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lntroduçao a antropology

lNTR0DUÇÂ0VlSUAt
Parte de ser humano é a fascinaçáo que temos por nós mesmos. De onde viemos? Por que agimos de certas
maneiras? O que nos move? Enquanto alguns respondem a essas perguntas com mecanismos biológicos e ou-
tros, com explicaÇÓes sociais ou espirituais, a disciplina de antropologia procura respondê-las através de uma
abordagem holística e integrada. A antropologia considera a cultura e a biologia humanas, em todo tempo e
Iugar, inextricavelmente entrelaçadas, uma influenciando a outra de modo relevante. Esta imagem, realizada
em uma clínica especializada em Gujarat, Índia, representa um caso específico. Como a barriga de aluguel — a
prática de pagar alguém para gerar uma criança — é cor»iderada legal na Índia desde 2002, pessoas ricas e sem
filhos de todas as partes do mundo viajam para lá em busca desse serviço. Escolhidas por estrangeiros pelo
estilo de vida sem drogas e de baixo custo, as mulheres indianas assumem um risco biológico extra para fazer
com que outros possam reproduzir os próprios genes. Inúmeras complexidades biológicas e culturais cercam I.
a vida de cada pessoa envolvida.

. -
Z Pi iQosdeantopologia

Perspectiva antropoló gi‹a P£RSP££TIVA ANTROPOLóGICA


Á reas da Antropologia
Antropologia física
Antropologia é o estudo da humanidade em todo tempo e
Antropologia Cultural lugar. Naturalmente, muitas outras disciplinas preocupam-
Antropologialinguística -se de uma forma ou de outra com o ser humano. Por exem-
Arqueologia plo, a anatomia e a fisiologia estudam o homem como or-
Antropologia, ü én‹ia e humanidades
ganismo bioló gico. As ciências sociais estudam as relaçoes
Pesquisa de campo
Métodos de pesquisa de ‹ampo humanas, e a área de humanidades examina as realizaçéies
Métodos arqueoló gicos e artísticas e filosó ficas da cultura. A antropologia se distin-
paIeoantropoIó gi‹os
gue porque focaliza a interconexã o e a interdependência de
/\/lítodos etfiográficos
todos os aspectos da experiência humana em todo lugar, no
Método comparativo da antropologia
Questóes éticas presente e no passado remoto, muito antes do surgimento
Antropologia e globaliza\ào da escrita. Essa perspectiva holística, ú nica e ampla, per-
ResumodoeptWo mite que o antropó logo se concentre nesse aspecto, difícil
de definir ou descrever, chamado natureza humana.
O antropó logo recebe com gratidã o a contribuiçã o de
pesquisadores de outras disciplinas e, em troca, oferece a eles
as pró prias descobertas. O antropó logo nã o pretende conhe-
cer profundamente a estrutura do olho humano, como o
especialista em anatomia, ou a percepçã o da cor, como o psi-
có logo. Como sintetizador, entretanto, está preparado para
entender como essas á reas de conhecimento se relacionam
com a prá tica de dar nome à s cores em diferentes sociedades.
Como busca uma extensa base de ideias e prá ticas sem se li-
mitar a um ú nico aspecto social ou bioló gico, o antropó logo
pode ter uma visã o especialmente ampla e inclusiva do
or- ganismo bioló gico e cultural complexo que é o ser
humano.
A perspectiva holística també m ajuda o antropó logo
a ter consciência profunda do impacto que seus pró prios
valores (concepçÕ es/conceitos) culturais podem causar na
pesquisa. Como diz o ditado, as pessoas enxergam aquilo
em que acreditam, nã o o que está diante dos olhos. Ao
GL0 SS/\RI0
manter a consciência crítica com relaçã o à s pró prias supo-
siçõ es sobre a natureza humana — verificar vá rias vezes se as
pró prias crenças e açõ es estã o influenciando a pesquisa —, o
antropó logo se empenha em obter conhecimento objetivo
sobre as pessoas. Tendo isso em mente, ele procura evitar
as armadilhas do etnocentrismo, a crença de que a pró pria
cultura é a ú nica forma adequada de viver. Portanto, o an-
tropó logo contribui muito para o entendimento da diversi-
dade do pensamento, da biologia e do comportamento hu-
mano, assim como para o entendimento de muitas coisas
que os seres humanos têm em comum.
Capítulo 1 introdução à antf0pologia

Enquanto outras ciências sociais predominantemente se concentram nos povos contemporâ -


neos que vivem nas sociedades da América do Norte e da Europa Ocidental, o antropó logo tradi-
cionalmente olha' os povos e culturas nã o ocidentais e de outras regioes do mundo. Ele entende
que, para avaliar inteiramente a complexidade das ideias, do comportamento e da biologia, todo
ser humano, de qualquer tempo e lugar, deve ser estudado. A perspectiva evolutiva intercultural
(CfOSs-cultural) e de longo período distingue a antropologia das outras ciências sociais. Essa postura
teó rico-metodoló gica procura evitar o conceito de que as teorias do comportamento humano sã o
limitadas pela cultura, ou seja, baseadas em suposiçoes sobre o mundo e a realidade provenientes
da pró pria cultura do pesquisador.
Considere, por exemplo, o fato de que nos Estados Unidos os bebês dormem em quartos separados
dos pais. Para pessoas acostumadas a casas com vários quartos, berços e cadeiras especiais para carros,
isso pode parecer natural, mas a pesquisa intercultural (cross-cultural) mostra que “dormir junto”,
principalmente com a mã e, é a regra geral. Além disso, a prá tica de a criança dormir em quarto sepa-
rado nas sociedades ocidentais industrializadas tem apenas cerca de 200 anos.
Estudos recentes mostram que a separaçã o da mã e, nas sociedades ocidentais, apresenta con-
sequências bioló gicas e culturais significantes para o bebê. Em primeiro lugar, aumenta a duraçã o
das crises de choro. Algumas mã es interpretam erroneamente o choro da criança como fome e a
alimentam com mamadeira, o que nã o é tã o saudá vel. Em casos extremos, o choro pode incitar
o abuso físico. No entanto, os benefícios de dormir com os pais vã o além da reduçã o significati-
va do choro: frequência e tempo de alimentaçã o maiores, a amamentaçã o no peito faz com que
os bebê s recebam mais estímulos, os quais sã o importantes para o desenvolvimento do cérebro.
Aparentemente, ficam menos suscetíveis à síndrome da morte sú bita do lactante (SMSL ou
“morte no berço”). Há benefícios para a mã e também: a amamentaçã o frequente evita a ovulaçã o
precoce apó s o parto e ajuda a perder o peso ganho durante a gestaçã o; além disso, as mã es que
amamentam conseguem dormir tanto tempo quanto aquelas que dormem separadas de seus
bebês.°
Esses benefícios levantam a seguinte pergunta: por que muitas mã es continuam a dormir
longe do bebê? Nos Estados Unidos, os valores culturais de independência e consumismo entram
em cena. Para começar a construir sua identidade individual, o bebê tem seu pró prio quarto (ou, pelo
menos, o pró prio espaço), local onde os pais podem colocar brinquedos, mó veis e outros objetos
associados a “bons cuidados” dos pais.

ÁREAS DÂ ANTROPOLOGIA
O antropólogo geralmente se especializa em uma de quatro áreas ou subdisciplinas: antropologia fí-
sica (biológica), antropologia cultural, antropologia linguística ou arqueologia (Figura 1.1). Alguns
antropólogos consideram a arqueologia e a linguística parte do estudo mais amplo das culturas
humanas, mas ambas também estão estreitamente ligadas à antropologia biológica. Por exemplo,
a antropologia linguística estuda os aspectos culturais de uma língua, mas tem ligações profundas
com a evolução da linguagem humana e as bases biológicas da fala e da linguagem estudadas pela
antropologia física.

' A noção/expressão “olhar” é cara à antropologia brasileira, expondo toda a abrangência que a palavra possui. (NRT)
' Barr, R. G. The crying game. Natural history, p. 47, out. 1997. McKenna, J. J. Breastfeeding and bedsharing. Mothering,
p. 28-37, set.-out. 2002.
4 Princípios de antropologia

Cada uma das á reas da antropologia pode ter


uma abordagem distinta no estudo do ser huma-
no, mas todas coletam e analisam dados essen- etnocentrismo A crença de que a própria cuitura í a única forma
ô É @Uü É ü É P VÍVtf.
ciais para explicar suas semelhanças e diferenças,
limitado pela cultura Teorias sobre o mundo e a realidade baseadas
ao longo do tempo e no espaço. Além disso, todas
em suposiçõ es e valores da pró pria CiJltiJra.
produzem conhecimento com inú meras aplica-
antr0pologia aplicada Uso do conhecimento e dos mélodos
çõ es prá ticas. Em todas as quatro á reas, a antro- ü fitf0p0ló giC0S pü ra reS0lVef pr0blelTiaS pfá(iC0S, gefalMente pü fa UM
pologia aplicada é empregada, o que exige o uso cliente específico..
de métodos e conhecimento antropoló gicos para antropologia médica Á rea da antropologia que emprega
resolver problemas prá ticos. Ao desenvolver seu ü bofdü genf \@fiCü S g ü p|iCadaS dü ó htr0p0l0glü CUlllJrü l e bi0(ô giCa a0

eStUd0 dü Sü ú dC e dü s d0tflçaS hulTlü ndS.


estudo, o antropó logo aplicado nã o deixa de lado
antropologia física Estudo sistemático do ser humano corno
sua perspectiva. Ao contrá rio, colabora ativamen-
oftjáriismo bioló gico. TambéiTi conhecida CoMo antropologia bioló gica. '’
te com a comunidade na qual realiza seu trabalho,
an ropólogià íúolêcular fiamo õa antotolo§ia bl0lógtcü FUI .t'
estabelecendo objetivos, resolvendo problemas e êmpfega térnicds qenéticds e bioquímiCas #aratestai hipótPses Soõrez ','-.
conduzindo pesquisas conjuntas. Neste livro, vá - evolu@o fitimana, sua adaptação e yariaçao.

rios exemplos de como a antropologia contribui


para a soluçã o de muitos desafios enfrentados
pelo homem aparecem na seçã o “Antropologia aplicada”.
Um dos primeiros contextos em que o conhecimento antropoló gico foi aplicado a um problema
prá tico foi o movimento internacional de saú de pú blica, na década de 1920, que marcou o início da
antropologia médica — uma á rea que emprega abordagens teó ricas e aplicadas da antropologia cul-
tural e da bioló gica no estudo da saú de e doenças humanas. O trabalho dos antropó logos médicos
esclarecer as conexõ es entre saú de humana e forças políticas e econô micas, local e mundialmente.
Exemplos dessa á rea de especializaçã o estã o na seçã o Conexã o Biocultural, incluindo o artigo apre-
sentado neste capítulo, “Antropologia dos transplantes de ó rgã os”.

Antropologia física
Antropologia física, também chamada antropo-
logia biolôgica, olha o ser humano como organis-
mo bioló gico. Tradicionalmente, a antropologia
bioló gica se concentra em evoluçã o humana,
primatologia, crescimento e desenvolvimento,
adaptaçã o humana e na á rea forense. Atualmen-
te, a antropologia molecular, o estudo antropo-
ló gico dos genes e das relaçõ es genéticas, é impor-
tante sub-ramo da antropologia física, e contribui
significativamente para o estudo contemporâ neo
da diversidade bioló gica do ser humano. Compa-
raçõ es entre grupos separados por tempo, geogra-
fia ou frequência de um gene específico podem
figura 1.1 As quatro áreas da antropologia
revelar de que forma os seres humanos se
ObSerVe q\Je ü S diViSÕ rS 0a0 Sá0 nÍtidô S, indiCarld0 qIJe 0f liMiteS Sr
sobrepõ em. adapta- ram e para onde migraram. Como
especialista na
£üpítUlo 1 lntr0dlJtă0 à üntr0p0|0gİü S

anatomia de ossos e tecidos humanos, o antropó logo físico aplica seu conhecimento sobre o corpo
em á reas específìcas, como laborató rios de anatomia geral, saú de pÚ blica e investigaçoes criminais.

Em 1954, ó primeiro transplante de órgão foi realizado em Boston. Cirurgiões removeram um rim de certo
o transplântaram no irmão doente. Embora alguns transplantes dependam de doado- vivos, os rotineiros dependem

de falécer.
"It Da perspectiva antrõpológica, o significado de morte e corpo varia entre as cultural. Enquanto se pode
;aGćrpar"qu”ea morte representa um estado biológicõ em particular, a Öpiniáo social sobre o significadõ des-
*'“’' -" . ” "" .. . ” ” .
se;estado é de extrema importancia. A antropologa Margaret Lock explorou as diferenças entre a aceitaçao
ÏÏtcÎo/e'stäòò biológico”dè“morte cerebral” e corrYo'esse aspècto influi a prática” de transplantes no Japão e
‘’ óS Eśtados Un"idoš.
. îA morte cerebral é’constatada a partir da áusência de ćorrentes elétrîcas.e da incapacidade de re“spirar
"t m'auxílio de”aparelhos. Ö inõivíduo que ápreśeñta ’morte cerebral, erńòora ligádo a máquinas, parece
/1 o,jä‘/que ò coraçăo bate”è o rosto pârece corado. 0 norte-americano”aceita a morte cerebraI;em parte,
/'“tp rqúë as noçöes de pessòalidade e individualidade estão culturalmente localizadas no cérebro. Nos Es-
\tttt óstUnidos, o csnforto da morte cerebral possibiliîa o’“presente da vidà"atràvés da doação de órgaos e
*-träńspÏàntèš śubsècjuentès. ”
•.*:,/,'. .. /' ” , .:. ,
Em'co/tip.áráção,”no lapao; o conceito de morte cerebral é cońtesÏada còm veemência e ös transplari-
”.I":S‹’\s : . ” - . . .. “. .’ “ “ . ’ .
ttęs sao raros. O japonès nao incorpora a divisao mente-corpo e situa a.noçao de pessoal,idade em todo o
“" ofpo,não äpenaś: no cë“rebro. Ele resiste a äcéita”r que um corpo corado esteja morto e que seus órgâos
pośsaiîi ser retirados.›Alëm dìsso, os órgãos não: podem ser transformados em "presentes", pois a doação
: anônima não é compativel com o padrào social japonês de reciprocid’ade.
. t” O, țranșplante, de, órğ'ãos possui um signifiCádo social muito maior. qüe o simples movimento biológico
.Ż umorgao’de.certó*incİivdúo pa'ra outro Prõcessos culturais e bíológicos estão estreitamënte relàciona-
"“”‘" "”" ” ”’ " "" ” “’ “ ’ ’ "'"” '\’ ”

