
também uma mudança qualitativa. O homem, por assim dizer, descobriu um novo método de adaptar-se ao
meio. Entre o sistema receptor e o sistema de reação, que se encontram em todas as espécies animais,
encontramos no homem um terceiro elo, que podemos descrever como o sistema simbólico. Esta nova
aquisição transforma toda a vida humana. Em confronto com os outros animais, o homem não vive apenas
numa realidade mais vasta; vive, por assim dizer, numa nova dimensão da realidade (CASSIRER, 1977, p. 49).

Segundo Cassirer (1977), o sistema simbólico apresenta-se como diferenciador das relações entre os seres humanos e
os demais seres da natureza. Essa situação faz com que se afirme que o ser humano é o único ser capaz de perguntar.
Assim, essa capacidade de perguntar é uma característica inerente ao ser humano.

Na medida em que o ser humano tem consciência do mundo à sua volta, as perguntas aparecem como consequência
inevitável. Na tradição ocidental, as questões foram surgindo à medida que o ser humano se encontrava em contato com
a natureza, consigo mesmo e com o próprio mundo. Desde os pré-socráticos da civilização grega antiga até os dias
atuais, para citar um exemplo a partir da civilização ocidental, o ser humano vem se perguntando sobre grandes
questões que desafiam a humanidade: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? As respostas nem sempre foram
satisfatórias, mas as tentativas apareceram e remeteram a outras questões. Gerou-se, assim, um processo dialético e
contínuo que simplesmente confirma a ideia de que, enquanto ser de cultura, o ser humano é um ser que pergunta.

Na origem, na raiz do perguntar, encontramos, portanto, a ruptura, a cisão e a contradição. Não sei, preciso
saber e porque sei que não sei, pergunto, na expectativa de que a resposta possa trazer-me o conhecimento
que não tenho e preciso ter (CORBISIER apud COTRIM, s.d. p. 24).

Perguntar pelo sentido da vida, pela origem das coisas e pelo futuro que nos aguarda se apresentam como questões que
fazem parte do universo cultural do ser humano. Mas o que faz com que o ser humano pergunte? Para responder a essa
pergunta – o perguntar pelo perguntar –, temos de entender duas condições importantes, sem as quais não é possível
colocar essa questão. A primeira é entender o que significa caracterizar o ser humano como um ser simbólico e a
segunda significa entender o ser humano como um ser de linguagem. Essas duas condições possibilitarão o estudo do
ser humano como pessoa, numa perspectiva diacrônica e sincrônica, inclusive sustentando o fato de que é o único ser
na natureza capaz de ter consciência de sua condição ética e moral nas relações pessoais e sociais.

Para aprofundar seus conhecimentos sobre natureza e cultura, é fundamental considerar


diversos autores. Assim, indicamos as seguintes leituras de Marilena Chauí, Cultura e
democracia e também Os desa os da Filoso a no Ensino Médio de Eliane Maria Rozin.
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O SER HUMANO COMO SER SIMBÓLICO


Segundo Cassirer (1977, p. 49): “Em confronto com os outros animais, o homem não vive apenas numa realidade mais
vasta; vive, por assim dizer, numa nova dimensão da realidade”. Assim, fica a pergunta: o que significa dizer que o ser
humano é um ser simbólico? E para respondê-la, é necessário fazer outra: afinal, o que é um símbolo? Na busca de
compreender-se no mundo, o ser humano – não se assumindo como inerente ao próprio mundo, mas como algo que o
transcende – cria realidades que vão além dos elementos encontrados na natureza. Não ocorre propriamente um
desvirtuamento da natureza, mas uma atribuição de significados que vão além do que se encontra na mesma natureza.

Para Riffard (1993, p. 331), a palavra “símbolo” (do grego symbolon) foi inicialmente utilizada entre os gregos
para se referir às metades de uma tabuinha que hospedeiro e hóspede guardavam, cada um a sua metade,
transmitidas depois aos seus descendentes. As duas partes juntas (sumballô) funcionavam para reconhecer os
portadores e para provar as relações de hospitalidade ou de aliança adquiridas no passado (RIBEIRO, 2010, p.
46).

Dessa maneira, conforme Ribeiro destaca a partir da análise semiótica, o símbolo representa algo abstrato, tal qual um
compromisso. Para tanto, ele pode ser algo concreto, cujo valor não é o material de que é constituído, mas aquilo que
ele simboliza.

Por exemplo, os anéis trocados num casamento são símbolos do compromisso assumido pelo casal, ganhando o nome
de alianças.

