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Antropologia - Introdução e Conceito

Durante a leitura da obra ANTROPOLOGIA – UMA INTRODUÇÃO, mais precisamente


no capítulo 1, podemos entender o conceito de Antropologia como uma Ciência,
reflexão, teoria filosófica, sobre a humanidade e sua cultura, tendo como objetivo o
estudo completo sobre o homem que é centro de suas preocupações, buscando
questionar sua totalidade, como ser biológico pensante e participante da sociedade,
como sua origem, corpo humano, diferenças físicas, surgimento, etnias, raça, religião,
alimentação, comportamento, desenvolvimento e sua perpetuação, sua função como
criador de cultura e fazedor de história, para tentar chegar a compreensão da
existência humana.

A Antropologia tem dimensões biológicas, sócio culturais e filosóficas, tendo


toda investigação valendo-se do métodos comparativos em busca de respostas
a uma infinidade de perguntas, na tentativa de compreender as semelhanças e
as diferenças físicas, psíquicas, nas manifestações culturais do comportamento
e da vida social entre grupos humanos (o indivíduo pode ter um
comportamento individual, mas o mesmo indivíduo pode ter outro
comportamento em grupo), isto porque o homem é diferente da natureza.
Como ciência do biológico e do cultural tem como objeto de estudo o homem e
suas obras. Ex: O estudo do homem fóssil, suas mudanças evolutivas, sua
anatomia e suas produções culturais.

A Antropologia como Ciência Social - propõe conhecer o homem enquanto


elemento integrante de grupos organizados.

Vista como uma Ciência Humana - volta-se especificamente para o homem


como um todo: sua história, suas crenças, usos e costumes, filosofia,
linguagem, etc.

Partimos do princípio que a natureza humana é a essência do homem, e para


diferenciar das coisas do universo esta natureza apresenta-se em aspectos:

Os fatores ambientais exercem poderosa influência no desenvolvimento de


personalidade. Uma pessoa vem a ser o é por causa dos padrões culturais do
seu ambiente. Os seres humanos estão sujeitos a mudanças comportamentais,
como por exemplo o indivíduo pacífico que, ao se juntar com uma multidão
colérica e intempestiva, torna-se mais um elemento da massa.

A Antropologia tem um aspecto triplo, como se segue:

• CIÊNCIA SOCIAL – entender o homem inserido em grupos; • CIÊNCIA

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Antropologia Cultural ou Social - estudo diferencial das crenças e das
instituições de um grupo, concebidas como fundamento das instituições sociais
e consideradas em suas relações com a personalidade. Estudo do homem
como fazedor de cultura, investigando suas culturas no tempo e espaço,
origens e desenvolvimento. Como ciência social seu objetivo consiste nos
modos de comportamento hereditário e por aprendizagem. É o homem criando
seu meio cultural mediante formas diferenciadas de comportamento, e
evidenciando o caráter biocultural do desenvolvimento humano. O campo de
estudo da Antropologia Cultural abrange:

• Arqueologia; • Etnografia;

• Etnologia;

• Lingüística;

• Folclore;

O homem possui certas características que o distingue dos outros animais,


tornando-o diferente em relação ao resto da natureza, é um ser inventivo e
progressivo, usa linguagem profissional (escrita e oral), é um animal pensante,
criatura que possui senso ético com uma consciência moral (certo/errado), ser
reflexivo, religioso, dotado de emoções estética, animal social e político,
criatura finita e inacabada. Para responder o que é o homem, a antropologia
tem dimensão biológica, sócio cultural, filosófica.

A Antropologia Física ou Biológica e a Cultural recorrem a métodos (conjunto


de regras para investigação) e técnicas (uso do conjunto de normas para
levantamento de dados) para atender a seus objetivos de maneira fácil e
segura.

Podemos dividir os métodos em: histórico, estatísticos, etnográficos,


comparativo ou etnológico, monográfico ou estudo de caso, genealógico,
funcionalista. As técnicas podem ser divididas em: observação, entrevista,
formulário.

Relativismo Cultural permite ao observador ter uma visão objetiva das culturas ,
cujos padrões e valores são tidos como próprios e convenientes aos seus
integrantes, tendo alguns princípios humanitários:

Direito a autonomia tribal (direito de possuir e fazer desenvolver a própria


cultura, sem interferência externa), valores culturais (forma de pensar e agir de
grupos diferentes devem merecer respeito), etnocentrismo (considera que o
modo de vida bom para um grupo pode não servir para outro).

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A Antropologia é aplicada na indústria na busca de soluções para os problemas
decorrentes de baixos salários, greves, desemprego, injustiça sociais, excesso
de trabalho, etc, nos projetos de desenvolvimento como é o caso da
colonização de

O surgimento da Antropologia aconteceu devido a curiosidade do respeito de si


mesmo, independentemente do seu nível de desenvolvimento cultural. Surgiu
na idade clássica, no século V ac. com a figura de Herótodo que é considerado
o pai da antropologia, que caracterizou minuciosamente as culturas circulantes.
Os gregos foram os que mais reuniram informações sobre povos diferentes.

classificação zoológica Foi o primeiro a descrever as raças humana.

Até o século XVIII a antropologia pouco se desenvolveu. Os estudos


antropológicos iniciaram-se efetivamente a partir de meados do século XVIII
quando a antropologia passa a adquirir sua categoria de ciência, quando
Linneu classificou os animais, relaciona o homem entre os primatas,
designando o homem na sua

A Antropologia sistematizou-se como ciência depois que Darwin trouxe a teoria


evolucionista. O progresso da antropologia no século X é resultado das
descobertas anteriores relativas ao homem Franz Boas é considerado o pai da
Antropologia Moderna, pois foi quem incentivou as pesquisas de campo em
caráter científico.

A antropologia vem adquirindo importância cada vez maior no mundo moderno,


onde o isolamento cultural é quase impossível e onde os contatos são
inevitáveis e se multiplicam, levando muitas vezes a situações conflitantes.
Empenha-se na solução dessas situações, procurando minimizar os
desequilíbrios e tensões culturais e tentando fazer com que as culturas
atingidas sejam menos molestadas e seus valores e padrões respeitados.
Aplica conhecimentos antropológicos, físicos e culturais na busca de soluções
para os modernos problemas sociais, políticos e econômicos, dos grupos
simples e das sociedades civilizadas.

A finalidade da antropologia é o fornecimento do maior número possível de


estudos sobre grupos humanos, uma vez que cada um deles é o produto de
uma experiência cultural particular. O termo cultura, para alguns, significa
comportamento aprendido, ou abstração do comportamento, e também não é
específico da área da antropologia, outras vertentes da ciência também
empregam e valem-se do mesmo. Na antropologia, o significado da cultura é a
totalidade de padrões diversos, aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano,
incluindo conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões
e hábitos.