Paleoantropologia
Os estudos sobre a evoluçã o humana (conhecidos como paleoantropologia) se concentram nas mu-
danças bioló gicas que ocorrem ao longo do tempo para entender como, quando e por que nos tor-
namos o tipo de organismo que somos hoje. Em termos bioló gicos, nó s, humanos, somos primatas,
um dos diversos tipos de mamíferos. Como temos ancestralidade comum com outros primatas, mais
especificamente com os macacos, o paleoantropó logo estuda os primeiros primatas (aproximadamen-
te 65 milhö es de anos), ou mesmo os primeiros mamíferos (225 milhõ es de anos), para reconstruir
o complexo caminho da evoluçã o humana. A paleoantropologia, ao contrá rio de outros estudos da
evoluçã o, tern uma abordagem biocultural que se concentra na interaçã o entre biologia e cultura.
6 PrlnCÍyiOS de ü ntfop0l0gla •

Os esqueletos fossilizados de nossos ances-


trais permitem que os paleoantropó logos re-
construam o curso da histó ria da evoluçã o hu- paleoantropologia Estudo das ongens e dos ancestois da atual
mana. Eles comparam o tamanho e o formato especie humana.
biocultuial üue es da a interaçao entre biologia ruItu\3
desses fó sseis entre si e com os ossos de outras
primatologia Btido de fósseis de primatas e támbim dósprimatas
espécies. Para os paleoantropó logos cada novo
atuais.
fó ssil descoberto acrescenta mais informaçõ es à
histó ria da evoluçã o humana. Os estudos bioquímicos e genéticos aumentam consideravelmente
as evidências apresentadas pelos fó sseis. Como veremos em outros capítulos, a evidência genética
estabelece a relação pró xima entre homens e espécies de grandes símios3 — chimpanzé s, bonobos
(ou chimpanzés-pigmeus) e gorilas. A aná lise genética indica que a linhagem humana originou-
se entre 5 e 8 milhõ es de anos atrá s. A antropologia física, portanto, lida com períodos de tempo
muito maiores que a arqueologia, ou outros ramos da antropologia.

Primatologia
O estudo da anatomia e do comportamento de outros primatas nos ajuda a entender quais aspectos
compartilhamos com nossos parentes mais pró ximos e o que torna o ser humano ú nico. Assim, a
primatologia, o estudo de fó sseis de primatas e também dos primatas atuais, é uma parte vital
da antropologia física. Os primatas incluem os grandes símios asiá ticos e africanos, assim como maca-
cos, lêmures, ló ris e tá rsios. 4
Biologicamente, o homem faz parte da família de monos — primatas de corpo grande e
ombros largos, sem cauda. Estudos detalhados do comportamento dos antropoides superiores
modernos (apes) na natureza indicam que o compartilhamento de comportamentos aprendidos é
parte sig- nificativa de sua vida social. Cada vez mais, os primatologistas designam o
comportamento apren- dido e compartilhado dos grandes símios, isto é, dos antropoides nã o
humanos (macacos), como cultura. Por exemplo, os sistemas de comunicaçã o e o uso de ferramentas
indicam a base elementar da linguagem em algumas dessas sociedades símias. O estudo dos primatas
apresenta perspectivas fundamentadas cientificamente sobre o comportamento de nossos
ancestrais, assim como maior apreciaçã o e respeito pelas habilidades de nossos parentes mais
pró ximos. Como a atividade huma- na se estende por todas as partes do mundo, muitas espécies de
primatas estã o ameaçadas. Os prima- tologistas geralmente defendem a preservaçã o de seus habitats
para que esses animais continuem a habitar a Terra conosco.

Crescimento humano, adaptação e variaçâo


Outra especialidade da antropologia física é o estudo do crescimento e desenvolvimento humano. Os
antropó logos examinam os mecanismos bioló gicos do crescimento, assim como o impacto do meio
ambiente sobre o processo de crescimento. Franz Boas, pioneiro da antropologia norte-
americana

' As três nomenclaturas são intercambió veis para esses animais (incluindo os orangotangos): 1. primatas superiores (incluindo
os homens), 2. antropoides nã o humanos (c, b, g fi o), 3. grandes símios (c, b, g fi o). (NRT)
• Em inglês há distinção entre apes (macacos, imitador), indicando os grandes símios, e monk‹:ys (macacos), indicando macacos
em geral. Apes serve para designar os antropoides superiores (gorila, chimpanzé, bonobo e orangotango), distinguindo-os dos
macacos não antropoides (monkcys). (NRT)
Capítulo 1 Introdução à antropologia 7

no início do século XX, comparou a altura de imigrantes europeus, os quais passaram a infâ ncia
em seu país de origem, com o aumento de estatura de seus descendentes que cresceram nos E,stados
Unidos. Atualmente, a antropologia física estuda o impacto de doenças, poluiçã o e pobreza no cres-
cimento. A comparaçã o dos padrõ es de crescimento entre primatas humanos e nã o humanos
pode mostrar indícios da histó ria da evoluçã o do homem. Estudos antropoló gicos detalhados das
bases hormonais, genéticas e fisioló gicas do crescimento saudá vel do ser humano também
contribuem significativamente para a saú de das crianças de hoje.
Os estudos sobre adaptaçã o se concentram na capacidade humana de se ajustar ao ambiente
material, bioló gica e culturalmente. Esse ramo da antropologia física adota uma abordagem com-
parativa em relaçã o ao ser humano que existe hoje em meio ambientes variados. Os humanos se
destacam entre os primatas, pois habitam praticamente toda a terra. Embora as adaptaçoes culturais
permitam que eles vivam em alguns meios ambientes extremos, as adaptaçõ es bioló gicas também
contribuem para a sobrevivência humana no frio e no calor extremos e em grandes altitudes.
Algumas dessas adaptaçõ es bioló gicas se desenvolvem na formaçã o gené tica das populaçõ es.
O longo período de desenvolvimento e crescimento do ser humano oferece muitas oportunidades
para que o corpo se adapte ao meio ambiente. Adaptações de desenvolvimento sã o responsá veis por
algumas características da variaçã o humana, como o aumento do ventrículo direito do coraçã o,
para ajudar a levar sangue para os pulmõ es, entre os índios quíchuas do altiplano peruano. Adapta-
ções fisiológicas são mudanças de curto prazo em resposta a um estímulo ambiental específico. Por
exemplo, uma pessoa que normalmente vive no nível do mar pode sofrer uma série de respostas
fisioló gicas, como aumento da produçã o de gló bulos vermelhos do sangue, que transportar oxigê-
nio, quando muda repentinamente para altitudes maiores. Todos esses tipos de adaptaçã o bioló gica
contribuem para a variaçã o humana dos dias de hoje.
As diferenças humanas incluem traços visíveis, como altura, biotipo físico e cor da pele, e fatores
bioquímicos, como tipo sanguíneo e suscetibilidade a certas doenças. Ainda assim, continuamos
a fazer parte da mesma espécie. A antropologia física aplica todas as técnicas da biologia moderna
para entender de modo mais completo a variaçã o humana e sua relaçã o com os diferentes meio
ambientes em que as pessoas vivem. A pesquisa da antropologia física desbancou a falsa noçã o de
raças biologicamente definidas, baseada na interpretaçã o eriô nea da variaçã o humana.

aB
8 Princîpios de antropologia ’ ,

no Brasil, onde identificou os restos mortais de Josef Mengele, notório criminoso nazista. Clyde também teve
participaçăo importante quando foi criado o primeiro grupo forense dedicado a documentar casos de abuso
de direitos humanos em todo o mundo. lsso começou em 1984, quando ele foi para a Argentina, a pedido
do governo civil recém-empossado, a fim de ajudar na identificaçäo das ossadas dos desaparecidos, mais de
9 mil pessoas eliminadas pelos esquadrões da morte do governo, durante sete anos de regime militar. Um
ano depois, retornou à Argentina como testemunha especialista no julgamento de nove membros da junta
militar. Na ocasião, também ministrou cursos sobre como recuperar, limpar, reparar, preservar, fotografar, fa-
zer raios X e analisar ossadas. Além de apresentar relatórios efetivos sobre o destino das vítimas aos familiares
e refutar as declaraçöes dos“revisionistas“de que os massacres nunca aconteceram, o trabalho de Snow e de
seus colaboradores argentinos foi fundamental na condenação de vários militares por sequestro, tortura e as-
sassinato. Desde o trabalho pioneiro de Snow, os antropólogos forenses envolvem-se cada vez'mais na inyes-
tigação de abusos dos direitos humanos em vários países: Chile, Guatemala, Haiti, Filipínas, Ruanda, Darfur,
lraque, BóSnid e”Kosovo. Enquanto isso, eles contìnuam a realizar trabalhos importantes para outros clientes. ,’
Nos’Estados Unidos, esses clientes incluem o Federal Bureau of Investigation (FBI) e ińÉtitutos iîiédicos leğaiś. "
O antropólogo forense especialista em ossadas geralmente trabalha com o arquéóIog“o forense. A re-
lação entre eles é a mesma que a do médico legal, que examina”o corpo para estab”etećer a” hora e a causa
da morteî e o investigador criminal, que examina a cena”do crime èm busca dë piśtas. Enquantó o antrop'ó- '
logo forense lida com restos humanos, geralmente ossos e dentes, o arqueólogo forensè avaliá o local, re-
gistrando a posição de todas as pistas relevantes e recuperando quaisquer evidènćiàs associadas à”vítima.
Em Ruanda, por exemplo, uma equipe”formada em 1995 para invéstigar uma atrocidade’em massa, para as
Nações Unidas, incluiu arqueólogos òo U.S. National Park Seívice’s Midwest Archaêòlogical Center (Centro
Arqueológico do Meio-Oeste dos S“erviços de Parque Naciötnais dos Estados tJnidÖs): Eles executararŸi os
procedimentos arqueológicos padrão de mapeamento do Jocal, determinaram seus limites, fotografaram
”e registraraïn todas as evidências de superfície, além de‘fotõgrafar e registrar as ossadas e materials asso-
ciados enterrados em covas comuns.°
Em outro exemplo, Karen Burns, da Universidade da Geórgia, participou de uma equipe enviada ao
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rt ’doncte e re a **t deGu e’ s ela esca ou s ne do c de u h d ueL lestabade
ladò, * prática islâmica. Embora aś roupas não estivessem
’ct ad ad de amb as pe eda de ha de éste Apesa de
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ÉapítlJlo 1 In(f0ÖIJçă0 à dfltf0p0l0gİa 9

Próximo dali, em J991, os operários de umä construçâo encońtraram um cemitério africano cfos sé-
culos XVII-XVIII (ver Capítulo” 13). A investigaçăo arqueológica da área revelou o horror da escćavidäo nos
Estados Unidos, mostrou que até crianças' peğúenas trabaİhavam alëm”de suas forças, tanto que se cons-
tatou que suas colunas vertebrais estavam fraturadas. Michael Blakt•y. arqueólogo biológico que chefiou
a equipe de pesquisa. observ-a “A bioarqueo ogia é geralmente ’cõnfundida com antropõlögia, forense -
Quando o biologo, ao estudar a ossada, emprega a populaçao como unidade de analIsę,(nao so o indlvi-
duo), incorpora o cóntexto histórico e culturál (não descreve apenaș as características biológicats}e mostra
o modo de’vida de uma comunidade do passado (não urri crime para a polícia e o tribunal), eś“tá aplicando
a bioarqueologia, näo a anțropologia forën"se°.‘ “ . .- ./ . ,
Portantõ; vários típos de“antropólogos ähališam restos humanoš: por motívos variadost.contribuindo
para a documentaçao e correçao de atrocidades cometidas no pasșpdo e.ns presente. « ..j ,‹,.

“ Blakey, M. Comun/iCa âo pessoáİ, 29 oiJt 2Ô 3,' ’* '


””'z’'”g “”,.”‘” ‘ ”

Antropologia forense
Uma das aplicaçöes mais práticas da antropologia física é a antropologia forense: a identificação
de restos de ossadas para fins legais. Embora sej iì m requisitados pelas autoridades para identificar
vítimas de assassinatos, os antropólogos forenses também investigam abusos de direitos humanos,
tais como genocídio sistemático, terrorismo e crimes de guerra. Esses especialistas fazem uso de
detalhes da anatomia do esqueleto para estabelecer idade, sexo, relaçäo populacional e estatura do
indivíduo. Os antropólogos forenses também podem determinar se a pessoa era destra ou canhota,
apresentava anomalias físicas on se havia sofrido algum trauma. Embora a antropologia forense
dependa de aspectos diferentes das características do esqueleto para estabelecer a relação popula-
cional, é falso afirmar que todas as pessoas de uma determinada populaçäo têm um tipo especíhco
de esqueleto. (Ver a seção “Antropologia Aplicada” para conhecer o trabalho de vários antropólogos
e arqueólogos forenses.)

/\I\tr0ț›0logİa cUltUÏal

A antropologia cultural (também conhecida como antropologia social ou sociocultural) 5 estuda os


padrö es comuns de comportamento, pensamento e sențimentos humanos. Concentra-se no ser
humano como criatura produtora e reprodutora de cultura. Desse modo, para entender o traba-
lho do antropó logo cultural, precisamos esclarecer o significado de “cultura”. Este conceito será
discutido detalhadamente no Capítulo 9. Para atender nossos objetivos, neste capítulo, podemos
pensar em cultura como padrõ es (geralmente inconscientes) atiavés dos quais uma sociedade
— um grupo estruturado de pessoas — opera. Esses padrõ es sã o aprendidos socialmente, nã o sã o
adquiridos pela herança bioló gica. As manifestaçõ es da cultura podem variar consideravelmente
de lugar para lugar, mas, no sentido antropoló gico, uma pessoa nã o possui “mais cultura” que
qualquer outra.