O sentido da palavra “símbolo” desenvolveu-se bastante, chegando a envolver, por exemplo, oráculos,
presságios, fenômenos extraordinários considerados provindos dos deuses, emblemas de corporações, crachás
e vários tipos de sinais de compromisso, como o anel de casamento ou o anel depositado pelos participantes de
um banquete, garantindo que pagarão corretamente por ele. De fato, poucas palavras adquiriram tão vasta
significação como a palavra “símbolo” (RIBEIRO, 2010, p. 47).

O símbolo pode surgir, muitas vezes, de uma necessidade natural ou como resultado de uma convenção social. Mas
sempre se trata de uma relação entre seres humanos, cujo objetivo é estabelecer uma forma de comunicação, a partir de
uma linguagem específica dos próprios seres humanos. Assim, o símbolo, para ser compreendido, necessita sempre de
um emissor e de um receptor que estejam em um ambiente cultural propício para que a mensagem seja compreendida e
assimilada por todos os envolvidos. O emissor e o receptor podem ser uma pessoa ou um povo, que se presume serem
sempre capazes de entender o conteúdo da mensagem que se quer transmitir.

Para o que se propõe neste estudo, basta entendermos que o símbolo se apresenta como o primeiro aspecto que
possibilita a aquisição da linguagem, embora ele também possa ser entendido como uma forma de linguagem, como se
verá a seguir.

Vamos apresentar um exemplo expressivo para entender o significado da palavra “símbolo”. Quem vai nos ajudar nesta
tarefa é a obra O pequeno príncipe.

No capítulo 21 do livro, escrito por Antoine de Saint-Exupéry (1943, p. 55-56), o pequeno príncipe encontra-se com uma
raposa, que lhe faz uma proposta: deixar-se cativar. Depois de toda uma conversa entre eles, e com a possibilidade de
não mais se encontrarem, o pequeno príncipe entende que foi ruim terem se cativado, porque permanecerá a saudade
de um momento que não voltará novamente. A raposa, por sua vez, apresenta outra visão, dizendo que é importante que
ocorra o envolvimento, mesmo que a separação seja inevitável, porque o momento que viveram juntos tem sua
importância por si só. E é neste momento que surge a questão simbólica como expressão de uma presença da ausência.
Vamos ver o diálogo que ocorreu entre eles:

Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

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“O essencial é invisível para os olhos”, pois o trigo, que não significava nada para a raposa, tornou-se uma presença da
ausência. Por quê? Pelo fato de que a raposa não come trigo, os cabelos loiros do pequeno príncipe lembram uma
plantação de trigo; logo, aquilo que até então não representava nada para a raposa se tornou uma presença da
ausência. Tornou-se um símbolo.

Portanto, o símbolo é o primeiro passo para a realização da linguagem e se expressa como uma dimensão
especificamente antropológica – inclusive, até mesmo, como uma forma de linguagem. Assim, como condição para a
linguagem, vamos dar o passo seguinte e compreender a importância da linguagem como um elemento fundamental da
cultura.

Sobre o caráter simbólico que envolve o ser humano, indicamos as seguintes leituras Elizabeth
Johansen e Leonel Brizola Monastirsky intitulada As formas simbólicas de Ernst Cassirer e o
conceito de patrimônio cultural. e Para uma loso a do símbolo de Miguel Baptista Pereira.

Recomendamos ainda que assista ao vídeo a seguir. https://www.youtube.com/watch?v=xjJB3rHK9


PE&t=7s

LINGUAGEM COMO CARACTERÍSTICA ANTROPOLÓGICA


Diante da capacidade de transformar a natureza e criar símbolos para sua compreensão da realidade, o mundo humano
apresenta-se na forma de linguagem, que possibilita a comunicação. A linguagem se expressa como parte da cultura,
que se origina, por sua vez, por meio dos símbolos, entendidos, também, como forma de linguagem humana. Esta, por
sua vez, pode ser traduzida nas suas mais diversas expressões, como a linguagem mítica, artística, religiosa, científica,
entre outras, podendo ser compreendidas numa perspectiva conceitual (lógica) e emocional (imaginação poética). Tudo
isso porque o ser humano se apresenta como ser de desejo, sempre se colocando como alguém que ultrapassa os
elementos da natureza.
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Assim, na sua dimensão cultural, o ser humano cria símbolos (presença da ausência), que se traduzem em signos
(palavras) e sinais (convenção), que se tornam expressões da linguagem humana e condição para sua atuação concreta
no mundo. A linguagem, por sua vez, tem como característica um código. E por apresentar um código, que expressa
uma condição antropológica, ela se torna a primeira instituição com que nos deparamos já no nosso nascimento.
Querendo ou não, somos envolvidos por ela; e, através dela, é que se tem uma visão do mundo, embora não de maneira
determinista. Sua influência é tão significativa que pode ser percebida através de cinco características básicas: a
objetividade, a exterioridade, a coercitividade, a autoridade moral e a historicidade. Isso quer dizer que nosso
comportamento está condicionado por um contexto social e cultural que nos impõe padrões de comportamentos que
interferem na nossa relação com os outros e com a própria sociedade (BERGER; BERGER apud FORACCHI;
MARTINS, 1984, p. 193-199).