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Os antropólogos não usam o termo culto ou inculto, de uso popular, e nem
fazem juízo de valor sobre qualquer cultura, pois não consideram uma cultura
superior ou inferior à outra, mas sim diferente.

Existem aproximadamente 160 definições diferente para o termo cultura para

alguns é comportamento aprendido, para outros, nem chega a ser


comportamento, mas a abstração do mesmo, e ainda há quem diga que cultura
é um conjunto de idéias. Os eventos que consistem a cultura, de acordo com
Leslie A. White, são classificados em Intra-orgânica dentro dos organismos
humanos (crenças, emoções); Interorgânica dentro da interação social entre
indivíduos; Extra orgânica dentro de objetos (machados, utensílios), fora do
organismo, mas dentro dos padrões de inserção social entre eles;

De acordo com as idéias dos antropólogos em geral, a cultura consiste em


idéias, abstrações e comportamento. Idéias – Podemos dizer que são
concepções mentais de coisas concretas; Abstrações – Consiste naquilo que
existe somente nas idéias, não existe matéria; Comportamento – É o modo de
agir, comuns a indivíduos e a grupos humanos;

Os componentes da cultura são constituídos, de modo geral em


conhecimentos, crenças, valores, normas e símbolos

O que é Antropologia:
Antropologia é uma ciência que se dedica ao estudo aprofundado do ser
humano. É um termo de origem grega, formado por “anthropos” (homem, ser
humano) e “logos” (conhecimento).
A reflexão sobre as sociedades, o homem e o seu comportamento social é
conhecida desde a Antiguidade Clássica através do pensamento de grandes
filósofos, destacando-se o grego Heródoto que é considerado o pai da História
e da Antropologia.

No entanto, foi somente com o Movimento Iluminista no século XVIII que a


Antropologia se desenvolveu como ciência social, através do aprimoramento de
métodos e classificações para a raça humana. Neste período, o relato de
viajantes, missionários e comerciantes sobre os hábitos dos nativos das novas
terras descobertas e os debates sobre a condição humana, foram muito
importantes para o desenvolvimento dos estudos antropológicos.

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Estudar o ser humano e a diversidade cultural, envolve a integração de
diversas disciplinas que procuram refletir sobre as dimensões biológicas,
sociais e culturais, sendo as principais áreas:

- Antropologia Física ou Biológica – estuda os aspectos genéticos e biológicos


do homem

- Antropologia Social: analisa o comportamento do homem em sociedade, a


organização social e política, as relações sociais e instituições sociais

- Antropologia Cultural – investiga as culturas no tempo e espaço, envolvendo


os costumes, mitos, valores, crenças, rituais, religião, língua.

A Antropologia Cultural subdivide-se em outras especialidades como:


Etnografia, Etnologia, Arqueologia e Linguística.

Antropologia Cultural
A Antropologia Cultural, um dos quatro grandes ramos
da Antropologia Geral – ciência que estuda o Homem e a Humanidade
de forma integral -, junto à Antropologia Física, a Arqueologia e a
Linguística, é o ramo do conhecimento que se dedica a compreender
os mecanismos da vida humana em sociedade, no aspecto cultural.

Esta expressão provém dos termos gregos ‘Antropo’ – Homem – e


‘logia’ – estudo. A antropologia é uma ciência de natureza social,
portanto ela se processa não apenas no campo teórico, mas
principalmente na práxis. Seus estudos enfocam a comunicação
humana, sua interação, como o ser se alimenta, compõe seus trajes,
atua e responde aos estímulos culturais. Enfim, ela aborda a
cosmovisão – a visão completa – de segmentos étnicos.

Esta disciplina se preocupa em apreender as múltiplas visões que a


existência humana enseja. Os caminhos que ela busca são
complexos, incessantemente enfocando o procedimento do Homem,
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suas culturas, linguagens, sistemas, os quais poderão ser observados
na esfera pragmática.

Um dos pontos principais dos estudos antropológicos culturais é a


figuração de um pensamento através das palavras ou das imagens.
Desta forma, é central nesta disciplina a concentração da atenção na
atuação do símbolo na interação humana. Neste ponto, a
Antropologia Cultural converge para as pesquisas linguísticas,
especialmente para as teorias de Ferdinand Saussure, no que se
refere à língua, e de Charles Sanders Pierce, em relação à imagem.
Deste ponto de encontro nascem também a Antropologia Oral e
a Antropologia Visual.

Este ramo da Antropologia surge como uma resposta ao antigo


dilema que opõe cultura e natureza. Conforme este ponto de vista, o
Homem existe em ‘estado natural’, ou seja, ele é natureza genuína.
Hoje, porém, os antropólogos, em grande parte, defendem que a
cultura é parte essencial da natureza humana. Assim, cada ser detém
o potencial de ordenar vivências, convertê-las em códigos de forma
simbólica e disseminar os resultados abstratos.

O Homem, desde seus primórdios, vivendo em grupos ou sociedades,


cultiva distintas culturas, que diferenciam um segmento do outro. A
antropologia, ao abordar estas questões, envolve também outras
áreas, como as Ciências Sociais, que procuram estudar o ser humano
como membro de camadas sociais estruturadas, e as Ciências
Humanas, que enfocam o indivíduo integralmente – sua constituição
histórica, crenças, hábitos e práticas, filosofia de vida, língua,
aspectos da psique, princípios éticos, entre outros pontos.

Esta modalidade antropológica também mergulha na investigação da


evolução dos grupos humanos em todo o Planeta. Ela se detém
igualmente sobre a compreensão do nascimento das religiões, bem
como do mecanismo das formalidades sociais, do progresso das
técnicas e até mesmo das interações familiares.

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A Antropologia é o estudo do homem como ser biológico, social e cultural. Sendo cada
uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimento antropológico geralmente
é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem
privilegiados como a “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e
biológicos do homem), “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco,
instituições sociais), “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião,
comportamento) e “Arqueologia” (condições de existência dos grupos humanos
desaparecidos). Além disso podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e
Etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas.

Para o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1970:377) a etnografia corresponde “aos


primeiros  estágios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo”. A
etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese” e a
antropologia “uma segunda e  última etapa da síntese, tomando por base as conclusões
da etnografia e da etnologia”. 

Qualquer que seja a definição adotada é possível entender a antropologia como uma
forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para
entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”; uma maneira de
se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles,
através das quais podemos alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o
que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos.