' Nos Estados Unidos usa-se “A. cultural”. Em outros países, como Inglaterra e Brasil, se faz a distirição entre A. C. e A. S.
A primeira tern como loco as estrutuias sociais e, a segunda, os aspectos culturais. (NRT)
10 Princípios de antropologia

A antropologia cultural apresenta dois com-


ponentes principais: etnografia e etnologia.
Etnografia é a descriçã o detalhada de uma cultu- antropologiafoense fubárea da antropologia Êsira aplicada que
ra específica, com base em pesquisa ele campo, SC flS§9€iüliZt fldideniificaÇdo de restos de esqueletoshvmanos para
termo empregado por todos os antropó logos para fins legais. ‘
antropologia cukuraf Também conhecida comóansopolügia socàl.
a pesquisa realizada no local estudado. Como a
0U S0CiOClJlturil. Ú tlJdo de padiô ts t0lTltJnS ‹IO c0l/Ip0ftaMtntO, d0
característica principal da pesquisa etnográ fica é
pensamento Oõ os sCRtim z#tõ S húiTianos. C CI 'sino ser h\imar›o
a combinaçã o da participaçã o social com a ob- torno cfiatup pfodu(0r4e eprodutõiaü e“cultoo. “
servaçã o pessoal na comunidade estudada, assim cultura Umas‹xtedaáe#art1haeíransmitesor.ialwnieideias, valor
como entrevistas e discussõ es com membros do e percepç õ e s , o s ‹ : p a i s s ã ô e r i› p r e ga d os p ar a s e n i t n@ a expehé n Ci a e
" ’’” ” " " ‘ ‹ ' ’ "‹ ’ ‘ ‘ ’' '“ '” ““ " " . ” “ " ’ "“ ’ ” " ’'.' '/ . . " ’‘ " ‘" ‘
grupo, o método etnográ fico é normalmente erarcon
descrito como observação participante. Hoje etnogfalja Desciçdõ#etzIbJda de Uma CUltr,raespCcÊCa, baseada

o trabalho de observaçã o participante leva em


conta a colaboraçã o ativa entre os antropó logos
e as comunidades nas quais eles trabalham. A
etnografia apresenta informaçoes utilizadas para
fazer comparaçõ es sistemá ticas entre as culturas
em todo o mundo. Conhecida como etnologia, diSCU(SôMtóMO€/ói0í’óOgfu dUMntC’d ú81 iAdd0jefi0ó0.

essa pesquisa intercultural permite aos antropó -


logos desenvolver teorias que ajudam a explicar
por que certas diferenças ou semelhanças impor-
tantes ocorrem entre os grupos.

Etnografia
Por meio da observaçã o participante — residir em uma comunidade, compartilhar atividades roti-
neiras, fazer refeiçõ es com as pessoas, aprender a falar e a se comportar de maneira adequada, viven-
ciar há bitos e costumes — o etnó grafo se habilita a entender a cultura da sociedade na qual realiza
o seu trabalho de campo plenamente, o que um pesquisador nã o participante jamais conseguiria.
Ser observador participante nã o significa que o antropó logo deva partilhar de brigas ou discussõ es
para estudar uma cultura onde existem conflitos visíveis; mas, ao viver em uma comunidade onde
a violência é comum, o etnó grafo deve ser capaz de entender de que modo a agressã o se encaixa
na estrutura cultural geral. Ele deve observar atentamente para ter uma noçã o geral, sem enfatizar
demais um aspecto em detrimento de outro. O etnó grafo somente começa a entender o sistema
cultural depois de descobrir como todos os aspectos de uma cultura — ser social, instituiçõ es e prá -
ticas sociais, políticas, econô micas e religiosas — relacionam-se entre si. Suas ferramentas essenciais
sã o: lá pis e caneta, cadernetas de campo, má quina fotográ fica, gravador, diá rios de campo e, cada
vez mais, computadores. Porém, o aspecto mais importante de todos: o etnó grafo precisa ter habi-
lidades sociais flexíveis.
A imagem popular da pesquisa de campo etnográ fica é de que seja realizada com povos que
vivem em lugares distantes e isolados. Certamente, muitas pesquisas etnográ ficas já foram feitas/
conduzidas em vilarejos remotos da Á frica e da América do Sul, nas ilhas do Pacífico, em reser-
vas indígenas da América do Norte, nos desertos da Austrália, entre outros. Entretanto, com o
Capitulo 1 Introdução à antropologia 11

desenvolvimento da disciplina, as sociedades industrializadas do Ocidente também vieram igual-


mente a ser objetos legítimos de estudo. Parte dessa mudança ocorreu à medida que estudiosos
oriundos de culturas nã o ocidentais se tornaram antropó logos. A pesquisa de campo etnográ fica
se transformou; antes, os antropó logos ocidentais estudavam grupos em “outros” lugares; agora,
existe colaboraçã o entre profissionais de todas as partes do mundo e as comunidades variadas
onde trabalham. Atualmente, antropó logos do mundo inteiro empregam as mesmas técnicas de
antes para explorar assuntos diversos, como movimentos religiosos, gangues de rua, direito à ter-
ra, escolas, prá ticas de casamento, resoluçã o de conflitos, burocracia das corporaçoes e sistemas de
saú de, só que agora nas culturas ocidentais.

Etnologia
Altamente descritiva por natureza, a etnografia apresenta os dados necessários para a etnologia — área
da antropologia cultural que envolve comparaçoes entre culturas e teorias que expliquem as seme-
lhanças e diferenças entre grupos. Conhecimentos intrigantes sobre crenças e práticas podem resultar
da comparação entre culturas. Considere, por exemplo, o tempo gasto em tarefas domésticas pelos
povos industrializados e forrageiros^ (cuja subsistência depende de recursos animais e vegetais). A
pesquisa antropológica mostra que os membros de grupos forrageiros fazem muito menos tarefas do-
mésticas e outras atividades de subsistência em comparação com as pessoas de sociedades industriali-
zadas. Nos Estados Unidos, a mulher que vive nas cidades e que não trabalha para ajudar no sustento
da família dedica 55 horas por semana a trabalhos domésticos, apesar de utilizar eletrodomésticos
como máquina de lavar roupa e louças, secadora de roupa, aspirador de pó, processador de alimento
e forno de micro-ondas. Em comparação, a mulher aborígene, na Austrália, devota 20 horas por se-
mana a essas tarefas.’ Contudo, nos Estados Unidos, os aparelhos domésticos se tornaram indicadores
importantes de padrão de vida alto, em virtude da crença generalizada de que esses equipamentos
diminuem o trabalho e aumentam o tempo de lazer.
Considerando tais comparações entre culturas, pode-se acreditar que etnologia é o estudo de
formas alternativas de se executar tarefas. Todavia, muito mais do que isso, ao fazer comparações
sistemáticas, os etnólogos procuram tirar conclusões científicas com relação à função e operação
de práticas culturais em todos os tempos e lugares. Hoje, a antropologia cultural contribui com
a antropologia aplicada em contextos variados: negócios, educação, intervenções governamentais e
ajuda humanitária.

Antropologia linguística
Talvez o aspecto mais característico da espécie humana seja a linguagem. Embora os sons e gestos
feitos por alguns animais — principalmente os macacos — possam ter funções comparáveis às da
linguagem humana, nenhum outro desenvolveu
um sistema de comunicação simbólica tão com-
plexo. A linguagem permite a transmissão e pre-
servação de detalhes incontáveis da cultura, de
geração para geração.

Povos coletores nÔ mades. (ART)


' Bodley, J.H. Anthropolo$y and conteinporaiy human problems. 2. ed. Palo Alto, CA: Mayfield, 1995. p. 69.
12 Princípios de antropoloqia .

A antropologia linguística é a á rea que estuda a linguagem humana. Embora compartilhe dados
e métodos com a linguística, difere da mesma, pois os emprega para responder questÕ es antropoló gi-
cas. Quando essa á rea surgiu, enfatizava a documentaçã o de linguagens e culturas dentro de estudos
etnográ ficos, principalmente daquelas cu Jo futuro parecia precá rio. O estudo das línguas nativas norte-
americanas, com estruturas gramaticais muito diferentes das línguas indo-europeias e semíticas a que
os especialistas europeus e norte-americanos estavam acostumados, sugeriu a noçã o de relativi- dade
linguística. Isso se refere à ideia de que a diversidade linguística reflete não somente as diferenças
gramaticais e sonoras, mas também as diferentes formas de ver o munclo. Por exemplo, a observaçã o
de que a língua dos indígenas Hopi, do sudoeste dos Estados Unidos, nã o apresentava palavras para
indicar passado, presente e fiiWro fez com que os proponentes da relatividade linguística sugerissem
que os Hopi possuem uma concepçã o ú nica de tempo.8 Da mesma forma, a observaçã o de que os
norte-americanos empregam vá rias gírias — como dough (massa, comida), greenback (qualquer nota
de dó lar — por causa da cor verde), dust (merreca), IoOt (prata), bucks (cobres), change (trocados), paper
(cédula), cake (bolo), moolah (bufunfa), benjamins (nota de cem dó lares com a efígie de Benjamin
Franklin) e bread (pão) — para se referir a dinheiro pode ser resultado da relatividade linguística. A va-
riedade de palavras ajuda a identificar algo de importâ ncia especial para uma cultura. Da mesma for-
ma, o valor do dinheiro para a cultura norte-americana também fica evidente na relaçã o entre tempo
e dinheiro em expressõ es como “tempo é dinheiro”, “perda de tempo” e “gastar algum tempo”.
Ideias e prá ticas complexas essenciais para a sobrevivência de uma cultura também se refletem
na linguagem. Por exemplo, entre os nuer, grupo nô made que vagueia na companhia de animais
por toda a regiã o sul do Sudã o, um bebê que nasça com deformidades visíveis nã o é considerado
humano. É chamado filhote de hipopó tamo. Esse aspecto possibilita o retorno seguro do “hipopó -
tamo” ao rio a que pertence. Esses bebês nã o conseguiriam sobreviver na sociedade nuer, assim, a
prá tica linguística é compatível com a escolha repleta de compaixã o que os nuer tiveram de fazer.
A noçã o de relatividade linguística tem sido questionada por teó ricos que propoem que a capa-
cidade da linguagem baseia-se em aspectos universais que
per- meiam o pensamento humano. Recentemente, Stephen
Pinker sugeriu que, no nível bioló gico universal, o
pensamento nã o é verbal. A abordagem antropolÓ gica
holística considera a lin- guagem dependente tanto de uma
base bioló gica compartilha- da pelo ser humano como de um
padrã o cultural específico.
A fim de examinar as questõ es antropoló gicas mediante a
aná lise linguística, Dell Hymes, antropó logo linguístico, desen-
volveu uma série de suposiçõ es referentes a eventos específicos
de elocuçã o verbal.' Tais eventos formam um discurso, uma
comunicaçã o prolongada sobre determinado assunto. Em uma
elocuçã o ou uma série de elocuçõ es, o pesquisador pode se con-
centrar em características como aspectos físicos e psicoló gicos,
participantes, objetivo, sequência da elocuçã o e regras sociais.

• Whorf, B. The Hopi language, Toreva dialect. In Linguistic strucWres o{Native America. Nova York: Viking Fund., 1946.
• Pinker, S. The language instinct: How the mind creates language. Nova York: William Morrow, 1994.
'° Hymes, D. Foundatiotts in sociolinguistics: An ethnographic approach. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1974.
*

Capítulo 1 Introdu\io à antiopologia 13

1
i
Por exemplo, o antropó logo linguístico pode estudar a relaçã o entre linguagem e papel social/iden-
tidade em uma sociedade. De que maneira o stattfs, a idade ou o gênero afetam a forma com que
os indivíduos empregam a linguagem de sua cultura? O antropó logo linguístico pode examinar se
a tendência das mulheres nos Estados Unidos de terminar uma frase com entonaçã o ascendente,
embora a frase seja interrogativa, reflete um padrã o de dominaçã o masculina nessa sociedade. Como
os membros de qualquer cultura podem utilizar vá rios registros e entonaçõ es diferentes, aqueles que
esses membros escolhem usar em determinada situaçã o para expressar seu pensamento apresentam
significados específicos.
O antropó logo linguístico també m estuda o processo de socializaçã o pelo qual um indivíduo se
torna parte de uma cultura. A criança passa por esse processo fundamental enquanto cresce e se de-
senvolve, mas esse aspecto também pode ser observado no adulto. O adulto pode sentir necessidade
de assimilaçã o em virtude de movimentaçã o geográ fica ou de assumir uma identidade profissional.
Os alunos do primeiro ano de medicina, por exemplo, acumulam cerca de 6 mil palavras novas e
uma série de convençõ es linguísticas, à medida que assumem o papel de mé dico.
Da mesma forma que a perspectiva antropoló gica sobre a cultura, a linguagem também é con-
siderada viva, flexível e mutante. Algumas ferramentas da internet, como o Urban Dictionary,
acompanham as mudanças das gírias norte-americanas, e dicioná rios tradicionais incluem novas
palavras e usos a cada ano. Essas mudanças linguísticas têm implicaçõ es importantes, à medida que
o antropó logo linguístico as acompanha para aumentar nosso entendimento sobre o passado. Ao
revelar a relaçã o entre as linguagens e examinar sua distribuiçã o espacial, o antropó logo linguístico
pode estimar há quanto tempo o falante vive em determinado local. Ao identificar, em línguas
relacionadas, palavras que sobreviveram de uma antiga língua ancestral, o antropó logo linguista
també m pode sugerir nã o apenas onde, mas també m como era o modo de vida dos falantes dessa
língua. Esse tipo de trabalho já mostrou, por exemplo, laços linguísticos entre grupos geografica-
mente distantes, como os povos da Finlâ ndia e da Turquia.
A antropologia linguística é praticada em vá rias situaçoes diferentes. Por exemplo, antropó logos
linguísticos já ajudaram minorias étnicas a revitalizar línguas proibidas ou perdidas durante perío-
dos de opressã o por parte de outro grupo étnico. Também já propiciaram a criaçã o da forma escrita
de línguas exclusivamente orais. Esses exemplos de antropologia linguística aplicada representam o
tipo de colaboraçã o real, que é característico da pesquisa antropoló gica atual.