No caso da comunicação humana, esse código é a palavra, que pode ser traduzida por meio da linguagem verbal ou não
verbal.

Tratando de maneira bem simples, podemos dizer que a linguagem verbal é aquela escrita ou falada. Já a linguagem
não verbal estabelece comunicação sem o verbo, ou seja, utilizando outros meios, tais como a obra de arte (a dança e a
música instrumental, por exemplo), imagens etc.

Para compreender melhor a questão da linguagem, vamos entender o que nos diz Rubem Alves (1979, p. 21-39; 1984,
p. 7-35). A primeira ideia colocada por ele é entender a linguagem como rede de palavras que expressa as esferas do
desejo, que, por sua vez, se manifesta no amor ou no medo. Assim, ela expressa três níveis de compreensão: uma
forma de poder, apresenta uma determinada cosmovisão e implica numa escala de valores. Vejamos o que significa
cada um deles.

A linguagem como poder expressa o avanço e o diferencial do ser humano em relação aos demais seres da natureza.
Segundo Marshall McLuhan, “[...] a palavra falada foi a primeira tecnologia por meio da qual o homem se separou do seu
ambiente a fim de se apropriar dele sob uma forma diferente”. Por sua vez, Henri Lefebvre afirmava que “[...] para o
homem social o universo só existe por meio da sociedade e, consequentemente, por meio da língua”. E Ludwig
Feuerbach dizia que “[...] falar é um ato de liberdade; a palavra é liberdade. É correto, portanto, que a linguagem seja
considerada a raiz da cultura” (ALVES, 1979, p. 21).

O fato é que a linguagem surgiu devido a necessidades concretas, como a luta pela sobrevivência, a necessidade de
preservação e a socialização das experiências bem-sucedidas. E, assim, ela tornou-se uma forma de poder.

A linguagem também expressa uma determinada cosmovisão, uma visão de mundo. Como nos diz Ludwig
Wittgenstein, “[...] os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo” (ALVES, 1979, p. 28), pois ela pode
ser entendida como um “[...] conjunto de sinais fonéticos e/ou gráficos convencionais, criados pela sociedade a fim de
representar para o homem as coisas e suas relações, e assim tornar possível a comunicação, necessária à conjugação
da ação” (ALVES, 1984, p. 17). Assim, a linguagem apresenta-se como uma forma de organização do real, fazendo com
que nós tenhamos de compreender e interpretar o mundo das palavras, que começa com a percepção, que, por sua vez,
se inicia com as sensações.

O ato de conhecer é, portanto, um ato de re-conhecer: a constatação da concordância entre dados sensórios novos e as
formas memorizadas. A cosmovisão, o tempo e o espaço humano não poderiam existir sem a linguagem, pois ela se
coloca como uma importante ferramenta criada pelo ser humano, no seu esforço para construir um mundo, e que, depois
de criada, se transforma de ferramenta em sistema.

Outro aspecto importante da linguagem é a capacidade de expressar um valor. Conhecemos o que nos é alcançado
pelo corpo. Para Rubem Alves:

Não é correto separar o conhecimento objetivo das emoções e dos valores. [...] O verdadeiro conhecimento
objetivo brota de uma atitude valorativa e emotiva, e pretende ser uma ferramenta para que o homem integre
eficazmente o referido objeto no seu projeto de dominar o mundo (ALVES, 1984, p. 26).

Assim, “a vida é relação e, por sua vez, o valor é relação”.

O ser humano vê o mundo por meio de uma atitude valorativa, buscando significado e, assim, dando nomes às coisas. E,
na medida em que dá um nome, cria a palavra, que, por sua vez, expressa um valor. Os valores é que criam a
necessidade e a possibilidade da razão. “É a linguagem comum, como estrutura de valores, que se constitui na base que
poderíamos chamar de comunidade” (ALVES, 1984, p. 30).

A partir desses três níveis, podemos dizer que a linguagem, ainda segundo Rubem Alves, apresenta duas dimensões.
Trata-se de uma forma de estruturação do mundo e, como tal, programa a nossa maneira de organizar os dados da
experiência.