Antropologia e educação: Origens de um diálogo

A alteridade, terra prometida da antropologia, é um tema difícil,


principalmente quando consiste numa ambição de disciplinas
diferentes, que põem por terra a divisão clássica, diz Darnton (1996,
p. 9), referindo-se às relações entre antropologia e história. No
diálogo entre antropologia e educação, a questão parece ser a
mesma: a aventura de se colocar no lugar do outro, de ver como o
outro vê, de compreender um conhecimento que não é o nosso.
Nessa "encruzilhada, os não-antropólogos buscam "um olhar
antropológico" pelo qual se guiarão nos mistérios da pesquisa de
campo. Por sua vez, a antropologia e os antropólogos se vêem em
grandes dificuldades, quando são chamados a tratar dessa realidade
cujo nome é educação, seja por não conhecerem, ou ainda, por
desligitimarem um certo percurso do passado da antropologia. No
entanto, é sabido que uma ciência não se faz a partir do nada; além
de ser fruto de necessidades fundamentais postas pelo movimento
das sociedades humanas, nasce comprometida com seu tempo, sem

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ser jamais verdade absoluta. A ciência como conhecimento é
movimento que se constrói, define-se e redefine-se vinculada ao
contexto histórico que a origina. Nada mais legítimo, portanto, do que
buscar conhecer os caminhos trilhados pela antropologia para
dimensionar os caminhos em constituição em face de diferentes
campos.

Antropologia e educação parecem constituir, hoje, um campo de


confrontação, em que a compartimentação do saber atribui à
antropologia a condição de ciência e à educação, a condição de
prática. Dentro dessa divergência primordial, os profissionais de
ambos os lados se acusam e se defendem com base em pré-noções,
práticas reducionistas e muito desconhecimento. Se há muitas coisas
que nos separam - antropólogos e educadores -, há muitas outras
que nos unem. Neste texto, pretende-se ressaltar o que há em
comum, já que o que nos separa só pode ser compreendido com base
nesse mesmo patamar . O que nos une é, portanto, anterior ao que
nos separa, e nele se inscreve o diálogo do passado, tanto quanto a
possibilidade do diálogo do futuro.

O diálogo entre antropologia e educação, percebido por muitos como


uma "novidade" que se instaura com as transformações da década de
1970, neste século, é mais antigo que isso e reporta-se a um
momento crucial da história da ciência antropológica. No âmbito
deste artigo, não se poderá dar conta da totalidade dessa história;
pretende-se, no entanto, chamar a atenção para alguns pontos
fundamentais. Antes de mais nada, é necessário que se adentre no
pensamento antropológico, em suas bases epistemológicas como
ciência e como ciência aplicada, com seus alinhamentos teóricos,
avanços e limites. Aqui parece residir a importância do passado para
nosso presente, pois somente nesse percurso parece ser possível
vencer uma certa instrumentalização da antropologia pela educação,
propiciadora de muitos equívocos, e onde, certamente, se terá, como
ganho, a superação de estigmas e preconceitos que grassam de
ambos os lados dessa fronteira ou desse divisor de águas - a
antropologia como ciência, a pedagogia como prática.

Avaliar a questão das diferenças, tão cara à antropologia e tão


desafiadora no campo pedagógico justamente por sua característica
institucional homogeneizadora, não é uma tarefa simples. Desde
sempre, a antropologia e a educação têm se defrontado com
universos raciais, étnicos, econômicos, sociais e de genêro, entre
tantos outros, como desafios que limitam ou impedem que se atinjam
metas, engendrando processos mais universalizantes e democráticos.
No tempo presente, com tantas mudanças numa sociedade que se
globaliza, estas questões não só não se encontram resolvidas, como
renascem com intensidade perante os contextos em transformação.

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O interesse central é trazer o aluno da pedagogia para uma
aproximação no campo teórico da antropologia, que lhe é
inteiramente desconhecido. Por outro lado, o aluno de ciências
sociais, campo onde o antropólogo é formado, no caso brasileiro,
também desconhece o itinerário da antropologia no campo da
educação. A razão é simples: a educação não tem sido um dos
campos privilegiados pela antropologia, da mesma forma que certas
abordagens teóricas, que estão na origem deste diálogo, também não
se constituem em objeto de conhecimento e análise, em particular,
lembro aqui, o culturalismo americano, representado por Franz Boas
e as gerações formadas por ele. Poderíamos elencar um número
significativo de razões para que isto ocorra, mas importa chamar
atenção para uma certa distorção de visão de que somos todos
acometidos e que nos leva a considerar aprioris e ou críticas
insuficientes, deixando de entender a constituição da ciência de que
somos herdeiros. Ser herdeiros não nos torna culturalistas, acríticos
ou conservadores, mas exige que reconheçamos que o conhecimento,
como ciência, não nasce e morre dentro de um tempo determinado,
senão que se alimenta do que existe antes dele e fornece alimento ao
que lhe sucede, sem nunca deixar de existir como referência.
Defendo, ainda, a importância desse resgate, se quisermos cobrar
alguma coerência no fazer de outros campos, quando se utilizam do
referencial da antropologia na abordagem de temas singulares,
particularmente na educação. Essa é a razão pela qual esta reflexão,
ainda iniciante, parte da negação imediata de um tempo mágico - a
década de 1970-,1 como referência para as pesquisas educacionais de
tipo etnográfico e também para as pesquisas no campo das ciências
humanas, ditas pós-modernas, que, negando todo o passado,
tornam-se reificadoras de muitos limites.

O pioneirismo do diálogo entre antropologia e educação, relatado por


Galli (1993), mostra que, já ao final do século XIX, a antropologia
tentava compreender uma possível cultura da infância e da
adolescência. Eram temas de suas pesquisas e de seus debates os
processos interculturais infantis e os sistemas educativos informais,
dentro de uma concepção alargada de educação. Antropólogos
participavam em processos de revisão curricular e continuaram a
participar no transcorrer do presente século, nesse e em outros
movimentos ligados à escola e à educação.

Entre os anos 20 e 50 deste século, muitos antropólogos envolvidos


nesses debates travaram celeumas com os pensamentos de Freud e
Piaget. O que se sabe ou se conhece desses debates no Brasil? Pouco
ou nada. No entanto, entre os anos 30 e 40, os antropólogos tiveram
uma atuação importantíssima no vasto programa de reforma
curricular promovida nos EUA. Deles não se fala nem se ouve falar
entre nós. No entanto, importantes aspectos para a compreensão de
nossa visão da escola estão aí contemplados, pelo fato de que muitos
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antropólogos que atuaram no processo vinham de uma linha
tradicional, e mesmo axial, na antropologia, posto que eram
discípulos de Boas, tais como Margareth Mead (que dedicou toda sua
vida ao estudo da educação) e Ruth Benedict. Nomes que certamente
não soam estranhos aos ouvidos do estudante de antropologia, mas
que certamente nunca são pronunciados nos corredores de uma
Faculdade de Educação.

Por que ser discípulo de Franz Boas importa? Antes de mais nada, por
ser ele mesmo um aluno de Morgan - outra referência axial na
antropologia -, que, rompendo com o mestre, abre as portas para a
fecundidade e as multiplicidades de pensamentos que orientarão
novas abordagens teóricas que alimentam a antropologia do século
XX. Os discípulos de Boas, neste início de século, dão continuidade ao
próprio Boas, quando este nos alertava para o fato de que tínhamos
um modelo pedagógico ocidental que iria nos conduzir a uma
pedagogia da violência.