Arqueologia
Arqueologia é o ramo da antropologia que estuda a cultura humana através da descoberta e
aná lise de restos materiais e dados ambientais. Esses materiais incluem ferramentas, cerâ mica,
moradias e á reas que permanecem como indícios de prá ticas culturais no passado, além de restos
humanos, marinhos e de plantas, alguns com 2,5 milhõ es de anos. Esses indícios e sua organiza-
çã o refletem ideias e comportamentos específicos. Por exemplo, concentraçõ es rasas e restritas de
carvã o que incluem terra oxidada, fragmentos de ossos e restos de plantas queimadas, localizadas
perto de rochas com fissuras causadas pelo fogo, cerâ mica e objetos pró prios para a preparaçã o de
comida indicam cozimento e preparaçã o de comida. Isso tudo pode revelar muito sobre a dieta
e as prá ticas de subsistência de um grupo. Juntamente aos restos de esqueleto, esses materiais
ajudam os arqueó logos a reconstruir o contexto biocultural de estilos de vida no passado. O
14 Prin‹ípios de antropologia ,

arqueó logo organiza esse material por período


e o utiliza para explicar a variaçã o cultural e a
arğueologia Estuda da(u)tufahvmanamedìante a recupéràçżo e
mudança da cultura ao longo do tempo.
anaiederètosmateJasedaóplamöemav
Como a pesquisa atqueoló gica está estreita-
biœiquëèİogia Estud0 áqU9ológico de restos humanos, que enfatiza
ü ğf9SerYü ç20 de ğr0CesŚõ SOCt Sččl (tUrü İS fi0 eSğtJelet0. ” mente relacionada à escavaçã o de restos materiais
gérenúamento de‘recursós culturais Camo da arqueologia . em contextos ambientais específicos, vá rias ino-
‹|ü č|›05‹|UİSz e/0U fü z ț!s,Cayü çÕ ¢9'de feSt0S ÍłÌStÓ fíCOS e ü [‹|‹Ïe0lÓ tjÍCöS . vaçö es nas ciências geográ ficas e geoló gicas fo-
aMeaçad0S p0r COrlStrUçÕ CS Tamt›ém pr0ITI0veM 0 deSerIv0İVÎITIe t0 dC
' ” "”'”I ” ’ ” "”’" " ” "”’’"’”ï “’”" ’ "”-'”‘''" "" ".‘ ’“' ’ ‘ '‘’”“" “ "‘ ”" ” ram prontamente incorporadas. Inovaçõ es como
ÿ0II “ ds Uò iİcdS ue e V ) Ołe a0 d0i ie ufs0S ČuÍtcraİS. .
o geographic information systems — GIS (sistem a
de informaçã o geográ fica — SIG), sensoriamento
remoto e ground penetrating radar — GPR (radar de penetraçã o no solo) complementam a explora-
çä o tradicional de escavaçõ es arqueoló gicas.
O arqueó logo pode investigar indícios do comportamento humano muito além dos 5.000 anos a
que os historiadores se restringem, uma vez que dependem de registros escritos. O fato de esse perío-
do se chamar "pré-histó rico" não significa que essas sociedades tinham menos inteiesse na pró pria
histó ria ou que nä o contassem com formas de registrar e transmitir. Significa, simplesmente, que
nã o há registros escritos. Portanto, os arqueó logos nã o se limitam ao estudo de sociedades que
nñ o possuem registros escritos, eles também estudam aquelas que possuem documentos histó ricos
para complementar os restos materiais. Na maioria das sociedades letradas, os registros escritos estã o
as- sociados à s elites governantes, nã o a agricultores, pescadores, trabalhadores braçais ou escravos.
Na verdade, de acordo com James Deetz, pioneiro em arqueologia histó rica nas Américas, em
muitos contextos histó ricos, "a cultura material pode ser a fonte de informaçä o mais objetiva que
temos”."

Subáreas da arqueologia
O arqueó logo tende a se especializar em determinadas zonas de cultura on períodos de tempo re-
lacionados a regiö es específicas do mundo, mas existem vá rias subá reas de especializaçã o. A bioar-
queologia, por exemplo, é o estudo arqueoló gico de restos hu-
manos, que enfatiza a preservaçä o de processos sociais e cul-
turais no esqueleto. Por exemplo, as ossadas mumificadas do
altiplano andino, na America do Sul, preservam nã o somente
a prá tica dos funerais, mas também apresentam evidëncias so-
bre algumas das primeiras cirurgias no cérebro já documenta-
das. Alé m disso, esses restos bioarqueoló gicos exibem té cnicas
de deformaçã o do crâ nio que distinguem a nobreza de outros
membros da sociedade.
Outros arqueó logos se especializam em etnobotânica, que es-
tuda como os membros de uma determinada cultura empregam
as plantas nativas. Outros ainda se especializam em zooarqueoIo-
gia, que estuda os restos de animais recuperados nas escavaçö es
arqueoló gicas.

" Deetz, J. In small things (orgotten: The archaeology of early American life. Garden City, NY: Anchor Press/Doubleday, 1977. p. 160.
Capítulo 1 Introdução à antropologia IS

Embora a maioria dos arqueólogos se concentre no passado, alguns estudam objetos materiais
no cenário contemporâneo. Um exemplo é o Projeto Lixo (The Garbage Project), fundado por
William Rathje, na Universidade do Arizona, em 1973. Esse estudo antropológico, cuidadosamente
controlado, do lixo doméstico dos residentes de Tucson continua a produzir informaçoes instigan-
tes sobre questoes sociais contemporâneas. Por exemplo, ao responder o questionário da pesquisa,
apenas 13% das famílias confirmaram o consumo de cerveja, mas nenhuma relatou que consome
mais de oito latas por semana. A análise do lixo da mesma área mostrou que mais de 80% das
famí- lias consumiam cerveja e que 50% descartaram mais de oito latas por semana.
Além de apresentar dados concretos sobre o consumo de cerveja, o Projeto Lixo testou a vali-
dade de técnicas de pesquisa de que dependem sociólogos, economistas e outros cientistas sociais
e formuladores de políticas públicas. Os testes mostram uma diferença signihcativa entre o que as
pessoas dizem que fazem e o que a análise do lixo comprova que realmente (‹szem. As ideias sobre
comportamento humano com base em técnicas simples de pesquisa, portanto, podem apresentar
sérios erros.

Gerenciamento de recursos culturais


Embora a arqueologia possa evocar imagens de pirâmides antigas e coisas do gênero, grande parte
do trabalho de campo arqueoló gico é realizado como gerenciamento de recursos culturais. Esse
trabalho se distingue da pesquisa arqueoló gica tradicional por ser parte de atividades regidas por lei
para preservar aspectos importantes da herança histó rica e pré-histó rica de um país. Por exemplo,
nos Estados Unidos, se a secretaria de transportes de determinado estado planeja substituir uma
ponte em uma rodovia, é preciso identificar e proteger quaisquer recursos histó ricos ou pré-histó ri-
cos que possam ser afetados pela nova obra. Desde a aprovaçã o da Lei de Preservaçã o Histó rica (His-
toric Preservation Act), de 1966, a Lei Nacional de Políticas Ambientais (National Environmental
Policy Act), de 1969, e da Lei de Preservaçã o Histó rica e Arqueoló gica (Archaeological and Historical
Preservation Act) de 1974, o gerenciamento de recursos culturais é exigido para qualquer projeto de
construçã o que seja custeado ou licenciado pelo governo federal norte-americano. Como resultado,
a á rea de gerenciamento de recursos culturais prosperou. Muitos arqueó logos sã o contratados por
ó rgã os como Unidade de Engenheiros do Exército (Army Corps of Engineers), Serviço de Parques
Nacionais (National Park Service), Serviço de Conservaçã o de Recursos Naturais dos Estados Unidos
(U.S. Natural Resource Conservation Service) para ajudar na prevençã o, restauraçã o e salvamento
de recursos arqueoló gicos.
Quando o trabalho de gerenciamento de recursos culturais ou outra investigaçã o arqueoló gica
encontra artefatos culturais nativos ou restos humanos, as leis federais também devem ser obser-
vadas. A Lei de Proteçã o e Repatriaçã o de Tumbas Nativas (Native American Graves Protection
and Repatriation Act — Nagpra), aprovada em 1990, determina um processo para o retorno desses
restos aos descendentes lineares, a tribos culturalmente relacionadas e a organizaçCies havaianas
nativas. Ela é extremamente importante para o trabalho dos antropó logos que estudam as cultufã s
paleoindígenas nos Estados Unidos. A contrové rsia sobre o Homem de Kennewick ressalta alguns
dos debates éticos a ela relacionados.
Além de atuar em todas as á reas mencionadas, o arqueó logo também pode trabalhar como
consultor para empresas de engenharia na preparaçã o de documentos relacionados ao impacto
IS Princípios de antropologia .

ambiental. Alguns desses profissionais trabalham em universidades e faculdades, enquanto outros


sã o membros de empresas independentes de consultoria. Quando o governo financia qualquer tipo
de trabalho arqueoló gico, este recebe o nome de arqueologia publica.

ANTR0P0L0€IA, CIÊNCIA E HUMANIDADES


Por causa da grande variedade de assuntos e métodos, a antropologia à s vezes é considerada a ci-
ência mais humana e a á rea de humanidades mais científica, uma designaçã o que a maioria dos
antropó logos aceita com satisfaçã o. Em virtude do envolvimento com indivíduos de todo tempo e
lugar, os antropó logos acumulam informaçõ es considerá veis sobre sucessos e fracassos, fraquezas e
grandezas — a verdadeira natureza das humanidades. Embora os antropó logos evitem uma aborda-
gem científica impessoal e “fria” que reduza pessoas, atividades e pensamentos a simples
nú meros, as suas pesquisas quantitativas contribuíram significativamente para o estudo científico
da con- diçã o humana. Contudo, mesmo profissionais rigorosos sempre têm em mente que as
sociedades humanas sã o compostas de indivíduos com grande diversidade de emoçoes e com
aspiraçõ es que exigem respeito.
Além disso, o antropó logo permanece comprometido com a proposiçã o de que nã o se pode
entender completamente uma cultura por meio da simples observaçã o; como implica a expressã o
obsewação participante, também é preciso vivenciar. Esse mesmo comprometimento à pesquisa de
campo e à coleta sistemá tica de dados, sejam eles qualitativos ou quantitativos, também é uma
evidê ncia do lado científico da antropologia. Esta é uma ciência social empírica com base em ob-
servaçoes ou informaçõ es sobre o ser humano obtidas por meio dos sentidos e verificada por outros
aspectos além da intuiçã o ou de crenças. Mas a antropologia se distingue de outras ciê ncias pelas
formas diversas com que a pesquisa científica é conduzida.
A ciência, uma forma cuidadosa de produzir conhecimento, tem como objetivo revelar e explicar
a ló gica implícita, os processos estruturais que fazem o mundo “girar”. O empenho científico criativo

As eXpieSfÕeS “0 AflíigÓ* e “H0ITIefn de KenneWiCL” Se fefefeM a0 eSqiJelet0 de 9.3@ üf 0S, enC0ntfüd0 eITI 199ó, pef(0 dt Kerlf eWiCk, WüShir gt0n. CerCüdo de
C0ntfOVÉfSiaS desde Suü deSC0beftü, 0 HOMerrl dt KerineWiCt f0i uM d0S pfilTieif0S ü Chegüf a0 0Cidef te e üpresentü grü0de p0teflCiül parü 0 üVüf ç0 d0S eSiud0t
científicos soõre estilos de vida antigos e padrões de migração nas American. 0 Homem de Kennewirk foi encontrado em tefras anrestrais de um grupo de tfihos
nativas, que recIüITI0ü 0S festos mortais, segundo a Lei de Proteção e Re#atriaÇâ0 de Tumbas Nativas (Native American Grayes Protertion and Repatrialion Act —
Nagpra). Como, para esses nativos, os ossos peflencem a um ancestral, desejam fazei com que retorne à terra em uma cerimônia adequada. 0s cientistas apelaiam
ao Tribuna1 Federal e, em 2004, conseguiram permisSa0 #ôra continuar as pesquisas e anáIites. Doug Owsley, antropólogoforente do Instituto Smilhsonian que lidera
0 gFUp0 de pesquisa, afíMü qtJe a irlVeStigüçá0 Cief [ÍfiCa apfeS‹’nta MlJito ITlüiS if f0rITlü{ÕCS d0 qtJe ‹'SpefüVô ITI. COITIO fI0 Cerllr0 dessü C0n(r0Véffiô eXiSteM viSÔef
conflitantes, é õem pf0vave! que ela náo seja resolvida facilmente.
Capítulo 1 Introdução à antropologia 17

procura explicaçõ es que podem ser testadas para


fenô menos observados, de modo ideal em termos
do funcionamento de leis ou princípios ocultos, empírica Baseia—se nas obseiva{ôes do mundo, náo na intuição nu
em crenças.
mas imutá veis. Para isso, sã o necessá rios dois in-
hipÓteSt hpliCaçá0 pr0ViSÓriü f0bre aS felü{ÕeS gntf‹' C‹'rI0S fenÔM€'ll0S.
gredientes bá sicos: imaginaçã o e ceticismo. A ima-
teoria Em ciência, uma expliraçao sobre terto fenômeno natural,
ginação, apesar de ter o potencial de nos induzir fU«düMefI(üdü p0r uM COrijUntO de dad0S COnfláYeiS.
ao erro, nos ajuda a reconhecer formas inespera- doUtrina DerlaraÇáo de opinião ou crença apresentada formalmente
das em que os fenô menos podem ser organizados por uma a t0fÍdade como verdadeira ou intonte5táyel.
e a analisar ideias antigas de novas maneiras. Sem
ela, nã o existe ciência. O ceticismo nos permite distinguir entre fato (uma observaçã o verificada por
outras pessoas) e suposiçã o, para testar nossas especulaçõ es e evitar que viajemos na imaginaçã o.
Em busca por explicaçõ es, os cientistas nem sempre supõ em que as coisas sã o o que parecem
na superfície. Afinal, o que é mais ó bvio do que a terra permanecer parada enquanto o sol gira em
torno dela todos os dias?
Como outros cientistas, os antropó logos geralmente iniciam as suas pesquisas com uma hipó-
tese (uma explicaçã o provisó ria ou suposiçã o) sobre as relaçõ es possíveis entre certos eventos ou
fatos observados. Ao coletar vá rios tipos de dados que parecem fundamentar com evidências as
exp1icaçoes sugeridas, os antropó logos elaboram uma teoria — explicaçã o fundamentada por um
conjunto de dados confiá veis. Na tentativa de demonstrar a ligaçã o entre fatos ou eventos conheci-
dos, o antropó logo pode descobrir fatos, re1açoes ou eventos inesperados. Uma funçã o importante
da teoria é direcionar nossas exploraçõ es, que podem resultar em novos conhecimentos. Também
é importante ressaltar que os novos fatos descobertos podem apresentar evidências de que certas
explicaçõ es sã o infundadas, mesmo que sejam populares ou consideradas verdadeiras. Quando há
falta de evidências ou elas nã o fundamentam as explicaçõ es sugeridas, as hipó teses promissoras
ou suposiçÕ es atraentes devem ser descartadas. Em outras palavras, a antropologia depende de
evidências empíricas. Alé m disso, toda teoria científica, mesmo que esteja amplamente aceita pela
comunidade científica internacional, é questioná vel.
É importante distinguir entre teoria científica, que está sempre sujeita a contestaçõ es futuras
que surgem com novas evidências ou novos conhecimentos, e doutrina. Uma doutrina, ou dog-
ma, é certa declaraçã o de opiniã o ou crença apresentada formalmente por determinada autoridade
como verdadeira ou incontestá vel. Por exemplo, aqueles que aceitam a doutrina criacionista sobre
a origem da espécie humana, como descrevem os textos sagrados ou os mitos, o fazem com base
na autoridade religiosa, reconhecendo que essa visã o pode contrariar as explicaçõ es da genética, da
geologia, da biologia ou outras. Tais doutrinas nã o podem ser testadas ou provadas de uma forma
ou de outra, sã o aceitas como crenças.
Embora a abordagem científica possa parecer direta, sua aplicaçã o nem sempre é fá cil. Por exem-
plo, depois que uma hipó tese é proposta, esta deve ser confirmada. Isso pode fazer com que incons-
cientemente se ignorem evidê ncias negativas e descobertas imprevistas. É um problema familiar
em toda ciência, como destaca o paleontó logo Stephen Jay Gould: “O maior obstá culo à inovaçã o
científica é geralmente um bloqueio conceitual, nã o um bloqueio real”.'° Como a cultura
estabelece

'° Gould, S. J. lVondeiful li[e. Nova York: Norton, 1989. p. 226.