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Na feliz sugestão de Michael Polanyi, a linguagem é um mapeamento da realidade que nos permite apreende-la
como um todo estruturado. Nesta função é ela a fonte das categorias fundamentais do pensamento (ALVES,
1979, p. 37).

Ela é também “expressiva de valores e intenções, revelando-nos um sujeito oculto, individual ou coletivo, por detrás do
discurso, fazendo com que o ser humano, ainda que não o deseje, se dá a conhecer” [...] E, “[...] finalmente, a linguagem
é uma ferramenta para domínio e controle da realidade” (ALVES, 1979, p. 37).

Outro aspecto importante é considerar que a linguagem pode ser expressa de diferentes maneiras (e cada uma delas
apresenta uma determinada visão de mundo, uma forma de poder e um valor). Por exemplo, existe a linguagem
religiosa, a linguagem científica, a linguagem poética, a linguagem política, entre outras. A dificuldade que se coloca é
como reconhecer a autonomia de cada uma delas sem perder a necessidade do diálogo e o reconhecimento do que
podemos chamar de “autonomia relativa”, ou seja, a consciência de que a verdade é uma busca que não se encontra
numa única forma de interpretação.

Um tema que tem sido relevante tanto para a linguagem filosófica quanto para a linguagem teológica é a autonomia nas
relações humanas, que se manifesta do ponto de vista natural, social e cultural. Autonomia está vinculada a duas
temáticas de fundo, que são, respectivamente, a liberdade e o condicionamento. Normalmente, nós somos
condicionados nas várias situações em que nos encontramos. Fisicamente, somos chamados a reconhecer nossas
limitações dentro das possibilidades que temos; o fato é que não podemos fazer tudo aquilo que queremos e de que
gostamos. Por outro lado, existe, também, o condicionamento institucional. Somos envolvidos por normas e
procedimentos que limitam nossa capacidade de ação e decisão.

O problema que se coloca é quando os condicionamentos, tanto naturais como institucionais, impedem a realização de
nossas ações dentro do universo também natural e cultural. O respeito pela autonomia implica no respeito pela
diversidade, considerando-se os condicionamentos, mas não se deixando dominar por eles. Nesse sentido, cabe uma
reflexão de Hugo Assmann, que, embora num contexto diferente, nos ajuda a pensar nessa questão:

A criação intelectual requer, sem dúvida, uma boa dose de disciplina e rigor. Isto implica na adaptação a um
mínimo de normas, cuja função é de meio, veículo e instrumento. O empenho criativo deve encará-los como
ajuda à versatilidade. Ajustar-se a meios e instrumentos pode incrementar a flexibilidade. Só quando não existe
a flecha do desejo, que aponta para além do normativo e energiza o empenho, as regras inevitáveis se
transformam em camisa de força domesticadora da liberdade de criar. Por exemplo, o mínimo de orientações, a
serem seguidas para dar forma correta e agradável ao texto, não deve ser visto como coerção limitante, mas
como procedimentos para tornar o ato de redigir mais fácil e prazeroso (apud BELO DE AZEVEDO, 1994. p. 7).

Também nesta discussão sobre a autonomia, faz parte a temática da autoafirmação e da alteridade – sempre dentro de
relações bipolares –, que expressam a diversidade presente na realidade em suas várias formas de manifestação. A
manutenção dos valores e das ações que preservam uma tradição própria, preservando a identidade e a originalidade de
uma cultura, devem ser uma preocupação sempre pertinente e necessária. Mas tal comportamento não pode
menosprezar, ou até mesmo eliminar, posições que vão fazer frente às nossas posições, muitas vezes, já consolidadas.

Para uma melhor compreensão da presente re exão, recomendamos a leitura da parábola das
rãs, presente na obra O que é religião, de Rubem Alves (1981, p. 119-120).

O reconhecimento da alteridade – do diferente, do plural e do respectivo respeito pelo outro –, envolvendo os seres
humanos entre si e com a natureza, é condição fundamental para a teorização e ação, principalmente da ciência e da
religião no mundo atual, tendo presente a questão ecológica. Toda tentativa unilateral, ainda que expressiva e de
grandes proporções, por ótima e positiva que seja, termina por destruir, de alguma forma, a relação básica entre o ser
humano e seu ambiente, tanto biológico quanto social.

A abordagem sobre a linguagem requer uma atenção especí ca para os diversos fatores
envolvidos, pois trata-se de uma prática presente em todos os aspectos de nossa vida. Assim, é
importante aprofundar os estudos, considerando a referência de Aldair C. Peruzzolo, intitulada
Dimensão humana da comunicação.