Hoje, quando vemos as dificuldades das escolas, em particular, das


escolas públicas de periferia, o fato de a escola como valor não fazer
eco entre os estudantes, a indisciplina violenta, a evasão escolar e
sua face mais cruel, a exclusão social, só para citar alguns problemas
de nosso tempo, cabe perguntar qual a natureza dos riscos de que
falava Boas. Qual a natureza dos riscos de hoje? Para ele, a realidade
de seu tempo apontava um risco para os povos do futuro e para o
futuro da própria civilização. A razão era que, historicamente, a nossa
sociedade e a escola que lhe é própria não desenvolviam - e não
desenvolvem - mecanismos democráticos, perante as diversidades
social e cultural.

A propriedade e a atualidade da inquietação de Boas revelam que o


diálogo foi iniciado, mas não foi concluído. A breve síntese de um
processo vasto e intenso que se desenvolveu na primeira metade do
século, e que não termina aí, está exigindo olhares mais profundos na
história da intersecção entre antropologia e educação. A pergunta
que muitos podem fazer é: Por que seria importante conhecer tais
processos? Não estariam eles superados pela dinâmica de um mundo
moderno que se transforma continuamente e de modo acelerado?

Na relação entre antropologia e educação abre-se um espaço para


debate, reflexão e intervenção, que acolhe desde o contexto cultural
da aprendizagem, os efeitos sobre a diferença cultural, racial, étnica
e de genêro, até os sucessos e insucessos do sistema escolar em face
de uma ordem social em mudança. Nesse sentido, como ciência e,
em particular, como ciência aplicada, antropologia e antropólogos
estiveram, no passado e no presente, preocupados com o universo
das diferenças e das práticas educativas. Se, como diz Galli, tais
questões fazem convergir os estudos da cultura, no caso da
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antropologia, e dos mecanismos educativos, no caso da pedagogia,
possibilitando a existência de uma antropologia da educação - tema e
produto de uma grande conversa do passado -, isto também ocorre
no presente, posto que a antropologia e a educação estabelecem um
diálogo, do qual faz parte, também, o debate teórico e metodológico
das chamadas pesquisas educativas, relacionadas às diversas e
diferentes formas de vida que, neste final de século, estão ainda a
desafiar o conhecimento. Em jogo, as singularidades, as
particularidades das sociedades humanas, de seus diferentes grupos
em face da universalidade do social humano e sua complexidade
através dos tempos e, em particular, num mundo que se globaliza.
Resta, pois, conhecer um pouco dessa história.

Caminhos cruzados: Educação, cultura e relativismo

O fato mais curioso nesse encontro de culturas de que resultou a


conquista da América foi provavelmente a surpresa de ambos,
espanhóis e indígenas, ao se depararem. Uns jamais suspeitaram da
existência dos outros. Para se livrarem do incômodo desse assombro,
ambas as partes mergulharam nas suas tradições míticas, a fim de
encontrarem indícios reveladores ou presságios que os ajudassem a
identificar e esconjurar os espectros com que haviam topado. Que
estranha tribo desgarrada dos filhos de Israel seriam esses gentios,
perguntavam os espanhóis? Que pavorosos deuses vingadores eram
aquela gente barbada, toda revestida de metal e montada em veados
gigantes, clamavam os indígenas? (Nicolau Scevcenko. Folha de S.
Paulo/Ilustrada, domingo 2/2/1985, p. 53)

O que tem a ver com antropologia e educação o texto acima? O texto


conta a história do contato entre espanhóis e indígenas (astecas,
maias, incas) na conquista da América. É um fato real, histórico e
concreto, em que dois povos e duas culturas distintas mostram o
espanto do olhar - do europeu e do indígena, ambos envolvendo de
imediato a percepção de um sobre o outro. Trata-se de um olhar
etnocêntrico, fruto, como diz Azcona (1989), da experiência do agir
humano, segundo um modelo explicativo do conhecimento e também
como realidade da cultura, entendida como o sentir, o pensar, o agir
do homem em coletividade. Qualquer experiência vivida, referida a
objetos, situações, fatos, são, diz o autor, intersubjetivos, porque
vivemos no mundo da cultura "como homens entre outros homens,
ligados a eles por influências e trabalhos comuns, compreendendo os
outros e sendo objeto de compreensão para outros" (p. 49).

A antropologia como ciência desenvolve-se preocupada em superar o


mundo intersubjetivo, de modo a superar o etnocentrismo que,
resultando do encontro entre a civilização ocidental e outros povos,

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implicou em violência, distorções sobre estes povos e suas culturas.
O texto "Todos Nós Somos Loucos por Ti, América", de Scevcenko,
fala desse encontro/desencontro e situa para nós o papel de uma
ciência preocupada com as diferenças e seu movimento. A
antropologia preocupada, antes de tudo, em superar a cultura própria
do mundo que lhe dá origem - o mundo europeu em expansão - para
poder conhecer a realidade do outro, faz disso seu grande desafio. O
desafio de ver-se e ver aos outros homens, para, então, estabelecer
as bases do conhecimento.

Como diz Scevcenko, "os europeus representando uma civilização


mais pragmática e que lançava nesse momento as bases da ciência
positiva moderna, logo passaram a utilizar-se dos mitos indígenas a
seu favor (...) os espanhóis não tiveram escrúpulos em se aproveitar
das crenças indígenas (...) para depois da conquista destruir os seus
deuses e impor-lhes o cristianismo a ferro e fogo" (op. cit., p. 53). A
partir daí, segundo o autor, o que se tem é um trágico processo de
invasão, conquista e extinção da cultura indígena.

Compreende-se, então, que o mundo da cultura e seu movimento,


como parte da história de um povo, de uma tradição e herança, ao
ser confrontado com outros universos, pressupõe interesses diversos
postos numa relação de alteridade (o eu e o outro em relação) mais
que de diversidade (o eu e o outro). Resultam, daí, processos de
manipulação da realidade, segundo diferentes formas de percepção e
conhecimento. A experiência de contato entre povos diferentes e
culturas diversas coloca em questão um espaço de encontro, de
confronto e de conflito, marcado pelo diverso, pelo diferente. Esta
tensão é essencial à constituição e ao desenvolvimento da
antropologia como ciência e como prática.

Assim, a antropologia nasce de relações historicamente constituídas


entre os homens e, por sua natureza, busca compreender o outro
diferente de si - de seu mundo de origem, a Europa do século XIX -
dialogando com outras formas de conhecimento, tendo por base e
pressuposto central o mundo da cultura, as relações entre os homens
e a construção do saber.