18 Princípios de antropologia •

conceitos e ideias, formular hipó teses ou desenvolver interpretaçõ es que nã o estejam relacionadas
a ela pode ser um desafio. Ao englobam humanismo e ciência, a antropologia conta com a pró pria
diversidade interna para superar os bloqueios conceituais.

PES4UISADECAMP0
Todos os antropó logos consideram se sua cultura pode ter originado as perguntas científicas que
elaboram. Ao fazer isso, dependem muito de uma técnica que se tem mostrado proveitosa em
outras disciplinas: dedicam-se incansavelmente à aná lise dos dados obtidos. Durante o processo,
eles se familiarizam completamente até mesmo com os mínimos detalhes, e têm condiçõ es de co-
meçar a reconhecer padrõ es implícitos que podem ter sido ignorados. Ao reconhecê-los, o antropó -
logo consegue elaborar hipó teses significativas, que entã o podem ser submetidas a outros testes ou
validaçã o no campo. Na antropologia, a pesquisa de campo apresenta rigor adicional ao conceito
de imersã o total nos dados.
Embora a pesquisa de campo tenha sido mencionada em relação à antropologia cultural, é uma
característica apresentada em todas as subáreas da antropologia. Os arqueó logos e paleoantropó -
logos fazem escavaçõ es. Um antropó logo bioló gico, interessado nos efeitos da globalizaçã o sobre
nutriçã o e crescimento, irá viver em uma comunidade para estudar esse assunto. Um primatologista
poderá viver em meio a um grupo de chimpanzés ou babuínos, e um linguista, na comunidade cuja
linguagem deseja estudar. A pesquisa de campo, imersã o em outra cultura, desafia o antropó logo a
estar constantemente consciente da maneira como os fatores culturais influenciam as perguntas da
pesquisa. O antropó logo monitora a si mesmo verificando constantemente as pró prias tendê ncias
e suposiçõ es; à medida que desenvolve o trabalho, elabora essas reflexõ es sobre si juntamente a
observaçEies, uma prá tica conhecida como re(lexividade.
Ao contrá rio de outros cientistas sociais, os antropó logos geralmente nã o vã o a campo com
questionários pré-elaborados. Embora tenham realizado pesquisas para conhecer a comunidade
onde vã o atuar e tenham criado algumas hipó teses, eles reconhecem que muitas das melhores
descobertas sã o feitas quando mantêm a mente aberta. À medida que a pesquisa de campo se desen-
volve, selecionam as observaçoes, à s vezes formulando e testando hipó teses limitadas, ou usando
a intuiçã o. O antropó logo atua junto à comunidade para que o processo de pesquisa se torne um
trabalho de colaboraçã o. A consistência dos resultados é verificada constantemente, pois, se nã o há
coerência, ele sabe que houve algum erro e que é preciso investigar mais. A validade ou a confiabi-
lidade das conclusõ es se estabelece através da reproduçã o das observaçõ es e/ou dos experimentos
por outro pesquisador. Assim, essa validade torna-se ó bvia se o colega “conseguiu”.
A validaçã o tradicional realizada por colegas é um desafio na antropologia porque o acesso à
observaçã o é sempre limitado. O acesso a um local de pesquisa pode ser restringido por uma série de
fatores. Dificuldades para viajar, obter permissõ es, fundos insuficientes, ou condiçõ es ambientais,
sociais e políticas podem dificultar o processo. O que pode ser observado em determinado contexto,
em um período específico, pode nã o ser em outros, e assim por diante. Assim, um pesquisador nã o
consegue conhrmar a validade ou totalidade do relato de outro. Por esse motivo, os antropó logos
têm a responsabilidade específica de elaborar relatos precisos e cuidadosos. No relató rio final da
pesquisa, vá rios aspectos bá sicos devem estar bem claros: por que determinado local foi selecionado
como á rea de pesquisa? Quais sã o os objetivos da pesquisa? Quais foram as condiçõ es locais durante
Ê ü pÍ(Ul0 1 lntF0dUçi0 à antf0p0l0gia )9

o desenvolvimento do trabalho de campo? Que indivíduos do local forneceram informaçõ es im-


portantes e as principais percepçõ es? Como foram realizadas as coletas e os registros dos dados?
Como o pesquisador constatou sua tendenciosidade? Sem essas informaçõ es preliminares, é difícil
julgar a validade do relato e a confiabilidade das conclusõ es.
Em relaçã o ao nível pessoal, a pesquisa de campo exige que o pesquisador saia de sua zona de
conforto cultural e mergulhe em um mundo estranho e à s vezes perturbador. Em campo, é prová vel
que o antropó logo enfrente muitos desafios: físicos, sociais, mentais, políticos e éticos. Talvez tenha
de lidar com o desafio físico de se adaptar à comida, ao clima e à s condiçõ es de higiene diferen-
tes. Tipicamente, quando está em campo, o antropó logo lida com desafios mentais como solidã o,
sentindo-se um completo estranho, desajeitado e perdido no novo cená rio cultural; ele precisa estar
alerta o tempo todo, porque tudo o que acontece ou é falado pode ser importante para a
pesquisa. Os desafios políticos incluem a possibilidade de inconscientemente se deixar usar por
facçõ es da comunidade, ou de ser visto com desconfiança por autoridades do governo, que
podem suspeitar de que seja um espiã o. Também há dilemas éticos: o que fazer se enfrentar uma
prá tica cultural considerada perturbadora, como a circuncisã o feminina; como lidar com a
necessidade de comida ou remédios; a tentaçã o de usar artifícios para obter in(ormaçfies vitais e
assim por diante.
Ao mesmo tempo, a pesquisa de campo geralmente traz recompensas profissionais, pessoais e
sociais claras e significativas, que variam de amizades duradouras a conhecimentos e percepçõ es
vitais sobre a condiçã o humana que proporcionam contribuiçõ es positivas para a vida das pessoas.
Parte do significado da pesquisa de campo antropoló gica — a utilidade e o impacto sobre o pesquisa-
dor e o objeto da pesquisa — é apresentada no “Estudo Original”, de Suzanne Leclerc-Madlala, uma
antropó loga que migrou do estado da Nova Inglaterra, há quase 2S anos, para realizar pesquisas
sobre a Aids com falantes de zulu, na Á frica do Sul. O interesse na pesquisa modificou o curso de
sua pró pria vida, para nã o mencionar a de pessoas portadoras do vírus HIV ou que desenvolveram
a doença e o tipo de tratamento que recebem.

“de
1ğ PfİnCÍpİOs de üntr0p0l0gİü

Ao enfrentar imensas necessidades globais de cuidados com saúde, a Organizaçào Mundial de Saúde
aprovou uma série de resoluções na década de 1970, promovendo a colaboração entre a medicina mo-
derna e a tradicional. lsso teve relevância especial para a África, onde os curandeiros tradicionais superam
numericamente os profissionais da medicina moderna, à razão de 100 para J, ou mais. Em virtude da desi-
gualdade na proporçăo dos responsáveis pela saúde na África, o apoìo a parcerias com curandeìros tradi-
cionais faz sentido. Mas o que hoje parece sensato, na época era considerado absurdo, até mesmo heresia.
Durante séculos, o mundo ocidental considerou a cura tradicional um ritual primitivo praticado por feiticei-
ros com poderes demonía cos què perpetuavam a superstição. Bern, essa prática sobreviveu. Atualmente,
enquanto o continente àfrícano luta contra uma epidemia de HIV/Aids de grandes proporções, milhões
de pessoas doentes, que não têm acesso à saúde porque são muito pobres ou moram muito longé, estáò
provando que os curandeiros tradicionais säo um recurso valioso nessa luta. ”“ ,
Àtualmente, estima-se que o número de pessoas.infèctadas pelo HIV no mundo seja de40 milhoes, dos
quais 70% vivem na Africa subsaariana, e a maioria das crianças orfas por causa da Aids é africana. A pprtir
da década de 1980, à rziëdida'qü“e a”África se tornava sinónimo do a"vanço rápido do HIV è da Aìds, um ce„ o
número de programas, de prevenção envolvia os curandeiros tradicionàis. Minha pesquisa iniciaÍ na,provín-
cia sul-africana de KwaZulu-Kataİ, onde se estima que 36*/« da população esțeja infectada, reve(ou*que'os
tradicionais curanğeirÓs Zulu, e’ram regularmente consultados para o tratameríto de doetriças stexua,Itmèńte"
transmissíveis (DST). D“escóbfi q‘ue essas doenças, além da Aids e do HIV, era”rri atribuídas à trarișgreșsáö"de
tabus relacionados a nàścimento,”gravidez, casamento e morte. Além disso, eram frequentemente“ com-
preendidas em um quădro de poluição e contágio e,como doenças mais sé”rïaš, basicamențe acredtiîàÉat-se..
que as causas estavam relic Orládas á feìtiçaria. ’ ' ‘, ;- t'*t ‘'
No decorrer da pesqui, investiguei um programa pioneiro de educaçao sobre DST e ț-JlV parÁcuran-
deiros tradicionais na provincia. 0 objetivo do programa era oferecer conhecimentos biomédicos basicos
sobre as várias forma's de trànsmissão de doenças, os meios disponíveis paraqrevenção, o diagnösțicò dos
sintomas, a organização dos registros e a identificação dos pacientes em clínicas e hospitais locais.
As entrevistas com os curandeiros mostraram que muitos descońfiavam da medicina moderná. Eles pèrcëbiam a e
decõńvérićê-los da superiöriğade da medicina moderna. Contudnte

sddede de Kw ata ebëram sö bre


a ma ä d se mais:
ad
atame ds ea s cde te dèe
ș”pa mna

as
de
am eò dé es me

he sc
assedé esara
£üpítUl0 1 lntr0dv\ä0 à antF0y0l0gİa 2.1

expulsos de casa por membros”da farnília: Eles procurarñ-‘re*ftúgio cqm õ‘s curandeiros; que oferëcem cont-t'/
forto nos últimos dias de vida. As casas dos curandeiros também estão se tórnando örfanatps, àtmed"ida
que responderri aÖque está senõöchatmaòÖde“terceïra”orida*tda/destruițăo causada pëla Aids: a nÚtrńe/o ,
crescente de crianças órfäs. ’ “ *:“ *^
čł C čł t čt €' €' d čt čł s €'
źi

HIVE pA dc M s e ”s que oAe' au ac d d i*on ăa e b aa daÏ îÓ** .a ś n**”


s
tomas físicos. querem entender a causa última de suas doenças, aIgö além da causá imedİätâ dd umt“ger I'
m”e”outvírus“•transmitido sexualmer\te. Procuram explicaçäo päratperguntas como”dorquè'eudtnaò‘“oütra '”
či čÎ s S
p d cur entreqou us e‘’ m quts todos q rup”ot etndos da rì a: ao de êttsep and
mundoe,
das preocupaçôes espirituais do ipdivíduo e das crenças cosmołógicas’da comunidadë em'gërál..Portal{mÿj/.
lado, os curandeiros tradicionais ajudam a recuperar o senso de equilíbrio entre indivíctuo eçomundade;
por outro, entre indivíduo e cośmos; óu os ancestrais. Eles oferecem cuidados personalÎzados,
cúltùraÍmeñ*“*' te adequados, ho!ísticos e organizado's para atender as necessidades e expectativas”do
paciente. Erri varjoś
aspectos, é uma forma de cura muito mais satisfatória que a oferecida pela medicina moderna,
mét na
A c ecessa adic á se desen a eda ds a e te ss
me da s c ceit s atés d ee de cam të eta
e s ara ers ect a h tica etc at
de a« tä tra‘ò cip

ee essa nis a c se d Aids ënh

è.Lerc adlala te de Le a‘d an he

MÉTODOS DE P£SğUISA DE CAMPO


Enquanto a pesquisa de campo e o método comparativo sã o empregados em todas as á reas da
antropologia, alguns mé todos especíhcos sã o característicos apenas da paleoantropologia e da ar-
queologia, cujo foco é o ser humano e os ancestrais do passado remoto. Outros métodos sã o típicos
de pesquisas voltadas para a cultura das sociedades contemporâ neas. Outros métodos, específicos
da primatologia e da antropologia linguística, serã o descritos nos capítulos 3 e 9,
respectivamente.
27 PfirlCípi0S dt ü ntr0p0l0giü *

Métodos arqueológicos e paleoantropológicos


Os arqueó logos e paleoantropó logos enfrentam um dilema. A ú nica maneira de investigar comple-
tamente o passado é escavar á reas onde se encontram restos bioló gicos e culturais. Infelizmente,
essa prá tica provoca a destruiçã o do local. Portanto, o antropó logo tenta escavar de tal modo que
tanto o local quanto o contexto de tudo o que foi recuperado, nã o importa o tamanho, seja minu-
ciosamente registrado. Sem esses registros, o conhecimento que se pode obter com os restos físicos
e culturais diminui drasticamente.
O arqueó logo lida com artefatos, qualquer objeto produzido ou alterado pelo ser humano: uma
raspadeira de pedra, uma cesta, um machado, ou construçõ es como ruínas ou paredes. Um artefato
expressa uma faceta da cultura humana. Como é algo feito por alguém, o arqueó logo prefere dizer
que um artefato é um produto ou representaçã o do comportamento e das crenças humanas, ou, em
termos mais técnicos, um artefato representa a cultura material. Os artefatos nã o sã o considerados
isoladamente, estã o integrados a restos bioló gicos e ecoló gicos para apresentar um contexto que
permite a reconstruçã o de modos de vida no passado. Alguns dos restos bioló gicos mais antigos
sobreviveram durante o processo de fossilizaçã o. Em uma definiçã o ampla, fóssil é qualquer tra-
ço, ou impressão, de organismo de períodos geoló gicos passados preservado na crosta terrestre. A
fossilizaçã o geralmente envolve as partes rígidas desse organismo. Ossos, dentes, carapaças, chifres
e tecidos lenhosos das plantas sã o os materiais que se fossilizam com mais facilidade. Embora as
partes moles de um organismo raramente se fossilizem, os moldes, impressã o de pegadas, cérebros
e até mesmo corpos inteiros já foram encontrados. Esqueletos fó sseis inteiramente preservados que
datam do período anterior à prá tica cultural de enterrar os mortos, aproximadamente 100.000 anos
atrá s, sã o extremamente raros.
Como animais mortos logo atraem animais necró fagos e bactérias que provocam a decompo-
siçã o, eles raramente duram tempo suficiente para sofrer fossilizaçã o. Para que um organismo se
transforme em fó ssil, é preciso que seja coberto por algum tipo de substâ ncia protetora apó s sua
morte. O material que envolve os restos físicos
endurece gradualmente, formando uma camada
protetora em torno do esqueleto do organismo.
As cavidades internas de ossos ou dentes e outras
partes do esqueleto sã o preenchidas com a depo-
OSS
siçã o de minerais oriundos dos sedimentos que
cercam o espécime. Entã o, as paredes externas
dos ossos se decompõ em e sã o substituídas por
carbonato de cá lcio ou sílica.