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Para que não remanesçam dúvidas sobre os conteúdos estudos até o momento, é fundamental que você teste seus
conhecimentos, respondendo às questões a seguir.

Para compreender o ser humano, é necessário entender a relação que existe entre natureza e cultura. Embora
ambas sejam referências para a compreensão antropológica, a cultura tem uma especificidade que a difere
da natureza. Basicamente, isso significa dizer que:

Cultura é a mesma coisa que natureza, apenas entendida numa dimensão diferente quando se relaciona ao
ser humano.

Natureza diz respeito às leis necessárias e universais presentes em todos os seres existentes, e cultura
refere-se às leis históricas e sociais que envolvem o universo simbólico do ser humano.

Cultura refere-se aos instintos humanos de defesa e sobrevivência, enquanto natureza diz respeito aos
instintos dos demais seres presentes no universo como um todo.

Natureza e cultura dizem respeito ao mesmo universo simbólico que envolve o ser humano, sendo que a
segunda apresenta uma mudança quantitativa em relação à primeira.

Natureza é o sentido que atribuímos às nossas ações para nos reproduzirmos materialmente, e cultura se
apresenta como a transformação da natureza realizada pelos seres humanos.

Assim terminamos este primeiro ciclo, cuja preocupação fundamental foi com a compreensão do ser humano na sua
dimensão social e cultural. Tal abordagem, por sua vez, conduziu para uma reflexão sobre o símbolo e sobre a
linguagem e suas diferentes formas de expressão. Agora, vamos entrar em outro ciclo, que, como complementação do
que se estudou até aqui, fará um aprofundamento da compreensão do ser humano, a partir de um enfoque ainda mais
particularizado.

CONSIDERAÇÕES
Ao fazermos a distinção entre natureza e cultura, apresentando a dimensão simbólica e a linguagem como
características especificamente antropológicas, devemos ter em mente, também, a noção de diversidade cultural, ou
seja, o fato de que, diante da multiplicidade de povos e culturas, cada uma deve ser respeitada.

Observe que não se trata de propor simplesmente uma tolerância, mas de compreender que existe uma multiplicidade de
comportamentos e de relações culturais. Tolerar, muitas vezes, significa suportar aquilo de que não se gosta.

Nossa discussão sobre cultura visa promover a compreensão de que o ser humano é um ser que tem um valor em si
mesmo. Ele carrega uma dignidade própria e peculiar, independentemente da cultura à qual pertença.

Nossa comunidade educativa deve, portanto, ter uma concepção ampla de cultura e aberta para acolher a pluralidade ou
a multiplicidade cultural do Brasil e do mundo.

Vale salientar que, em nosso cotidiano, já vislumbramos exemplos significativos de promoção da vida e da cultura
humana, com as interações entre professores, alunos e funcionários de vários estados do Brasil, como é o caso de
Rondônia, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Distrito Federal; além das parcerias e contatos com comunidades educativas
claretianas da Argentina, do Chile e da Colômbia: povos com culturas diferentes, porém unidos para a promoção da
educação de pessoas mais livres, fraternas e humanas.

O princípio educativo do diálogo é o caminho que possibilita uma compreensão ampla e abrangente de cultura. No
próximo ciclo, vamos refletir sobre o homem como ser livre.

Encontro Virtual Síncrono


Participar do Encontro Virtual Síncrono-EVS (bate-papo) e esclarecer suas dúvidas com o tutor
a distância. Verifique a data deste encontro na Sala de Aula Virtual.

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 Momento de Avaliação

INTERATIVIDADE NO FÓRUM

OBJETIVO
Reconhecer o significado/sentido da disciplina e sua relação com o curso, identificando as
contribuições da mesma para a formação humana e futura atuação profissional.

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE
A partir da leitura das orientações do(a) tutor(a) e as informações iniciais contidas na Introdução da disciplina
(ementa e objetivos específicos), apresente suas considerações acerca do significado/sentido da disciplina em
sua articulação com o curso, bem como de sua(s) contribuição(ões) para a formação humana e futura atuação
profissional.

Além disso, para auxiliá-lo no desenvolvimento dessa interatividade, sugerimos também a leitura do Guia
Acadêmico de seu curso.

PONTUAÇÃO
A atividade vale de 0 a 0,50 ponto.

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
Utilização da norma padrão Língua Portuguesa e das normas da ABNT.
Compreensão dos textos estudados.

Acesse o Fórum

AS QUESTÕES ON-LINE, REFERENTES A ESSE CICLO DE APRENDIZAGEM, SERÃO


DISPONIBILIZADAS CONCOMITANTE ÀS DO CICLO DE APRENDIZAGEM 2.

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