O que é o saber? Segundo Galli, é uma dimensão social holística 3 que


vai do caos à ordem, para outra ordem; que se desconstrói com
bases em pressupostos construtivos, postos em movimento pela
experiência e pela vivência. Trata-se da fruição da cultura, que gera
um fazer reflexivo e crítico, por vezes chamado educação.

O objetivo é assimilar o indivíduo à ordem social propiciadora do nós


coletivo e que, ao mesmo tempo em que integra buscando
homogeneizar, diferencia cada um por suas características pessoais,
por gênero, por idade, garantindo o equilíbrio da vida em sociedade.

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A educação realiza-se, então, no interior da sociedade, composta por
diferentes grupos e culturas, visando um certo controle sobre a
existência social, de modo a assegurar sua reprodução por formas
sociais coletivamente transmitidas.

A educação, nessa forma primeira, é uma modalidade de ajustamento


psicossocial que resulta numa forma de controle social, com base na
organização social e no horizonte cultural partilhado por um grupo.
Um aspecto a considerar é que a cultura é, aí, entendida como
técnica social de manipulação da consciência, da vontade e da ação
dos indivíduos, com a finalidade de modelar as personalidades
humanas dos membros do grupo social, tal como afirma Florestan
Fernandes, ao tratar da educação entre os Tupinambás (1966).

Para exemplificar que todas as sociedades possuem técnicas para


estimular e corrigir seus membros da infância à idade adulta, via
transmissão de conhecimento, valores e normas, Melatti (1979)
relata o processo educativo de uma criança marubo. Diz ele:
"Durante o tempo em que o indivíduo é uma criança de colo, sem
dúvida já se inicia sua formação como marubo". Ela pressupõe desde
o contato com os alimentos até outros hábitos como amarrar os
pulsos, os braços, os tornozelos e as pernas para que engrossem,
fazendo dele um bom trabalhador no futuro. À medida que cresce,
está sujeito a tapas, empurrões ou ainda a punições quando faz algo
de errado. Uma punição comum é a urtiga que é passada no corpo
para que a criança deixe de ter preguiça e torne-se aplicada no
trabalho. Da mesma forma, quando maiores, tomam a "injeção de
sapo", uma espécie de queimadura em pele viva, que espanta a
preguiça e o panema (azar) (op. cit., pp. 291-301).

Este e outros exemplos entre grupos tribais como os Arapesh,


estudados por Mead, ou os japoneses, estudados por Ruth Benedict,
revelam a existência de um sistema de interpretação de um modo de
vida, mas também uma pedagogia, como diz Galli, que se formaliza
como técnica e ritual educativo, criando sistemas especializados
nessas técnicas e ritos. Nesse sentido, cultura e educação são termos
que se invocam e se concitam mutuamente, como afirmam Cazanga
M. e Meza (1993). Segundo esses autores, "permanentemente
envolvido no processo educativo e pelo simples fato de estar vivendo,
o homem está aprendendo na sociedade pela cultura; a sociedade é o
meio educativo próprio do homem, ainda que a todo momento não
tenha consciência disso" (p. 82).

Isto não quer dizer que os indivíduos sejam produtos mecânicos de


uma linha de montagem. O homem como ser variável, mutável no
temperamento e no comportamento, não fica à mercê de sua
natureza e de sua cultura, mas sim está sujeito a condições históricas
determinadas e determinantes do universo em que está inserido.
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No pano de fundo da história, os processos culturais revelam-se
arbitrários, posto que objetivam não apenas a produção e a
reprodução da sociedade em que se está e se vive, mas objetivam,
também, interesses e metas que, indo além da própria sociedade,
envolvem outras sociedades, outros grupos sociais, outras culturas.
Tal como aconteceu com a expansão colonial na América e, portanto,
com as relações entre europeus e indígenas.

É comum entre antropologia e educação, portanto, tal como afirma


Galli, a existência real e concreta de diferentes grupos humanos. Uma
existência que, segundo Lara (1990), mostra o mundo cultural
marcado por uma luta de interesses, com tudo o que ela implica: a
dominação, a espoliação, entre outras coisas. Para esse autor, os
caminhos da produção cultural de um povo foram, muitas vezes,
obstruídos, "enquanto memória negada ou recalcada, enquanto
memória distorcida ou mesmo completamente deturpada por aqueles
que têm a força para se impor. A história cultural de um povo, na
maioria dos casos, fica sendo a história das dimensões hegemônicas
dessa cultura" (p. 104).

Retomando pois, o caso dos espanhóis e dos indígenas, fica clara a


imposição das crenças dos valores dos conquistadores em nome de
um domínio que nega ao outro a própria existência de seu mundo.
Diziam alguns sábios astecas: "Somos gente simples/ somos
perecíveis, somos mortais,/ deixai-nos, pois, morrer,/ deixai-nos
perecer,/ pois nossos deuses já estão mortos" (Scevcenko op. cit., p.
53). O processo político que impõe a cultura do outro à revelia dos
sujeitos sociais conduz à violência que mata o corpo (genocídio),
como também mata a alma, preservando o corpo físico (etnocídio).
Os indígenas não são, assim, indiferentes às condições vividas,
aprendem com elas, e se os espanhóis foram: "adorados inicialmente
como deuses, temidos depois como demônios e desprezados por fim
apenas como bárbaros", é porque os indígenas perceberam a
"cupidez dos europeus e na sua obsessão proselitista, a raiz de todo o
sofrimento em que submergiram (...) esse sentimento (...)
transformou-se numa pulsação de resistência e é até os nossos dias
revivido cerimonialmente como na periódica dramatização da morte
de Atahualpa" (idem; ibidem).

Assim, num processo inverso ao da homogeneização proposta pelo


campo político das relações entre povos e culturas distintas, renasce
a diferença, celebra-se a alteridade. A realidade vivida implica um
fazer e refazer constantes, via processos culturais que, no dizer de
Lara, produzem e veiculam projetos de vida humana, com propostas
tidas como válidas e como tais transmitidas. Daí que o processo de
ver-se e ver a outros homens, só pode ocorrer em contextos
históricos concretos, seja em termos do senso comum, seja em
termos do conhecimento científico.
14
A compreensão das diversas sociedades humanas, em seus próprios
termos, através de questionamentos dos valores e das convicções de
nossa sociedade, como diz Novaes (1992), permite o conhecimento
através da crítica "ao etnocentrismo, à intolerância e à não aceitação
da diferença" (p. 128). A superação do etnocentrismo, a apreensão
do diverso para compreendê-lo em relação, significa relativizar o
próprio pensamento para construir um conhecimento que é outro.
Alargado, como diria Merleau Ponty. Um conhecimento como ciência,
ou seja, a realidade como realidade vivida e experimentada pela
compreensão de outras sociedades e da própria cultura.