Sítios arqueológicos
Onde sã o encontrados os artefatos e fó sseis? Lu-
gares que contêm restos arqueoló gicos de ativi-
dade humana sã o conhecidos como sítios. Como
existem muitos tipos de sítios, à s vezes é difícil
estabelecer seus limites, pois os restos podem
Capítulo 1 Introdução à antropologia 23

estar espalhados por uma grande á rea, à s vezes, até mesmo debaixo d’á gua. Alguns exemplos de
sítios arqueoló gicos identificados por arqueó logos e paleoantropó logos sã o os campos, onde os
caçadores iam à caça; á reas de matança, onde os animais eram mortos e carneados; á reas de mo-
radia, onde eram realizadas as atividades domésticas, e cemitérios, onde os mortos, e ã s vezes
seus pertences, eram enterrados.
Localizar e mapear sítios arqueoló gicos são aspectos vitais para a investigaçã o arqueoló gica e
paleoanttopoló gica. Muitos sítios, principalmente os mais antigos, permanecem soterrados sob ca-
madas de sedimentos depositados desde que o local estava em uso. Muitos se revelam através da
presença de artefatos. Entretanto, à medida que retrocedemos no tempo, a associaçã o com ossadas
e restos culturais se tornam menos prová veis. Restos físicos com data anterior a 2,5 milhõ es de anos
sã o encontrados sem restos culturais associados a eles.
Enquanto o acaso pode ter papel importante na descoberta de um sítio, as técnicas de pesquisa
utilizadas pelo arqueó logo para explorar e mapear grandes á reas geográ ficas ajudam o pesquisador
a representar graficamente os sítios disponíveis para escavaçõ es. Uma pesquisa pode ser realizada
na superfície, contudo, atualmente é mais comum o uso de técnicas de sensoriamento remoto. A
fotografia aé rea é usada por arqueó logos desde a década de 1920. Ainda é amplamente utilizada
hoje em dia, com o auxílio de inovaçoes tecnoló gicas mais recentes, como o mapeamento por saté-
lite e o radar de penetraçã o no solo (GPR — ground penetrating radar) mencionado anteriormente.
O clima e a geografia podem exercer impacto sobre a descoberta de sítios arqueoló gicos e pa-
leoantiopoló gicos. Em á reas abertas, os sítios sã o visíveis do chã o, por montes ou marcas no solo,
manchas na superfície de campos arados há pouco tempo. Em regiõ es de floresta, as mudanças
na vegetaçã o sã o evidê ncias de um sítio. Por exemplo, a camada superior do solo de um poço de
armazenagem e descarte geralmente é mais rica em matéria orgâ nica que a das á reas adjacentes,
portanto, a vegetaçã o é distinta. Em Tikal, um sítio arqueoló gico na Guatemala, o ojoche (noz de
pã o, noz dos maias) geralmente cresce perto de ruínas de antigas casas, de modo que os arqueó logos
podem usá -lo para guiar suas pesquisas.
À s vezes, processos naturais, como erosã o do solo ou secas, expõ em sítios ou fó sseis. Por
exem- plo, no leste da América do Norte e em outras á reas onde era comum o consumo de
moluscos, montes'" de resíduos pré-histó ricos repletos de carapaças ficaram expostos devido à erosã o
ao longo da costa ou de bancos de tios. Como veremos a seguir, a erosã o e outros processos
geoló gicos sã o importantes para a recuperaçã o de fó sseis.

Escavações e análises
Depois que um iqvestigador identifica um sítio que poderá contribuir para a pesquisa, ele planeja e
executa a escavaçã o. Em primeiro lugar, limpa-se a área e os locais a ser escavados são plotados em
um sistema de quadriculamento. A superfície é dividida em quadrados com o mesmo tamanho e
cada um deles é numerado e marcado com estacas. Cada objeto pode entã o ser localizado precisa-
mente no quadrado de origem. (Lembre-se de que contexto é tudo!) O ponto inicial de um sistema
de quadriculamento pode sei uma rocha grande, a borda de uma parede de pedra ou uma haste de
ferro encravada no solo. Esse ponto inicial, localizado precisamente em três dimensõ es, també m é

" No Brasil, esses montes são conhecidos como “sambaquis”. (NRT)


24 Princípios de antropologia

conhecido como ponto de referê ncia (datum point). Em um sítio grande, com vá rios quilô metros
quadrados, a plotagem pode ser feita considerando estruturas individuais, numeradas de acordo
com o ponto do “quadriculamento gigante” em que se encontram. Cada quadrado é entã o escavado
separadamente com muito cuidado. Usam-se pequenas pá s para raspar e peneiras para examinar o
solo, de modo que sejam recuperados mesmo os menores artefatos, como lascas de pedra ou contas.
O paleoantropó logo que procura fó sseis deve ter conhecimentos de geologia, ou acesso a espe-
cialistas da á rea, pois um fó ssil só terá valor se for possível determinar a sequência de rochas em que
for encontrado. É preciso ter habilidade cirú rgica e muita precauçã o para remover um fó ssil sem
provocar danos. Uma combinaçã o incomum de ferramentas e materiais geralmente compõ e o kit
do paleoantropó logo: picaretas, revestimento de verniz, bandagens e gesso.
O fó ssil e a terra que o envolve, a matriz, sã o removidos como um ú nico bloco e levados a um
laborató rio. Muitas horas serã o entã o necessá rias para separar o fó ssil da matriz. Antes de deixar a
á rea, o pesquisador faz um mapa detalhado do terreno e identifica a descoberta em mapas geoló gi-
cos para auxiliar futuros investigadores.
Tanto para a paleoantropologia como para a arqueologia, no mínimo três horas de trabalho no
laborató rio correspondem a apenas uma hora de escavaçã o. Vá rios exames químicos e moleculares
apresentam evidências sobre o contexto e a natureza dos materiais recuperados. Estabelecer a idade
desses materiais é de importâ ncia vital para a reconstruçã o do passado.
A dataçã o pode ser realizada observando sua posiçã o no solo, medindo a quantidade de elemen-
tos químicos contida nos ossos e artefatos, ou através da associaçã o com outras plantas, animais ou
restos culturais. Esses métodos sã o chamados de datação relativa, porque nã o estabelecem datas
precisas, apenas a relaçã o entre uma série de materiais, através de princípios geoló gicos para situá -
-los cronologicamente. Os métodos de datação cronológica ou datação absoluta apresentam da-
dos reais calculados em anos “antes do presente”. Dependem de avanços nas disciplinas de física e
química que usam propriedades como taxa de decaimento dos elementos radioativos. Tais elemen-
tos podem estar presentes nos pró prios restos ou no solo que os envolvem. Os métodos de dataçã o
absoluta estabelecem cientificamente as datas reais dos principais eventos da histó ria geoló gica e
evolutiva. Ao comparar as datas e os restos de sítios diferentes, o antropó logo pode reconstruir a
origem, a migraçã o e o desenvolvimento tecnoló gico do ser humano.
Muitas técnicas de dataçã o absoluta e relativa estã o disponíveis, mas cada uma delas apresenta
certas restriçõ es. Teoricamente, o arqueó logo e o paleoantropó logo tentam empregar vá rios méto-
dos apropriados, conforme os materiais e a verba disponíveis. Ao proceder desse modo, reduzem
significativamente o risco de erro. A Tabela 1.1 apresenta as técnicas de dataçã o empregadas com
mais frequência.

Métodos etnográficos
Para o arqueólogo e o paleoantropólogo, a pesquisa de campo acontece onde há restos físicos e
materiais. Para o pesquisador etnográfico, o mundo inteiro é um local de pesquisa. O problema ou
a pergunta de pesquisa pode direcionar a escolha do local.
O antropólogo se prepara para a pesquisa de campo estudando a teoria, a história, a etnografia
e qualquer outro material relevante para o problema a ser investigado, assim como tudo o que
foi previamente documentado sobre a cultura específica que deseja investigar. Após examinar a
Capítulo 1 Introdução à antr0#0l ^9 ^ »

e de
Metad Período ’ : :. Processo .. Desvantagens
de tempq
Estratigrafia “

Análise de flúõr”’ - Apenas relJtivo ” ‘*" Cõmpara ac}uantidacíe ¢letfluor absorvida. Espelhos dó local.
”7“ ’t' '"°" +’““”

Seriação

Racemização de
aminoácidos

Ressonância ode spitn

r.• a
26 Princípios de antropologia .

literatura existente, ele pode entã o elaborar um projeto teó rico e estabelecer a pergunta que dire-

' cionará a pesquisa de campo. Se possível, o etnó grafo faz uma viagem preliminar ao local antes de
se mudar para realizar a pesquisa extensiva.
Como o antropó logo deve ser capaz de se comunicar com as pessoas que escolheu estudar, tam-
bém precisa aprender sua língua. Muitas das 6 mil línguas atualmente faladas no mundo já foram
gravadas e escritas, principalmente durante os ú ltimos séculos. Portanto, o antropó logo precisa
aprender muitas línguas diferentes antes da pesquisa de campo.

Em campo
Ao participar de uma cultura que nã o lhe é familiar, o antropó logo geralmente recebe auxílio de
pessoas da comunidade. Ele também pode ser recebido por uma família. Assim, ao participar da ro-
tina diá ria, logo se familiariza com os aspectos culturais bá sicos compartilhados pela comunidade.
O antropó logo também pode solicitar formalmente a assistência de consultores principais,
membros da sociedade objeto do estudo, cujas informaçõ es ajudam o pesquisador a entender o
significado daquilo que observa. (Antigamente esses indivíduos chamavam-se “informantes”.”) Da
mesma forma que os pais mostram à criança o comportamento adequado, essas pessoas ajudam o
pesquisador a entender os “mistérios” do que, no início, é um mundo estranho e enigmá tico. Para
recompensar as pessoas locais pela recepçã o na comunidade e pelo acesso à informaçã o, o
pesqui-
sador pode agradecer oferecendo produtos ou serviços, ou mesmo pagamento em espécie."
Fazer perguntas é fundamental para a pesquisa etnográ fica e acontece em entrevistas informais
(conversas informais no dia a dia, sem organizaçã o prévia) e formais (sessõ es organizadas de per-
guntas e respostas, cuidadosamente registradas e baseadas em questõ es preparadas anteriormente).
As entrevistas informais podem acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, em cima de
um cavalo, em uma canoa, ao lado de uma fogueira, durante rituais, enquanto caminha pela comu-
nidade, e assim por diante. Essas trocas casuais são essenciais, pois geralmente nessas conversas as
pessoas ficam mais à vontade. Alé m disso, as perguntas feitas nas entrevistas formais tipicamente
surgem do conhecimento cultural e das percepçõ es obtidas durante as entrevistas informais.
Para fazer com que as pessoas falem abertamente, é preciso esquecer todas as suposiçõ es e culti-
var a habilidade de indagar e, em especial, a de realmente ouvir. As perguntas geralmente sã o de dois
tipos: questões abertas, amplas, tais como “Você pode falar sobre sua infâ ncia?”, e questões (echadas,
para obter informaçõ es específicas, como “Onde e quando você nasceu?”.
O pesquisador emprega inú meros recursos evocativos — atividades e objetos usados para indu-
zir as pessoas a falar e também para estimular a lembrança e compartilhar informaçõ es. Por
exem- plo, um pesquisador etnográ fico pode utilizar fotografias de objetos ou atividades culturais
e pedir que as pessoas expliquem o que veem.
Como muitos antropó logos ainda fazem pesquisas de campo com povos tradicionais, em
todos os cantos da Terra, eles à s vezes estã o em lugares distantes, sobre os quais existe pouco

" No Brasil, continuamos com o jargão “informantes” para designar as pessoas do local (nativos), com as quais estabelecemos
contato e obtemos informações. (NRT)
" Dada as características próprias das possibilidades de recursos para as pesquisas científicas, raramente os antropólogos brasilei-
ros conseguem dispor de alguma quantia. Dessa forma, devolvemos as gentilezas recebidas pela entrega de cópia da monogra-
fia, doação de fotografias tiradas etc. (NRT)
Cü pítul0 1 lntF0dUçã0 à ü ntr0p0l0giü 27

conhecimento geográ fico detalhado. Portanto,


o etnó grafo geralmente elabora mapas da á rea
em estudo para documentar o significado cul- C0I3S.Ult is Membros da sociedades estúdü,
ap/85ef›IãIJtiíif0ilTIaçó¢SaSqIJà”lS ü jü dô M 0 paqriiStd0f t e/›tefKler
tural de caracter ísticas geográ ficas específicas. O
0 Sig?l Id /0’ ü §iii(ü u¢ óbSerVô. AritigaiTlente 9SS¢S ihdNídu0t

Etnografia C0MpüFtIlhãtE# ad ”lflf0flTiaçüO.