Nesse movimento de tensão e compreensão reside a natureza do


diálogo entre antropologia e educação, já que ambas são devedoras
científicas do processo de imposição de si ao outro, posto pelo
desenvolvimento do mundo colonial e do colonialismo ocidental, cuja
meta visava suprimir toda e qualquer alteridade, em nome de um
modelo de vida cultural e pedagógico de tipo etnocêntrico,
autocentrado e homogeneizador. O diálogo revela como ponto
comum a cultura, entendida como instrumento necessário para o
homem viver a vida, distinguir os mundos da natureza e da cultura e,
ainda, como lugar a partir do qual o homem constrói um saber que
envolve processos de socialização e aprendizagem. No primeiro caso
trata-se de diferentes formas de transmissão de conhecimento, de
habilidades e aspirações sociais; no segundo, trata-se das formas de
transmissão de herança cultural, através de gerações implicando
processos de apropriação de conhecimentos, técnicas, tradições e
valores. Tudo em acordo com a criação dos homens em situações
sociais, concretas e historicamente determinadas. Situações essas,
segundo Galli e outros autores, tipicamente pedagógicas e diversas.
Aqui seria possível citar inumeráveis exemplos de diversidade social e
de múltiplas situações pedagógicas que precisariam ser relativizadas
para ser melhor compreendidas.

No entanto, a dominação política e historicamente determinada nas


relações entre diferentes grupos e, principalmente, na história do
mundo ocidental, revela o colonialismo como negador da diversidade
humana. Centrado num modelo cultural único e na necessidade de
colocar sob controle o diferente, a sociedade ocidental constrói uma
prática pedagógica também única e centralizadora. O movimento
deste mundo, de que fazemos parte, caminha da diversidade para a
homogeneidade, eixo em que também se inscreve a história da
antropologia, como ciência, e da pedagogia ocidental, como prática.
Vinculadas e determinadas pela lógica impositiva dessa história
comum, defrontam-se ambas com o desafio de resgatar e
redimensionar o universo das diferenças, da diversidade que, como
diz Carvalho (1989), referindo-se aos antropólogos, exige renovar a
visão de mundo e das coisas (p. 20).

15
 

Antropologia e educação: O diálogo do passado

As origens da antropologia e do fazer antropológico como ciência, ou


melhor dizendo, de um modo de fazê-la, tem a ver com a expansão
do mundo colonial que conduz o mundo europeu a defrontar-se com
outros povos e outras culturas - nas Américas e na África. O
defrontar-se com o diverso, com o desconhecido, implicou fazer
perguntas, cujas respostas permitiram a constituição de um saber
legítimo e reconhecido como ciência. Entre o século XIX e o atual
século XX, as perguntas e suas respectivas respostas organizaram-se
em diferentes formas de interpretação da realidade. Assim, afirma-se
que o "olhar antropológico" não é um único olhar, mas qualquer que
seja ele, é dependente de pressupostos que orientam as perguntas
que são feitas e indicam caminhos de busca das possíveis respostas.
Isto quer dizer que, dependendo de onde se parte, têm-se
configurados modos diversos de fazer uma mesma ciência, no caso, a
ciência antropológica com base em diferentes teorias que a
sustentam.

A primeira dessas teorias, que nasce junto com a própria ciência


antropológica, foi o evolucionismo. As idéias de evolução e progresso,
inspirados em princípios da biologia e, portanto, das ciências naturais
do século XIX, conduzem a que se pensem as diferenças entre grupos
e sociedades numa escala evolutiva que toma o mundo europeu como
modelo único de humanidade. A concepção etnocêntrica de mundo vê
o "outro" a partir de si mesma e estabelece um fazer científico de
base discriminatória e racista, já que entende que branco, europeu e
cristão constituem a superioridade da condição humana, enquanto os
demais povos e culturas representam um atraso, uma sobrevivência
do passado do homem e, como tal, uma condição inferior da própria
humanidade. Um evolucionista importante, no século XIX, foi L.
Morgan, inspirador de muitos pensadores, entre eles seu aluno Franz
Boas.

Franz Boas vivencia todas as descobertas de seu tempo e chega ao


presente século trazendo para debate, agora, através de seus
próprios alunos, importantes antropólogos da primeira metade do
século XX, uma crítica contundente ao pensamento de seu mestre L.
Morgan. Boas considera a idéia de que cada grupo, cada cultura têm
uma história singular, própria, que depende do que é a vida do
grupo, no aqui e agora de sua existência. Não se trata, portanto, de
olhar as diferenças próprias do modo de ser do "outro" como
sobrevivência de um momento já superado pela evolução da
humanidade e, como tal, exemplo vivo de atraso social e cultural. A
possibilidade de que a história da humanidade não tenha seguido um
único caminho e direção faz do pensamento de Boas uma condição
16
revolucionária na compreensão das realidades humanas. Como
história múltipla e variada, elimina o viés do pensamento
evolucionista etnocêntrico. Com este princípio, Boas mostra a imensa
riqueza do social humano e a natureza da cultura como não
determinada biologicamente. A cultura, e não a biologia, torna-se
referência para pensar as diferenças e compreendê-las em suas
bases constitutivas. O pensamento de Boas, ao investir contra o
evolucionismo de Morgan, possibilita também a crítica aos valores
liberais e de igualdade postos pelo campo político do século XIX,
como modelo autocentrado para as sociedades humanas e suas
instituições, entre elas, a escola e seu modelo pedagógico ocidental.

Boas será um crítico atuante diante do sistema educativo americano,


denunciando, entre outras coisas, a ideologia que lhe serve de base,
centrada na idéia de liberdade, e sua prática educativa de cunho
conformista e coercitivo, visando criar sujeitos sociais adequados ao
sistema produtivo, segundo um modelo ideologizado de cidadão.
Demonstra, através de estudos diretos obtidos no campo
educacional, que a escola inexiste como instituição independente e,
como tal, não possibilita independência e autonomia dos sujeitos que
aí estão. A meta da escola centra-se num aluno-modelo que
desconsidera a diversidade da comunidade escolar e, para contê-la,
atua de forma autoritária.

Boas revela como a diversidade do social é desrespeitada no modelo


político de desenvolvimento americano, já que diferenças sociais ou
culturais, de gênero, raça ou etnia, são ainda pensadas a partir das
idéias evolucionistas. Com isso, Boas influencia muitos outros a
pensarem a questão da diferença como parte de mecanismos
culturais, referidos a pequenos grupos ou regiões, que exigem um
intenso trabalho de campo junto a esses grupos, para que seja
possível compreendê-los. O fazer científico que se instaura nessa
concepçãoparticularista da história humana, chamada também
de história cultural ou culturalismo, tem por significativo o
fundamental dessa ciência chamada antropologia, o trabalho de
campo, e elege como central, para pensar as sociedades humanas, o
conceito de cultura. Por outro lado, cabe dizer que esta é a vertente
americana de desenvolvimento da antropologia, a antropologia
cultural. Mais centrada nos conceitos de sociedade e de estrutura,
elaborada por Radcliffe-Brown e outros, constitui-se a vertente da
antropologia social, na Inglaterra, da qual emergirá uma segunda e
fundamental corrente teórica da antropologia, o funcionalismo, cujo
representante maior será B. Malinowski. Boas e Malinowski, segundo
Laplantine (1987), são os pais fundadores da etnografia, na medida
em que percebem e sistematizam os caminhos pelos quais "o
pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo a própria pesquisa"
(p. 75). Com eles, o trabalho de campo se torna a própria fonte de
pesquisa e a condição modular da antropologia como ciência da
17
alteridade que, segundo Laplantine, se dedica ao estudo das lógicas
particulares de cada cultura.

A corrente americana terá maiores preocupações com a questão


educacional, cuja continuidade se fará com os alunos de Boas. Ruth
Benedict e Margaret Mead dedicam-se aos estudos do campo
educativo e trazem à tona a questão da diversidade das culturas,
vista por diferentes ângulos: as formas operativas da cultura dentro
dos processos educativos nos primeiros anos de vida; os ciclos de
desenvolvimento da infância à idade adulta e o papel da educação
formal e informal; a questão do controle social e o campo das
emoções e do sexo; as dificuldades educativas e os relacionamentos
entre grupos dentro dos estados nacionais e deles com os outros,
como por exemplo, a América e a África, o mundo ocidental e o
oriental; a adolescência e a formação da personalidade, entre tantos
outros temas que se podem elencar na produção culturalista do início
do século até os anos 50.

Outros antropólogos que também discutem a escola e a educação


nesse período são M. Herskovits, R. Redfield e C. Kluckholn, que
apontam para a questão da escolha cultural, do papel da cultura e
das experiências vividas que marcam e constituem um universo
centrado no relativismo. São parte da discussão: a negação dos
chamados "testes de inteligência", tão em voga nos anos 30/40; as
dificuldades de integração cultural do diferente, em face da visão
etnocêntrica da organização escolar; a questão da tarefa do educador
perante as experiências pessoais e a herança cultural e, ainda, a
questão dos valores de cada grupo em face dos conflitos entre grupos
e perante as diferenças. A relativização dos saberes e as conexões
entre saberes diversos só se fizeram possíveis em razão das
experiências vividas e da integração no mundo e na cultura de cada
um. A exigência, portanto, de se pensar um saber e uma
aprendizagem diversa, porém de igual valor, coloca em vigência uma
ética no fazer antropológico e lhe dá uma dimensão política afinada
com seu tempo.

Por sua vez, o funcionalismo dos anos 20/30 baseava-se no fato de


que as necessidades de um povo, grupo ou indivíduo, dadas pela vida
em sociedade, encontram na cultura os caminhos de sua satisfação e
conduzem às respostas originais, singulares e coletivas, que
demarcam e estruturam formas próprias de ser e de pensar o mundo,
diferentes para cada povo ou grupo, já que são dependentes da
dinâmica de diversos sistemas sociais e de seu funcionamento. Como
conseqüência, a melhor forma de compreender os diferentes povos é
estar com eles, viver em profundidade o universo de suas práticas,
entendendo-as como práticas "encarnadas", como diria Malinowski,
ou seja, como práticas que possuem um sentido e um significado. A
perspectiva de que o homem não apenas vive, mas que, ao viver,
18
questiona, cria sentidos, valores, mitos, artes e ideologias que
ordenam sua compreensão de mundo, revoluciona o fazer
etnográfico, pois impõe o trabalho empírico, de campo, como
fundamental na compreensão de outros povos e de nós mesmos.

O trabalho de campo redimensiona o conhecimento científico, na


medida em que exige uma rigorosa e sistemática apreensão de uma
dada sociedade ou grupo em seus múltiplos aspectos, formais,
institucionais, concretos, tal como se encontram relacionados entre si
e de acordo com a representação que deles é feita. A cultura se
torna, assim, central para a compreensão das práticas humanas,
vistas como práticas significantes que distinguem o homem da
natureza, o homem do animal e que fundam diferentes sistemas de
interpretação da vida. Nesse processo, o antropólogo é aquele que
faz a "teoria nativa" da sociedade que estuda, ou seja, que busca
explicá-la em seus próprios termos. Isso exige desde a compreensão
da especificidade de cada cultura, já posta pelo culturalismo, como
também a compreensão das partes que compõem uma dada cultura
em termos de um todo integrado, de que fala o funcionalismo. Na
conjunção de ambas as teorias, torna-se possível o estudo de
pequena parte da sociedade - um microcosmo de seu universo - para
compreendê-la no seu todo. A isso, se propuseram os
chamados estudos de comunidade.

Os estudos de comunidade constituem a outra ponta da perspectiva


antropológica que hoje parece retornar, sem uma efetiva consciência
do fato, nas pesquisas educacionais deste fim de século. A proposta
desses estudos conduz os pesquisadores a verem no âmbito de
pequenos grupos a reprodução da sociedade, elegendo no campo da
pesquisa o particular, como objeto de conhecimento, e não a
generalização. A cultura vista nela mesma, no interior do grupo e a
ele referida, o contexto em si mesmo tornam-se expressão maior
dessa perspectiva de análise, desse fazer científico.5 Não dão conta,
porém, do fato de que "as relações culturais estão submersas em
relações de poder " (Carvalho op. cit., p. 21) e, como tais, dizem
respeito a realidades mais amplas, estruturadas em torno de relações
de classe e baseadas em mecanismos de desigualdade e dominação.

Ainda assim, as vertentes do culturalismo e do funcionalismo, que ao


final dos anos 40 começam a ser criticadas nos EUA, terão forte
influência no Brasil, primeiro via Gilberto Freyre, que estuda com
Boas nos anos 30 e escreve seu célebre e polêmico Casa grande e
senzala; depois será a vez de pesquisadores americanos que, entre
os anos 40 e 50, chegam ao Brasil através da Universidade da Bahia,
e aqui desenvolvem estudos de comunidade, que serão inspiradores,
mais tarde, das propostas do CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais) dirigido por Anísio Teixeira, em termos de pesquisas e
de programas educacionais no Rio de Janeiro, entre os anos 50 e 60.
19
No entanto, a crítica feita a tais estudos, já a partir da década de
1940, parece não fazer parte da reflexão daquele momento, como
não o faz na atual retomada da aplicabilidade das técnicas de
pesquisa antropológica aos estudos das culturas complexas, na
antropologia e na educação.