Apó s a coleta das informaçÕ es etnográ ficas, o '‘ "” "
desafio seguinte é organizar o material de forma
que este descreva com coerência e precisã o a cultura investigada.
Tradicionalmente, a pesquisa etnográfica é uma descrição minuciosa que documenta a cultura inves-
tigada segundo a pergunta de pesquisa estabelecida. O etnó grafo pode se concentrar em tó picos como
o local da pesquisa e as circunstâncias que o envolvem; a histó ria, a comunidade e o grupo atualmente;
i o meio ambiente natural; os padrÕ es de colonização; as práticas de subsistência; as redes de relaçõ es fa-
miliares e outras formas de organização social; casamento e sexualidade; trocas econô micas; instituiçõ es
políticas; mitos, crenças e cerimô nias sagradas; desenvolvimentos correntes. Tudo pode ser ilustrado por
fotografias e acompanhado de mapas, diagramas de parentesco e figuras que mostram as estruturas de
organizaçã o política e social, plantas do povoado e das casas, ciclos sazonais, e assim por diante.
À s vezes, a pesquisa etnográ fica é documentada nã o só através de registros sonoros, mas tam-
bém de vídeos ou mídia digital. Os registros visuais sã o utilizados para documentaçã o e ilustraçã o,
além de servir para aná lise ou como forma de coletar informaçõ es adicionais nas entrevistas. Além
disso, o registro em vídeo, que auxilia a documentaçã o da pesquisa, também pode ser transformado
em documentá rio ou etnografia digital, que oferece representaçã o visual precisa.'6

MÉTODO COMPARATIVO DA ANTROPOLOGIA


O produto final da pesquisa antropoló gica, se realizada adequadamente, é um relato coerente que
apresenta explicaçõ es sobre crenças, comportamento ou biologia do grupo estudado. Esse relato,
por sua vez, permite que o antropó logo elabore hipó teses mais amplas sobre crenças, comporta-
mento e biologia humana. Geralmente, um ú nico exemplo de um fenô meno não é suficiente para
fundamentar uma hipó tese plausível. Sem alguma base para comparaçã o, a hipó tese fundamentada
em um ú nico caso pode ser simplesmente uma coincidência histó rica específica. De outro modo,
um ú nico caso pode ser suficiente para levantar dú vidas sobre uma teoria considerada vá lida, ou
talvez refutá -la. Por exemplo, em 1948, a descoberta de que os aborígines que vivem na Terra de
Arnhem, no norte da Austrá lia, trabalhavam em média seis horas por dia, ou menos, e viviam mui-
to acima do nível de pobreza, foi suficiente para questionar a noçã o amplamente aceita de que os
povos coletores vivem tã o preocupados em encontrar comida, que é escassa, que nã o têm tempo

'* Ver Collier, J.; Collier, M. Visual anthropolo : photography as a research method. Albuquerque: University of New Mexico
Press, 1986; Guindi, F. Visual anthropology: essential method and theory. Walnut Creek, CA: Altamira Press, 2004.
28 Princípios de antropologia

para atividades de lazer. As observaçõ es feitas no


tGL0SSÁRl0 ”
estudo sobre a Terra de Arnhem já foram confir-
Human Relations Area Files — HRAF(Arquivos de Relações
madas muitas vezes em outras partes do mundo.
Humanas por Área) Orartde tonjUnto de dados etnográfitos,

biorultaiais e arqueológicos catalogadot por características culturais


As explicaçõ es hipotéticas de fenô menos cul-
e Io‹aliza\ão geográfica. Arquivados em q«ase 300 bibliotecas (em turais e bioló gicos podem ser testadas através da
mi‹rofichas ou on-line). comparaçã o de dados arqueoló gicos, bioló gicos,
consentimento informado Acodoregistrado localmente para linguísticos, histó ricos e/ou etnográ ficos para vá -
participardapesquisa.0brigatónopaatodosospesquisadores nos rias sociedades que vivem em uma determinada
Estados\Jnidos e na Europa. região. A comparaçã o cuidadosamente controla-
da apresenta uma base mais ampla para a elabo-
raçã o de conclusoes sobre o ser humano que o estudo de uma ú nica cultura ou populaçã o.

' Um recurso importante para a comparaçã o intercultural sã o os Human Relations Area Files
— HRAF (Arquivos de Relaçõ es Humanas por Á rea), um con junto de dados etnográ ficos e arqueo-
ló gicos indexados e catalogados por características culturais e localização geográ fica. Iniciado na
Universidade de Yale, em meados do século XX, esse banco de dados, que aumenta a cada dia, clas-
sifica mais de 700 características culturais e bioculturais e inclui quase quatrocentas sociedades, do
passado e do presente, de todas as partes do mundo. Arquivado em quase trezentas bibliotecas (em
microfichas e/ou on-line) e com aproximadamente um milhã o de pá ginas de informaçã o, facilita a
pesquisa comparativa sobre praticamente qualquer aspecto cultural que se possa imaginar: guerras,
prá ticas de subsistência, padrõ es de povoamento, prá ticas de nascimentos, casamentos, rituais etc.
Idealmente, as teorias antropoló gicas sã o produzidas por meio de comparaçõ es mundiais, en-
tre espécies, ou ao longo do tempo. O pesquisador intercultural examina uma amostra global de
sociedades para descobrir se as hipó teses propostas para explicar fenô menos culturais ou variaçÕ es
bioló gicas se aplicam universalmente ou nã o. Ele depende de dados coletados por outros pesquisa-
dores, além dos pró prios. Esses dados podem ser relatos escritos, coleçoes de artefatos e esqueletos
existentes em museus, descriçõ es publicadas dessas coleçoes, ou bancos de dados recentemente
desenvolvidos que permitem a comparaçã o entre espécies de estruturas moleculares de genes ou
proteínas específicas.

üUESTõES É TICAS
Os tipos de pesquisas realizadas pelos antropó logos e o cená rio em que trabalham levantam
vá rias questoes morais importantes sobre usos e abusos potenciais do nosso conhecimento.
Nos primeiros anos da disciplina, muitos antropó logos documentaram culturas tradicionais,
porque achavam que estas poderiam desaparecer em consequência das guerras, aculturaçã o impos-
ta por colonialismo, poder crescente de estados, ou expansã o internacional de mercado. Alguns tra-
balharam para o governo federal, coletando dados empregados para formular políticas em relaçã o
a povos nativos, ou mesmo para ajudar a prever o comportamento do inimigo durante períodos de
guerra. Apó s o fim da era colonial, na década de 1960, os antropó logos começaram a estabelecer um
có digo de ética para garantir que a pesquisa nã o atingisse os grupos estudados.
Esse có digo lida com questõ es como: quem irá utilizar as descobertas e para que fins? Quem de-
cide as perguntas que serã o feitas? Quem, se alguém, lucrará com a pesquisa? Por exemplo, no caso
de pesquisa sobre uma minoria étnica ou religiosa, cujos valores podem estar em desvantagem em
íapftulo 1 Introdução à antropologia 29

relaçã o à sociedade dominante, o governo ou os interesses corporativos empregarã o os dados antro-


poló gicos para suprimir esse grupo? E as comunidades tradicionais em todo o mundo? Quem deve
decidir quais mudanças têm ou nã o de ser inseridas para “melhorar” a comunidade? Quem decide o
que constitui uma melhoria — a comunidade, o governo nacional ou um ó rgã o internacional,
como a Organizaçã o Mundial de Saú de? Quais sã o os limites do relativismo cultural quando uma
prá tica tradicional é mundialmente considerada abuso dos direitos humanos?
Atualmente, muitas universidades exigem que os antropó logos, como outros pesquisadores, co-
muniquem com antecedência a natureza, o objetivo e o impacto potencial que o estudo pode ter à s
pessoas que fornecem as informaçõ es e que obtenham um termo de consentimento informado,' 7
um documento formal no qual a pessoa concorda em participar da pesquisa. Naturalmente, essa
exigência é mais fá cil de cumprir em algumas sociedades ou culturas que em outras, como reconhece
a maior parte dos antropó logos. Quando é difícil conseguir o consentimento informado, ou mesmo
impossível explicar exatamente o significado e a finalidade do projeto e suas consequências reais, o
antropó logo pode proteger a identidade das pessoas, das famílias, até mesmo de comunidades intei-
ras alterando nomes e lugares. Por exemplo, quando o antropó logo holandês Anton Blok estudou a
má fia siciliana, nã o obteve o consentimento informado desse violento grupo secreto, por isso decidiu
nã o revelar as verdadeiras identidades.' O antropó logo lida com assuntos particulares e sensíveis, in-
cluindo coisas que as pessoas preferem nã o tornar pú blicas. Como escrever sobre questõ es tã o impor-
tantes, mas delicadas e, ao mesmo tempo, proteger a privacidade daqueles que contaram sua histó ria?
O dilema que enfrentam també m é reconhecido no preâ mbulo do Có digo de É tica da Associa-
çã o Americana de Antropologia (AAA),'" primeiramente formalizado em 1971 e modificado em
1998. Esse documento estabelece as vá rias responsabilidades éticas e obrigaçõ es morais do antro-
pó logo, inclusive seu princípio central: “O pesquisador antropoló gico deve fazer o possível para
garantir que a pesquisa nã o prejudique a segurança, a dignidade ou a privacidade das pessoas com
quem trabalha, desenvolve a pesquisa ou desempenha outras atividades profissionais”.
O có digo de ética da AAA estabelece as regras e os ideais aplicáveis a antropó logos em todas as
subá reas. Apesar de nã o ter autoridade legal, a associaçã o estabelece regulamentos sobre questoes
éticas à medida que estas surgem. Por exemplo, recentemente, a associaçã o recomendou que as
anotaçõ es das pesquisas de campo da á rea da medicina devem ser protegidas e nã o estã o sujeitas a
intimação judicial em processos por negligência mé dica. Isso respeita o princípio ético de
proteger a privacidade das pessoas que compartilharam sua histó ria com os pesquisadores.
As novas tecnologias têm implicaçõ es éticas que causam impacto na investigaçã o antropoló gica.
Por exemplo, a capacidade de sequencial e patenteai genes específicos provocou debates sobre quem
possui o direito de registrar a patente: as pessoas que forneceram os genes ou o pesquisador que fez
o estudo? Da mesma forma, como vimos na controvérsia sobre o Homem de Kennewick, a ética
da

” O problema da conduta na pesquisa científica é tema antigo no Brasil. Hoje, nas universidades e em outras instituiçõ es de
pesquisa, existem os Comitês de É tica na Pesquisa, os quais buscam dar conta dos problemas da pesquisa científica em sua
relaçã o com indivíduos e comunidades. O grande problema para a Antropologia e as Ciências Sociais, no geral, é o viés da
ideologia das ciências da saú de, isto é, a forma como estas querem normatizai as outras ciências com seus modos de apreen-
sã o dos fenô menos humanos.
" Blok, A. The mafia o(a Sicilian vilfage 1860-1960. Nova York: Harper Gt Row, 1994.
'" A Associaçã o Brasileira de Antropologia (ABA) foi criada em 1933 e, desde entã o, como espaço pró prio dos antropó logos,
vem orientando nosso fazer. Assim, também nó s, antropó logos brasileiros, temos um Cõ digo de É tica que nos baliza em
trabalhos de campo. Para saber mais sobre a ABA e seu có digo, acesse: www.abant.org.br. (NRT)
30 PFinCípioS de ü ntr0p0l0giü -

propriedade, quando se trata de restos antigos, é particularmente complicada. Dadas as mudanças


radicais que acontecem atualmente no mundo, o entendimento científico do passado nunca foi tã o
importante. Os restos antigos pertencem ao cientista, ao povo que vive na regiã o sob investigaçã o
científica ou a quem tem sua posse? As forças do mercado transformam esses restos em objetos de
coleçã o muito caros e provocam a destruiçã o sistemá tica de sítios e fó sseis arqueoló gicos. A colabo-
raçã o entre as pessoas do local e os cientistas nã o só preserva os restos antigos das forças õ o mercado,
mas també m respeita a ligaçã o dessas pessoas com o local e com os restos em estudo.
Para organizar as respostas a essas perguntas, o antropó logo reconhece que tem obrigaçoes es-
peciais para com três grupos: os que sã o estudados, os que patrocinam a pesquisa e os profissionais
que esperam a publicaçã o das descobertas para que possam aumentar o conhecimento coletivo.
Como a pesquisa de campo exige uma relaçã o de confiança entre o pesquisador e a comunidade
onde ele trabalha, a primeira responsabilidade do antropó logo é claramente com as pessoas que
compartilharam sua histó ria e a comunidade. Tudo o que é possível deve ser feito para proteger
seu bem-estar físico, social e psicoló gico e respeitar sua dignidade e privacidade. Essa tarefa é geral-
mente complexa. Por exemplo, divulgar a histó ria de um povo fornece informaçõ es a organizaçoes
humanitá rias que podem ajudá -lo e a outros que podem usufruir delas.
Enquanto o antropó logo considera bá sico o direito de um povo manter a pró pria cultura, quais-
quer ligaçoes com estranhos podem colocar em perigo a identidade cultural da comunidade em
estudo. Para superar esses obstá culos, o antropó logo frequentemente colabora e contribui com
a comunidade onde trabalha, e permite que as pessoas estudadas possam opinar sobre como sua
histó ria deve ser contada.