Segundo P. Sanchis (1996), nos anos 50 e 60 deste século, a


descolonização e a emergência de antigas colônias como nações
independentes eliminaram a distância estrutural entre sociedades,
estabelecida de modo teórico e diverso pelo evolucionismo e pelo
funcionalismo (p. 29). Nesta segunda metade do século, não se trata
mais de estudar o "outro", diferente, distante, e sua cultura. A
questão agora é que a "etnografia deixou de ser privilégio de
antropólogos desde que estes mudaram seu campo para as cidades",
diz Zaluar (1995, p. 85). Ao mesmo tempo, a necessidade de aplicar
seus métodos, seus conceitos e paradigmas às ditas sociedades
complexas instaura o desafio e a aventura que é "conhecer outros
mundos simbólicos" no interior de nosso próprio mundo. Tal desafio,
segundo Zaluar, constitui-se numa via de mão dupla, em que estão
em jogo a objetividade e a teoria científica e também a sensibilidade
interpretativa de quem se propõe a singrar mares à la Malinowski. 6 O
desafio não é fácil, nem simples.

Segundo Ruth Cardoso (1986), no campo das ciências humanas o


desafio atual é o de conciliar a conquista do trabalho de campo,
sistematizada pelo positivismo e, ao mesmo tempo, dar conta de
esquemas explicativos de outra natureza, centrados na questão das
sociedades complexas, as sociedades de classe, revelada pelas
teorias mais críticas e menos positivistas, tais como o estruturalismo
e o marxismo. Diante do trabalho de campo e do desafio da
interpretação, a antropologia e a educação se debatem com o fato de
que sempre existiu "um modelo positivista de sociedade (...) e uma
tendência interpretativa ou compreensiva" das mesmas (Lovisolo
1984, p. 66). Para este autor, a antropologia interpretativa é aquela
que hoje é aceita, tanto no campo das ciências humanas como na
educação, e nisso consiste o desafio de agora. Em debate, o
questionamento das práticas científicas e das práticas educativas no
tocante ao trabalho de campo e ao fazer etnográfico que,
desenvolvidos na trajetória da antropologia como ciência, são hoje,
década de 1990, campos comuns e conflitivos no diálogo entre
antropologia e educação.

Fazendo minhas as palavras de Santos (1996) e, certamente,


alterando-lhes os sentidos, estamos vivendo um tempo paradoxal,
simultaneamente de conflito e de repetição. Cabe, então, perguntar:
Estamos perante uma situação nova? No presente, o relativismo e a
alteridade apresentam-se de forma ambígua e até antagônica (Garcia
1994, p. 135), de modo que se torna obrigatório rever a idéia de que
20
o passado seja reacionário, para se buscar, como diz Santos,
energias mais progressistas, menos conformadas no interior de um
universo matricial, da antropologia como ciência e da educação como
prática.

2 ANTROPOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE UMA


REFERÊNCIA TEÓRICA
Na impossibilidade de abarcar a obra de Malinowiski em sua totalidade, estaremos
atrelados à seguinte questão: ao como Malinowiski se refere à educação antropológica
do pesquisador/professor e de como pode ser rica a contribuição deste para com a
própria sociedade. Ciente de que Malinowiski não trata especificamente deste assunto
sobre a educação, devemos considerar este tema proposto compreendido no interior
de um conjunto de saberes antropológicos tratados pelo autor. No começo do livro
“Argonautas do Pácífico Ocidental”, Malinowiski expõe algumas idéias de cunho
metodológico, que possibilitaram à antropologia um caráter mais coerente com sua
utilidade científica, teórica e prática. Malinowiski foi precedido por uma moda
“evolucionista” que, em sua época, generalizava as classificações das sociedades
impondo uma teoria etnocêntrica, onde os teóricos europeus se caracterizavam e
caracterizavam sua sociedade como mais evoluída em relação às outras sociedades.
Malinowiski refletiu sobre essas teorias e as considerava sem uma coerência de base
empírica, pois vislumbrava em 5 suas pesquisas que o pensamento etnocêntrico não
poderia ser aplicado para o estudo de outras sociedades e na realidade social. Na
construção de uma antropologia mais reflexiva e no desenrolar da construção
propriamente dita da disciplina, foram de fundamental importância os escritos de
Malinowiski, e este livro, “Argonautas do Pacífico Ocidental”, um marco na história da
disciplina, que possibilitou o desvio do modismo “evolucionista” da época, passando a
poder existir um respeito para com o “outro”, sem colocar em primeira mão um
julgamento etnocêntrico. Seguindo essas novas idéias tão ricas para a antropologia e
para a sociedade moderna, esse importante autor não negou sua humanidade, pois
considerava também que, por detrás de toda teoria e especulações a respeito do
conhecimento humano, estava um ser humano, uma pessoa que também tinha suas
dificuldades humanas e suas inevitáveis angústias enquanto ser preocupado com o
mundo e consigo mesmo, explorando também em suas reflexões o caráter da
subjetividade. No pensamento de Malinowiski é clara e bem definida a coerência
argumentativa segundo a qual a validade da pesquisa em ciências humanas não pode
se valer apenas de análises quantitativas ou meramente objetivas, pois se o fizesse,
perder-se-ia a coerência com a realidade social, perdendo-se assim a possibilidade de
uma mínima compreensão dos fenômenos e das práticas sociais. Portanto, a
importância deste pensamento sobre a constatação de elementos subjetivos presentes
naquele que atua na pesquisa, tanto da antropologia em particular, como das ciências
humanas em geral, tornou-se indispensável. Malinowiski chamava esse “elemento

21
subjetivo”, do qual não é possível encontrar em questionários ou dados objetivos, de
“imponderáveis da vida real”, ou seja, considerava-o um elemento que dá sentido à
própria pratica social. Além da consideração de alguns elementos indispensáveis para
pensarmos a realidade, esse pensador clássico da antropologia nos passa uma
mensagem muito importante: a de que não devemos encerrar em si mesmas as
relações sociais, mas sim que estas nos sirvam como meio pelo qual possamos nos
situar no contexto social e histórico, para que não sejamos “neutros” no que diz
respeito à realidade social. Ou seja, é preciso pensar em um sistema educacional que
possibilite ao sujeito se situar no tempo e no espaço como um ser que está inserido no
mundo e na realidade, possibilitando o surgimento de reflexão para com a vida, e para
a luta por uma sociedade mais justa.

BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, C. Drummond. Corpo. Rio de Janeiro: Record: 1984. FREIRE, Paulo.
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33ª ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2006. GUSMÃ O, Neusa M. Antropologia e educação: origens de um
diálogo. Cadernos CEDES, n. 43, p. 8-25, 1997. ________. Os desafios da diversidade na
escola. In: GUSMÃ O, Neusa M. (Org.). Diversidade, cultura e educação: olhares
cruzados. São Paulo: Biruta, 2003. p. 83-105. MALINOWSKI, Bronislaw C. Argonautas
do Pacífico Ocidental. Tradução Anton P. Carr. São Paulo: Abril Cultural, 1976. SOUZA,
Maurício Rodrigues de. Por uma educação antropológica: comparando as idéias de
Bronislaw Malinowski e Paulo Freire. Revista Brasileira de Educação. v.11, n.33,
set/dez, 2006.

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