ANTROPOLOGIA £ GLOBALIZAÇÃO
A perspectiva holística e o comprometimento em longo prazo para entender as grandes diferenças
da espé cie humana formam a essência da antropologia. Portanto, a antropologia tem condiçõ es
de lidar com um assunto de extrema importâ ncia para todos nó s, no início do século XXI: a glo-
balização. O termo se refere à teia de interconexã o mundial evidenciada em movimentos globais
sobre recursos naturais, comércio e finanças, trabalho humano, informaçõ es e doenças infecciosas.
Embora o fluxo mundial de viagens, relaçõ es comerciais e informaçoes exista há muitos séculos, o
ritmo e a grandeza das trocas em longa distâ ncia cresceram muito nas ú ltimas décadas; a internet,
em especial, expandiu imensamente a capacidade de troca de informaçõ es.
As forças que movimentam a globalizaçã o sã o as inovaçõ es tecnoló gicas, diferenças de custo
entre países, transferência mais rá pida de conhecimento e aumento do comércio e da integraçã o
financeira entre naçõ es. Como afeta a vida de quase todas as pessoas do planeta, a globalizaçã o se
refere tanto à economia como à política e transforma as relaçõ es humanas e as ideias, assim como
o nosso meio ambiente. Até mesmo comunidades geograficamente remotas estã o rapidamente se
tornando mais interdependentes por conta da globalizaçã o.
Ao fazer pesquisas em todos os cantos do mundo, os antropó logos observam o impacto da
globalizaçã o nas comunidades humanas, onde quer que elas se localizem. Como observador par-

!
ticipante, descreve e tenta explicar de que forma indivíduos e organizaçõ es respondem à s mu-
danças maciças que enfrentam. O antropó logo pode também descobrir como as respostas locais
podem, à s vezes, alterar o fluxo global a elas direcionado. Expandindo dramaticamente a cada
ano,
Capítulo 1 lniroduçio à antropologia 31

a globalizaçã o pode ser uma faca de dois gumes. Pode gerar crescimento econó mico e prosperidade,
mas também pode arruinar gradualmente antigas instituiçÕ es. De modo geral, a globalizaçã o tem
trazido ganhos significativos para grupos com alto nível de estudo em países ricos, contudo, tem feito
pouco para auxiliar os países em desenvolvimento e realmente tem contribuído muito para o desgas-
te de culturas tradicionais. Os problemas sociais resultantes da globalização são a causa principal para
os níveis crescentes de conflitos étnicos e religiosos em todo o mundo.
Obviamente, como nó s todos vivemos em uma aldeia global, nã o podemos mais nos dar ao luxo
de ignorar nossos vizinhos, mesmo que pareçam estar muito distantes.
Na era da globalizaçã o, a antropologia pode fornecer conhecimentos ú teis para a humanidade
com relaçã o à diversidade e também ajudar a evitar ou a superar problemas significativos resultan-
tes dessa diversidade. Em vá rios cená rios sociais, escolas, empresas e hospitais, os antropó logos têm
realizado pesquisas interculturais cujos resultados permitem que educadores, pessoas da á rea de
negó cios e mé dicos realizem seu trabalho com mais eficiência.
Por exemplo, nos Estados Unidos, atualmente, a discriminaçã o racial continua a ser um pro-
blema sério que afeta as relaçõ es sociais, econô micas e políticas. Longe de ser a realidade bioló gica
que supostamente deveria, os antropó logos mostraram que o conceito de raça (e a classificaçã o dos
grupos humanos em tipos raciais em nível mais alto ou mais baixo) surgiu no século XVIII como
discurso ideoló gico para justificar a dominaçã o europeia sobre as tribos africanas2 e os indígenas
norte-americanos. Na verdade, as diferenças na cor da pele sã o simplesmente adaptaçõ es a zonas
climá ticas diferentes e nã o têm nenhuma relaçã o com as capacidades físicas ou mentais. De fato,
os geneticistas encontram muito mais variaçã o bioló gica em uma determinada populaçã o que entre
populaçõ es diferentes. Em resumo, as “raças” humanas sã o categorias com base em preconceito,
ideias falsas sobre diferenças ou noçÕ es errô neas da superioridade de um grupo. Como é de impor-
tâ ncia, esse assunto será mais bem discutido no Capítulo 7.
Um segundo exemplo envolve a questã o do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 1989, a
Dinamarca foi o primeiro país a estabelecer proteçã o legal para casais homossexuais, conhecido como
Ato de Parceria Registrada. Desse modo, outros países e, individualmente, alguns estados dos Estados
Unidos aprovaram leis semelhantes, com nomenclatura variada, e numerosos países no mundo todo
debatem ou já aprovaram legislaçã o que concede à uniã o homossexual os benefícios e a proteçã o
garantida pelo casamento.2' Em alguns países, incluindo Espanha, Canadá , Bélgica e Holanda, o
casamento entre homossexuais é considerado socialmente aceitá vel e permitido por lei, embora
o casamento entre pessoas de sexos diferentes seja muito mais comum. Enquanto indivíduos, países
e estados lutam para definir os limites da proteçã o legal que será concedido a casais homossexuais, a
perspectiva antropoló gica sobre casamento é proveitosa. Os antropó logos documentaram casamen-
tos homossexuais nas sociedades humanas em vá rias partes do mundo, onde sã o considerados acei-
tá veis em circunstâ ncias apropriadas. O comportamento homossexual ocorre no mundo animal da
mesma forma que ocorre com o ser humano.22 A diferença principal entre pessoas e animais é que as

' Bem como os aborígines da Oceania, vá rios povos asiá ticos e os demais indígenas da América. (NRT)
2
' Merin, Y. fqu‹ifity {or same-sex couples: The legal recognition of gay partnerships in Europe and the United States. Chicago:
University of Chicago Press, 2002. Court says same-sex marriage is a right, San Francisco Chronicle, S fev. 2004. Artigos e
notícias atuais sobre a situação global de casamentos homossexuais são postados na internet por Partners Task Force for Gay
fi Lesbian Couples no endereço: www.buddybuddy.com.
22
Kirkpatrick, R. C. The evolution of human homosexual behavior. Current Anthropolo , v. 41, p. 384, 2000.
J2 Princípios de antropologia -

sociedades humanas possuem crenças tanto a res-


peito do comportamento homossexual como do globalização Teia de Intetonexáo mundial evidenciada em movi
heterossexual. O entendimento sobre a variaçã o
global dos padrÕ es de casamento e do comporta-
informa{ôes e doen cinferriosas.
mento sexual nã o determina que um padrã o seja
mais correto que outro. Simplesmente ilustra que
todas as sociedades humanas definem os limites das relaçoes sociais.
Um ú ltimo exemplo se refere à confusã o comum entre nação e estado. A antropologia faz uma
distinçã o importante entre os dois: estado é um territó rio politicamente organizado, internacio-
nalmente reconhecido. Naçã o é um grupo de pessoas socialmente organizado que compartilha
etnicidade: origem, língua e herança cultural comuns. Por exemplo, os curdos constituem uma
naçã o, mas sua terra natal está dividida em vá rios estados: Irã , Iraque, Turquia e Síria. Os limites i
internacionais entre esses estados foram estabelecidos apó s a Primeira Guerra Mundial, sem muita
preocupaçã o com os grupos étnicos de cada regiã o, a naçã o. Processos similares têm acontecido n(i
mundo todo, principalmente na Á sia e na  frica, o que torna as condiçoes políticas nesses países
extremamente instáveis. Como veremos em outros capítulos, estado e nação raramente coincidem.
Há naçõ es divididas em estados diferentes e estados sendo controlados por membros de uma naçã o
que geralmente usam o poder para ter acesso à terra, aos recursos e ao trabalho de outras naciona-
lidades dentro desse estado. Atualmente, a maior parte dos conflitos armados que acontecem no
mundo, como os que ocorrem nas montanhas do Cá ucaso, entre o Mar Morto e o Mar Cá spio, sã o
desse tipo e nã o meros atos de “tribalismo” ou “terrorismo”, como geralmente se afirma.
Como mostram esses exemplos, a ignorâ ncia sobre outros povos e seu modo de vida é a causa
de sérios problemas em todo o mundo. A antropologia oferece maneiras de olhar e compreender o
mundo dessas pessoas, conhecimentos que nada mais sã o que habilidades básicas para sobreviver
na era da globalizaçã o.

Resumodocapitulo
• Os antropó logos se preocupam com o estudo sistemá tico e objetivo da humanidade, em todo
tempo e lugar. Ú nica entre as ciências e humanidades, a antropologia há muito enfatiza o
estudo de sociedades nã o ocidentais e uma abordagem holística, cujo objetivo é formular ex-
plicaçõ es e interpretaçõ es teoricamente vá lidas sobre a diversidade humana, com base em estu-
dos detalhados de todos os aspectos da biologia, do comportamento e das crenças de todas as
sociedades humanas conhecidas, do passado e do presente.
• A antropologia engloba quatro á reas principais: antropologia física, antropologia cultural, an-
tropologia linguística e arqueologia. A antropologia física estuda o ser humano como organis-
mo bioló gico; ela enfatiza particularmente o desenvolvimento evolutivo do homem e estuda a
variaçã o bioló gica entre as espécies atualmente. A antropologia cultural estuda o ser humano
em termos de cultura, os padrõ es geralmente inconscientes através dos quais os grupos operam.
A linguística, que estuda a linguagem humana, pode abordar a descriçã o das línguas, sua histó -
ria ou a forma como são empregadas em situaçô es sociais específicas. Os arqueó logos estudam
as culturas humanas através da descoberta e análise de restos materiais e dados ambientais.
Capítulo 1 Intr0dução à antropologia H

• Em todas as subá reas da antropologia, pode-se encontrar antropó logos aplicados, que utilizam
a metodologia de pesquisa singular da disciplina para resolver problemas prá ticos. A antropo-
logia forense é um exemplo de antropologia física aplicada. A preservaçã o da linguagem é um
exemplo de antropologia linguística aplicada.
. • A pesquisa de campo é uma característica de todas as subá reas da antropologia. Ela apresenta
uma perspectiva ú nica em virtude da imersã o completa que envolve. A pesquisa de campo
em arqueologia e paleoantropologia inclui encontrar sítios onde existam restos enterrados,
através
, de métodos de pesquisa, escavar em busca de restos de esqueletos e de materiais e analisar o
material encontrado em laborató rio. No laborató rio, o material é completamente situado no
i contexto cultural, temporal e ambiental. Alguns antropó logos culturais sã o etnó grafos, que
fa- zem um tipo de trabalho de pesquisa conhccido como observaçã o participante. Eles
produzem o registro detalhado de uma cultura específica através de textos escritos (com ou sem
imagens),
' conhecido como etnografia. Outros antropó logos culturais també m sã o etnó logos. Eles estu-
dam, analisam e elaboram teorias sobre as culturas, de um ponto de vista comparativo ou
his- tó rico, empregando relatos etnográficos. Geralmente se concentram em um aspecto
específico da cultura, como, por exemplo, prá ticas religiosas, econõ micas etc.
• O mé todo comparativo é importante para todas as á reas da antropologia. Os antropó logos
fazem comparaçoes amplas entre pessoas e culturas, do passado e do presente. Também compa-
ram espécies relacionadas e grupos de fó sseis.
• A pesquisa antropoló gica levanta inú meras questõ es éticas importantes sobre o uso e abuso po-
tencial do conhecimento antropoló gico e da íorma como este é obtido. O có digo de ética antro-
poló gico da AAA, primeiramente formalizado em 1971 e continuamente revisado, determina
a
i responsabilidade ética e moral dos antropó logos norte-americanos, considerando as pessoas as
quais eles estudam, os indivíduos que patrocinam a pesquisa e a profissã o como um todo.
• Em virtude da tradiçã o de estudar as ligaçõ es entre povos distintos ao longo do tempo, a antro-
pologia está notavelmente capacitada para estudar a globalizaçã o em um mundo cada vez mais
conectado através de avanços tecnoló gicos recentes.
. • Ú nica entre as ciências e humanidades, a antropologia há muito enfatiza o estudo de socie-
1 dades nã o ocidentais e tem uma abordagem holística, cujo objetivo é formular explicaçõ es e
interpretaçõ es teoricamente vá lidas sobre a diversidade humana, com base em estudos detalha-
dos de todos os aspectos da biologia, do comportarrtento e das crenças de todas as
sociedades humanas conhecidas, do passado e do presente.
• Na antropologia, as humanidades, as ciências sociais e naturais se encontram e formam um
conjunto genuinamente humanista. A ligaçã o da antropologia com as humanidades pode ser
vista em sua preocupaçã o com as crenças, valores, linguagens, artes e literatura, orais e escri-
tas, mas, acima de tudo, na tentativa de transmitir a experiência de viver em meio a culturas
diferentes. Como parte das ciê ncias e das humanidades, a antropologia tem conhecimentos
essenciais a oferecer ao mundo moderno, particularmente nesta era de globalizaçã o, quando
compreender nossos vizinhos na aldeia global se tornou uma questã o de sobrevivência para
todos.
J4 Princípios de antropologia

üuestães para refletir


l. A antropologia emprega uma abordagem holística para explicar todos os aspectos das crenças,
do comportamento e da biologia humana. De que maneira ela pode mudar/transformar a sua !
perspectiva pessoal sobre as seguintes questoes: De onde viemos? Por que agimos de certos
modos? O que nos move?
2. Sob a perspectiva antropoló gica holística, o ser humano tem um pé na cultura e outro na natu-
reza. Você consegue apresentar exemplos de sua pró pria vida que ilustrem essa interconexã o
entre biologia humana e cultura?
s. Pode-se descrever globalizaçã o como uma faca de dois gumes. De que maneira ela promove
simultaneamente crescimento e destruiçã o?
4. As definiçõ es de estado e naçõo apresentadas baseiam-se em distinçõ es científicas entre esses
tipos de organizaçã o. Entretanto, essa distinçã o geralmente se perde na linguagem diá ria. Con-
sidere, por exemplo, os nomes Estados Unidos da América e Nações Unidas.
A “Conexã o Biocultural” deste capítulo contrasta diferentes perspectivas culturais a respeito da
“morte cerebral”, enquanto o “Estudo Original” apresenta uma discussã o sobre os curanéieiros
zulus tradicionais e seu papel ao tratar vítimas da Aids. O que esses relatos sugerem so*ore o
papel da antropologia aplicada em relaçã o a questõ es interculturais de saú de no mundo?

Palavras-chave
Antropologia; perspectiva holística; etnocentrismo; relacionado com cultura; antropologia aplica-
da; antropologia mé dica; antropologia física; antropologia molecular; paleoantropologia; biocul-
tural; primatologia; antropologia forense; antropologia cultural; cultura; etnografia; pesquisa de

' campo; observaçã o participante; etnologia; antropologia linguística; discurso; arqueologia; bioar-
queologia; gerenciamento de recursos culturais; empírico; hipó tese; teoria; doutrina; artefato; cul-
tura material; fó ssil; marcas no solo; montes, á rea de descarte; sistema de grade; ponto de referência
(ríotum point); dataçã o relativa; dataçã o absoluta ou cronoló gica; consultores principais; entrevista
informal; entrevista formal; recursos evocativos; Human Relations Area Files — HRAF (Arquivos de
Relaçõ es Humanas por Á rea); consentimento informado; globalizaçã o.

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